segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

LEONTINO FILHO | Raduan Nassar, o sobrevivente tempo da paixão


Contemos uma história. Mas que história?
A história mal-dormida de uma viagem.

Jorge de Lima

Ao longo do tempo, a preocupação fundamental do homem tem sido registrar os acontecimentos que o cercam, narrar as histórias que acha mais importantes para ele e para os outros, partilhar as suas experiências por mais precárias que elas sejam, delimitar os espaços de sua fala, imprimir no papel a trajetória de suas mais tresloucadas aventuras ou se preferir, ler/construir na tela de um computador as suas pegadas virtuais no caminho dos relatos individual e coletivo. E tudo isso, temperado pela necessidade de contar, pela imperiosa vontade de narrar, seja qual for o caminho trilhado ou a ser seguido, desde que os fatos se convertam em discurso, em práticas que atestam a presença do indivíduo, essa entidade complexa e por vezes tão vaga, dado o seu caráter meio trôpego, meio nebuloso inserido na realidade da trama que tece o seu destino.
Vê-se, de imediato, que a história do homem está irremediavelmente atrelada a uma série de combinações que, em maior ou menor dosagem, ressaltam aos olhos em virtude do equilíbrio das coisas e dos fatos narrados, num misto que traz à cena, realidade e fantasia, razão e irrazão, liberdade e tirania, absoluto e relativo. Rompendo o casulo de sua sina, o indivíduo constrói a sua gramática narrativa, que procura dar conta do espanto que é viver. Por isso, pode-se afirmar que as histórias são fabricadas nas malhas da falência do ato narrativo: se existe algo a ser contado que se conte, algo a ser narrado que se narre, algo a ser dito que se diga, nem que seja sobre a dificuldade de contar, sobre a necessidade de narrar, sobre o desejo de dizer, desde que, num longínquo recanto, exista alguém disposto a ler ou a escutar o que se tem a dizer ou a falar. Interessa o jogo narrativo que sabe transformar o próprio silêncio em verbo, quando administra vozes a esse silêncio. Na viagem do discurso, vale capturar o verbo para habitar a vasta vereda das histórias a serem narradas, sendo assim, o sol renova o já dito, o já contado, o já narrado e tudo pode ser de novo dito, contado e narrado, sempre.
Inserido em seu próprio processo narrativo, o homem trabalha, radical e absolutamente, com as armas da linguagem e ara, com paciência e ira, os campos do discurso apaziguando provisoriamente a singularidade de suas experiências em permanente choque com a modernidade. Na terra inóspita, vaga em busca de nomear o seu percurso determinando os momentos cruciais de sua aventura, pois, o ato de narrar – que constitui a própria narração – é por natureza, o principio inviolável de toda arte literária que, ao organizar a vasta sucessão de acontecimentos – a história – possibilita a identificação do tempo que se desenrola como fio ao alcance das mãos e da vista. Na relação contínua de olhares e na justaposição de história e narração, o indivíduo elabora o seu texto – a sua narrativa, o seu discurso, enfim, o enunciado narrativo como o registro ficcional que move a sua passagem no tempo e no espaço com todas as ações vivenciadas ou a serem vividas.
Com o propósito de discutir e entender alguns recursos da arte narrativa, a constituição do agente propulsor do discurso e da narração – o narrador –, valemo-nos do romance Lavoura arcaica de Raduan Nassar publicado em primeira edição em dezembro de 1975. A obra nassariana apresenta recursos narrativos – a concepção do narrador, o que ele diz e como diz, o acoplamento de vozes que permeiam as falas das personagens, a regência da voz por parte do narrador-personagem que, de certo modo, coordena a entrada em cena dessas mesmas vozes e o aspecto do tempo funcionando como um ciclo de memórias que precisa ser resgatado, tudo articulado dentro de uma rigorosa ordem literária, onde o discurso do narrador, pela sua força articulatória determina uma compreensão mais detalhada a respeito do ato de narrar.
Por se tratar de um estudo sobre a narrativa, focalizando, especialmente a figura do narrador, o texto tem como embasamento teórico a obra o Discurso da narrativa (1995) do teórico e crítico francês Gérard Genette, principalmente no que tange as abordagens do modo e da voz, matérias tratadas respectivamente nos capítulos quatro e cinco do citado trabalho. Assinale-se, por seu turno, que a figura do narrador constitui, para muitos, o principal elemento do romance, ou “é o eixo do romance”, conforme diz Tacca (1983: 65), sem o qual, o romance não se realiza, o que se pode verificar nos mais diferenciados relatos, desde as clássicas narrativas as mais inusitadas experiências com a forma e a maneira de narrar, em todas elas a presença da voz que narra é uma constante. O narrador no romance é, pois, a região limítrofe entre a história e o discurso que vem à luz com a narração. O narrador, em última instância, é o responsável direto pela força ou pelo enfraquecimento de seu relato.
No romance, certamente, não veremos mais a aurática figura do narrador experiente, aquele que na configuração benjaminiana andarilhou por muitas terras, navegou por muitos mares, pousou rápido e ligeiro em vários portos desfrutando intensamente o calor da estadia; aquele que na intensidade das paixões e das andanças sempre tinha o que contar, sempre dispunha de uma audiência certa para a sua voz potente que recuando no tempo propiciava a ilusão aos que ficavam, estes, sempre sedentos por novas tramas, novas falas, novos relatos, novas narrativas. Da próxima viagem, o desconhecido viajante, por certo traria notícias do mundo distante e outros sonhos despertaria nos seus ouvintes. O outro lado da face narrativa estudada por Benjamin [1] reside na tradição do camponês sedentário que tem o que dizer, pois sabe o valor e o peso da tradição; o sedentário que resgata como poucos a época distante, sendo, portanto, um sábio transmissor da experiência. Como a modernidade solapou com o império da técnica toda espécie de experiência individual, os dois típicos narradores não cabem mais neste mundo. O narrador que contava suas histórias para um público atento e sedento por conselhos e ensinamentos e que retirava de sua experiência viva o poder de alumbramento da comunidade, não resistiu às mudanças impostas por um sistema de produção capaz de transformar radicalmente a troca de experiências. Acontece, dessa maneira, um empobrecimento das relações entre as pessoas, que a despeito de disporem de maiores recursos e, teoricamente, de mais tempo, vêem-se privadas de se relacionarem e constroem os guetos infernais, os mesmos que enclausuram os desejos, as vontades e os sonhos. A partir de então, cada emoção é pura continuidade de um grande dique que represa o mundo das paixões. A densidade do narrador tradicional é, hoje, apenas uma nuvem, ou se preferirem, uma sombra em dia de intenso sol.
O narrador, visto neste ensaio, é o que conhece os seus limites e por conhecê-los tenta, a todo instante, dinamitar o dique que represa as paixões, os medos e os resquícios de experiência que ainda lhe restam. Sua história é um contínuo processo de indagações, com poucas respostas, muitas falas e infinitos silêncios. Seu trajeto determina a sua narração como um ato de preencher lacunas, como desvio de imagens e escombros que mudam a rota do tempo. É um narrador que sobrevive, sobretudo, por seus murmúrios e por saber lapidar suas dores intensas. O narrador de Lavoura arcaica expõe a um só tempo, três dimensões de uma mesma história: André e o avô, André e Ana e André e o pai. Cada relação é simultaneamente observada e vivenciada pelos demais integrantes da família. André, o narrador-personagem nassariano, invade os lugares interditos para imprimir sua máscara, retocar seu disfarce e apreender sua identidade tão fugidia. Elabora, assim, uma história febril, plena de delírios, de recusas, de quedas, de desequilíbrios, de sombras, de ritos e, acima de tudo, marcada pela contundência da linguagem – a mais completa viagem ao desconhecido.
