Em 1999 Betty Milan reúne em livro um conjunto muito especial de entrevistas que fez a pensadores franceses com a intenção de rever acontecimentos destacados do século XX, notadamente no que diz respeito aos seguintes temas propostos: a cidade, a guerra, a terra, o desterro, a vida, as mulheres, o sexo, a língua, a arte, a comunicação. A série de entrevistas escuta e dialoga com as seguintes pessoas: Paulo Virilio, Pierre-Marie Gallois, Pierre Gourou, Gerard Chaliand, François Jacob, Michèle Sarde, Catherine Millot, Claude Hagège, Georges Mathieu e Dominique Wolton. Publicado sequencial e originalmente na Folha de S. Paulo, o conjunto foi reunido em livro, O Século (Editora Record), que vem sendo aqui apresentado, para os leitores de ARC, sempre em duplas de diálogos. Sugerimos visita à sua página web: www2.uol.com.br/bettymilan, no caso de interesse por mais detalhes sobre este livro em particular ou pela obra em geral de Betty Milan.
1. A VIDA | FRANÇOIS JACOB
François Jacob nasceu em 1920 na cidade de Nancy. Em junho de 1940, no segundo ano da Faculdade de Medicina – que ele cursava para se tornar cirurgião –, alistou-se nas forças livres da França. Quatro anos depois, foi gravemente ferido na Normandia. Terminada a guerra, recebeu a Grande Cruz da Legião de Honra e voltou ao curso médico, embora não pudesse mais se especializar em cirurgia, como queria. Em 1950, ingressou no Instituto Pasteur, no serviço do professor André Lwoff (1902-1994), e, passados quinze anos, recebeu o Prêmio Nobel pela contribuição ao estudo do código genético e a descoberta do RNA mensageiro, juntamente com seu mestre Lwoff e o bioquímico Jacques Monod (1910-1976). É autor do livro A lógica da vida. Uma história da hereditariedade, lançado na França em 1970 e publicado no Brasil, assim como O rato, a mosca e o homem. De 1982 a 1988, foi presidente do Conselho de Administração do Instituto Pasteur, do qual é professor emérito, título igual ao que tem no Collège de France.
BM | O senhor começou os estudos de medicina com a intenção de ser cirurgião. Interrompeu-os para se alistar na Resistência, nas Forças Francesas Livres, as de Charles de Gaulle. Depois da guerra, se tornou geneticista em vez de cirurgião. Por quê?
FJ | Fui gravemente ferido e já não havia como me dedicar à cirurgia. Tenho um braço e uma perna defeituosos. Quando voltei para a faculdade, quis trabalhar só como médico interno. Eles não aceitaram. Fiquei tão desgostoso que resolvi fazer outras coisas. Fiz um pouco de jornalismo, de cinema… No fim, me decidi pela pesquisa genética. O que ocorria na União Soviética interferiu na minha decisão, o lissenkismo. Como você sabe, para Lyssenko, a noção de espécie era uma ideia burguesa. Fez lá umas experiências, que permitiram transformar uma espécie noutra e depois se valeu delas para atacar a genética. Esta, segundo ele, era incompatível com o materialismo dialético. Conseguiu convencer o Comitê Central e o Estado soviético inteiro. Por causa de Lyssenko, muitos geneticistas russos foram deportados para a Sibéria e morreram. Era um charlatão, mas também na França, e em vários países da Europa ocidental, as ideias dele foram sustentadas pelos comunistas…
BM | O senhor então escolheu a genética também para se opor à intolerância…
FJ | Sim, porque achava incrível que, na metade do século XX, fosse possível rejeitar trinta anos de uma ciência sólida e até condenar as pessoas à morte…
BM | Nós estamos no fim do milênio e, embora a noção de raça tenha desaparecido do vocabulário científico, ela continua a ser usada pelos que querem encontrar um fundamento biológico para diferenças culturais. Seria possível explicar por que os cientistas desautorizaram a noção de raça?
FJ | No século XIX, quando começaram a falar de raça, diziam que havia quatro ou cinco raças; depois, passaram para nove ou doze; e, finalmente, para 65. Quanto mais características a gente estuda, mais raças encontra. Por isso, os biólogos já não falam em raça, e sim em população. Trabalham comparando a diversidade dos caracteres, que é tão grande no interior de uma mesma população quanto entre duas populações diferentes. O conceito que tem valor operatório é o de espécie, que permite saber se os seres podem ou não se acasalar e engendrar. O de raça não tem valor operatório. O Brasil é, aliás, um ótimo exemplo da maneira como os caracteres se diluem… Em 1995, estive no Rio de Janeiro para as cerimônias do centenário de morte de Pasteur. E inclusive assisti ao Carnaval.
