La distracción, la diversión es algo consustancial a la
vida humana, no es un accidente, no es algo de que se puede prescindir. Y no es
frívolo, señores, el que se divierte, sino el que cree que no hay que
divertirse.
Ortega
y Gasset [1]
O teatro tinha, a
princípio, um caráter ritualístico. A representação, primeiramente, ocorria nos
movimentos de danças com a finalidade de alcançar um bem: a fecundidade da
terra, a prosperidade da família, o sucesso em batalhas, o bem ou o mal de
alguém. Depois adquiriu um caráter educativo, social e lúdico, e houve a
introdução da temática de deuses e de heróis.
O teatro ocidental nasce
na Grécia e suas manifestações dramáticas tragédias e comédias decorreram de
homenagens ao deus Dionísio ou Baco (para os latinos) para favorecer a colheita
e tiveram início nas canções (ditirambos), de caráter alegre ou sombrio. O corifeu, cantor principal, fazia uma
narração sobre o deus, e o coro, era constituído de personagens vestidos de
faunos ou sátiros, os companheiros do deus Dionísio, que participavam do
ritual, dançavam e cantavam, tocavam tambores, liras e flautas em volta de uma
esfinge do deus.
Aristóteles identifica como ditirambos a poesia épica de Homero e a mimesis. Os atores, com máscaras, imitavam
heróis e anti-heróis de narrações orais, primeiramente, depois das narrativas
da Ilíada e da Odisséia, obras atribuídas a Homero.
Esquilo (525
a. C. e 456 a. C) deu o primeiro
impulso reformador indicando o uso do coturno e da máscara, de um
segundo ator e reduziu a importância do coro, dando maior leveza ao
desenvolvimento dos acontecimentos e ao diálogo. Apenas sete de suas peças
chegaram completas ao nosso tempo. O mesmo aconteceu com algumas peças de
Sófocles e Eurípides.
Aristóteles na Arte poética explica que a encenação tem
efeito sobre os ânimos, mas não faz parte da arte nem tem nada a ver com a
poesia. A tragédia existe por si independentemente da representação e dos
atores. Quanto ao trabalho da encenação, a arte do cenógrafo tem mais
importância que a do poeta. Segundo Aristóteles, na tragédia reproduz-se uma
ação que imita as personagens que atuam. Estas orientações foram seguidas na
arte dramática. Modernamente, porém, compreende-se que o texto teatral não
imita a realidade; ele indica uma construção para ela, ou seja, uma cópia fiel
verbal que se apresentará em cena.
Todavia, pode-se dizer
que o teatro moderno nasce, na segunda metade do século XIX, dominado por duas
tendências literárias o Realismo e o Naturalismo. Exemplos se encontram nas
obras de Ibsen, Tchékhov ou O’Neil pelas formas e técnicas e as exigências dos
autores para com a representação. A característica principal do Realismo foi a
abordagem de temas sociais e um tratamento objetivo da realidade do ser humano.
O Realismo possuía um forte caráter ideológico, marcado por uma linguagem
política e de denúncia dos problemas sociais, por exemplo, miséria, pobreza,
exploração, corrupção entre outros. Com uma linguagem clara, os artistas e
escritores realistas iam diretamente ao foco da questão, reagindo, desta forma,
ao subjetivismo do Romantismo. Uma das correntes do Realismo foi o Naturalismo,
em que a objetividade está presente, porém sem o conteúdo ideológico. No teatro
realista o herói romântico é trocado por pessoas comuns do cotidiano. Os
problemas sociais transformam-se em temas para os dramaturgos realistas. A
linguagem sofisticada do romantismo é deixada de lado e entram em cena as
palavras comuns do povo.
Não podemos deixar de
mencionar aqui o papel importante para o desenvolvimento do teatro que teve o
italiano Luigi Pirandello (1867-1936), com a sua famosa peça Seis Personagens à Procura de Um Autor
(1921). Nessa obra Pirandello explora a
tensão entre ilusão e realidade, em que personagens, atores e plateia se fundem
e confundem dentro da experiência teatral. Uma espécie de Surrealismo-absurdo. E
o teatro americano só começou a possuir características próprias na década de 1920,
pelas criações de Eugene O’Neill (1888-1953), que foi influenciado por
Pirandello. Outros autores como Tennessee Williams (1911-1983) e Arthur Miller
(1915-2005) também são responsáveis pela evolução da cultura teatral americana.