O tempo no romance pode ser apreendido de várias maneiras. Temos o tempo da narrativa que compreende o tempo fictício da história, responsável pela organização do que é narrado; o tempo da narração distinto do primeiro por tratar do distanciamento em que os acontecimentos são narrados e o momento específico de sua ocorrência e, um terceiro instante, o tempo da leitura, que passa pelo crivo dos leitores, em que cada geração lê os mesmos textos com olhos e gostos diferentes. Desse modo, segundo Reuter (1995: 87-88), a investigação temporal pode ser feita partindo-se de quatro pontos essenciais: o momento da narração, a velocidade da narração, a frequência e a ordem. Quanto ao momento da narração, o estudioso apresenta quatro posições possíveis para mostrar como a história é narrada em relação ao momento em que supostamente ela acontece: 1) a narração ulterior: é a mais comum e a mais frequente, narra-se o que acontece num passado distante, a maioria dos romances assume esta postura; 2) a narração anterior: é bem mais rara, tem valor de predição, o futuro é antecipado por meio de sonhos ou de profecias, por isso mesmo só aparece em rápidas passagens textuais, é importante frisar que tal recurso não deve ser confundido com história de ficção científica, onde o relato do futuro faz-se como presente; 3) a narração simultânea: como o próprio nome já diz, propicia a ilusão de que a ação ocorre no momento da escrita. É a típica narração homodiegética, centrada na personagem que narra ou a narração heterodiegética neutra; e, 4) a narração intercalada: combina as duas primeiras, a narração altera momentos de retrospectiva com prospectiva. O diário é um bom exemplo.
Quanto à velocidade, procura-se constatar a relação entre o período de duração dos acontecimentos, determinado por anos, meses, dias, horas... e a duração da narração, ou como o discurso é textualizado em número de páginas ou mesmo de linhas. Representa o próprio ritmo da narrativa. Ritmo que vai estar marcado por acelerações e desacelerações. Os movimentos narrativos apresentam quatro formas fundamentais ou quatro possibilidades em função da relação entre a extensão do curso da narrativa, do discurso (TD) e o tempo de história (TH) abrangido por ele. Sendo que o grau máximo de aceleração dá-se com a elipse, técnica narrativa que condensa em poucas páginas uma quantidade enorme de tempo. É uma espécie de salto na cronologia da história, em outras palavras, determinado tempo da história decorre sem que a ele corresponda um segmento de texto (TD < TH). Próximo à elipse tem-se o sumário, que como o nome já remete, indica o procedimento da condensação e do resumo, quase sempre, está ligado a um longo tempo da ficção. O sumário situa-se entre a cena e a elipse e compreende a narração, em breves linhas, poucos parágrafos e poucas páginas de vários dias, meses ou anos, sem os pormenores da ação e de palavras (TH > TD). A pausa (TD > TH) trata de passagens, em geral descritivas, em que a narrativa se detém na contemplação de um objeto ou num espetáculo, apresenta em determinado segmento do texto, um tempo de história nulo. Por último, neste item, temos a cena que procura passar a ilusão de sincronia entre discurso, narrativa e história. Percebe-se que a aceleração acontece, sobretudo, com a narração de ações, já a descrição ocasiona desaceleração e os diálogos, por sua vez, proporcionam a impressão de igualdade plena entre a duração de ficção e duração da narração (TD = TH).
Outro tópico importante estudado por Genette no seu já clássico Discurso da narrativa (cap. 3) refere-se à frequência que indica a quantidade de vezes que os acontecimentos ficcionais são reproduzidos na narração. Surgem três modos especiais para a análise da frequência, que são: 1) o modo singulativo – narra-se uma vez o que aconteceu uma vez, ou n vezes o que aconteceu n vezes (1D/1H) ou (nD/nH) é a chamada narrativa singulativa; 2) o modo repetitivo – ao contrário do primeiro, o texto narra n vezes o que ocorreu uma única vez na ficção, em outros termos, conta-se n vezes aquilo que só se passou uma vez (nD/1D), geralmente, esta técnica está associada às constantes alterações de pontos de vista, é denominada narrativa repetitiva; e, 3) o modo iterativo – consiste em contar uma única vez o que se passou n vezes (1D/nH), é a narrativa iterativa, realizada com mais propriedade no imperfeito e nos sumários.
Já no capítulo 4, Genette trata de uma questão crucial para os estudos da narrativa, o modo. Que é responsável pela regulação da informação narrativa. Apresenta-se sob duas formas principais: a mimese, onde o narrador se esforça para dar a ilusão de que não é ele quem fala, é uma forma mais direta e imediata de contar e tem-se o máximo de informação e o mínimo de informador e a diegese, quando o narrador fala em seu nome, diz-se que a narrativa é pura, e tem-se o máximo de informador e o mínimo de informação. A propósito, quando Genette analisa a narrativa de acontecimentos a partir de Platão e as nuances da determinação temporal oriundas dos fatores miméticos, ele assevera (1995: 164-165) que “a quantidade de informação está massivamente na razão inversa da velocidade da narrativa; e, por outro lado, para um facto de voz: o grau de presença da instância narrativa”. Na narrativa de fala, distinguem-se três possibilidades narrativas: 1) o discurso narrativizado ou contado, assumido pelo narrador; 2) o discurso transposto sob a forma de discurso indireto, ou de discurso indireto livre; e, 3) o discurso relatado ou direto ou reportado, o narrador cede ou finge ceder a fala aos demais personagens, a técnica do monólogo interior pode ser vista dentro deste ângulo. De acordo com o teórico francês, pode ocorrer e, frequentemente, é o que acontece, uma junção destas três formas narrativas, tendo em vista a própria dinâmica do discurso.
Articulando todos os procedimentos modais sintetizados acima, tem-se o ponto de vista, rebatizado por Genette (1995: 187) pelo termo focalização, que vem a ser a perspectiva narrativa. Distinguem-se três grandes perspectivas: 1) a que passa pelo narrador, chamada de ‘focalização zero’, narrativa não-focalizada ou ‘visão por detrás, em que o narrador, onisciente, percebe tudo, sabe mais que todos, detém o conhecimento pleno dos fatos narrados; 2) ‘focalização interna’ ou ‘visão com’, de ponto de vista ou campo restrito; passa pelo crivo de uma ou de várias personagens, no primeiro caso, diz-se que a focalização é interna fixa e no segundo caso, tem-se a focalização variável; e, 3) ‘focalização externa’ ou visão de fora, objetiva e behaviorista. Percebe-se que a focalização, em todos os casos, está intimamente associada à percepção, algo mais do que a visão, pois passa por todos os sentimentos.
A voz narrativa abrange, comumente, as funções e os tipos de narrador. Basicamente têm-se duas maneiras clássicas para se contar uma história: em primeira pessoa ou em terceira pessoa. De acordo com Genette (1995: 243), esta bipolaridade não dá conta de todas as possíveis combinações feitas no decorrer do processo narratorial, já que estaria reduzida tão-somente à implícita ou explícita presença da pessoa do narrador no relato, algo que, com certeza, restringe em muito as possibilidades de variações do discurso. Portanto, não importa dizer se o narrador é de 1ª ou 3ª pessoa, a análise tem que ir mais longe. A partir dessa premissa, o ensaísta propõe três níveis narrativos; 1) o diegético ou intradiegético, que está relacionado ao universo formado por espaços, personagens e ações que fazem parte direta da história; 2) o extradiegético, fundamental para a constituição de outros níveis. Aqui, a apresentação de personagens e lugares é feita pelo narrador que está situado fora da diegese narrada, geralmente, numa posição de ulterioridade; e, 3) metadiegético: para esta expressão genettiana, Reis e Lopes [2] acham mais adequada a utilização do termo hipodiegético, tendo em vista uma maior clareza no aspecto de dependência e mesmo de subordinação desse nível ao primeiro nível – diegético ou intradiegético.
Em suma, para Genette, existem quatro tipos fundamentais de narrador, [3] vistos em sua atuação dentro do discurso: 1) extradiegético-heterodiegético – é o narrador de primeiro nível que conta uma história em que ele está ausente; 2) extradiegético-homodiegético – é o narrador de primeiro nível que conta uma história em que ele está presente; 3) intradiegético – narrador de segundo nível, é uma personagem que conta história da qual não participa, ou seja, conta histórias alheias; e, 4) intradiegético-homodiegético – a personagem conta a sua própria história, narra os fatos que com ele se dera.
Fechando este já longo preâmbulo teórico, espécie de pequeno e ligeiro esboço de alguns achados de Gérard Genette, é importante ressaltar que nenhuma grade classificatória – nenhum esquema – vista por si só, nada acrescenta aos estudos literários. No seu alentado, preciso e precioso estudo da obra de Proust, Genette agudizou e renovou diversas categorias narrativas, porque soube aliar com espírito crítico e acurada sensibilidade, teoria e arte. Aí está a sua respeitada e curiosa obra Discurso da narrativa para comprovar esta afirmação. Revestido de tal espírito, vamos em busca do ‘arcaico’ narrador nassariano, um glutão de histórias dentro de uma única história, a sua.

