INTRODUÇÃO | A América impõe-se
ao imaginário europeu desde o momento do "descobrimento" e por muito tempo.
Pretendemos aqui abordar um episódio da História do Brasil - a ocupação da Bahia
pelos holandeses em 1624 e sua retomada, no ano seguinte, por forças luso-espanholas
– tal como aparece na celebração barroca do teatro do mundo que articula literatura
e pintura, numa peça de Lope de Vega e no quadro correspondente de Juan Bautista
Maino.
A relação entre o literário
e o pictural, entre a peça teatral e a tela não constitui artifício crítico mas
articulação explícita e reconhecida no próprio Siglo de Oro espanhol. Por outro
lado, a referência ao texto de Lope tornou-se lugar comum da crítica de arte quando
se trata de analisar a pintura de Maino ou o conjunto do Salón de los Reinos. Parece-nos,
entretanto, que o lugar comum merece ser revisto para que se possa distinguir diferenças,
claras, entre a mensagem da peça de 1625 e a do quadro de 1635.
A comédia histórica de Lope,
El Brasil restituído (de 1625) - uma das
menos conhecidas e representadas da sua enorme produção – consta de três jornadas
e apresenta grande número de personagens: portugueses, espanhóis, holandeses e judeus,
além de figuras alegóricas como o Brasil, a Religião Católica, a Heresia, a Monarquia,
Apolo e a Fama. A tela de Maino, La Recuperación
de Bahía, pintada dez anos mais tarde, tem como referente primeiro a obra de
Lope. Executada em 1635, destinava-se a figurar no conjunto de batalhas do Salón
de los Reinos, criado por Velázquez, à glória de Felipe IV, o rei-planeta. Ela faz
parte de uma sintaxe complexa de telas – batalhas (navais e terrestres), quadros
mitológicos e retratos equestres – já muito bem conhecida, mas talvez ainda não
suficientemente explorada do ponto de vista iconológico. Aqui, a análise das duas
obras e de sua relação nos permitirá:
a) exemplificar um tipo de
teatro histórico sobre as lutas travadas nas colônias americanas contra os invasores
holandeses ou ingleses;
b) analisar a ideologia da
honra, discrição e limpeza de sangue (limpieza
de sangre), sobretudo quanto aos adversários protestantes e aos judeus, e sua
evolução;
c) apreender o impacto, no
imaginário europeu, dos índios gentios e antropófagos;
d) avaliar a integração das
artes tal como a promove a estética barroca do teatro do mundo;
e) compreender, enfim, as
relações entre teatro e poder na Espanha dos Habsburgos no século XVII e
f) propor uma nova leitura
iconográfica da tela de Maino.
A
PEÇA DE LOPE, EL BRASIL RESTITUÍDO | Uma breve apresentação
da peça[1] nos fará melhor entender
sua problemática histórico-ideológica. A ação se desenrola em Salvador, em 1624
- 1625, durante o período dito de união das Duas Coroas (1580 - 1640). A primeira
cena aborda o rompimento de um casal de amantes: o fidalgo português, Don Diego
Meneses, justifica não cumprir as promessas de amor feitas à jovem Guiomar por não
poder manchar seu nome unindo-se a uma
judia. Grávida do fidalgo português, a moça é dada pelo seu pai, em casamento, ao
holandês Leonardo Vinch; é a união, segundo o gracioso da peça, Machado, da hebreia com o herege. Mais: o pai judeu,
Bernardo, "vende" a praça aos holandeses que invadem a Bahia. É sobre
essa torpe e indigna "traição dos judeus" ou da gente da nação como se
dizia então, que Lope constrói a história épica do Brasil restituído.
