JAM Comienzo asombrándome por tu entrega a un apasionado y
doble andarivel. En efecto, junto a tu quehacer creativo cumples una inusual tarea
de difusión y crítica de otros poetas:
brasileños y, en mayor medida aun, hispano-hablantes. Muchos de ellos, mal conocidos
inclusive en nuestra lengua. Un puente inter-cultural que abarca libros y espacios
como Agulha Revista de Cultura y Banda Hispánica. Desusado, además, por tu
conocimiento de esas poéticas y tu voltaje polémico.
FM O mais importante aqui é manter o ego no
lugar, não deixá-lo de todo solto. Sempre que posso, venho chamado a atenção para
nomes essenciais, na cultura de meu país, e também em toda a América Hispânica,
e creio que assim vamos contribuindo para a difusão de suas obras. O que nós estamos
tentando fazer na Agulha Revista de
Cultura – Claudio Willer e eu – é não somente recuperar alguns autores do passado,
mas, sobretudo, revelar algumas novas fontes de reflexão. Estamos carentes de reflexão,
de apostas mais profundas em buscar soluções para velhos problemas numa margem e
outra da América Latina. Já a Banda Hispânica,
nela o que conta é sistematizar uma zona de pesquisa sem privilégios de qualquer
ordem. A intenção é formatar um imenso banco de dados, disponível para pesquisa
em área acadêmica ou artística, um lugar de encontro onde essa cultura múltipla
possa se expressar livre das demanda casuística que já bem conhecemos. Como vês,
nada de intencionalmente polêmico. São áreas esvaziadas e que necessitam ser recuperadas.
E te digo que estou apenas começando. Há uma grande rede de conexões se preparando
para um envolvimento maior, uma difusão mais ampla e sólida.
JAM En tu libro O Começo da Busca – O Surrealismo na poesia da América latina (2001)
te ocupas de más de una docena de autores, y rechazas cualquier fosilización del
Surrealismo como mera escuela o grupo históricamente datado. ¿Qué rasgos
permiten hoy, entonces, tal adscripción? ¿Fidelidad a la fascinante utopía de borrar
las fronteras entre arte y vida, o incluso “cambiar la vida”? ¿El poeta -y el poema-
como ejes de una subversiva alma en llamas
individual-colectiva? ¿La priorización del automatismo psíquico? ¿Perseguir el punto
donde se unan real e imaginario, sueño y vigilia, razón y locura?
FM Em carta remetida a Osiris Troiani, disse Aldo Pellegrini
que “el surrealismo no es la creación de un solo hombre y en su formación han confluido
todas las corrientes que señalan la insurrección esencial del hombre del siglo XX”.
Naturalmente que essa insurreição
requer uma fidelidade a si mesmo – a fidelidade ao outro é um sofisma cristão –
e o homem é livre para cometer suas contradições. O que se passa com o Surrealismo
é que parte de uma aposta muito profunda e ampla onde o dogma pode levar a certos
prejuízos ou riscos. Como apagar as fronteiras entre arte e vida hoje? Como mudar a vida em meio a essa dinâmica estática
que rege nossa época? É possível como sempre o foi: na fluidez solitária e silenciosa
de uma obsessão. O anúncio de qualquer coisa sempre privilegiou o superficial, o
leviano. A comunicação de massas não passa de customização de massas. Com isto percebemos
que a melhor maneira de ser surrealista é recusar-lhe o dogma. As experiências com
sonho hipnótico em Robert Desnos de alguma maneira se entrelaçam com a busca de
iluminação em René Daumal, e penso que os dois casos podem ser aqui lembrados por
um único motivo consistente: a fidelidade a si mesmo. Esta me parece a maior contribuição
do Surrealismo: a afirmação insubornável do mais íntimo em nós, a grande convulsão
do ser. Não é preciso tirar carteira de clube para isto, ou restringir-se a um tempo
dado, histórico.
