segunda-feira, 6 de junho de 2016

ESTER ABREU VIEIRA DE OLIVEIRA | Alterações na representação teatral ao longo do tempo


La distracción, la diversión es algo consustancial a la vida humana, no es un accidente, no es algo de que se puede prescindir. Y no es frívolo, señores, el que se divierte, sino el que cree que no hay que divertirse.

Ortega y Gasset [1]

O teatro tinha, a princípio, um caráter ritualístico. A representação, primeiramente, ocorria nos movimentos de danças com a finalidade de alcançar um bem: a fecundidade da terra, a prosperidade da família, o sucesso em batalhas, o bem ou o mal de alguém. Depois adquiriu um caráter educativo, social e lúdico, e houve a introdução da temática de deuses e de heróis.
O teatro ocidental nasce na Grécia e suas manifestações dramáticas tragédias e comédias decorreram de homenagens ao deus Dionísio ou Baco (para os latinos) para favorecer a colheita e tiveram início nas canções (ditirambos), de caráter alegre ou sombrio. O corifeu, cantor principal, fazia uma narração sobre o deus, e o coro, era constituído de personagens vestidos de faunos ou sátiros, os companheiros do deus Dionísio, que participavam do ritual, dançavam e cantavam, tocavam tambores, liras e flautas em volta de uma esfinge do deus.
Aristóteles identifica como ditirambos a poesia épica de Homero e a mimesis. Os atores, com máscaras, imitavam heróis e anti-heróis de narrações orais, primeiramente, depois das narrativas da Ilíada e da Odisséia, obras atribuídas a Homero.
Esquilo (525 a. C. e 456 a. C) deu o primeiro impulso reformador indicando o uso do coturno e da máscara, de um segundo ator e reduziu a importância do coro, dando maior leveza ao desenvolvimento dos acontecimentos e ao diálogo. Apenas sete de suas peças chegaram completas ao nosso tempo. O mesmo aconteceu com algumas peças de Sófocles e Eurípides.
Aristóteles na Arte poética explica que a encenação tem efeito sobre os ânimos, mas não faz parte da arte nem tem nada a ver com a poesia. A tragédia existe por si independentemente da representação e dos atores. Quanto ao trabalho da encenação, a arte do cenógrafo tem mais importância que a do poeta. Segundo Aristóteles, na tragédia reproduz-se uma ação que imita as personagens que atuam. Estas orientações foram seguidas na arte dramática. Modernamente, porém, compreende-se que o texto teatral não imita a realidade; ele indica uma construção para ela, ou seja, uma cópia fiel verbal que se apresentará em cena.
Todavia, pode-se dizer que o teatro moderno nasce, na segunda metade do século XIX, dominado por duas tendências literárias o Realismo e o Naturalismo. Exemplos se encontram nas obras de Ibsen, Tchékhov ou O’Neil pelas formas e técnicas e as exigências dos autores para com a representação. A característica principal do Realismo foi a abordagem de temas sociais e um tratamento objetivo da realidade do ser humano. O Realismo possuía um forte caráter ideológico, marcado por uma linguagem política e de denúncia dos problemas sociais, por exemplo, miséria, pobreza, exploração, corrupção entre outros. Com uma linguagem clara, os artistas e escritores realistas iam diretamente ao foco da questão, reagindo, desta forma, ao subjetivismo do Romantismo. Uma das correntes do Realismo foi o Naturalismo, em que a objetividade está presente, porém sem o conteúdo ideológico. No teatro realista o herói romântico é trocado por pessoas comuns do cotidiano. Os problemas sociais transformam-se em temas para os dramaturgos realistas. A linguagem sofisticada do romantismo é deixada de lado e entram em cena as palavras comuns do povo.
Não podemos deixar de mencionar aqui o papel importante para o desenvolvimento do teatro que teve o italiano Luigi Pirandello (1867-1936), com a sua famosa peça Seis Personagens à Procura de Um Autor (1921). Nessa obra Pirandello  explora a tensão entre ilusão e realidade, em que personagens, atores e plateia se fundem e confundem dentro da experiência teatral. Uma espécie de Surrealismo-absurdo. E o teatro americano só começou a possuir características próprias na década de 1920, pelas criações de Eugene O’Neill (1888-1953), que foi influenciado por Pirandello. Outros autores como Tennessee Williams (1911-1983) e Arthur Miller (1915-2005) também são responsáveis pela evolução da cultura teatral americana.
