quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

HUGO BALL | Primeiro Manifesto dadá


Dadá é uma nova tendência da arte. Percebe-se que o é porque, sendo até agora desconhecido, amanhã toda a Zurique vai falar dele. Dadá vem do dicionário. É bestialmente simples. Em francês quer dizer "cavalo de pau". Em alemão: "Não me chateies, faz favor, adeus, até à próxima!" Em romeno: "Certamente, claro, tem toda a razão, assim é. Sim, senhor, realmente. Já tratamos disso." E assim por diante.
Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre poetastes com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial Dadá que nunca mais acaba, revolução Dadá que nunca mais começa. Dadá, vós, amigos e Também poetas, queridíssimos Evangelistas. Dadá Tzara, Dadá Huelsenbeck, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá, Dadá Hue, Dadá Tza.
Como conquistar a eterna bem-aventurança? Dizendo Dadá. Como ser célebre? Dizendo Dadá. Com nobre gesto e maneiras finas. Até à loucura, até perder a consciência. Como desfazer-nos de tudo o que é enguia e dia-a-dia, de tudo o que é simpático e linfático, de tudo o que é moralizado, animalizado, enfeitado? Dizendo Dadá. Dadá é a alma-do-mundo, Dadá é o Coiso, Dadá é o melhor sabão-de-leite-de-lírio do mundo. Dadá Senhor Rubiner, Dadá Senhor Korrodi, Dadá Senhor Anastasius Lilienstein.
Quer dizer, em alemão: a hospitalidade da Suíça é incomparável, e em estética tudo depende da norma.
Leio versos que não pretendem menos que isto: dispensar a linguagem. Dadá Johann Fuchsgang Goethe. Dadá Stendhal. Dadá Buda, Dalai Lama, Dadá m'Dadá, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá. Tudo depende da ligação e de esta ser um pouco interrompida. Não quero nenhuma palavra que tenha sido descoberta por outrem. Todas as palavras foram descobertas pelos outros. Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros.
As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio.
Assim podemos ver perfeitamente como surge a linguagem articulada. Pura e simplesmente deixo cair os sons. Surgem palavras, ombros de palavras; pernas, braços, mãos de palavras. Au, oi, u. Não devemos deixar surgir muitas palavras. Um verso é a oportunidade de dispensarmos palavras e linguagem. Essa maldita linguagem à qual se cola a porcaria como à mão do traficante que as moedas gastaram. A palavra, quero-a quando acaba e quando começa.
Cada coisa tem a sua palavra; pois a palavra própria transformou-se em coisa. Porque é que a árvore não há-de chamar-se plupluch e pluplubach depois da chuva? E porque é que raio há-de chamar-se seja o que for? Havemos de pendurar a boca nisso? A palavra, a palavra, a dor precisamente aí, a palavra, meus senhores, é uma questão pública de suprema importância.

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"O meu manifesto, lido na primeira soirée Dadá pública (no Zunfthaus Waag), foi um mal velado desmentido dirigido aos meus amigos, que o sentiram como tal. Já alguém viu o primeiro manifesto de uma empresa acabada de fundar desdizer a própria empresa diante dos seus aderentes? Mas foi assim mesmo. Quando as coisas já se esgotaram, não consigo ficar preso a elas. É um dado da minha natureza; todo o esforço para me chamar à razão seria inútil." (Hugo Ball, A Fuga para Fora do Tempo (diário), entrada 6 de Agosto de 1916.)


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Dada is a new tendency in art. One can tell this from the fact that until now nobody knew anything about it, and tomorrow everyone in Zurich will be talking about it. Dada comes from the dictionary. It is terribly simple. In French it means "hobby horse". In German it means "good-bye", "Get off my back", "Be seeing you sometime". In Romanian: "Yes, indeed, you are right, that's it. But of course, yes, definitely, right". And so forth.
An International word. Just a word, and the word a movement. Very easy to understand. Quite terribly simple. To make of it an artistic tendency must mean that one is anticipating complications. Dada psychology, dada Germany cum indigestion and fog paroxysm, dada literature, dada bourgeoisie, and yourselves, honoured poets, who are always writing with words but never writing the word itself, who are always writing around the actual point. Dada world war without end, dada revolution without beginning, dada, you friends and also-poets, esteemed sirs, manufacturers, and evangelists. Dada Tzara, dada Huelsenbeck, dada m'dada, dada m'dada dada mhm, dada dera dada, dada Hue, dada Tza.
How does one achieve eternal bliss? By saying dada. How does one become famous? By saying dada. With a noble gesture and delicate propriety. Till one goes crazy. Till one loses consciousness. How can one get rid of everything that smacks of journalism, worms, everything nice and right, blinkered, moralistic, europeanised, enervated? By saying dada. Dada is the world soul, dada is the pawnshop. Dada is the world's best lily-milk soap. Dada Mr Rubiner, dada Mr Korrodi. Dada Mr Anastasius Lilienstein.
In plain language: the hospitality of the Swiss is something to be profoundly appreciated.
And in questions of aesthetics the key is quality.
I shall be reading poems that are meant to dispense with conventional language, no less, and to have done with it. Dada Johann Fuchsgang Goethe. Dada Stendhal. Dada Dalai Lama, Buddha, Bible, and Nietzsche. Dada m'dada. Dada mhm dada da. It's a question of connections, and of loosening them up a bit to start with. I don't want words that other people have invented. All the words are other people's inventions. I want my own stuff, my own rhythm, and vowels and consonants too, matching the rhythm and all my own. If this pulsation is seven yards long, I want words for it that are seven yards long. Mr Schulz's words are only two and a half centimetres long.
It will serve to show how articulated language comes into being. I let the vowels fool around. I let the vowels quite simply occur, as a cat miaows... Words emerge, shoulders of words, legs, arms, hands of words. Au, oi, uh. One shouldn't let too many words out. A line of poetry is a chance to get rid of all the filth that clings to this accursed language, as if put there by stockbrokers' hands, hands worn smooth by coins. I want the word where it ends and begins. Dada is the heart of words.
Each thing has its word, but the word has become a thing by itself. Why shouldn't I find it? Why can't a tree be called Pluplusch, and Pluplubasch when it has been raining? The word, the word, the word outside your domain, your stuffiness, this laughable impotence, your stupendous smugness, outside all the parrotry of your self-evident limitedness. The word, gentlemen, is a public concern of the first importance.



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Manifesto de abertura na primeira soirée Dadá. Zurique, 14 de Julho de 1916. Página ilustrada com obras de Francis Picabia (França, 1879-1953).







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