BM | O senhor diz que a ciência, como a arte, é uma das grandes aventuras da humanidade. O que há de comum entre o cientista e o artista? E o que há de diferente?
FJ | O que existe de comum é o fato de que no começo de tudo há um esforço de imaginação. Dele tanto depende a ciência quanto a poesia, só que o cientista é obrigado a confrontar a realidade imaginada com a realidade em si, enquanto o poeta pode fazer qualquer coisa. A diferença está em que na ciência existe um progresso contínuo. As descobertas de Newton foram superadas pelas de Einstein. A biologia do século XIX é menos boa do que a de hoje, que, por sua vez, será menos boa do que a do próximo século. Na ciência, somos determinados pela ideia do progresso, estamos certos de que fazemos coisas mais avançadas do que os outros fizeram. Já na arte não faz sentido algum falar em progresso. A escultura da Grécia clássica ou do Egito não é menos boa do que a escultura moderna. Picasso não é melhor do que um pintor do século passado…
BM | Verdade… Gostaria que nos detivéssemos na ciência. No século passado, Pasteur revolucionou a medicina com a crítica da Teoria da Geração Espontânea. Depois, os alunos dele descobriram a vacina contra a tuberculose, a BCG. A biologia molecular, de que o senhor é um dos principais expoentes, desenvolveu-se no Instituto Pasteur. O vírus da Aids também foi isolado aí por Montagnier. Como explicar essa tradição de sucesso científico?
FJ | Há vários fatores. Um deles é a maleabilidade do Instituto. Quando Pasteur encontrou a vacina contra a raiva e a Academia de Ciências o instigou a criar um Instituto, ele não quis que este se ligasse à universidade. Porque havia sido reitor e conhecia os empecilhos. Criou uma instituição privada capaz de se autofinanciar, produzir vacinas e vendê-las para pagar a pesquisa. A maleabilidade do Instituto Pasteur permitiu que respondêssemos com rapidez aos imperativos da pesquisa, que a biologia molecular se desenvolvesse e o vírus da Aids fosse isolado… Até o fim da guerra, o Instituto pôde financiar a pesquisa com a venda das vacinas. Depois, passou a receber do Estado uma parte dos recursos. Isso por não ter conseguido industrializar os antibióticos.
BM | A primeira parte do século foi dominada pela física; a segunda, pela biologia. Quais as principais descobertas da biologia no século XX?
FJ | No começo do século, a gente sequer conhecia os genes. A genética não existia. Conhecíamos as células e tínhamos a impressão de que tudo se passava na massa gelatinosa que existe dentro delas, o protoplasma. Depois, descobrimos a proteína e a importância dos hormônios. Com isso, a visão sobre os seres vivos mudou e houve um grande progresso na segunda metade do século, com o nascimento da biologia molecular, que procura explicar as propriedades dos seres pela estrutura e pelas interações das moléculas que os compõem – nós antigamente só sabíamos falar da “força vital”…
BM | Qual a maior descoberta da biologia molecular?
FJ | A maior delas foi o famoso DNA, que é o portador da herança genética. Inúmeros sucessos da biologia molecular se devem ao trabalho com as bactérias. Já nos anos 30, os biólogos perceberam que todos os organismos eram feitos das mesmas moléculas, porém demorou até passarmos das bactérias para os organismos mais desenvolvidos. O DNA do homem é mil vezes mais complexo do que o da bactéria. A passagem só pôde ser feita no momento em que aprendemos a manipular o DNA dos organismos mais desenvolvidos. Nos anos 70, conseguimos isolar os genes, reproduzir a estrutura dos genes de qualquer organismo e transferi-los de um organismo para outro.
BM | Como foi descoberto o sistema de regulação da atividade dos genes, o achado que valeu ao senhor o Prêmio Nobel?
FJ | Trabalhei no começo com os bacteriófagos – os vírus das bactérias – e com a síntese de proteína. Verificamos que existia um vírus que permanecia no interior da bactéria sem se manifestar, mas que em certas condições podia ser ativado e matar a bactéria. Por outro lado, verificamos que a síntese da proteína resultava da colocação de certos produtos no meio de cultura. Percebemos depois que as mesmas leis vigoravam nos dois casos e tudo dependia de um sistema de regulação que tanto podia bloquear a atividade de um gene quanto desbloqueá-la, deixando-o se manifestar. Era a prova da existência de sistemas de regulação da atividade do gene.
BM | Como se chegou à ideia de que a mutação dos genes pode levar a um câncer?