2. O narrador glutão: uma história febril

Estruturado em dois grandes blocos narrativos (A partida que compreende os capítulos de 1 a 21 e O retorno composto pelos capítulos 22 a 30) Lavoura arcaica apresenta-nos a história da dissolução de uma família vista sob o prisma do narrador-protagonista, André, uma espécie de anti-herói, despido que é de toda e qualquer aura romanesca. Os elementos que compõem a trama podem ser resumidos, grosso modo, em cinco movimentos que perpassam ao longo texto. O primeiro diz respeito à saída de André da casa dos pais, que pode ser denominado o tempo da fuga, anunciado num primeiro instante no finalzinho do capítulo 5 e retomado no decorrer do capítulo 6. O segundo momento, o encontro dos irmãos, acontece logo nas primeiras páginas, ocasião em que o narrador se encontra refugiado num quarto de pensão, amargando o seu voluntário exílio. Aqui, trava-se demorada conversa entre os irmãos, André e Pedro, que desencadeará, no primeiro uma série de reminiscências que vão desde a mais longínqua infância até os conturbados dias da adolescência. As lembranças revistas e costuradas ‘aleatoriamente’ por André configuram o terceiro movimento, denominado as divisas da memória. Na colheita da memória encontramos as causas e os efeitos da fuga de André, a sua relação com a família de um modo geral e, em especial, a íntima ligação de amor e paixão com a sua irmã Ana, bem refletida no mais longo entrecho da obra, o capítulo 20. O quarto movimento, entrecruza as diversas falas das personagens ou mais precisamente, os diálogos que André estabelece com o seu irmão mais velho, Pedro, que na realidade é mais uma caixa de ressonância do narrador, um posto de escuta, atento e zeloso nos cuidados com a família; mas, mormente, nas conversas de André com o seu irmão caçula, Lula, no capítulo 27, o pródigo e o mais novo ‘acertando’ os ponteiros da fuga deste último. Todo este movimento rege-se na mesa dos sermões, o pai exorta todos, em volta da mesa, à boa conduta, e conduz com mão-de-ferro o rebanho ao pasto da boa colheita, é o instante dos discursos. Por fim, temos o quinto movimento, a festa, momento de júbilo pelo regresso do filho querido, hora de compartilhar afetos, ternuras e alegrias. Mas, também, é o tempo da dança, das insinuações eróticas de Ana, hora de esparramar nos olhos de todos a passional história dos irmãos, André e Ana. É o preciso instante da cólera, o ápice de uma tragédia anunciada, o tempo da danação do corpo e da perdição da alma: amor e morte numa mesma sequência narrativa.
Amarrando todos os cinco movimentos da história narrada por André, assinalamos a própria circularidade temporal, vista numa perspectiva de quebra cronológica dos acontecimentos. Os fatos narrativizados obedecem, a rigor, a ordem de lembranças do narrador, daí, a necessidade de ocupar os interstícios da memória sem uma hierarquização de ações. Vê-se que o narrador-protagonista, atormentado e agoniado, tem crises de esquecimento, rasgos de delírios na sua fala que propiciam mudanças de rumos na cadeia narrativa que empreende. No entanto, há uma sincronia temporal perfeita, em cada resgate histórico que ele executa. Sua errância dá-se no mundo das rememorações e instaura o tempo nos escaninhos da linguagem. Lavoura arcaica habita, com cada um dos movimentos elencados, anteriormente, a bem-aventurada consumação da linguagem literária.
André, o narrador-memorialista de Lavoura arcaica, é uma espécie de guardião das histórias da família, guardião, diga-se de passagem, um tanto quanto pouco confiável, pois todas as tensões por lê narradas passam, quase que exclusivamente, pelo filtro vertiginoso de seu delírio. Acompanhando os desdobramentos da narrativa, pelo enquadramento discursivo de André, vê-se que a sua história é um combate renhido entre duas potências: o tempo do pai, revelado pela força da tradição e o tempo do filho, impresso na expressão da procura. Desse embate, nasce o princípio dramático da obra e a agônica cisão das vozes presentes nessa lavoura. O corpo adolescente de André dialoga com o mundo embalado pelo gosto da liberdade e, sobretudo, procura legitimar suas ações dentro de um plano transgressor: mudar, a partir da casa – o sacro recanto da ordem e da virtude –, o ciclo paterno. Estabelecido o jogo, a onipresença autoritária do pai percorrerá cada milimétrico impulso da família. A sombra do pai demarca os limites da fala de André que na sua inteireza pessoal sente-se acuado e é obrigado a recusar o espaço afetivo e redutor da casa. André trava consigo mesmo um duelo contras as malhas repressoras de seu caráter. A partir daí, pode-se afirmar que toda a narrativa é filtrada pelas suas lembranças, pelas suas perdas, pelas suas quedas e pelos seus temores, tudo revelado através de suas obsessões e máscaras. O narrador-protagonista, muitas vezes, é um espectador de si mesmo, inserido numa monotonia que não o anima, pelo contrário, o impele a querer outros mundos. E quais são os mundos que permeiam Lavoura arcaica? A resposta pode ser capturada no percurso de amor e ódio empreendido pelos atores desse drama subterrâneo das contradições familiares. Com o intuito de roteirizar algumas discussões mais adiante, apresentamos as tensões da trama:

O MUNDO INTERNO
‘de dentro’
O MUNDO EXTERNO
‘de fora’
a fazenda
a sociedade
a casa
a cidade
a família
os outros
a autoridade (Iohána)
a liberdade (André)
a santificação
a transgressão
a sacralidade (materna)
a profanidade (André/Ana)
a obediência, a equanimidade
o danação, a perturbação
a contenção dos impulsos
o espraiamento sensual, erótico
a disciplina
a indisciplina
a ordem, a harmonia, o equilíbrio
A desordem, o caos, o desequilíbrio
o limite
o desmedido
a perfeição
a imperfeição

O pêndulo dos mundos segue a rota escalavrada do tempo com o seu conluio de sombras, por isso mesmo, talvez além desses dois, um terceiro não seja possível. E é exatamente esse terceiro mundo, o sonhado por André, que não se realiza, apesar dos alicerces levantados, da argamassa de paixão e dos sentidos esquivos do amor. É um mundo que existe só a caminho, na viagem sem volta, no breve delírio do olhar. Nele, cada vencedor sai sempre vencido, o conquistador é sem conquista e o maior fardo que seus habitantes carregam é o de lamber as feridas do sonho.
Em Lavoura arcaica, a narração é ulterior já que ocorre no passado, funcionando como uma rememoração da vida do próprio narrador-protagonista, André, que conta a história. E, como assevera Tacca (1983:87): “aquele que diz eu para contar inaugura um mundo, o mundo da linguagem”. Quiçá, o verdadeiro terceiro mundo. Em algumas passagens,
podemos constatar a simultaneidade da narrativa, no instante em que o narrador utiliza os verbos no tempo presente gerando a impressão de um diálogo direto entre ele e o leitor. A percepção narrativa [4] que está diretamente atrelada ao foco de narração (C. Brooks e R. P. Warren), ou ponto de vista (J. Pouillon e T. Todorov) ou restrição de campo (G. Blin) ou foco narrativo (nos estudos brasileiros) e, para Gennete, focalização, mostra-se na obra nassariana como focalização interna ou visão com. Pois, André percebe os mundos a sua volta e narra os acontecimentos, imbuído de uma exasperada subjetividade. Sua discursividade passa, criteriosamente pelo crivo de seu olhar, pela sua consciência e pelo seu reencontro consigo mesmo. Nesse périplo de decifrações, André vale-se de outros olhares e de outras falas, é um narrador perpassado por n reflexões. O tom intimista e confessional de seu relato reúne uma profundidade de sentimentos no âmbito de sua expressão lírico-dramática. A íntima compreensão das dores individuais e coletivas da família o leva ao vibrante testemunho sobre o seu sofrimento pessoal. A linguagem com que cria o seu mundo é concisa, direta e ao mesmo tempo, revestida de ornamentos, principalmente nos instantes em que o embate das vozes entra em cena. A fala do pai está assentada, sobremaneira, na retórica discursiva, em forma de sermão.
A instância narrativa de Lavoura arcaica pode ser resumida, em termos gennetianos, da seguinte maneira: é uma narração homodiegética centrada no narrador. André é um narrador conhecido e está dentro da diegese, fala de sua vida retrospectivamente quando externa através de flashbacks os fatos que mais o marcaram. Como ele narra a sua própria vida, diz-se que a narração é autodiegética, portanto, ele é, em síntese, um narrador intradiegético-homodiegético.
A presença típica desse narrador possibilita uma melhor apreensão da sequência narrativa que ele empreende. Tendo em vista os saltos temporais ou as alterações da ordem dos eventos da história, as anacronias, [5] em Lavoura arcaica, percebe-se que o grau de veracidade do relato ganha consistência na própria fala desse narrador que vivencia passo a passo, a história, principalmente, por se tratar de um relato repleto de inquietações, perplexidades e perturbadoras interrogações do seu mundo interior. A história de André, contada por ele mesmo, ganha ares de verdade e por extensão, de maior dramaticidade existencial. O narrador-personagem protagoniza seu próprio calvário e ao modular o seu discurso, conforme cada estação percorrida, busca a cumplicidade do narratário. A sua dor lancinante, no final das contas, quer acolhida ou pelos menos uma nesga de compreensão. Em off, repassa seu mundo interior intercambiando resquícios de uma experiência abalada pelas suturas da mente que clama pelo corpo amado. O ambíguo e interdito desejo de André responde pelo nome de Ana – o intrínseco pesadelo de sua fome de narrar.
Podemos mencionar, de passagem, o parentesco que une André/Ana a um par narrativo dos mais complexos e fascinantes da literatura: Riobaldo e Diadorim, esses amantes agoniados, náufragos do medo de amar. Riobaldo busca a si mesmo quando tenta reavivar, inutilmente, a flor que não colheu em vida, a mágica palavra que não brotou dos lábios de sua paixão, corroído pelo trágico silêncio da ordem, viu o desequilíbrio do mundo arrastar o maior alumbramento do sertão, os olhos e a alma de Diadorim. Como anjo decaído, restou a Riobaldo, transformar-se num glutão da linguagem e atravessar, com voracidade, cada fronteira do discurso. O mundo de André é um mundo sem porteiras, vasto como a convidativa sensualidade de Ana. Por esse amor e por essa paixão, André derruba todas as cercas, ele sabe que toda transgressão traz a peste dentro de si, a mesma peste que distanciou Riobaldo de Diadorim, a mesma febre que abre lacunas para a felicidade, só ela e apenas ela, pode resultar em obras significativas para o homem.