Henrik Ibsen em obras
como Casa de bonecas (1879) e O pato selvagem (1884), por exemplo,
mostra-se um autor fundamentalmente naturalista. Nessas obras, há crítica à
sociedade burguesa da época. A ação se realiza em um lugar concreto, no
interior da casa, mas o que ocorre fora da casa é importante no desenvolvimento
do tema. Anton Tchekhov, em A gaivota
(1898) ou O jardim das cerejeiras
(1904), destaca a ação e a atmosfera (gente falando, comendo) de uma sociedade
em decadência. A dramaturgia de Eugene O’Neil envolve personagens que vivem às
margens da sociedade com seu comportamento desregrado, sem muita perspectiva de
vida e esperanças. Todas as suas peças desenvolvem graus de tragédia pessoal e
pessimismo. Sua dramaturgia influencia o dramaturgo brasileiro Nelson
Rodrigues. O’Neil desenvolve temas até então considerados tabus, como suicídio,
relações entre negros e brancos, adultério, acusação do materialismo da
sociedade americana, perda da fé religiosa, loucura e consequências da
repressão sexual.
A primeira revolução de
mudança no sistema da representação teatral, na modernidade, ocorreu no
principio do século XX, com o russo
Constantin Siergueieivitch Alexeiev (Stanislavski) (1863- 1938) que
começou a desenvolver suas técnicas da arte teatral. No princípio, ele
enfatizava os aspectos interiores para o treinamento do ator. Lá pelo ano de
1917, começou a olhar para a ação propositada, em que a ação é intencional e
não intuitiva, naquilo que denominou de ação psicofísica (uma ação tem seu
propósito e ela é quem conduz ao sentimento). Em lugar de ver as emoções conduzindo
a ação, Stanislavski passou a acreditar que era o contrário que ocorria: a ação
propositadamente representada para chegar aos objetivos do personagem era o
caminho mais direto para as emoções. Um ator, em sua concepção, além de ter boa
memória, boa imaginação, voz expressiva, ritmo, plasticidade e outras técnicas
exteriores e interiores, deve saber utilizar esses elementos em cena. Stanislavki
atribuía grande importância, na elaboração da personagem, à imaginação do ator.
E recomendava evitar pressionar as condições criadoras do ator, pois a obra foi
criada pelo autor, mas ela deve passar e ser própria do ator, e não ficar alheia
a ele. As ações só são verdadeiras se se
tornam próprias, semelhantes às da personagem, indicadas pela própria
consciência, pelos desejos e sentimentos, pela verdade e pela fé. Qualquer que
seja a personagem que o artista interprete, segundo Stanislavski, este deve
atuar sempre em nome de sua própria pessoa sob sua própria responsabilidade. O
ator deve responder aos reflexos, isto é, reproduzir com a ajuda dos
movimentos, do sentimento e da palavra.
Em 1888, Stanislavski fundou
a Sociedade Literária de Moscou, no qual passou a estudar a arte teatral com grandes
personalidades da época. Não obteve muito sucesso nesse empreendimento, porém
pôde ali testar métodos e técnicas no trabalho de preparação do ator. Em 1897 com o empreendimento, que marcaria o
teatro no século XX: o Teatro de Arte (ou Artístico) de Moscou Acessível a
Todos, que depois passaria a ser conhecido como Teatro de Moscou, Stanislavski
criou, desenvolveu, sistematizou e aprimorou o que chamou de “sistema”. Este se
embasava nas ações físicas, que transmitem a alma desempenhada naquele momento,
abastecidas pela vida e pela imaginação que o ator empresta à personagem.
Nesse teatro combatia-se o teatro com falta de ideias que tinha um repertorio
com o único fim de entreter o espectador. Assim sendo, a partir de
Stanislavski, ações físicas, espírito interior, imaginação, são palavras chaves
e integradas em todos os métodos de interpretação para o ator desde então.