Na última cena da peça, todos
os invasores holandeses são perdoados, em nome do Rei espanhol, pelo comandante
vencedor, Don Fadrique de Toledo Osorio, segundo o código cavalheiresco de honra,
mas não os judeus. Guiomar compra a peso
de ouro o pedido de clemência que o gracioso
faz ao herói por ela. Estabelece-se, assim, uma hierarquia do mal na qual os combatentes
holandeses, invasores e hereges porque calvinistas, podem ainda ser perdoados quando
vencidos em combate leal, mas não os judeus que são o mal absoluto. De forma reveladora,
o episódio em que Machado recebe escudos de ouro de Guiomar, não é conotado negativamente:
ele podia ser visto, hoje, como cena de clara e flagrante extorsão do mais fraco
(a jovem judia) pelo mais forte (o combatente português). E do filho gerado por
Guiomar, filho também do nobre português, não se faz sequer menção na peça: bastardo
e filho de uma hebreia, ele não é recuperável do ponto de vista ideológico e dramático.
Como seu avô Bernardo igualmente, e sua mãe, apesar da sua beleza e do engano de
que foi vítima. Aliás como vítima, somos nós, leitores de hoje, que a vemos como
tal. Assim, os judeus entram em cena para justificar a tomada da praça de Salvador
pelos holandeses. Eles são coletivamente o pharmakos,
a ser rejeitado e morto.
Entre a primeira cena (rompimento
dos amantes por motivo de honra) e a última (perdão dos holandeses e condenação
dos judeus), acontecem vários embates e diálogos entre personagens e figuras alegóricas.
Várias figuras alegóricas - o Brasil, a Religião Católica, a Monarquia e a Heresia
- fornecem o arcabouço teológico e moral da ação enquanto duas outras - Apolo e
a Fama - estabelecem o elo com a tradição clássica. Antes de analisarmos algumas
das suas falas, consideremos as didascálias que apresentam a Monarquia como uma
dama da corte e o Brasil como uma índia, retomando aparentemente a oposição cultura
vs natureza[2]. Mas a terra do Brasil
como índia escapa à barbárie e à selvageria graças à religião católica, isto é,
ela ascende a um plano superior de humanidade porque participa, pela sua conversão
à lei de Cristo, da obra divina da salvação. Desse ponto de vista, é interessante
notar que a própria índia revela sua origem maléfica e impura: ela descende do dragão que também sustenta a
Heresia. Num diálogo, o Brasil se define para a Heresia:
Hija del mismo dragón
que en sus hombros te sustenta,
mal conoces que me alimenta
la verdad y la razón.[3]
Assim, o Brasil passa a ser
alimentado pela verdade e pela razão a partir da sua conversão, podendo opor-se
então à Heresia.
AS
PERSONAGENS FICCIONAIS E A IDEOLOGIA DA LIMPIEZA
DE SANGRE | As personagens humanas da peça poderíamos dividi-las em dois
grupos: ficcionais e históricas. Dentre as ficcionais, já aludimos ao par nefando
formado pelos judeus Bernardo e Guiomar, pai e filha, ao fidalgo português Don Diego,
ao gracioso Machado e ao marido holandês
da moça judia, desposada apesar de judia e grávida de outro[4]. Com exceção de Leonardo
Vinch, note-se que os tipos[5] são quase todos portugueses
de certa forma: a Espanha já se livrara dos seus judeus. É em Portugal e nas suas
colônias que os judeus participam ainda da vida social, traindo a religião e a monarquia
católica. No não-dito do texto fica a insinuação de que, na terra colonizada pelos
portugueses, há algo de podre. Que é a presença ainda dos judeus. No Brasil, segundo
o fidalgo Don Diego, os judeus são mais idólatras que os índios gentios; ele diz
à amante para justificar o fato de abandoná-la:
vivis de manera aquí
que aun la fe que vive en mi,
con el honor se agraviara.
E mais adiante, o fidalgo
continua:
No vive un indio gentil
más idólatra, en razón
del sol, que otra nación
en su luz en el Brasil.[6]
Dessa forma, o nobre Don
Diego, para não manchar "su sangre tan
clara", se afasta sem remorso nem má consciência, ameaçando a jovem judia
com o "tribunal que sabéis".