3. A clandestinidade da voz: um discurso em círculo

A história narrada por André é um inventário de silêncios, de vozes cerceadas por subentendidas intenções, por congelamentos de desejos, por desengonçados sonhos, por avara colheita de prazer, por prolongadas arestas de sofrimento. É uma história que habita as encostas da queda existencial e se aloja nas cavernas humanas das perdas. Para o narrador-protagonista, toda fala é um misto de ilusão e perdição, no próprio ato de narrar, ele sente o peso incômodo de se expor, mas é só se expondo que ele consegue ‘suavizar’ o desassossego de sua alma encarcerada num corpo demonizado. A história de André exibe o pesadelo de uma paixão que não se atenua nem mesmo com a fuga e com o exílio, pois que está alojada no coração e no delírio da incomunicabilidade dos amantes – essa pátria esgarçada pelo desequilíbrio das vontades retraídas. A pátria de André é, em toda a sua travessia, o discurso que guarda a abundância vivificante e destrutiva da paixão, que se amolda ao rio de palavras tracejado pela dúvida e que aponta para a alquimia do êxtase presente na fala elíptica de cada personagem. A narrativa de André constitui, de fato, uma camuflagem de vozes que na sua rígida autocrítica estabelece o permanente diálogo da incomunicabilidade entre as pessoas. O narrador parece dizer, a toda ‘confissão’ feita, que entre os homens a grande realidade está adormecida no interior de suas intenções e para sair dessa dormência um caminho apresenta-se como possível válvula de escape, é o caminho das máscaras narrativas. Lavoura arcaica é um bem urdido mosaico de máscaras e camuflagens narrativas. Cada uma delas adapta-se harmoniosamente ao olhar, ao cheiro, ao tato, à audição e ao dizer do seu narrador, que em derradeira instância é um ser múltiplo em seu compacto e cáustico relato.
André é um narrador à procura de si mesmo, envolto no limiar da ordem, busca desesperadamente a multifária e polivalente liberdade além das cercas da casa. De tanto experimentar a melancolia do silêncio atravessado pelo poder da fala paterna, André exprime a ancestral memória dos seus antepassados quando vislumbra na monossilábica voz do avô toda a sabedoria que nenhuma retórica consegue suplantar. Investe-se, pois, de uma armadura linguística que ousa dar vida às contradições que traz consigo. Sua nostalgia é um tecido de contrastes, no entanto, como prisioneiro de seu próprio discurso, ele carrega dentro de um ‘amor proibido’ a borra de todos os dramas e todas as tragédias anunciadas desde o seu nascimento. Sua travessia discursiva é um memorial repleto de páginas amargas, de desobediências que destilam ira e violência no solo sagrado do pai e de fúrias e insônias expostas, como vísceras de amor e ódio, nos confins da escritura profana do colérico amor por Ana.
Para André, o texto só existe no corpo de sua paixão, uma paixão que atende pelo nome de Ana. Mais que um nome, Ana é o sal da coragem, o alimento vigoroso e o único batismo reconhecido pelo narrador-protagonista. Ana é a anfitriã dos acertos e dos erros do irmão. Cosendo o destino do humano amor, ela peregrina pelas dores confusas da família e revigora, a contragosto, os gemidos interditos de uma união que tem tudo para se concretizar nos estilhaços da linguagem. Em surdina, os dois ‘amantes’ ancoram a mesma imagem que trazem desde a infância, a imagem do displicente carinho exposto no claro-escuro de suas identidades. André e Ana são governados pelo mesmo olhar de soslaio desferido por cada membro da família. Ambos trazem a marca possessiva do dizer, o princípio dramático de suas tensões é um diálogo que espelha mutuamente a vasta malha de perdição em que os dois estão enredados. Os exercícios de duplicação discursiva de André encontram maior respaldo no silêncio verbal e na febre corpórea de Ana, os dois formam uma unidade e legitimam desdobramentos agônicos de extrema perversidade. A visão prismática do mundo de André assenta-se na consciência de uma palavra: eu. Toda sangria narrativa desatada na convulsiva fala do narrador deixa à mostra um reservatório de ódios e iras arcaicas. No solo fértil deste vocábulo explicitamente dêitico – eu –, o narrador irá colher os frutos enfermiços de seu envolvimento passional com Ana e condensar todo pesadelo familiar no espectro de uma consciência atormentada, a sua própria.
Narrar em primeira pessoa é duplicar vozes e, também, duplamente falsear a realidade narrada. O narrador em primeira pessoa, como é o caso de André, estabelece uma parceria cúmplice com o leitor, no instante mesmo em que tenta através de um patético depoimento, ou texto-confissão, tornar mais veraz o seu discurso, potencializando os espantos que permeiam sua travessia. O narrador em primeira pessoa preenche seus nichos verbais arrancando do silêncio fundante do texto – aquele que subjaz à verborragia desenfreada – a face transitória de todo discurso. Narrar em primeira pessoa é armar um discurso-arapuca, desconfiado, sempre. É humanizar-se na essência de suas lacunas, de suas faltas e de seus defeitos. Todo narrador-protagonista, como ser de incompletudes, sabe que sua história está sob o fio da navalha e sob esse mesmo fio, deve repor suas falas elípticas e recompor as entrelinhas de sua condução de maestro da narrativa.
Sabrina Sedlmayer radiografa com sabedoria o narrador de Lavoura Arcaica, quando, no começo de sua tese, Ao lado esquerdo do pai, afirma que:

O narrador em primeira pessoa – André –, trafegando em paroxismos, ataques e ausências, sintomas de sua epilepsia, irá contaminar o enunciado do romance numa dicção próxima à letra – suporte material do inconsciente, contorno do impossível –, transformando Lavoura arcaica numa espécie de escritura-balbucio, próxima à fala, ao corpo, mas próxima a uma fala convulsiva, a uma ‘baba pestilenta’, como diz o filho pródigo nassariano. (1997: 22)

A escritura-balbucio de André é tecida pela miudeza das coisas, pela febre que comanda sua fala, pela vontade de contaminar os demais membros da família e pela suposta imobilidade de seus desejos, represados por dois poderosos discursos, um que se manifesta no afeto materno – o dique rompido do carinho – e o outro pela potência hierárquica do pai – o dique reforçado do verbo sem freios. Para ultrapassar os dois diques, resta a André, dinamitar toda e qualquer possibilidade de erguer pontes, interessa-lhe tornar inconciliáveis os dois discursos, tanto o do pai que celebra a força visceral da palavra quanto o da mãe que renuncia à voz, ao agir na penumbra das conversas. De todos os discursos sobreviventes, conduzidos pela fala convulsiva de André, dois ganham maior dimensão, o do pai, todo ele feito e refeito na mesa dos sermões e o seu colhido na distância transgressiva do prazer.
André combina em sua narração os ingredientes da emoção e da razão. É um narrador humanizado pela proximidade do relato e pela corajosa atitude de desnudamento. Por estar no seio do discurso, sua sensibilidade instaura uma indagação existencial premente originária de sua memória afetiva, qual seja, entender porque o amor que alimenta com tamanha devoção, é frustrado. Buscando compreender os mistérios que dividem a sua alma, André passa a projetar suas quedas, a sentir prazer lambendo suas feridas, a se tornar indiferente às dores de quem quer que seja, a administrar suas perdas, a filtrar suas obsessões, a combinar habilmente o seu ato de amor e a temer sua própria lucidez. Sendo assim, é um narrador que verbaliza consciente e inconscientemente seus despojos. Ou como assegura Ronaldo Costa Fernandes no que tange ao típico narrador em primeira pessoa:

O narrador em primeira pessoa vai ser agente e paciente dessa frustração criada pela perda. Nas narrativas intimistas, solipsistas, auto-referenciais, o personagem conta sua angústia e muitas vezes deforma a intensidade da perda, porque a perda não é aquilo que realmente é, mas aquilo que o narrador-personagem assim percebe, intui e sofre.