Henrik Ibsen em obras como Casa de bonecas (1879) e O pato selvagem (1884), por exemplo, mostra-se um autor fundamentalmente naturalista. Nessas obras, há crítica à sociedade burguesa da época. A ação se realiza em um lugar concreto, no interior da casa, mas o que ocorre fora da casa é importante no desenvolvimento do tema. Anton Tchekhov, em A gaivota (1898) ou O jardim das cerejeiras (1904), destaca a ação e a atmosfera (gente falando, comendo) de uma sociedade em decadência. A dramaturgia de Eugene O’Neil envolve personagens que vivem às margens da sociedade com seu comportamento desregrado, sem muita perspectiva de vida e esperanças. Todas as suas peças desenvolvem graus de tragédia pessoal e pessimismo. Sua dramaturgia influencia o dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. O’Neil desenvolve temas até então considerados tabus, como suicídio, relações entre negros e brancos, adultério, acusação do materialismo da sociedade americana, perda da fé religiosa, loucura e consequências da repressão sexual.
A primeira revolução de mudança no sistema da representação teatral, na modernidade, ocorreu no principio do século XX, com o russo Constantin Siergueieivitch Alexeiev (Stanislavski) (1863- 1938) que começou a desenvolver suas técnicas da arte teatral. No princípio, ele enfatizava os aspectos interiores para o treinamento do ator. Lá pelo ano de 1917, começou a olhar para a ação propositada, em que a ação é intencional e não intuitiva, naquilo que denominou de ação psicofísica (uma ação tem seu propósito e ela é quem conduz ao sentimento). Em lugar de ver as emoções conduzindo a ação, Stanislavski passou a acreditar que era o contrário que ocorria: a ação propositadamente representada para chegar aos objetivos do personagem era o caminho mais direto para as emoções. Um ator, em sua concepção, além de ter boa memória, boa imaginação, voz expressiva, ritmo, plasticidade e outras técnicas exteriores e interiores, deve saber utilizar esses elementos em cena. Stanislavki atribuía grande importância, na elaboração da personagem, à imaginação do ator. E recomendava evitar pressionar as condições criadoras do ator, pois a obra foi criada pelo autor, mas ela deve passar e ser própria do ator, e não ficar alheia a ele.  As ações só são verdadeiras se se tornam próprias, semelhantes às da personagem, indicadas pela própria consciência, pelos desejos e sentimentos, pela verdade e pela fé. Qualquer que seja a personagem que o artista interprete, segundo Stanislavski, este deve atuar sempre em nome de sua própria pessoa sob sua própria responsabilidade. O ator deve responder aos reflexos, isto é, reproduzir com a ajuda dos movimentos, do sentimento e da palavra.
Em 1888, Stanislavski fundou a Sociedade Literária de Moscou, no qual passou a estudar a arte teatral com grandes personalidades da época. Não obteve muito sucesso nesse empreendimento, porém pôde ali testar métodos e técnicas no trabalho de preparação do ator.  Em 1897 com o empreendimento, que marcaria o teatro no século XX: o Teatro de Arte (ou Artístico) de Moscou Acessível a Todos, que depois passaria a ser conhecido como Teatro de Moscou, Stanislavski criou, desenvolveu, sistematizou e aprimorou o que chamou de “sistema”. Este se embasava nas ações físicas, que transmitem a alma desempenhada naquele momento, abastecidas pela vida e pela imaginação que o ator empresta à personagem. Nesse teatro combatia-se o teatro com falta de ideias que tinha um repertorio com o único fim de entreter o espectador. Assim sendo, a partir de Stanislavski, ações físicas, espírito interior, imaginação, são palavras chaves e integradas em todos os métodos de interpretação para o ator desde então.