JAM ¿Es válido llamar surrealistas, sin reservas, a poetas
inclusive de la relevancia de un Enrique Molina, cofundador con Pellegrini de A partir de Cero, que reconoció con fervor
la impronta surrealista pero reticente -salvo quizás en tramos de Amantes Antípodas y Las Bellas Furias- a la alogicidad y desenfreno asociativo del Surrealismo
(distanciamiento más acentuado aun, creo, en Olga Orozco, por su parte más cercana
al gnosticismo y a la nostalgia de un absoluto religioso)? ¿Y qué pasaría con los
poetas cuya obra mayoritaria se alejó de esta corriente? ¿O los que se amoldaron
al sistema? ¿Por qué rechazar las expresiones para-surrealismo, afin al surrealismo
etc.?
FM Aldo Pellegrini era possuidor dessa mescla
de visão e revelação que somente cabe aos grandes espíritos. É admirável esse momento
na história de nosso continente em que se pode contar com um antagonismo confluente
da ordem do que regiam Pellegrini e Raúl Gustavo Aguirre. Creio que devemos considerar
do Surrealismo, em suas origens, a inúmera possibilidade de expansão. Lamentavelmente
no Brasil havia uma presunção em curso que impedia perceber a ideia central já oferecida
por Lautréamont de uma poesia feita por todos. O gnosticismo de Olga Orozco ou o
orfeísmo de Rosamel del Valle devem ser considerados como identificações valiosas.
Definem-se por uma liberdade intensa e aportam com imagens surpreendentes. As religiões
sempre possuíram um caráter restritivo, no que difere o sentido do religioso. Ainda
hoje cabem cuidados para que o Surrealismo não seja confundido com uma doutrina.
As denominações aproximativas que sugeres são quimicamente inaceitáveis. Mas não
há um sistema surrealista imposto como a desejada escola cultuada por alguns equívocos.
Cabe deixar-se tomar por essa fúria valiosa do contato de realidades à volta, a
maneira como estou dentro e fora do mundo.
JAM ¿Cabrá rescatar, como postula el poeta español Ángel Pariente
en el diálogo que transcribes en O Começo
da busca, que el Surrealismo sería en esencia libertad y contradicción, y querer
acotarlo es vano afán escolástico, o que bien puede hallarse en ciertas
etapas de un poeta y ausente en otras? ¿Y sería surrealista sólo en esas obras?
¿Ello no invalida, en tales casos, su inclusión como “poetas surrealistas”?
FM Ángel Pariente é um estudioso sério do Surrealismo
e sua antologia publicada na Espanha é um momento admirável de busca de integração
entre as duas margens do Atlântico, Espanha e América Hispânica. Tem minha completa
admiração por isto. Entende que o fogo surrealista não estava fadado a queimar,
mas antes a iluminar. Foi Artaud exatamente a dizer que “o surrealismo é antes de
tudo um estado de ânimo”, e não há como por em dúvida o estado de ânimo de um poeta
como Artaud. Há uma presença do Surrealismo na obra de um poeta como o chileno Enrique
Gómez-Correa que vai além de qualquer declaração do próprio poeta em sua defesa.
JAM ¿Qué opinas de la observación de Louis Aragon, para la
entrevista de F. Cremiéux en 1963: “Se tiene la idea equivocada de considerar al
Surrealismo sólo en función de una de sus actividades experimentales, a la que habíamos
dado el nombre de escritura automática”, la
que a su juicio sería uno entre otros motores de arranque de las grandes “cacerías
interiores”?
FM Breton disse em 1952, a respeito de Aragon,
que “o único perigo que corre é seu grande desejo de agradar”. Sempre achei curiosa
esta observação e confesso que me levou a não considerar muito os ditos de Aragon.
Percebo agora que era mais dado a declarações coletivas do que pessoais. Mesmo sua
poesia da juventude surrealista não possui grande substância – apesar da rara beleza
de um poema como Licantropia contemporânea.
No entanto, Aragon está correto: o Surrealismo propôs uma abrangência inabarcável
e teve como resultado o esfatiar-se produzido por aplicadas restrições a essa amplitude.
JAM En el puzzle llamado Latinoamérica impera el desconocimiento
sobre nuestras culturas y potencialidades. Hasta especialistas como Saúl Yurkievich
practicarían recortes erróneos, según dices en “La modernidad de la poesía en Hispanoamérica”.