Pode-se vislumbrar o narrador nassariano na descrição acima transcrita. Mais adiante, o ensaísta elenca duas características que caem como luva no narrador-protagonista do romance Lavoura arcaica, quando assinala que “o narrador é o densificador de perdas” e ao acumular tamanhas perdas faz com que o “narrador seja o ordenador da desordem”. [6] O universo de André é um repositório de perdas desdobrado em desordens, para ordenar esse caótico mundo, só mesmo apontando as câmeras múltiplas em direção ao sagrado e ao mesmo tempo profano coração do que é demasiadamente humano.
Ordenar o caos que ele próprio estabelece, eis uma das principais funções exercidas pelo narrador de Lavoura arcaica. A inteireza verbal do discurso nassariano faz-se presente no instante exato em que as vozes narrativas do relato são combinadas dentro dos dois mundos, o interno e o externo. Para percorrer clandestinamente a casa paterna – o templo prostituído – pelo filho pródigo, cada personagem deixa transparecer o rastro de maldade que carrega consigo. A família é uma espécie de rocha erodida que na teatralidade dos seus atos desvela a debilidade das relações pessoais, e, é exatamente dessa tênue e rala convivência que o indivíduo encapsulado, André, ganha a dimensão humana para expressar o ethos do mal. Um mal que está fundamentado na incessante procura da enviesada paixão entre dois irmãos. Para atravessar a dor que o sufoca, o narrador passa a ser um transportador de metáforas que vai registrando suas derrotas nas dobras da língua de onde extrai a dicção singular de sua tragédia. André é um narrador-ouriço, displicentemente armado, dotado de iluminações e frontalmente exposto à intensidade da linguagem que passa a ser a fiadora de verdades. Seu verbo é “possuído, atropelado, endemoninhado, nutrido da cólera que inflama, da paixão dos impacientes e dos indignados”. [7] O furor narrativo de André é de vária espécie, sua enfermiça paixão exorbita sensualidade e conduz a reflexão pelos corredores de uma realidade incerta fruto de uma errância, segundo ele, patológica, danosa e demoníaca.
André é um inquilino da danação, danação que transporta pelos vãos da casa, pelos campos férteis da família e pelo meio do mundo, lugar em que sobrevive na esgarçada anatomia da peste que traz no corpo. Os territórios que desconhece recebem novos contornos linguísticos na fluidez narrativa que empreende. Tangendo estrelas e ciscando utopias, André escreve o livro que encerra e define o intenso vínculo com o tempo, um tempo errático, moldado pela visão horizontal do narrador, uma visão de quem vê o desenho da verdade se fazendo a cada giro dos ponteiros. O tempo é derretido pela intensa melancolia que se abate sobre cada personagem dessa estranha colheita. A monotonia do jogo desaparece, por completo, com a releitura simultânea dos elementos narrativos capturados pelo olhar agudo do narrador: tempo e espaço são invadidos por uma percepção determinada única e exclusivamente pela sua subjetividade. O tempo e o espaço são lapidados pela figura do eu-narrador que com as artimanhas da linguagem revigora o seu percurso de danação, quando “captando o espaço e o tempo na sua
visão mais calma, mais tranquila, mais inteira” (LA, p. 144) deixa entrever a vertigem dissonante de sua paz. A figuração temporal da história de André desenvolve-se na memória, por isso mesmo o registro cronológico e exterior do mundo funciona mais como um espectro, pois o tempo psicológico e interior da narrativa guia toda a encenação do narrador. O relato por ele narrado é pontilhado por emoções, pensamentos, digressões e sentimentos que afloram de sua subjetividade mais latente. Seguindo essa trilha, o narrador-memorialista de Lavoura arcaica pode expressar por meio da focalização interna de sua trama cada impulso interior que o mortifica. O narrador justapõe desse modo, tempo e espaço no corpo-texto da letra viva que concebe. Assim como o corpo é um manancial de profundas inquietações, o texto nassariano é uma catedral de danações. Ambos, corpo e texto refugiam-se, como almas siamesas, na porosa transitoriedade do sofrimento, esse terrível redemoinho que é mercadoria constante na mesa da família.
O redemoinho de André começa na exposição de sua evocada culpabilidade. O encontro com o irmão mais velho, Pedro, funciona como ponto de partida desse insólito alvoroço que emerge no âmbito familiar em quatro direções distintas: 1) os afogados: André e Ana; 2) os refugiados: Pedro e os demais irmãos, incluindo Lula, o caçula; 3) as sombras intactas: a mãe e o avô e 4) o guardião da ordem: o pai. Todas as direções, não obstante, são submetidas à parcial visão do narrador, até mesmo a esmagadora força curativa dos sermões paternos é corroída pela legitimidade de uma voz passível de dublagem. André, em maior ou menor dosagem, consegue dublar a voz da família que cumpre a contento a sagrada missão de justificar os atos profanos de seu périplo. Quando não estão em plena batalha verbal, pai e filho encenam um atordoado coro de descontentes, cada um a seu modo, inventa um papel para si como forma de reconhecer a impotência do diálogo todo ele perpassado por palavras-movediças e frases-armadilhas. Cada um quer apenas persuadir o outro, mais tanto um quanto o outro não querem ser persuadidos, não desejam embotar suas sensibilidades, o espaço de um certamente não pode ser ocupado pelo outro.
Nos trinta movimentos narrativos ou capítulos do romance de Raduan Nassar, duas linhas condutoras ganham maior nitidez, a primeira delas, já acentuada anteriormente, responde pela fala do filho pródigo que com o transbordamento da paixão remete para o mundo da emoção com toda a carga de ruptura advinda dos gestos radicais intensificados pela personagem protagonista da trama, no caso André e a segunda, potencializada pelo ordenamento do mundo resultante do fortalecimento da razão, que responsável pela consecução da lei, imprime um tom arcaizante ao próprio relato do filho. Sob o signo da lei paterna, o filho remói as mágoas, as angústias, os desesperos, a cólera, os espasmos, os vícios e a ira de um equilíbrio que ele, “num desarvoro demoníaco” (LA, p. 47) e como narrador possesso, procura desequilibrar. A fala de André é um fala convulsiva e vertiginosa, sem remendos e sem meias-palavras; escorregadia e lasciva busca entremear ao longo do discurso os mais recônditos impulsos de um ‘eu’ tocado por um amor lírico e demente. O que surge com clareza, num primeiro instante, no quarto da pensão, quando o irmão mais velho, Pedro, vai resgatá-lo para a mesa dos sermões e entre um copo e outro de bebida, André reflete:

e quase perguntei por Ana, mas isso só foi um súbito ímpeto cheio de atropelos, eu poderia isto sim era perguntar como ele pôde chegar até minha pensão, me descobrindo no casario antigo, ou ainda, de um jeito ingênuo, procurar conhecer o motivo da sua vinda, mas eu nem sequer estava pensando nessas coisas, eu estava era escuro por dentro, não conseguia sair da carne dos meus sentimentos, e ali junto da mesa eu só estava certo era de ter os olhos exasperados em cima do vinho rosado que eu entornava nos copos. (LA, p. 16)