FJ | Começamos a compreender o câncer há apenas alguns anos. Sabíamos que é uma doença do sistema de regulação. Uma bactéria é uma célula isolada que se multiplica independentemente. Já uma célula humana – seja ela da pele, do fígado ou do pulmão – sabe que faz parte de um órgão, de um organismo, e que portanto não deve se multiplicar de qualquer maneira. A célula sabe, porque há sistemas que a informam – os sistemas reguladores. Consequentemente, a célula é mantida numa ordem precisa, que é a do corpo. De tempos em tempos, esses sistemas se alteram. Foi o que mostramos através das bactérias. Observando as suas mutações, pudemos estudar os sistemas e formular a hipótese de que era a alteração dos sistemas que estava na base do câncer. Agora, já está provada a existência de sistemas constituídos de certo número de genes que regulam a expressão celular, ou seja, agenciam a divisão da célula e a sua diferenciação – o processo que faz com que uma célula venha a ser da pele, por exemplo, ou do fígado. Passamos a conhecer os genes que estão implicados na divisão celular e a compreender como a mutação deles pode levar a um câncer.
BM | O que faz o sistema se desregular?
FJ | Desregula-se por uma mutação, cuja causa é desconhecida ou conhecida, como no caso da ação dos raios ultravioleta sobre a pele. Os raios quebram os genes que regulam a divisão celular e provocam uma lesão em que a divisão é anárquica.
BM | Através da genética, é possível saber se o indivíduo vai ou não ter uma determinada doença. Seria possível falar dos principais achados da genética preditiva?
FJ | Há casos em que, olhando os genes de um recém-nascido, chegamos a prever a incidência de uma doença grave que ocorrerá por volta dos 40 anos, a doença de Huntington, por exemplo. Há outros em que podemos afirmar que há maior ou menor possibilidade de o indivíduo ter uma determinada doença. Examinando os genes do senhor X e do senhor Y, podemos afirmar que, se o primeiro tiver um câncer, este não será do pulmão, mas da próstata. Se o segundo tiver um câncer, este não será da próstata, e sim do pulmão. Ou seja, há casos em que nos é dado ter certeza da doença. Outros em que nos limitamos a predizer a sua possibilidade.
BM | Quais os problemas éticos implícitos na genética preditiva?
FJ | O assunto é muito complicado. O fato de sabermos que um dia vamos morrer é difícil de suportar, mas o que torna a morte suportável é que a gente não sabe quando ela vai ocorrer. Há um filme de René Clair que se chama Aconteceu amanhã. Trata-se da história de um sujeito que encontrou um fantasma, foi gentil com ele e passou a receber todas as noites do fantasma o jornal do dia seguinte. Com isso, podia jogar na bolsa e ganhar, apostar no cavalo certo etc. Vida boa, até que um dia lê no jornal o anúncio da sua morte. Fica desesperado, tenta não passar pelo lugar onde vai ser acidentado, porém não consegue. O acidente é horrível; só que o sujeito não morre, porque interessava ao cineasta mostrar que os jornais também mentem etcétera e tal…
BM | Voltando à questão ética…
FJ | A questão é saber se a gente deve ou não fazer a pesquisa genética, que só tem interesse quando existe uma solução terapêutica. No caso da doença de Huntington, por exemplo, não se pode fazer nada pelo indivíduo. De que adianta fazer a pesquisa? É válido se perguntar se as informações que concernem ao indivíduo devem ou não ser transmitidas a ele.
BM | A gente tem o direito de não transmitir a informação? Freud afirmou peremptoriamente que ninguém tinha o direito de não lhe dizer que estava com câncer…
FJ | Mas com que direito a gente diz? Os padres e os filósofos precisam discutir longamente essa questão… É legítimo se perguntar se o médico deve informar o doente ou a família. Para evitar, por exemplo, que o doente tenha filhos. Isso tudo é complicado… E ao patrão dele, o que o médico deve informar?
BM | Quais as consequências das descobertas que a biologia fez no século XX e qual o papel dessa ciência no próximo século?
FJ | A ciência é feita para produzir conhecimento antes de produzir as aplicações do conhecimento. Para obter dinheiro, os cientistas afirmam que vão curar o câncer, quando o que de fato interessa a eles é saber por que o mundo é tal como é. O mundo é extraordinário. Por razões bastante simples, aliás. Pelo fato, por exemplo, de que é preciso ter dois para fazer um terceiro. Por que dois e não quatro ou cinco?
BM | O fato é que o conhecimento científico trouxe benefícios…
FJ | Sim, a duração da vida aumentou. Acho, no entanto, que nunca seremos imortais…
BM | Felizmente.
FJ | Pois é. Acredito que não ultrapassaremos os 100, 110 anos. Mas é possível que aos 90 anos já não tenhamos mais dor em todo lugar do corpo e que aos 100 possamos fazer sexo como aos 20. Vamos ter uma vida mais longa e mais agradável, porque dominaremos um número maior de doenças. Verdade que outras novas vão aparecer. Por isso, aliás, não podemos prever o futuro. Sabemos que as coisas vão mudar, porém não sabemos exatamente como. Por acaso alguém pensou na Aids antes de a doença aparecer? E precisamente porque não há como prever; no próximo milênio a pesquisa científica continuará a ser uma boa profissão.