Pero a la vista de nombres y movimientos renovadores en Brasil y que traspasaron
con fuerza sus fronteras, ¿por qué afirmas que, “salvo excepciones, la tradición
poética brasileña se vincula a un formalismo inocuo y exacerbado?”. ¿O en tu diálogo
con el poeta Harold Alvarado Tenorio: “En Brasil padecemos de una miseria cultural
de la que todos somos cómplices?”
FM As declarações atendem a dois momentos específicos,
ainda que confluentes. Se somarmos todos os recortes, digamos, estéticos da poesia
brasileira teremos uma presença marcante do que chamo de esvaziamento de discurso,
lugar onde a forma importa mais que o fundo, e raramente se verifica a afirmação
pretensa de uma verdade, o postulado de uma inquietude existencial etc. Tem-se uma
instância decorativa. E me lembra aqui uma afirmação do Roberto Piva, em 1964, que
então se manifestava “contra a inibição de consciência da poesia oficial brasileira
a serviço do instinto de morte (repressão)”, ou seja, a poesia se mostrando enclausurada
pelo que Aldo Pellegrini chamava de “círculo muerto de las posibilidades gramaticales,
semánticas o sonoras”. A miséria cultural aludida em outra ocasião refere-se à nossa
cegueira para o que se passa fora, no sentido de sairmos em busca de algo. Aqui
se encaixa aquela distinção observada por Octavio Paz entre fazer a história ou
sofrê-la. Quando situo a existência de uma cumplicidade é porque observo, inclusive
em conversa com muitos escritores, sobretudo os que se dizem poetas, que essa “inibição
da consciência” de que falava o Piva tornou-se uma consciência dirigida, que atende
a conveniências e nada mais. Há algo mais miserável do que isto? Particularizo o
assunto brasileiro, mas cabe aqui uma menção ao que chamo de visão equivocada em
Saúl Yurkievich. Por um lado propõe uma leitura das origens da poesia latino-americana
deixando de fora o Brasil; por outro, recai no lugar-comum de utilizar-se levianamente
de um cânone recorrente, falho em aspectos ligados a leituras cronológicas, éticas
e estéticas.
JAM Gilberto Freyre, Lins do Rego, Jorge de Lima,
Drummond, Mario y Oswald de Andrade y el “Tupy or not tupy”, el “Verde-amarelismo”,
el “Luso-tropicalismo”, Portinari, Glauber Rocha… ¿No hay en Brasil
un frecuente interrogarse por las raíces de la identidad, una búsqueda de lo propio
y/o popular en los lenguajes literario, pictórico, fílmico, musical? ¿Cómo te ubicas en relación a esto?
FM Jamais senti necessidade alguma de me afirmar
pelo nacional, de buscar nas entranhas de minha criação um caráter nacional. A discussão
frequente em minha poesia do estar no mundo encontra-se ligada mais aos espaços
interiores do ser. Não estou bem certo se a América de um Allen Ginsberg, por exemplo,
está ligada especificamente à realidade estadunidense ou se à veemente indignação
do poeta em relação à condição humana. Parece-me que a segunda opção seria mais
fiel à poesia. A afirmação do nacional já extrapolou todos os limites do aceitável
em sua relação com a arte. O século XX foi pródigo em diversas formas de fascismo.