Ou seja, a Inquisição.
A passagem, de forma talvez
subliminar para nós, hoje, mas transparente para os contemporâneos, faz eco à discussão
havida, na Espanha, por ocasião da anexação de Portugal pela coroa espanhola, sobre
a Inquisição. A monarquia portuguesa sempre tivera uma posição mais flexível e conciliatória
que a da sua poderosa vizinha em relação aos judeus. É sobretudo depois de 1580
que o Santo Ofício, nos moldes espanhóis[7], entra em terras portuguesas
para zelar sobre a pureza da fé. Segundo Orlando da Rocha Pinto [8], em 1621 ou 1622, logo
após sua ascensão ao trono espanhol, o jovem Felipe IV propõe a criação de um tribunal
do Santo Ofício no Brasil: entretanto, "não se realiza a sua implantação devido ter a Coroa recebido fortes cabedais
oferecidos por cristãos novos brasileiros". Mas já em 1624, ano da tomada
da Bahia pelos holandeses, desembarca no Norte do país, no Maranhão, como primeiro
custódio, visitador e comissário do Santo Ofício, frei Cristóvão de Lisboa, franciscano.
O texto de Lope reflete,
pois, de certa forma, a pressão dos meios tradicionais espanhóis a favor da introdução
da Inquisição no Brasil: para tal, nada melhor do que fazer dos judeus a porta sempre
aberta à traição e à invasão de hereges. A obra teatral reforça a ideologia da limpieza de sangre, forma de racismo de cunho
religioso institucionalizado que discrimina o mouro, o converso e o judeu uma vez
que, na Espanha, para obter qualquer cargo é necessário fazer prova de "sangre limpia".
Dentre as personagens ficcionais
da peça de Lope, uma merece destaque especial, o gracioso Machado, como vimos, meio português, meio espanhol. Ele, de
certa forma, estabelece o elo entre as duas nações e, de forma reveladora, adota
a postura ideológica espanhola em relação aos judeus. Funciona, como todo gracioso, como contraponto irónico e comentador
mordaz das ações. É também ele que faz, em cena, a desmistificação da ilusão teatral.
Em contexto de meta-teatro, ele diz ao arauto dos holandeses:
Habla recio
como en las comedias dicen
los que escuchan desde lejos.[9]
Machado estabelece, assim,
conivência crítica com o público espectador. Por outro lado, ele não é um miles gloriosus cômico ou um soldado fanfarrão.
Dotado de verdadeira coragem, quando, diante do próprio Don Fadrique, se recusa
a marchar contra os holandeses no escuro, ele o faz porque sabe que a glória só
vem do que se realiza à luz do sol. O episódio é revelador: ao receber a ordem de
Don Fadrique de avançar, Machado responde-lhe:
No me mandes ir a mi
a puesto tan peligroso,
y donde de noche muera
sin que me vean morir,
porque el premio del servir
es el honor que se espera.[10]
Assim, embora aceite morrer,
prefere que o vejam morrer em plena luz do sol. De dia e com espectadores. Logo
a seguir, Machado narra uma historieta jocosa[11].
Diante do comentário de Don
Fadrique: "nunca tienen más valor/ los
que profesan donaire"[12] , Machado resolve provar
ao comandante em chefe que donaire e valor não se excluem. Escala a muralha debaixo
das balas e arranca uma bandeira inimiga da cidadela ocupada:
¡Oh Príncipe generoso!
por ser agüero dichoso
de su breve rendimiento,
y no digas por desaire
a lo que llaman humor:
"Nunca tienen más valor
los que profesan donaire"
que con el valor que ves
si allí entonces estuviera,
como traigo la bandera
trajera al mismo
holandés.[13]
A bandeira inimiga "aunque de poca importancia", reconhece
Don Fadrique, é sempre bom sinal de futura vitória. O herói, comandante da expedição
luso-espanhola designado pelo Rei, recebe pois a lição de Machado: é preciso ter
apreço pelo homem de ideias, dos jogos de palavras, do humor, de donaire. Machado encarna portanto a ideia,
cara a Lope, de que o homem de letras também é homem de valor e de coragem. É justamente
esse aspecto nobre de Machado que dá maior
peso aos seus ataques e críticas contra o povo judeu.