2. AS MULHERES | MICHÈLE SARDE
Depois de ter publicado uma biografia da escritora Colette (1873-1954) que recebeu prêmio da Academia Francesa, Michèle Sarde se tornou famosa pelo livro Regard sur les françaises (“Olhar sobre as francesas”), que estuda a mulher francesa do século X ao XX e igualmente premiado pela Academia. Além de ensaísta, é romancista, autora de Le désir fou (“O desejo louco”) eHistoire d’Eurydice pendant la remontée (“História de Eurídice durante a subida”). Vive em Washington, onde lecionou na Universidade Georgetown e desde 2001 é professora emérita. Deixando o ensino, dedica-se a sua obra literária, dividindo o ano entre Paris e o Chile. Preside a Associação para os Estudos Culturais Franceses. Nasceu em Dinard, na França. Em 2007, voltou a pesquisar a condição feminina em De l’alcôve à l’arène. Un nouvel regard sur les françaises(“Da alcova à arena: Um novo olhar sobre as francesas”).
BM | A emancipação das mulheres no século XX é impressionante. Acho mesmo que não há, no passado, um acontecimento equivalente. Você concorda com isso?
MS | Concordo. Pela primeira vez, as mulheres têm controle sobre o próprio corpo, sobre a maternidade. Podem escolher e, no limite, prescindir do sexo oposto. O impacto da contracepção e dos progressos médicos aumentou a esperança de vida. As mulheres antigamente morriam de parto e bem mais cedo do que os homens. Os progressos todos permitiram a elas o acesso à vida profissional, sobretudo depois da maternidade. Os movimentos feministas, por outro lado, facilitaram o acesso à educação e possibilitaram a entrada das mulheres no mundo do trabalho. Só resta agora, nos países desenvolvidos, conquistar as esferas do poder político – e isso já está acontecendo. Mas ainda há, no planeta, milhões de mulheres que não participam dessa emancipação. Os fanatismos ideológicos ou religiosos fizeram as mulheres de muitos países regredir. É necessário refletir sobre a regressão que ocorre, sobretudo, em certos países muçulmanos. Será que o progresso histórico das mulheres, ao qual acabo de fazer alusão, vai continuar até a igualdade absoluta ou será que há riscos de recuo, inclusive nos países onde a liberação das mulheres teve um progresso contínuo no século XX? No futuro, tudo vai depender da evolução política, ideológica e econômica desses países em que a situação da mulher ainda é feudal. Vivemos num mundo paradoxal, em que, nos países desenvolvidos, as mulheres ocupam cada vez mais postos de grande responsabilidade, enquanto no Afeganistão, por exemplo, os talibãs impedem-nas de ir aos hospitais públicos por medo de que sejam tratadas por homens. Há ainda, neste fim de século, na dita aldeia global, verdadeiros guetos onde as mulheres não gozam dos direitos fundamentais. As tecnologias médicas do próximo século vão mudar a situação. A inseminação artificial e a clonagem modificarão as relações entre os sexos e a posição das mulheres na sociedade. O que acontecerá com os movimentos feministas? Serão eles necessários? Ou será que as mulheres vão enfim ser reconhecidas pelo que são: seres humanos que constituem a metade da humanidade?
BM | Você poderia falar da estratégia do feminismo da América do Norte, da Inglaterra e da França?