Em tua pergunta destaca-se o verde-amarelismo, em cujo manifesto, datado de 1929,
se falava em “liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder”, em
contradição com a aposta integralista de alguns de seus signatários. Tomava-se então
o índio como símbolo nacional, “justamente porque ele significa a ausência de preconceito”,
mas simplesmente não havia mais índio, mesmo nas primeiras décadas do século passado
o índio já se encontrava em pleno processo violento de folclorização. Não espelha
a realidade, mas antes um falseamento dela. A presença indígena, a consciência de
uma nação indígena, tudo isso já fora liquidado, e a coragem maior, mais decisiva,
era justamente a de realçar essa chacina. Para mim o “Tupy or not Tupy” não passa
de um trocadilho infame, desses que desgraçadamente se ramificaram por toda a cultura
brasileira, tanto é que o próprio Oswald de Andrade, que o
cunhou, no Manifesto da poesia pau-brasil (1924) defendia uma brasilidade “sem ontologia”. Não te soa contraditório? Pois nunca ninguém deu pela conta entre nós. Em uma carta dirigida ao cineasta Cacá Diegues, em 1971, Glauber Rocha dizia o seguinte: “Oswald estava metido com os partidos liberais vigaristas e a única coisa política consequente que deu a Semana [de Arte Moderna] foi o integralismo”. Glauber comentava particularidades dos anos 20, de uma casta intelectual ainda hoje bastante influente em nossa cultura: “se comem uns aos outros, fazem tráficos de prestígio, informação, concorrência social e cultural, traem as ideias do núcleo biológico fundamental e se amesquinham na transação complacente com o regime”. Não há nada mais atual em nossa realidade brasileira.
cunhou, no Manifesto da poesia pau-brasil (1924) defendia uma brasilidade “sem ontologia”. Não te soa contraditório? Pois nunca ninguém deu pela conta entre nós. Em uma carta dirigida ao cineasta Cacá Diegues, em 1971, Glauber Rocha dizia o seguinte: “Oswald estava metido com os partidos liberais vigaristas e a única coisa política consequente que deu a Semana [de Arte Moderna] foi o integralismo”. Glauber comentava particularidades dos anos 20, de uma casta intelectual ainda hoje bastante influente em nossa cultura: “se comem uns aos outros, fazem tráficos de prestígio, informação, concorrência social e cultural, traem as ideias do núcleo biológico fundamental e se amesquinham na transação complacente com o regime”. Não há nada mais atual em nossa realidade brasileira.
JAM Es muy interesante tu observación, y los planteos de Claudio
Willer, de que un contradiscurso enfrentado
al oficial-canónico implica más que el sarcasmo o la distorsión. Si he entendido
bien, no se trataría de un simple binarismo (discurso-contradiscurso), sino de una
interacción dentro de una red de nuevos códigos, y de intervenir en el complejo
mosaico social-cultural. Si es así, ¿cómo podría darse en el Brasil de hoy?
FM O cânone funda uma falsa identidade. Sua
rejeição alimenta-se dessa falsidade. Não percebendo isto, ficamos a administrar
o que está à direita ou à esquerda de um determinismo que se impõe indiscutível.
Ora, a experiência humana multiplica-se em tantos fenômenos a ponto de anular a
fenomenologia em sua perspectiva científica. Agora, essa ambientação de uma interferência
não é sentida jamais, não se dá no mesmo plano de um falseamento do real, como operado
pela mídia, por exemplo. Mas para que serve o dinheiro e no que tem sido utilizado?
Estamos a fabricar cânones de interesses privados. A mesma política de sempre. O
Brasil tem uma percepção mínima do que se passa na esfera virtual. Nossa ideia de
intervenção é no sentido de preparar terreno para o futuro. Aos poucos estamos nos
convertendo na maior rede nacional de produção cultural na Internet. Mesmo aí rejeitamos
o cânone, espécie de mito de ocasião, e diante de nós o maior de todos os obstáculos:
celebrar bodas entre essas duas mídias: a impressa e a virtual.
JAM ¿A cuáles autores de la poesía brasileña pasada o contemporánea
te sientes más ligado, más allá de líneas estéticas? ¿Y por qué?