A
segunda mudança na arte de representar surgiu em 1916, num movimento de
vanguarda, após a primeira guerra Mundial, com o denominado Dadaísmo (Dadá (Dada), em Zurique, no Cabaret
Voltaire, por um grupo de escritores e artistas plásticos, dois deles
desertores do serviço militar alemão. O grupo era liderado por Tristan Tzara,
Hugo Ball e Hans Arp. Os dadaístas romperam com o conceito do plano da lógica
para que o público perdesse a noção do bom e do belo. Utilizaram o humor e a
surpresa. Em sua linguagem tinham a marca do non-sense ou falta de
sentido, pois a linguagem não servia para comunicar. O máximo representante do
dadaísmo foi Alfred Jarry, autor de Ubu
Rei, que, com o personagem Ubu, traiçoeiro, sujo, invejoso, ingrato,
covarde e cruel, escandalizou o publico, e tornou-se um marco do teatro
surrealista, [2] sendo considerada
como a primeira obra do teatro do absurdo. E foi Ubu Rei, [3]
obra satírica, estreada no teatro Paris, em 10
de Dezembro de 1896 e não muito bem recebida pelo público, que se tornou uma das obras
fundamentais do teatro moderno. Nessa obra, Jarry rompe com a visão tradicional
da autoridade, apresentando um rei grotesco, Ubu, e sua esposa encarnando o
despotismo e a corrupção. A Mãe Ubu simboliza a cobiça, a ignorância e as
atitudes burguesas.
André
Breton escreveu um manifesto e realizou a teorização do Surrealismo, em 1924.
Este movimento propunha um método de pensamento que chamaria de
"automatismo psíquico", que era baseado no irracional, revelando
desprezo pela lógica. Era uma critica feroz ao desenvolvimento da arte dentro
da sociedade burguesa. A realidade surrealista consistia em fazer um espelho do
maravilhoso do cotidiano. Apollinaire disse que o homem quis andar e criou a
roda que não se assemelha à perna. A contribuição do Surrealismo foi mostrar
que o teatro pode suscitar ilusão sem separar-se do mundo da vida. Antonin
Artaud, um dos maiores representantes desse movimento, quis fazer com que as
paixões reprimidas do auditório aparecessem. Artaud queria acabar com a
psicologia do Naturalismo e retornou ao mito e à magia, dá importância à
linguagem do gesto e do movimento. Em O
teatro e o seu duplo, [4] Artaud
explica que o teatro era uma ilustração do documento literário. A arte é
realidade e o artista deve pôr em evidencia o núcleo da realidade
Os
dadaístas criaram o mito “Dadá”. Segundo se conta, essa palavra é o resultado de
uma escolha aleatória: abriu-se uma página de um dicionário e inseriu-se nela
um estilete a palavra que surgiu foi “dadá”.
O
movimento dadaísta repulsou, pela primeira vez, o Realismo. O teatro dadaísta
foi uma forma de expressão inventada contra o que eles consideravam um sistema
de opressão da lógica formal. Os participantes desse movimento propunham uma
espécie de evasão dos sentidos, recorrendo a diversas técnicas experimentais,
como o transe e sugeriram um retorno às formas de comunicação chamadas
“antigas”, buscando o desenvolvimento de novas técnicas. Procuravam os
dadaístas a superação dos cânones dramáticos com ruptura do diálogo, utilização
da técnica da “collage” como ponte do dramático, eliminação da coordenação
entre os diversos componentes do espetáculo, renovação da atuação do ator
inventor e não imitador de modelos sociais e culturais.
Contudo,
após a Segunda Guerra Mundial, em meados da década de cinquenta e sob a sombra
da Guerra Fria, surgiu na França, o teatro do absurdo, uma terceira tendência
teatral, portadora de uma expressividade inovadora que procurava utilizar
elementos chocantes do ilógico, sugeria uma reflexão sobre absurdo panorama
político em que eles viviam e sobre a barbárie injustificada promovida pelos
governos envolvidos nas guerras.
Do
genocídio dos judeus, da explosão da bomba atômica e da perspectiva de uma
guerra nuclear, panorama da época, aliado a uma reação política decorrente das
tendências revolucionárias, criou-se uma crise espiritual geral que levaria à
contestação de todos os valores caducos que ainda regiam as relações humanas. O
silêncio, o tempo e a solidão são os temas abordados. E, proveniente desse mal-estar,
a existência humana, em toda a sua natureza, é questionada, como resultado de
uma sensação aguda de abandono, de impotência e incapacidade de justificar os
acontecimentos.
O
teatro do absurdo teve suas principais produções concentradas praticamente na
década de 1950 e tinha Paris como sede dessa movimentação artística. Para os
dramaturgos do absurdo, a sociedade tinha se mostrado um empreendimento falido
e não poderia resolver os mais elementares problemas da existência humana. O
termo “teatro do absurdo” foi criado pelo norte-americano Martin Esslin, que
procurou agrupar sobre um mesmo conceito obras de dramaturgos com
características bastante destoantes, mas que compartilhavam essa maneira
"absurda" de abordar os temas em sua obra. Os dramaturgos inseridos
por Esslin no teatro do absurdo, parece-nos que consideraram insuficientes os
recursos técnicos das narrativas lineares naturalistas e foram buscar
referências nas manifestações artísticas radicais do início do século para o
desenvolvimento de suas peças, principalmente o experimentalismo do teatro
dadaísta e surrealista. Buscando uma maior expressividade para expor suas
concepções, encontraram no Surrealismo elementos que promoveriam uma
transformação definitiva na maneira de se fazer teatro.