MS | Essas estratégias estão enraizadas no passado e se articulam em torno de componentes culturais diferentes. Nos países anglo-saxões, a diferença entre os sexos é marcada pela separação na vida cotidiana. O puritanismo reduzia ao máximo a possibilidade de encontro dos sexos, para evitar as relações sexuais desaprovadas. Os homens exerciam seu poder na esfera pública, as mulheres se reagrupavam na esfera privada. Os movimentos feministas se enxertaram nessa realidade, requerendo também para as mulheres o acesso à esfera pública. Concretamente, reivindicavam o direito ao voto e, idealmente, a divisão dos poderes. O feminismo anglo-saxão começou sufragista no século XIX, depois se tornou igualitarista nos Estados Unidos. A conquista da igualdade não acabou, porque as mulheres ainda não têm o mesmo acesso que os homens à vida profissional, à remuneração ou às promoções. E elas são muito menos numerosas na vida política. O paradoxo do feminismo norte-americano é que, na sua estratégia, ele é igualitarista – a ponto de apagar as diferenças evidentes. Considera que as mulheres são uma minoria igual às minorias religiosas ou étnicas, o que conduz alguns grupos feministas a serem classificados nas duas ou três minorias. As tentativas recentes das americanas de entrar nas escolas militares e no exército ilustram a vontade de pertencer ao mundo masculino. Na França, ao contrário dos Estados Unidos, as feministas se apoiaram numa realidade histórica e sociológica do convívio entre os sexos nas escolas para tentar o equilíbrio, feminilizando o mundo masculino. Na época em que as inglesas e as americanas brigavam pelo direito ao voto, na França, os movimentos de mulheres lutavam junto com os movimentos revolucionários, procurando conquistar novos direitos através desse combate. O resultado é que, na França, as mulheres só obtiveram o direito ao voto em 1945, ou seja, vinte e cinco anos depois das americanas. O paradoxo do feminismo francês é guardar os privilégios adquiridos, conquistando novos direitos. Seja como for, se as filosofias e as estratégias não concordam, os objetivos e os resultados concretos acabam coincidindo. O que se chama “igualdade” na affirmative action se chama “paridade” na França, onde se ri do “politicamente correto”, mas se aprova uma lei contra o assédio sexual. Será que no século XXI as diferenças entre os feminismos serão consideradas importantes?
BM | Quais as estratégias das latino-americanas?
MS | Se é que existe uma estratégia particular a elas, acho que se trata da afirmação e da reivindicação da mestiçagem – que a sociedade patriarcal quis recalcar –, bem como da responsabilização dos homens – que tradicionalmente foram eximidos de responsabilidade na família. No que diz respeito à escrita e ao discurso oficial – mesmo literário –, durante muito tempo, os homens ocultaram a experiência e a palavra feminina – Juana Inés de la Cruz, no México; Gabriela Mistral, no Chile; e algumas outras são exceções. Assim, o descompasso entre a experiência feminina e a expressão da cultura dominante foi mais forte do que em países como a França ou a Inglaterra, onde os romancistas do século XIX se interessaram pela vida subjetiva das mulheres e onde há escritoras desde o século XVI. É a existência do componente indígena que permite estabelecer a diferença entre as culturas latino-americana e europeia. Esse componente se manifesta não só nas populações mais pobres, mas também nas classes dominantes, que sempre confiaram a educação na primeira infância – a socialização dos seus filhos – a mulheres de origem indígena ou mestiça. Ora, o mundo indígena e, em particular, a cultura andina, privilegia as relações de simetria e de complementaridade – os homens estão ligados à ritualização e as mulheres, à reprodução da vida. Na origem de todas as culturas latino-americanas, a conquista e a mestiçagem são dois episódios simbólicos maiores, que se cristalizam na figura materna. Os filhos da Malinche e de Cortés são os filhos de uma mãe violentada, mas cúmplice, e de um pai indiferente aos filhos que ele engendra. Por um lado, a mulher-mãe, que está no centro da representação feminina, tanto pela potência geradora quanto pela onipresença no seio da família; por outro, a índia conquistada, que transmite aos filhos a vergonha das origens e a necessidade de ocultar a raiz mestiça. O catolicismo e o culto mariano permitem a resolução imaginária do conflito na metáfora de uma mãe virgem, de uma mulher inacessível à conquista. No sincretismo original, as divindades femininas indígenas se misturam com e se substituem à Virgem Maria: Nossa Senhora de Guadalupe no México, Nossa Senhora de Copacabana na Bolívia, a Virgem de Andacollo no Chile… No interior dessa perspectiva, a mulher-mãe latino-americana é o paradigma da presença no mundo e ela transmite ao outro a vida e o saber oral.
BM | E o homem?