FM Ainda em garoto lia mais a narrativa de José
de Alencar do que propriamente nossos poetas. Em casa meu pai ouvia muita música
brasileira e me levava a ver filmes com frequência. Claro que tudo isto coincidia
com a leitura de livros, conversas com amigos etc. Os dois poetas brasileiros que
primeiro me chamam a atenção são Ferreira Gullar e Carlos Nejar, mas isto em meio
a uma adolescência onde era muito forte o convívio com a prosa (Sade, Dostoievski),
o teatro (Ionesco, Weiss, Shakespeare), as artes plásticas (Bosch, Brueghel, Goya)
e a música pop (Frank Zappa, Rolling Stones, Led Zeppelin). Contudo, há um tempo
ligado a incansáveis leituras, freqüentado por inúmeros poetas. Através dessas visitações
é que vamos tecendo uma singularidade, que me parece ser algo importante na vida
de um artista. Muito me interessa a poesia de um Jorge de Lima ou de um José Santiago
Naud, pela vertigem barroca e a vertente surrealista. É um dos raros momentos em
que as encontramos juntas em nossa tradição lírica, o que se pode ver também em
minha poesia. Mas sou um poeta dado ao trágico, a acentuar a dor, a chafurdar no
sofrimento para ver o quanto resiste. E a tradição poética brasileira é mais decorativa
– pensemos no peso impressionante do Parnasianismo até os dias de hoje –, quando
não pende para um lirismo mais adocicado, de pequenas paixões frustradas ou ânsias
amorosas reveladas por entre véus.
JAM ¿Cómo entiendes el misterio y la magia poéticos? ¿Crees
que palpite en igual grado en la manzana que tapa, o tacha, el rostro de un hombre
ataviado con sombrero de copa –para evocar el célebre cuadro de Magritte–, como
en la aparentemente nada misteriosa piedra
en medio del camino de Drummond?
FM Paul Nougé já observou, a respeito de Magritte, que “una
constante meditación crítica sobre las relaciones del mundo exterior con el hombre,
en la forma dialéctica en donde el hombre y el mundo exterior constituyen los términos
en perpetuo devenir, ha llevado esta pintura a la unidad viva y a la expresión eficaz”.
A pintura de Magritte e o poema
de Drummond hoje se encontram convertidos em ícones, naturalmente repletos de excessos
de leitura, do oportunismo à idealização. Não são bons exemplos nem para a magia
nem para o mistério. A peça de Magritte converteu-se em uma fonte de lucros para
a indústria da propaganda (aí incluindo o cinema). A de Drummond dilacera-se entre
leituras de menor influência. Talvez originariamente as duas tenham sido obras de
um ouvido interno, porém ditadas pela entrega ou pela busca? Aí temos a distinção
entre magia e mistério. Aliás, Magritte já dizia que o mistério “'é absolutamente
necessário para que exista o real”. Não me parece que Drummond tenha recorrido ao
mistério em sua poética. Entregou-se por completo em cada poema, crisol de suas
expectativas, sim, mas distanciando-se da ideia de assumi-lo. Me parece que há um
abismo intencional entre ser e obra, um racionalismo que o aproxima mais de Valéry,
por exemplo. Ainda que tivesse em Verlaine uma clara fonte de identificação.
JAM También trabajas el collage. ¿Cuáles son tus relaciones
con la imagen visual? ¿Cuáles sus lazos con el hechizo onírico? ¿Cómo juega esto
en tu poesía y tu vida?
FM Não compartilho a ideia de segmentações estéticas.
Isto quer dizer que não vejo diferença alguma entre meus poemas, colagens, ensaios.
A menor frequência de colagens se dá em função de uma exigência maior no plano ensaístico,
onde tenho que abranger uma área muito extensa (tradução, edição, conferências).
No Brasil não temos uma tradição nessa área de colagens. Há casos isolados – Jorge
de Lima, Tereza d'Amico, Sérgio Lima –, compreendidos justamente pela recusa de
toda uma casta intelectual a admitir a presença do Surrealismo em nossa cultura.
Há dois entendimentos que se distanciam entre si em relação à imagem. Fujamos dos
lugares-comuns. A imagem é uma bifurcação de interesses, como sugere a propaganda,
ou então uma afirmação de novas perspectivas existenciais. Não posso mais falar
em “feitiço onírico”, como sugeres, porque vivemos em uma época de feitiços construídos, onde nos arrastamos
sofregamente a caminho de uma falsa ideia de nós mesmos.
JAM En tu poema “Tratados de la sombra” aludes al “espectáculo
de nuestras ruinas”, escenario “donde / el hombre actúa como el gusano de la propia
especie”. En “A outra ponta do homem” dices: “¿De qué muere al final un hombre?