André é movido por impulsos e pela chaga viva de sua tresloucada paixão, é um ente que em momento algum nega os prazeres da carne, mesmo que tais prazeres sejam frutos apenas de sua imaginação ou reminiscências da mais longínqua infância quando perambulando pelos campos, podia desfrutar do convidativo calor da cabra Sudanesa (ou Schuda), uma cabra faceira e predestinada ao paciente e generoso carinho de um menino recolhido em sua já enfermiça paixão.
Escuro por dentro, o narrador-protagonista rejeita os conselhos e as tarefas que lhe são atribuídas na mesa dos sermões. O pai que busca fervorosamente o equilíbrio do mundo, exercitando o milagre da paciência e a cumplicidade com o tempo, encontra na figura do filho tresmalhado, uma identidade que requer novos retoques, cada prece paterna será para conduzir com mão-de-ferro a família e, em especial, os irmãos afogados, André e Ana que enxergam a vida sem as amarras impostas pelos ditames da lei paterna. Na realidade, os afogados cumprem a derradeira missão de um tempo cíclico, o tempo dos amantes regido pelas funções do corpo e pelo quinhão da libido que cabe a cada um deles. A fala de André recolhe-se na explícita exposição do ‘eu’ que funciona como esteio de um discurso anárquico, pouco preocupado com a lógica autoritária do pai. André acentua reiteradamente, o discurso do ‘eu’, cada rememoração sua é uma colheita de confissões que passa pelo desnudamento de sua identidade. Cada página escrita com as suas lembranças é um estuário de ‘eus’, talvez essa seja a única forma de combater o ‘nós’ paterno e desfazer, de vez os laços que emperram sua paixão. O primeiro e mais importante ‘eu’ do narrador atende pelo nome da irmã, isso “pelo fato de o nome da irmã – Ana – corresponder ao pronome eu em árabe”. [8] Submerso no destino, André estende sua sombra por cada recanto da casa, sai e volta ciente de que o caminho, para ele, é um caminho de faminto, sempre; e que o ruído da paixão petrificou o gosto pelas aventuras, afinal, a família sem a consecução do amor não passa de um penduricalho social, uma bugiganga burguesa que precisa ser esfacelada, pois de engodos a vida já está cheia, e a família como engodo é mais uma erva daninha colhida na vasta lavoura do mundo.
Um elemento que coordena muitas das ações interiores do narrador merece ser destacado, tendo em vista o grau de sugestividade que imprime ao testamento-apaixonado de André, este elemento refere-se aos olhos que possuem a tessitura frondosa dos brotos e deixam transparecer a essência da impossível realização amorosa entre os dois irmãos. O livro abre com os olhos de André fitando o teto sóbrio do quarto e fecha em memória do pai com os olhos amenos de todos, atentos ao tempo de saciar a fome do rebanho – a família. Nesse longo intercurso de 30 capítulos, os olhos vão preenchendo o desenho do rosto narrativo de cada personagem: de André, com “olhos enfermiços” (LA, p. 20), “olhos sempre noturnos” (LA, p. 68), “olhos ... de espanto, redondos e parados, olhos de lagarto” (LA, p. 88), “olhos afetivos” (LA, p.105), olhos caídos”(LA, p. 126), “olhos cheios de um brilho novo” (LA, p. 129) e “olhos repulsivos”(LA, p.153); de Ana: com “olhos de tâmara”, “olhos amplos e aflitos” (LA, p. 32), “olhos pequenos e redondos, matreiros”(LA, p. 98), “olhos definitivamente perdidos na santidade”(LA, p.138), “os primitivos olhos de Ana”(LA, p.182) e, de novo, “olhos de tâmara”(LA, p. 191); dos irmãos: “olhos molhados”(LA, p. 70) e “olhos baixos”(LA, p.78) e do pai: “olhos úmidos” (LA, p. 128). Todos os olhos focalizados pela lente de André, que com “o olho prescrutador de uma coruja paciente”(LA, p. 143) simula o avaro silêncio da assombrada aventura que é Lavoura arcaica. Com a circularidade temporal no formato de um olho, o narrador vai apascentando todas as vozes presentes e pretéritas assentadas ou não na mesa dos sermões. O olho é, assim, o labirinto dos desatinos e das carícias prazerosas do próprio tempo.
O mundo das paixões vivenciado por André através do olhar e da fome do corpo é um mundo pestilento, maligno e manobrado pelas trevas e pelo caos da demência, contrapondo-se a esse mundo, opera a fala arcaica do pai, que exerce a sua função pedagógica por meio do impulso autoritário e conservador fortalecido pela retórica da ordem e da repressão. Em tom severo e dogmático, o pai justapõe aos seus discursos os elementos díspares do verbo que devem nortear o caminho de toda família. O paradigma paterno está, eminentemente, atrelado à própria tradição patriarcal da família ocidental, que a despeito de quaisquer outras intenções, pretende com rigor achatar as diferenças, padronizando os desejos e unificando os relacionamentos. O sermão paterno funciona mais como uma camisa-de-força do que propriamente, como uma atividade de agregação familiar. Propicia com a sua característica censória e prescritiva um ponto de fuga para o exercício da rebeldia.
A fala de André é entremeada por cinco sermões do pai. O primeiro deles ocorre no capítulo 9 e versa sobre o tempo. Para o pai, o tempo é o maior tesouro do homem, o tempo é sempre onipresente e só é rico o homem que se alia com sabedoria e paciência ao tempo que só recompensa os justos e os mansos. Quem se deixa levar pela bondade do tempo, será recompensado e não sofrerá com o desequilíbrio da paixão, responsável por todas as quedas e perdas humanas. Já foi dito antes, André é um colecionador de perdas e quedas, portanto, um impaciente do tempo, um homem com pressa, com fome de viver. O segundo sermão aparece no capítulo 13, vem sob a forma de uma parábola – a parábola do faminto. A história oriental de um rei muito velho e do faminto que nas suas andanças palacianas procura a todo custo exercer a sua paciência para receber as bênçãos do destino. A história do faminto é um recurso terapêutico utilizado pelo pai, para de certa maneira ‘domesticar’ sua família. O mote mais uma vez, é a paciência que precisa ser preservada a todo custo, haja o que houver, até mesmo a fome. O terceiro sermão encontra guarida no capítulo 22, bastante curto, zela pela conservação da família, para o pai, o verdadeiro alicerce da sociedade, a família é a medida do homem paciente. Tempo e paciência como sinais permanentes do necessário equilíbrio. O penúltimo sermão, o quarto, encontra-se no capítulo 25. Já plenamente instalado no lar, André trava uma  acirrada discussão com o pai, que senhor da razão e mestre da oratória, estranha o comportamento do filho e não aceita os argumentos, para ele toscos e confusos, oriundos da desrazão que move as atitudes impensadas do filho pródigo. Aproveita o ensejo do debate e exasperado cassa a palavra do filho, mandando-o dobrar a língua quando for se referir à família. É um sermão, como os anteriores, ancorado na paciência do tempo, no equilíbrio das ações e na conservação dos laços familiares. Por fim, o quinto e último sermão do pai, é uma transcrição do filho, em forma de homenagem, retoma a principal idéia paterna, qual seja, a de que o tempo é inquestionável e o homem deve se deixar conduzir pelo destino que rege com sabedoria e justiça a existência de cada pessoa. O filho depois de presenciar a perda da razão do pai que rasga o ventre da filha com um alfanje, matando-a, ainda cede a voz a esse guardião sagrado da família que de tanto cultuar o equilíbrio e a paciência das coisas mergulha na mais profunda loucura, o assassinato de sua própria filha, o pai dixit e a família se esfacela.
André, o narrador glutão de sua própria história febril, distende as linhas narrativas para atar os nós dessa trama em círculo chamada Lavoura arcaica. Afina a sua individualidade por meio das palavras que puxam outras palavras e remetem cada futura colheita para terras mais frutíferas. As palavras como as plantas singularizam o percurso de suas raízes e por mais semelhantes que sejam, ocupam áreas de conflitos. No principal diálogo com o pai, André sintetiza não apenas a sua posição, mas a do próprio pai, quando reconhece que “uma planta nunca enxerga a outra” (LA, p. 162). A planta é o verbo que não enxerga o outro verbo, é a fala que sufoca a outra fala, é o ‘eu’ querendo suplantar a aparência do outro, é a voz clandestina que vai minando lentamente a imagem discursiva do outro.