MS | Encarregado das relações no exterior e da transcendência, o homem está mais ou menos ausente da família, onde ele não assume responsabilidades. Os estudos mostram que, na América Latina, a mulher se identifica com a mãe e o homem, com o filho da mãe. A mulher-mãe assume a maioria dos encargos na família e na comunidade, porque se ocupa dos doentes e dos velhos. A isso se acrescenta hoje o trabalho remunerado fora de casa. A representação do feminino está associada ao componente indígena e à interpretação desse componente pelo conquistador enquanto vulnerabilidade, sensualidade, emotividade, imaginação e oralidade. O masculino, ao contrário, está associado às qualidades do conquistador: cultura, razão, virilidade, estatuto social, espírito cavalheiresco, cristianismo, escrita. A invisibilidade social da mulher é a condição da ocultação das origens indígenas e da mestiçagem. Ao mesmo tempo, o contrapoder da mulher como mãe ou babá, onipresente nas fases essenciais da vida do homem – nascimento, geração, declínio e morte –, é exercido mais fortemente do que em outras culturas. Confrontada com a globalização, a mulher começa a emergir. É interessante constatar que, ao passar do espaço privado da casa para o espaço público da rua, ela adaptou ao mundo de hoje os arquétipos tradicionais. As mães argentinas da Praça de Maio souberam reinventar – no protesto contra a ditadura militar – o seu papel secular ligado à tradição original. O trabalho profissional moderno também reativou as responsabilidades femininas no seio de uma família frequentemente privada de figuras masculinas responsáveis, das tantas famílias que as mulheres sustentaram sozinhas – o número elevado de crianças ilegítimas no Chile mostra bem isso. O itinerário das mulheres latino-americanas é bem diferente do seguido pelas europeias e americanas. Mas, neste fim de século, o estatuto profissional e as suas preocupações tendem a ser da mesma ordem. Se, no Chile, por exemplo, não existe lei sobre o divórcio e o aborto, a situação de muitas mulheres, que são chefes de família, assemelha-se à das ocidentais divorciadas. As feministas latino-americanas se queixam do imperialismo das ocidentais, que dão respostas a questões ainda desconhecidas na América Latina. Podemos argumentar que tais respostas podem fazer ganhar tempo, e será que no século XXI alguém vai perceber as diferenças de itinerário entre as mulheres dos diferentes países?
BM | Por razões evidentemente ideológicas – primado da classe social –, o feminismo não era bem-visto na Europa comunista. Nem em Cuba nem na China de hoje. Os cientistas políticos classificam esses países como “democracias totalitárias”. Você acha que esses países frearam a evolução das mulheres? Estou pensando no aborto e na educação, por exemplo, que se generalizaram no mundo.
MS | Não sou especialista nesses países e, portanto, farei apenas algumas observações. A ideologia marxista e comunista é igualitarista no seu discurso, pretende desalienar as mulheres e fazê-las participar da utopia comunista. Foi em nome dessa ideia que, na União Soviética e na China, as mulheres eram incitadas a abrir mão dos sinais mais evidentes da sua feminilidade e da sua sexualidade – a roupa, por exemplo. E as que se conduziam muito livremente eram denunciadas. Ao mesmo tempo, facilitava-se o acesso à educação e à vida profissional. Concretamente, no entanto, embora todas as mulheres trabalhassem, elas não ocupavam mais cargos de responsabilidade na vida profissional ou política. Olympe de Gouges, autora de uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, durante a Revolução Francesa, já tinha proclamado: “Se as mulheres têm direito à guilhotina, elas também têm direito à tribuna”. Olympe de Gouges foi guilhotinada por ter tomado a palavra, e as mulheres soviéticas, que nunca chegaram ao Soviete Supremo, não deixaram de ser enviadas para o Gulag. Nessa área, como em todas as outras, a retórica igualitária comunista deu lugar à realidades em que a reivindicação humana é esmagada pelo rolo compressor do Estado totalitário. Às vezes, no entanto, o interesse do Estado coincidiu com o interesse das mulheres, como no campo da contracepção e do aborto. Mas não foi para liberar as mulheres que a política de limitação da natalidade foi praticada na China, claro, e ela não agradou à maioria das chinesas. Cada país tem a sua particularidade. É difícil comparar as coreanas do norte, as cubanas e as polonesas, por exemplo. O fato é que a derrocada dos comunismos e a transição para sociedades mais democráticas não parecem facilitar a emancipação das mulheres que, nos países totalitários, estão, em geral, atrasadas em relação às democracias ocidentais. A situação das russas é, aliás, particularmente eloquente. Sob as ruínas do comunismo, elas hoje estão desempregadas e se prostituindo. Triste, não é?
BM | Por que o feminismo americano parece tão agressivo aos estrangeiros?
MS | Primeiramente, porque trata o homem e a sociedade masculina como adversários. Em segundo lugar, por causa do rigorismo ancorado na moral puritana. Enfim, pela dimensão legalista e jurídica, que nas últimas décadas se tornaram abusivas. A capacidade de mudança rápida da sociedade americana é um fenômeno que escapa aos outros povos. Do dia para a noite, a gente observa mudanças de 180 graus, impensáveis na maioria das outras nações. Foi assim que passaram da “mulher-criança” para o “objeto sexual”, para os novos tabus impostos pelo “politicamente correto” e pelos ideais mais austeros e mais exigentes. As minhas alunas americanas se escandalizam com um olhar ou uma cantada. As mulheres nos EUA se recusam a fazer concessões à tradição, como nos outros lugares.