/ Sufre con sus animales espantosos, / escrituras encrespadas, / viscosas/, pobre
mimo de la propia memoria…”. En “A la Sombra del Origen”: “¿Quiénes somos? ¿Los
magníficos restos de la especie, / sacerdotes de ruinas, vastas y frustrantes?”.
Y en otros poemas: “Lo que veo en el jardín son detalles del horror…”, “¿Con quién
hablas en tu camino hacia el abismo…?”. Crepitan en tus versos palabras como cenizas, muerte, dolor, alma, ruinas, cadáver,
vacío, equívocos, sin olvidar Dios…
Por otro lado, tu Natureza Morta exhibe
una muy ambiciosa estructura en forma de tríptico, forma que como señalaste hasta
remite al Dante, y yuxtapone poemas y estrofas de gran intensidad encantatoria y
variedad incluyendo reminiscencias salmódicas o rapsódicas. ¿No ves en tu obra rasgos
románticos y metafísicos, en la familia de algún raro como José Antonio Ramos Sucre?
FM A leitura de Ramos Sucre foi algo impressionante
para mim e acho tua referência fascinante. Há um recorte entre o mundano e o metafísico
neste poeta que o aproxima de uma poética que eu já vinha desenhando, sobretudo
graças a uma mescla de convivência com textos teatrais e tratados filosóficos. É
comum em Ramos Sucre o personagem saltar de uma cena trivial em uma taberna, por
exemplo, para o centro abissal de uma discussão metafísica, por ele apenas sugerida.
É um poeta impressionante e me parece que ainda não compreendido de todo, sobretudo
nessa vertente que mencionas. Possui obra mais densa do que Tablada, Girondo, Eguren
e Huidobro, para citar aqueles predecessores do Surrealismo apontados por Stefan
Baciu. Até onde não me engano, minha poesia estrutura-se em uma complexidade que
soma lirismo e metafísica, que põe o arquétipo a dialogar com as mais obscuras aparições
do cotidiano. Deus é a nossa grande fonte, de equívocos e descobertas. Está presente
em minha poesia mais pelos abusos conceituais do que propriamente por uma reverência.
Tens razão quanto ao tríptico, forma a que recorro com curiosa permanência em meus
escritos, ensaios e poesia. O dobrado em três como uma abertura para novas percepções,
não apenas como tábulas soltas, mas trazendo já em si a chave para uma recorrência.
O tríptico tem sido recurso plástico, mais ligado à pintura, pensemos em Bosch ou
Francis Bacon, que praticamente constituiu sua obra dentro dessa opção ou obsessão.
Mas é claro que o recurso a esses grandes painéis segue o curso de uma busca metafísica,
desde que aclarado que a transcendência só se realiza na imanência, e vice-versa.
Entrevista
concedida a Jorge Ariel Madrazo. Originalmente publicada em Poéticas. Buenos Aires, 2003. JORGE ARIEL
MADRAZO (Argentina, 1931-2016). Poeta, ficcionista, tradutor e ensaísta. Autor de
livros como Espejos y destierros (1982),
Testimonios de fin de milenio. Conversaciones
com Elizabeth Azcona Cranwell (1998) e De
mujer nacido (2003). Foto de FM, ao lado de Allan Vidigal, Luiz Roberto Guedes,
Mona Gadelha e Celso de Alencar, 2012 © Fábio Chiba.
Imagens
reproduzidas nesta página:
2011 Caderno de relatos
2011 Celebração da memória
2011 Cicatriz do olhar
2011 Crônica de miragens
*****
Organização
a cargo de Márcio Simões e Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Artista convidado
| Floriano Martins (ensaio fotográfico)
Imagens ©
Acervo Resto do Mundo
Esta edição
integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim
estruturado:
1 PRIMEIRA
ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS
DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA
MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS
NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO
EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS
DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA
MEMÓRIA, II
9 SEGUNDA
ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
A Agulha
Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano
Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio
2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de
Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde
2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano
Martins e Márcio Simões.
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