A segunda mudança na arte de representar surgiu em 1916, num movimento de vanguarda, após a primeira guerra Mundial, com o denominado Dadaísmo (Dadá (Dada), em Zurique, no Cabaret Voltaire, por um grupo de escritores e artistas plásticos, dois deles desertores do serviço militar alemão. O grupo era liderado por Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp. Os dadaístas romperam com o conceito do plano da lógica para que o público perdesse a noção do bom e do belo. Utilizaram o humor e a surpresa. Em sua linguagem tinham a marca do non-sense ou falta de sentido, pois a linguagem não servia para comunicar. O máximo representante do dadaísmo foi Alfred Jarry, autor de Ubu Rei, que, com o personagem Ubu, traiçoeiro, sujo, invejoso, ingrato, covarde e cruel, escandalizou o publico, e tornou-se um marco do teatro surrealista, [2] sendo considerada como a primeira obra do teatro do absurdo. E foi Ubu Rei, [3] obra satírica, estreada no teatro Paris, em 10 de Dezembro de 1896 e não muito bem recebida pelo público, que se tornou uma das obras fundamentais do teatro moderno. Nessa obra, Jarry rompe com a visão tradicional da autoridade, apresentando um rei grotesco, Ubu, e sua esposa encarnando o despotismo e a corrupção. A Mãe Ubu simboliza a cobiça, a ignorância e as atitudes burguesas.
André Breton escreveu um manifesto e realizou a teorização do Surrealismo, em 1924. Este movimento propunha um método de pensamento que chamaria de "automatismo psíquico", que era baseado no irracional, revelando desprezo pela lógica. Era uma critica feroz ao desenvolvimento da arte dentro da sociedade burguesa. A realidade surrealista consistia em fazer um espelho do maravilhoso do cotidiano. Apollinaire disse que o homem quis andar e criou a roda que não se assemelha à perna. A contribuição do Surrealismo foi mostrar que o teatro pode suscitar ilusão sem separar-se do mundo da vida. Antonin Artaud, um dos maiores representantes desse movimento, quis fazer com que as paixões reprimidas do auditório aparecessem. Artaud queria acabar com a psicologia do Naturalismo e retornou ao mito e à magia, dá importância à linguagem do gesto e do movimento. Em O teatro e o seu duplo, [4] Artaud explica que o teatro era uma ilustração do documento literário. A arte é realidade e o artista deve pôr em evidencia o núcleo da realidade
Os dadaístas criaram o mito “Dadá”. Segundo se conta, essa palavra é o resultado de uma escolha aleatória: abriu-se uma página de um dicionário e inseriu-se nela um estilete a palavra que surgiu foi “dadá”.  
O movimento dadaísta repulsou, pela primeira vez, o Realismo. O teatro dadaísta foi uma forma de expressão inventada contra o que eles consideravam um sistema de opressão da lógica formal. Os participantes desse movimento propunham uma espécie de evasão dos sentidos, recorrendo a diversas técnicas experimentais, como o transe e sugeriram um retorno às formas de comunicação chamadas “antigas”, buscando o desenvolvimento de novas técnicas. Procuravam os dadaístas a superação dos cânones dramáticos com ruptura do diálogo, utilização da técnica da “collage” como ponte do dramático, eliminação da coordenação entre os diversos componentes do espetáculo, renovação da atuação do ator inventor e não imitador de modelos sociais e culturais.
Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, em meados da década de cinquenta e sob a sombra da Guerra Fria, surgiu na França, o teatro do absurdo, uma terceira tendência teatral, portadora de uma expressividade inovadora que procurava utilizar elementos chocantes do ilógico, sugeria uma reflexão sobre absurdo panorama político em que eles viviam e sobre a barbárie injustificada promovida pelos governos envolvidos nas guerras.
Do genocídio dos judeus, da explosão da bomba atômica e da perspectiva de uma guerra nuclear, panorama da época, aliado a uma reação política decorrente das tendências revolucionárias, criou-se uma crise espiritual geral que levaria à contestação de todos os valores caducos que ainda regiam as relações humanas. O silêncio, o tempo e a solidão são os temas abordados. E, proveniente desse mal-estar, a existência humana, em toda a sua natureza, é questionada, como resultado de uma sensação aguda de abandono, de impotência e incapacidade de justificar os acontecimentos.
O teatro do absurdo teve suas principais produções concentradas praticamente na década de 1950 e tinha Paris como sede dessa movimentação artística. Para os dramaturgos do absurdo, a sociedade tinha se mostrado um empreendimento falido e não poderia resolver os mais elementares problemas da existência humana. O termo “teatro do absurdo” foi criado pelo norte-americano Martin Esslin, que procurou agrupar sobre um mesmo conceito obras de dramaturgos com características bastante destoantes, mas que compartilhavam essa maneira "absurda" de abordar os temas em sua obra. Os dramaturgos inseridos por Esslin no teatro do absurdo, parece-nos que consideraram insuficientes os recursos técnicos das narrativas lineares naturalistas e foram buscar referências nas manifestações artísticas radicais do início do século para o desenvolvimento de suas peças, principalmente o experimentalismo do teatro dadaísta e surrealista. Buscando uma maior expressividade para expor suas concepções, encontraram no Surrealismo elementos que promoveriam uma transformação definitiva na maneira de se fazer teatro.