Conclusão: os desdobramentos da trama

Os cinco movimentos narrativos de Lavoura arcaica: 1) o tempo da fuga, 2) o encontro dos irmãos, 3) as divisas da memória, 4) o instante dos discursos e 5) o tempo da danação, serão estudados detalhadamente no desenrolar da pesquisa do qual este ensaio serve como preâmbulo das atividades do narrador. A amarração de todas as passagens do romance implica na compreensão de que André, como narrador conhecido, atua dentro da diegese e promove uma narrativa homodiegética, tornando-se mais precisamente, um narrador autodiegético, pois ele relata a história de sua paixão da qual participa, sendo a personagem principal.
A narração em Lavoura arcaica é ulterior, pois ocorre no passado, funcionando como uma rememoração da vida do próprio narrador-protagonista, em alguns momentos a narração torna-se simultânea, já que o narrador utiliza os verbos no tempo presente gerando a impressão de um diálogo direto entre ele e o leitor, como ocorre nos capítulos 25 – a discussão com o pai – e 27 – a conversa do filho pródigo com o irmão caçula, Lula –, este último, um verdadeiro hino à poesia e ao lirismo. Lula, contaminado pelo desassossego do mundo, projeta ganhar a estrada e experimentar as fantasias que o próprio André não provou.
As palavras do romance circunscrevem-se nos limites da voz do narrador-protagonista que embaralha as cartas do jogo, expondo seu ponto de vista, para ele o único válido, os demais não contam: a fala do pai (Iohána), do irmão mais velho (Pedro), do irmão mais novo (Lula), do silêncio subterrâneo das irmãs (Rosa, Zuleika e Huda), a dança sensual e fatal de Ana (a outra margem do afogado) e a própria mudez irônica do avô, são armas que servem para reforçar a voz fingida do narrador. A multiplicidade de vozes narrativas em Lavoura arcaica é aparente, André controla tudo, monta todo relato, junta os pedaços, ordena o caos. Já que ele mesmo ocasionou toda desordem, resta-lhe, pois, unificar a seu modo as vozes que permeiam seu campo de ação. O narrador veste a roupa de todas as outras vozes e vai inventando ao longo da história as leis que regem o seu mundo, diferentemente do que se possa imaginar, o universo da paixão – sem fronteiras e sem correntes – possui sua lógica fincada no chão da linguagem, uma linguagem que prima pela expressividade dramática do enredo. O processo ficcional enunciado pela linguagem do romance nassariano evidencia a desestabilização de perspectivas, instaurando no âmago do protagonista a vontade certeira de aproximar-se, o mais possível, da invenção. Já que todo “narrador é inventor”, [9] André desfruta, na suma amplitude de seu destino, da capacidade criativa que nasce dos tentáculos do tédio e alcança a bem-aventurada danação do silêncio significante, aquele que pousa no lauto banquete da beleza e aplaca a fome do rebanho. “Ao narrar, compete-lhe inventar a linguagem”. [10] O discurso do narrador-ouriço, André, é pura invenção.
O próximo passo para iluminar o universo diegético do narrador, será abrir a cartilha de inconformismo que é Lavoura arcaica e estabelecer as relações temporais e espaciais perpetradas pelo narrador que tem parte de suas raízes plantada na região limítrofe entre o moderno e o arcaico, como também, traçar os elos dessa família patriarcal que certamente com os seus costumes gera todos os conflitos. Mas, aí já é assunto para uma próxima colheita.

NOTAS
1. BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.
2. Cf. Reis & Lopes. Dicionário de teoria da narrativa. 1988: 128.
3. Anotações feitas durante o curso de Narratologia (segundo semestre de 2000) ministrado pelas professoras Maria Célia de Moraes Leonel e Maria de Lourdes O. G. Baldan.
4. Cf. o revelador ensaio de Françoise Van Rossum-Guyon, intitulado Ponto de vista ou perspectiva narrativa: teorias e conceitos críticos. In Categorias da narrativa. Lisboa: Veja, s.d. p. 19-53.
5. Anacronia é todo tipo de alteração da ordem dos eventos da história. Com mais nitidez se patenteia a capacidade do narrador para submeter o fluir do tempo diegético a critérios particulares de organização discursiva, subvertendo a sua categoria por analepse (recuo) – movimento temporal retrospectivo destinado a relatar eventos anteriores ao presente da ação e mesmo, em alguns casos, anteriores ao seu início –, a própria ativação da memória de uma personagem; a analepse pode ser externa, interna ou mista e por prolepse (antecipação) – movimento temporal destinado a antecipar fatos, a apresentar acontecimentos futuros –, os tempos verbais (futuro e presente) contrastam com o passado dominante. Cf. GENETTE: Discurso da narrativa: 1995. (Cap. 1, Ordem, p. 31-83).
6. FERNANDES, Ronaldo Costa. O narrador do romance, 1996, p. 142.
7. Cf. SEDLMAYER, Sabrina. Lavoura arcaica: um palimpsesto, 1999, p. 6-7.
8. Cf. o importante e revelador ensaio Da cólera ao silêncio de Leila Perrone-Moisés (p. 61-77). In Cadernos de Literatura Brasileira: Raduan Nassar (n. 2, setembro de 1996), p. 65.
9. SCHULER, 1989: 38.
10. Ibid., p. 38.


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LEONTINO FILHO (Brasil,1961) Poeta e Professor de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Autor de Cidade Íntima (1987/ 1991/ 1999), Semeadura (1988) e Sagrações ao Meio (1993). Contato: leontinofilho@uol.com.br. Página ilustrada com obras de Paulo Aguinsky (Brasil), artista convidado desta edição.

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Agulha Revista de Cultura
Número 105 | Dezembro de 2017
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