BM | A capacidade de mudar faz parte da sociedade americana tanto quanto o puritanismo…
MS | Verdade, e o puritanismo é uma faca de dois gumes. É por causa da moral puritana que o estupro sempre foi tratado com maior rigor nos Estados Unidos do que nos países latinos, onde ele era objeto de deboche. O rigor foi mantido pelas feministas americanas, quando elas começaram a desresponsabilizar as vítimas para penalizar os agressores. Mas a definição de estupro se tornou ampla demais, implicando o estupro entre cônjuges e entre amantes e abrindo as portas para exageros e abusos no sentido oposto ao que se conhecia até então. A mesma coisa aconteceu com o assédio sexual, que, em vez de se limitar ao abuso de poder no local de trabalho, diz respeito agora às formas de sedução mais tradicionais e mais aceitas na maioria das culturas. O menor toque se torna facilmente criminoso e a gente cai em formas de neurose coletiva. O mesmo pode ser dito do legalismo das últimas décadas, que se exprimiu nos grandes processos dos consumidores e encontrou nas causas feministas um terreno de ação lucrativo. No começo, as causas eram justas: os abusos e as discriminações no tratamento imposto às mulheres. Depois, apareceram os efeitos perversos. Começaram a instaurar processos para a esposa ser indenizada pelas horas de limpeza, por sua dor quando o marido se apaixona por outra, ou por ele frear a carreira dela. O discurso de certas feministas é uma verdadeira declaração de guerra. Algumas afirmam que em todo homem há um violentador potencial. Lorena Bobbit, que não hesitou em cortar o pênis do marido, tornou-se uma heroína para certas mulheres americanas. O discurso das lésbicas radicais é contrário a qualquer aproximação com a espécie execrada. Dá para entender por que os estrangeiros consideram o feminismo americano agressivo, não é?
BM | Você é francesa, mas vive nos Estados Unidos. Que influência o feminismo teve nesse país sobre as relações entre os homens e as mulheres?
MS | Acho que os homens e as mulheres estão mais separados do que nunca e que os homens morrem de medo de ser acusados de um crime qualquer. Os professores já não sabem como tratar as adolescentes que são suas alunas. Quando os atores de Hollywood se casam, eles põem todo tipo de cláusula nos contratos para impedir que a noiva se transforme em megera: daquelas que ameaçam chamar a mídia e contar a vida sexual do casal para obrigar o cônjuge a pagar muito caro pelo eventual silêncio dela. Há carreiras que foram arruinadas por alegações de assédio sexual. Uma Paula Jones quase desestabilizou a Presidência dos EUA. Isso não contribui para tornar confiáveis e agradáveis as relações entre os homens e as mulheres. Por outro lado, a dessexualização das relações entre os sexos na vida profissional pode beneficiar as jovens, que são julgadas mais pelo mérito do que pela aparência física. A entrada maciça de mulheres na vida profissional contribui para assegurar um equilíbrio e evita que elas estejam constantemente na defensiva. Podemos imaginar dois cenários para o futuro. No primeiro, os homens e as mulheres vão se fechar em guetos e viver cada dia mais separados. Até porque, com a clonagem e a inseminação artificial, a união deles já não será necessária para a procriação. Vimos esse cenário se esboçar com a manifestação dos homens negros – a Marcha de 1 Milhão – em Washington e depois, no ano seguinte, com a dos homens brancos, que precedeu a das mulheres negras na Filadélfia, em 1998. No segundo cenário, as relações vão se normalizar e se tornar enfim relações igualitárias entre seres humanos livres dos preconceitos, das antipatias e das discriminações. O período que vivemos seria então um período de transição, em que certos excessos da parte das mulheres serviriam para corrigir os abusos perpetrados pela sociedade masculina durante séculos – se trataria de uma fase provisória de equilíbrio. Pessoalmente, o que eu desejo é isso.
BM | O que ocorre hoje com a famosa “exceção francesa”, ou seja, um tipo de relação homem/mulher que não existiria em nenhum outro lugar do mundo?
MS | Ela ainda existe e faz parte da arte de viver à francesa. Mas, no contexto da globalização, ela está ameaçada. Na maioria dos países europeus hoje, a norma se torna o entendimento cordial entre homens e mulheres. As mulheres espanholas já não estão atrás de gelosias, as italianas trabalham com os homens. As europeias estão cada vez mais presentes na vida política, são ministras, deputadas. Nesse contexto, qual o significado da “exceção francesa”? Na França, como noutros lugares, as mulheres querem ser bem-sucedidas nas suas carreiras, dividir as tarefas domésticas com o companheiro. A monogamia se torna um modelo e uma condição do casal. A “exceção francesa” repousava numa tradição aristocrática em que as relações de sedução constituíam uma forma de passatempo e de jogo. Será que as pessoas ainda têm a disponibilidade necessária para isso? Acredito que o modelo cultural francês deixará marcas. Um certo gosto e uma certa aptidão para estar junto, que a gente encontra menos em outras sociedades. Os jovens franceses continuam a preferir os grupos mistos aos grupos de um sexo só. Mas a diferença entre a França e os outros países, sobretudo europeus, vai se tornar cada vez menor.