Apesar de ter partido do Surrealismo, o teatro do absurdo não recorre às técnicas automáticas surrealistas, apreendendo tão somente a linguagem onírica aparentemente sem sentido de seus textos. Utilizam, ao contrário, uma construção racional para criticar o que eles viam como um desatino que regia o funcionamento da sociedade e das relações pessoais. Nesse sentido, o Teatro do Absurdo apresenta-se como um contraponto da obra de Bertold Brecht, e de outros dramaturgos típicos do teatro social da época.  Enquanto Brecht e os naturalistas [5] se concentram na realidade social e no mundo real, os escritores dramáticos do absurdo se voltaram para a representação do mundo através do fantástico e do onírico. Uma diferença básica que se poderia definir é que, enquanto os naturalistas desenvolviam seus trabalhos na direção de uma poesia épica, o teatro do absurdo tenderia para o lírico. Enquanto para Bertold Brecht o teatro deve ensinar, difundir idéias sociais e colocar-se ao serviço de uma ideologia “marxista”, para Antonin Artaud o teatro deve ser metafísico, dotado de elementos plásticos, físicos, concretos, mágicos. O teatro necessita dirigir-se a uma multidão de espectadores que se identificam com ele, se integrem nele e não se limitem apenas em “assistir” a ele como elemento de diversão. O “Teatro da crueldade“, é de massa, mobiliza objetos, símbolos, gestos, sons, imagens, silêncios e compreensão máxima dos textos poéticos, há nele integração da linguagem visual e auditiva.
Bertold Brecht colabora com o teatro com a técnica do distanciamento uma não identificação entre o espectador e o personagem dramático. São efeitos de distanciamento, entre outros meios: o prólogo, a projeção de títulos, as dramatis personae que podem falar de si em terceira pessoa. Devem-se evitar emoções que inibam o racional. Nesse sentido, Brecht difere de Aristóteles que propunha a catarse – limpeza da alma das emoções que fariam a vida mais difícil de ser vivida. Para Aristóteles a tragédia traz aos homens um “inocente prazer”. Ele incitava a imitação da vida, a ilusão real, mas, modernamente, procura-se reconstruir a vida por meio de convenções. O distanciamento depende da naturalidade do desempenho. O ator, segundo Brecht, tem que esforçar-se para que seu personagem se faça inteligível e procure fazer sentir que ele dá somente um ponto de vista, o seu, sem vacilar em criticá-lo e, em caso necessário, em representar contra o texto. Personagem e ator têm uma representação participativa. Na representação dramática diferentemente do romance em que o leitor não pode entrar no mundo do relato, pode-se compartilhar tempo e espaço com os personagens. Apesar de serem fingidas a simultaneidade temporal e a continuidade espacial, a ilusão de compartilhar tempo e espaço reclama a participação no diálogo e na expressão linguística.
Brecht é um dos escritores fundamentais por ter revolucionado teórica e praticamente a dramaturgia e o espetáculo teatral, alternando a função e o sentido social do teatro. Brecht aperfeiçoa a técnica da composição por cenas isoladas. Não há em sua dramaturgia apresentação, desenvolvimento e desfecho, como na forma tradicional. O ator deve mostrar ilusão, suspense, simpatia, identificação com a personagem. O objetivo do “estranhamento” é evitar que o espectador se comprometa com a ordem capitalista, como a obra foi mostrada, que ele se envolva no compromisso da denúncia que apresenta e que aguce sua observação. Em Terror e miséria do terceiro Reich (escrita entre 1935-1938, na Dinamarca) há uma série de flagrantes que constituem peças em um ato para mostrar a decadência de uma sociedade sufocada pelo terror. Brecht fez uso de recortes de jornais, notícias recebidas da resistência, do rádio, ou outras formas de comunicação. É um panorama da sociedade alemã sob o domínio nazista. São instantâneos saídos de casas de operários e cortes judiciais de trabalhadores socialistas bem como de comunidades judaicas, de campos de concentração.