Apesar
de ter partido do Surrealismo, o teatro do absurdo não recorre às técnicas
automáticas surrealistas, apreendendo tão somente a linguagem onírica
aparentemente sem sentido de seus textos. Utilizam, ao contrário, uma
construção racional para criticar o que eles viam como um desatino que regia o
funcionamento da sociedade e das relações pessoais. Nesse sentido, o Teatro do
Absurdo apresenta-se como um contraponto da obra de Bertold Brecht, e de outros
dramaturgos típicos do teatro social da época.
Enquanto Brecht e os naturalistas [5]
se concentram na realidade social e no mundo real, os escritores dramáticos do
absurdo se voltaram para a representação do mundo através do fantástico e do
onírico. Uma diferença básica que se poderia definir é que, enquanto os
naturalistas desenvolviam seus trabalhos na direção de uma poesia épica, o
teatro do absurdo tenderia para o lírico. Enquanto para Bertold Brecht o teatro
deve ensinar, difundir idéias sociais e colocar-se ao serviço de uma ideologia
“marxista”, para Antonin Artaud o teatro deve ser metafísico, dotado de elementos
plásticos, físicos, concretos, mágicos. O teatro necessita dirigir-se a uma
multidão de espectadores que se identificam com ele, se integrem nele e não se
limitem apenas em “assistir” a ele como elemento de diversão. O “Teatro da
crueldade“, é de massa, mobiliza objetos, símbolos, gestos, sons, imagens,
silêncios e compreensão máxima dos textos poéticos, há nele integração da
linguagem visual e auditiva.
Bertold
Brecht colabora com o teatro com a técnica do distanciamento uma não
identificação entre o espectador e o personagem dramático. São efeitos de
distanciamento, entre outros meios: o prólogo, a projeção de títulos, as dramatis personae que podem falar de si
em terceira pessoa. Devem-se evitar emoções que inibam o racional. Nesse
sentido, Brecht difere de Aristóteles que propunha a catarse – limpeza da alma
das emoções que fariam a vida mais difícil de ser vivida. Para Aristóteles a
tragédia traz aos homens um “inocente prazer”. Ele incitava a imitação da vida,
a ilusão real, mas, modernamente, procura-se reconstruir a vida por meio de
convenções. O distanciamento depende da naturalidade do desempenho. O ator,
segundo Brecht, tem que esforçar-se para que seu personagem se faça inteligível
e procure fazer sentir que ele dá somente um ponto de vista, o seu, sem vacilar
em criticá-lo e, em caso necessário, em representar contra o texto. Personagem
e ator têm uma representação participativa. Na representação dramática diferentemente
do romance em que o leitor não pode entrar no mundo do relato, pode-se compartilhar
tempo e espaço com os personagens. Apesar de serem fingidas a simultaneidade
temporal e a continuidade espacial, a ilusão de compartilhar tempo e espaço
reclama a participação no diálogo e na expressão linguística.
Brecht
é um dos escritores fundamentais por ter revolucionado teórica e praticamente a
dramaturgia e o espetáculo teatral, alternando a função e o sentido social do
teatro. Brecht aperfeiçoa a técnica da composição por cenas isoladas. Não há em
sua dramaturgia apresentação, desenvolvimento e desfecho, como na forma
tradicional. O ator deve mostrar ilusão, suspense, simpatia, identificação com
a personagem. O objetivo do “estranhamento” é evitar que o espectador se
comprometa com a ordem capitalista, como a obra foi mostrada, que ele se
envolva no compromisso da denúncia que apresenta e que aguce sua observação. Em
Terror e miséria do terceiro Reich (escrita
entre 1935-1938, na Dinamarca) há uma série de flagrantes que constituem peças
em um ato para mostrar a decadência de uma sociedade sufocada pelo terror.
Brecht fez uso de recortes de jornais, notícias recebidas da resistência, do
rádio, ou outras formas de comunicação. É um panorama da sociedade alemã sob o
domínio nazista. São instantâneos saídos de casas de operários e cortes
judiciais de trabalhadores socialistas bem como de comunidades judaicas, de campos
de concentração.