BM | A história intelectual do feminismo comporta um paradoxo interessante. O feminismo se afirma primeiramente nos países protestantes e de democracia liberal – Estados Unidos, Inglaterra e países da Europa do norte –, mas é na França, onde o feminismo foi tímido até os anos 50, que o movimento produz as melhores teorias. Por que isso?
MS | Não sei se podemos dizer que as feministas francesas são as melhores teóricas. Há também boas teóricas em outros lugares, sobretudo nos países anglo-saxões. O fato é que, na França, a teoria está mais avançada do que a prática. O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, influenciou mais as anglo-saxãs, na época da sua aparição – nos anos 40 –, do que as francesas. Nos anos 70 e 80, Hélène Cixous, Julia Kristeva e Luce Irigaray, ou mesmo Antoinette Fouque, foram mais conhecidas nas universidades americanas do que na França, onde, aliás, os departamentos de estudos femininos não surgiram tão depressa como nos Estados Unidos. É um paradoxo que se inscreve na tradição cultural francesa. A elite intelectual sempre teve considerável papel de avant garde. O militantismo feminista foi bastante fraco na França, salvo na época do MLF e dos outros grupos que haviam se formado durante o movimento de 68 e que praticamente desapareceram hoje. Como sempre, o Estado criou legislação assegurando a emancipação progressiva das mulheres. Devemos as leis – aborto, divórcio, igualdade profissional, estupro, assédio sexual – às diferentes gestões do Ministério da Condição Feminina e dos Direitos da Mulher que se sucederam de 1974 a 1985. Essas leis permitiram acabar com o que restava do Código Napoleão, que regia de maneira discriminatória a condição da mulher francesa. A grande conquista, agora, será a dos cargos políticos. São as mulheres políticas – antigas ministras ou militantes dos partidos, e não as feministas propriamente – que estão mobilizadas em torno da ideia de paridade e denunciaram a ausência de representantes femininas no Executivo e no Legislativo. As sondagens mostravam que a opinião pública aprovava e só restava persuadir os candidatos homens a ceder o seu lugar.
BM | Você acredita que a conquista de cargos governamentais pelas mulheres será um fator de diminuição das tensões entre países?
MS | Mesmo que haja violência, as mulheres são globalmente menos agressivas, mais pacíficas, mais levadas à negociação e ao compromisso. Têm mais respeito pela vida – que elas dão. Podemos imaginar, no futuro, um cenário cor-de-rosa, em que a presença maciça das mulheres em cargos de alta responsabilidade levaria a uma melhor comunicação entre os povos, sobretudo tratando-se de países democráticos. Ainda que esta posição seja utópica e as mulheres não se comportem melhor do que os homens no exercício do poder, elas dificilmente serão piores. Conclusão: é preciso tentar e dar ao mundo uma chance nova.
BM | A homossexualidade masculina ou feminina aumenta no Ocidente. Será porque se tornou mais visível – por já não precisar ser encoberta em decorrência de uma tolerância maior –, ou será uma consequência da emancipação das mulheres?
MS | Acredito profundamente na bissexualidade humana. A dosagem difere conforme os indivíduos. Alguns são espontaneamente mais hétero, outros mais homo. Para os que ficam oscilando, o grau de aceitação ou censura da sociedade pode ser determinante.
BM | A romancista Louise de Vilmorin, casada duas vezes e colecionadora de amantes célebres, como André Malraux e Orson Welles, escreveu: “Para uma mulher, não há nada pior do que ser livre”. Gostaria que você comentasse a frase.
MS | Louise de Vilmorin deveria ter lido o Discurso da servidão voluntária, de La Boétie. A frase dela talvez signifique que é difícil para uma mulher abandonar todos os privilégios ligados à posição de dominada. Mas, na sua vida pessoal, ela soube preservar, como as francesas da elite da mesma geração, os privilégios e os direitos. Quanto às mulheres “livres” da nossa época, as que investiram tudo no trabalho e não fizeram concessão, estas frequentemente ficam sós. A liberdade tem um preço, e os homens tendem a fugir das grandes mulheres. Só podemos esperar que no próximo século, o XXI, eles se tornem mais corajosos.
Betty Milan (Brasil, 1944). Romancista, ensaísta e dramaturga. Colaborou nos principais jornais brasileiros. Sua bibliografia inclui títulos como O papagaio e o doutor (1991), Paris não acaba nunca (1996), Fale com ela (2007), e Quem ama escuta (2011). Contato: bettymilan@free.fr. Página ilustrada com obras de Enrique de Santiago (Chile), artista convidado desta edição de ARC.
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