O texto do teatro do absurdo é cheio de conflitos e ações, por isso mantém a essência do teatro. As pausas e gestos desse teatro também se convertem em imagens físicas de valor fundamental.
O teatro do absurdo rompeu com a representação como estrutura narrativa elaborando uma dramaturgia baseada na estrutura circular em uma nova concepção de suspense. Há redução e descontinuidade realçando a presença do inerte, tanto na ação como no pensamento, segundo explica Enrique Herrera em Una lectura naturalista del teatro del absurdo. [6]
No teatro do absurdo situa-se Eugene Ionesco, apesar de Ionesco dizer que preferisse designar seu trabalho como “teatro do ridículo”, ou “teatro da ridicularizarão”, reafirmando o caráter humorístico de seu teatro. Para Ionesco, não era uma determinada sociedade que lhe parecia ridícula, mas toda a humanidade. Brecht também expôs seus sentimentos a respeito da raça humana: “o maior delito do homem é o de haver nascido”. Essa ácida visão de mundo seria traduzida no teatro através de personagens agoniados, acuados, depressivos, presos num tipo de imobilidade sufocante, por meio do grotesco. O grotesco permite abordar o cotidiano em um plano inédito. Ele o aprofunda até que o cotidiano deixa-se de mostrar-se natural. O grotesco pode ser cômico ou trágico. A idéia do autor pode não coincidir com a do diretor que dá à obra um caráter próprio. Há na representação um tríplice intercambio: o criador, o diretor, que deixa de ser um simples distribuidor de papel, o espectador, que deixa de ser passivo receptor.  O espectador faz o espetáculo com o riso, emoção e inteligência. Ele sai ao encontro de um texto guiado pela inteligência e sensibilidade criadoras de um homem.
 Ionesco, filho de romeno com uma francesa, estreou em Paris, com A Cantora Careca. Trata-se de uma comédia num ato, classificada pelo seu autor de anticomédia. Essa obra se caracteriza pelo seu surrealismo verbal; ela é cômica e trágica. A comicidade, baseada mais no absurdo do que no significado, é uma constante do teatro de Ionesco. Há uma paródia de gestos, acessórios e atuação. A paródia tende a esvaziar a humanidade do homem e convertê-lo em objeto. Exigem-se dos atores atitudes mecânicas e falsas. Os objetos acabam por absorver o homem. O objeto torna-se com vitalidade. A paródia tem o poder de desmitificar.    
A narrativa se passa no interior da Inglaterra, num ambiente burguês. O casal Smith conversa dizendo banalidades com pouco sentido; aparece Mary, a criada, que anuncia a visita dos Martim. Eles entram, sentam-se e, como se não se conhecessem, iniciam um diálogo; ao fim de algum tempo, depois de um acumular de ocorrências, em virtude das coincidências, apercebem-se de que são marido e mulher. Entra um bombeiro à procura de um incêndio. Quando se vai, os quatro personagens entabulam um diálogo sem substância que vai subindo de tom até que adotam atitudes ameaçadoras. Por fim, as frases não têm sentido e as palavras desarticulam-se chegando só a sons. As luzes apagam-se e, quando voltam a acender-se, a comédia volta a iniciar-se: os Martim ocupam o lugar dos Smith e voltam a repetir-se as ocorrências iniciais.    
É essa obra uma paródia da vida burguesa. Ionesco, por meio dela, procura mostrar que os homens e as mulheres dificilmente se conhecem, especialmente se vivem juntos há muito tempo. Suas casas são vazias e vivem alienados. Há denúncia e despersonalização dos indivíduos.
O teatro do absurdo acrescenta uma nova dimensão da linguagem, mas é um teatro cheio de conflitos e de ação que mantêm a essência da teatralidade.   