O
texto do teatro do absurdo é cheio de conflitos e ações, por isso mantém a
essência do teatro. As pausas e gestos desse teatro também se convertem em imagens
físicas de valor fundamental.
O
teatro do absurdo rompeu com a representação como estrutura narrativa
elaborando uma dramaturgia baseada na estrutura circular em uma nova concepção
de suspense. Há redução e descontinuidade realçando a presença do inerte, tanto
na ação como no pensamento, segundo explica Enrique Herrera em Una lectura naturalista del teatro del
absurdo. [6]
No
teatro do absurdo situa-se Eugene Ionesco, apesar de Ionesco dizer que
preferisse designar seu trabalho como “teatro do ridículo”, ou “teatro da
ridicularizarão”, reafirmando o caráter humorístico de seu teatro. Para Ionesco,
não era uma determinada sociedade que lhe parecia ridícula, mas toda a
humanidade. Brecht também expôs seus sentimentos a respeito da raça humana: “o
maior delito do homem é o de haver nascido”. Essa ácida visão de mundo seria
traduzida no teatro através de personagens agoniados, acuados, depressivos,
presos num tipo de imobilidade sufocante, por meio do grotesco. O grotesco
permite abordar o cotidiano em um plano inédito. Ele o aprofunda até que o
cotidiano deixa-se de mostrar-se natural. O grotesco pode ser cômico ou
trágico. A idéia do autor pode não coincidir com a do diretor que dá à obra um
caráter próprio. Há na representação um tríplice intercambio: o criador, o
diretor, que deixa de ser um simples distribuidor de papel, o espectador, que
deixa de ser passivo receptor. O
espectador faz o espetáculo com o riso, emoção e inteligência. Ele sai ao
encontro de um texto guiado pela inteligência e sensibilidade criadoras de um
homem.
Ionesco, filho de romeno com uma francesa,
estreou em Paris, com A Cantora Careca. Trata-se de uma comédia num ato,
classificada pelo seu autor de anticomédia. Essa obra se caracteriza pelo seu
surrealismo verbal; ela é cômica e trágica. A comicidade, baseada mais no
absurdo do que no significado, é uma constante do teatro de Ionesco. Há uma
paródia de gestos, acessórios e atuação. A paródia tende a esvaziar a
humanidade do homem e convertê-lo em objeto. Exigem-se dos atores atitudes
mecânicas e falsas. Os objetos acabam por absorver o homem. O objeto torna-se
com vitalidade. A paródia tem o poder de desmitificar.
A narrativa se passa no interior da Inglaterra, num ambiente burguês. O casal Smith
conversa dizendo banalidades com pouco sentido; aparece Mary, a criada, que
anuncia a visita dos Martim. Eles entram, sentam-se e, como se não se
conhecessem, iniciam um diálogo; ao fim de algum tempo, depois de um acumular
de ocorrências, em virtude das coincidências, apercebem-se de que são marido e
mulher. Entra um bombeiro à procura de um incêndio. Quando se vai, os quatro
personagens entabulam um diálogo sem substância que vai subindo de tom até que
adotam atitudes ameaçadoras. Por fim, as frases não têm sentido e as palavras
desarticulam-se chegando só a sons. As luzes apagam-se e, quando voltam a
acender-se, a comédia volta a iniciar-se: os Martim ocupam o lugar dos Smith e
voltam a repetir-se as ocorrências iniciais.
É essa obra uma paródia da vida burguesa. Ionesco, por meio dela, procura
mostrar que os homens e as mulheres dificilmente se conhecem, especialmente se
vivem juntos há muito tempo. Suas casas são vazias e vivem alienados. Há
denúncia e despersonalização dos indivíduos.
O teatro do absurdo acrescenta uma nova dimensão da linguagem, mas é um
teatro cheio de conflitos e de ação que mantêm a essência da teatralidade.
É de notar também que os grupos teatrais que surgiram nas últimas décadas, costumam
eliminar a quarta parede, aquela invisível, que separa público dos personagens.
A tendência é trabalhar a encenação interativa e a produção de textos
coletivos. O diretor passa a ser mais valorizado que o autor. O polaco Jerzy
Grotowski (1933-1999) é um dos maiores nomes do teatro experimental atual. Ele
propõe a criação de um “Teatro Pobre” optando por uma encenação de extrema
economia de recursos cênicos (cenográficos, indumentários, etc.), buscando liberar
as fontes criativas do homem, num teatro mais ritualístico que trabalhe apenas
com o que é extremamente essencial à cena, deixando somente a relação entre o
ator e o espectador. Há outras personalidades do teatro contemporâneo que merecem destaques, dentre muitas
outras, são elas: o americano, Joseph Chaikin, o italiano, Eugênio Barba, o
inglês, Peter Brook, Richard Schechner, Heiner Müller e o brasileiro, [7] Augusto Pinto Boal (1931-2009),
fundador do Teatro do Oprimido, que une o teatro à ação
social, adota o conceito de teatro e teatralidade, já mencionada pelos
clássicos de que todos os seres humanos são atores - porque atuam -
e espectadores - porque observam.
NOTAS
1. ORTEGA Y GASSET, José. Idea del teatro. Madrid: Revista de Occidente, 1958. p.
55.
2. O Surrealismo
surgiu em Paris, nos anos de 1920, no período entre as duas Grandes Guerras
mundiais, no contexto das vanguardas, reúnem-se artistas do Dadaísmo que são
influenciados pelas teorias de Freud. Sua expressão teatral mais consistente
foi o Teatro da Crueldade, de Antonin Artaud, que propunha liberar as forças
inconscientes do público através de técnicas de atuação. Também pode ser visto
como precursor dessa linha de teatro o visionário Albert Jarry, com seu Ubu Rei. Outras influências ainda
incluiriam os romances oníricos de Kafka, Strindberg e Joyce.
3. Segundo
Guerrero Zamora (GUERRERO ZAMORA, Juan, Historia
del teatro contemporáneo. Barcelona, Juan Flors Editor, 1961. p. 22), o
nome “Ubu” deriva de Ybix, o abutre, fazendo referência à voracidade e avidez da
ave de rapina às características próprias desse personagem. Jarry o desenha com
a cabeça em forma de pêra sobre um enorme estômago.
4. ARTAUD,
Antonin. O teatro e seu duplo.
Tradução e posfácio de Teixeira Coelho. 3. Tiragem. São Paulo: Max Limonad,
1987. p. 105.
5. O teatro de
Brechet é herdeiro do Naturalismo.
6. HERRERA, enrique. Una lectura naturalista del teatro del
absurdo. Valencia: Universitat de València, 1996. p. 139.
7. Aqui
estamos considerando só o aspecto quanto às técnicas dramáticas e quanto ao
teatro contemporâneo no Brasil, podemos
considerar as peças escritas por Oswald de Andrade, como O Rei da Vela e A Morta,
como revolucionárias para sua época, – elas não foram encenadas após serem
escritas, ficando esquecidas até a década de 1960 – e o teatro contemporâneo
iniciado com Nelson Rodrigues (1912-1980), cuja montagem de sua peça, Vestido de Noiv, em 1943, é o marco da
modernidade do teatro brasileiro. Os personagens, criados por Nelson Rodrigues,
são um retrato fiel da psique humana e suas peças apresentam enredos que
possibilitam encenações de grande ousadia, com diferentes planos de ação
dramática. Mas há autores e autoras, no panorama contemporâneo do teatro
brasileiro, dignos de serem mencionados. Citando alguns nomes: Jorge de Andrade
(1922-1983), Plínio Marcos (1935-1999), Ariano Suassuna (1927-2014), Dias Gomes
(1922-1999), Leilah Assunção (1943), Isabel Câmara (1940-2006), Consuelo de
Castro (1946), Maria Adelaide Amaral
(1942), Mara Carvalho (1961) e Hilda Hilst (1930-2004).
Ester
Abreu Vieira de Oliveira (Brasil). Doutora em Letras Neolatinas (UFRJ), Pós-doutora
em Filologia Espanhola – (UNED- Madri). Atua nas áreas literárias de teatro,
poesia e narrativa da Literatura hispânica, brasileira e espanhola.
Pertence à AEL, Cadeira 27, à AFESL Cadeira 31, ao IHGES, à APEES (Membro
fundador), à ABH(Membro fundador), à AIH, à AITENSO, ABH e tem atuado em
Setores culturais, participando em comissões culturais estaduais e municipais.
É membro de corpo editorial de revista e editoras no Brasil e no exterior; com
participação em organização de livros e de antologias. Possui obras publicadas
infantil, didática, ensaio, memória, crônicas e poesia e tem participações
em jornais impressos e on-line. Contato: esteroli@terra.com.br.
Página ilustrada com obras de Franz von Stuck (Alemanha,
1863-1928), artista convidado desta edição de ARC.
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Fase II | Número 17 |
Junho de 2016
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