É de notar também que os grupos teatrais que surgiram nas últimas décadas, costumam eliminar a quarta parede, aquela invisível, que separa público dos personagens. A tendência é trabalhar a encenação interativa e a produção de textos coletivos. O diretor passa a ser mais valorizado que o autor. O polaco Jerzy Grotowski (1933-1999) é um dos maiores nomes do teatro experimental atual. Ele propõe a criação de um “Teatro Pobre” optando por uma encenação de extrema economia de recursos cênicos (cenográficos, indumentários, etc.), buscando liberar as fontes criativas do homem, num teatro mais ritualístico que trabalhe apenas com o que é extremamente essencial à cena, deixando somente a relação entre o ator e o espectador. Há outras personalidades do teatro contemporâneo que merecem destaques, dentre muitas outras, são elas: o americano, Joseph Chaikin, o italiano, Eugênio Barba, o inglês, Peter Brook, Richard Schechner, Heiner Müller e o brasileiro, [7] Augusto Pinto Boal (1931-2009), fundador do Teatro do Oprimido, que une o teatro à ação social, adota o conceito de teatro e teatralidade, já mencionada pelos clássicos de que todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam.

NOTAS
1. ORTEGA Y GASSET, José. Idea del teatro. Madrid: Revista de Occidente, 1958. p. 55.
2. O Surrealismo surgiu em Paris, nos anos de 1920, no período entre as duas Grandes Guerras mundiais, no contexto das vanguardas, reúnem-se artistas do Dadaísmo que são influenciados pelas teorias de Freud. Sua expressão teatral mais consistente foi o Teatro da Crueldade, de Antonin Artaud, que propunha liberar as forças inconscientes do público através de técnicas de atuação. Também pode ser visto como precursor dessa linha de teatro o visionário Albert Jarry, com seu Ubu Rei. Outras influências ainda incluiriam os romances oníricos de Kafka, Strindberg e Joyce.
3. Segundo Guerrero Zamora (GUERRERO ZAMORA, Juan, Historia del teatro contemporáneo. Barcelona, Juan Flors Editor, 1961. p. 22), o nome “Ubu” deriva de Ybix, o abutre, fazendo referência à voracidade e avidez da ave de rapina às características próprias desse personagem. Jarry o desenha com a cabeça em forma de pêra sobre um enorme estômago.
4. ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Tradução e posfácio de Teixeira Coelho. 3. Tiragem. São Paulo: Max Limonad, 1987. p. 105.
5. O teatro de Brechet é herdeiro do Naturalismo.
6. HERRERA, enrique. Una lectura naturalista del teatro del absurdo. Valencia: Universitat de València, 1996.  p. 139.
7. Aqui estamos considerando só o aspecto quanto às técnicas dramáticas e quanto ao teatro contemporâneo no Brasil,  podemos considerar as peças escritas por Oswald de Andrade, como O Rei da Vela e A Morta, como revolucionárias para sua época, – elas não foram encenadas após serem escritas, ficando esquecidas até a década de 1960 – e o teatro contemporâneo iniciado com Nelson Rodrigues (1912-1980), cuja montagem de sua peça, Vestido de Noiv, em 1943, é o marco da modernidade do teatro brasileiro. Os personagens, criados por Nelson Rodrigues, são um retrato fiel da psique humana e suas peças apresentam enredos que possibilitam encenações de grande ousadia, com diferentes planos de ação dramática. Mas há autores e autoras, no panorama contemporâneo do teatro brasileiro, dignos de serem mencionados. Citando alguns nomes: Jorge de Andrade (1922-1983), Plínio Marcos (1935-1999), Ariano Suassuna (1927-2014), Dias Gomes (1922-1999), Leilah Assunção (1943), Isabel Câmara (1940-2006), Consuelo de Castro (1946), Maria Adelaide Amaral (1942), Mara Carvalho (1961) e Hilda Hilst (1930-2004).



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Ester Abreu Vieira de Oliveira (Brasil). Doutora em Letras Neolatinas (UFRJ), Pós-doutora em Filologia Espanhola – (UNED- Madri). Atua nas áreas literárias de teatro, poesia e narrativa da Literatura hispânica, brasileira e espanhola.  Pertence à AEL, Cadeira 27, à AFESL Cadeira 31, ao IHGES, à APEES (Membro fundador), à ABH(Membro fundador), à AIH, à AITENSO, ABH e tem atuado em Setores culturais, participando em comissões culturais estaduais e municipais. É membro de corpo editorial de revista e editoras no Brasil e no exterior; com participação em organização de livros e de antologias. Possui obras publicadas infantil, didática, ensaio, memória, crônicas e poesia e tem participações em  jornais impressos e on-line. Contato: esteroli@terra.com.br. Página ilustrada com obras de Franz von Stuck (Alemanha, 1863-1928), artista convidado desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 17 | Junho de 2016
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