Em outro passo da Terceira
Jornada, Machado intervém a favor da judia Guiomar. A cena é um modelo de ambiguidade
curiosa. A rendição dos holandeses é iminente. Guiomar assoma em cena vestida com
sombrero e espada: mais uma vez, aflora
nela a tentação do suicídio. A jovem reavalia a sua vida: o verdadeiro pai do seu
filho, Don Diego, agora morto, era nobre e português; o marido, vilão e holandês:
Mal casamiento intenté
pero en su ley y la mía
¿ qué fe ni verdad tendría
donde no hay fuerza ni fe?[14]
Guiomar pensa, um momento,
em fugir para os montes "mas indios y
negros temo"[15]. Nesse instante, intervém
Machado com dados na mão. A sorte da judia está nas mãos do homem que gosta do jogo
(jogo de palavras, jogo de dados, jogo da sorte, sempre madrasta). Amor e jogo se
opõem: para Machado, a bela judia não é objeto erótico mas fonte de renda. Um breve
diálogo, brutal na sua concisão, revela para o espectador o único acordo possível
entre o gracioso e a judia. Ele vai direto
ao que interessa: "¿Hay algún oro para
darme?"; ela, surpresa, em resposta: "¿Luego no tratáis de amor?"
Guiomar, no jogo de viver
ou morrer, descobre, pela primeira vez, que o seu corpo não pesa na balança, mas
sim os escudos que carrega:
Quiomar:Yo tengo
muchos escudos
que os dar porque
me gardéis.
Machado:Si vos escudos
tenéis,
¿que más defensa
que escudos? [16]
É pois por interesse venal
que Machado pede e alcança o perdão de Guiomar. A peça de Lope tem silêncios, sempre
maldosos, para com o povo judeu. Da mesma forma que não se tem notícia do filho
de Guiomar, esta não pensa em salvar seu pai com o ouro que carrega. Livre, por
intercessão de Machado, ela sai de cena. Antes, porém, um último diálogo, brutal,
com o gracioso:
Machado:¿Qué escudos tenéis ahí?
Guiomar: Mil en doblones.
Machado:¡San Pedro!
Yo soy Marqués del Brasil
por librarte del brasero.[17]
Na rendição dos holandeses,
Leonardo Vinch (o marido holandês de Guiomar) vem, como arauto, entregar ao vencedor
as condições dos sitiados. Don Fadrique rasga o papel sem ler. Leva o emissário
frente ao retrato do Rei Felipe IV na sua tenda: esta é a cena transposta picturalmente
por Maino na sua tela e a que todos os comentadores, sem exceção, fazem alusão.
Raras vezes encontramos, no século XVII espanhol, melhor exemplo da correspondência,
tantas vezes afirmada, entre poesia e pintura. Don Fadrique dirige-se ao retrato
do seu soberano:
No pienso
admitir yo condiciones
de paz ni de otros conciertos
en hacienda de mi Rey,
porque tanto atrevimiento
me ha enviado a castigar,
que no para usar con ellos
la piedad que no merecen.
Mas porque conozco el pecho
de aquel divino Monarca,
que cuanto es juez severo
sabrá ser padre piadoso
reconociendo su imperio,
desde aquí le quiero hablar,
y porque en mi tienda tengo
su retrato, mientas le hablo
pon la rodilla en el suelo.
Descúbrese el retrato de Su
M. Felipe IV, que Dios guarde, amén.
Magno Felipe, esta gente
pide perdón de sus yerros:
¿quiere Vuestra Majestad
que esta vez los perdonemos?
Parce que dijo sí.[18]
A graça é pois concedida
aos vencidos. Os holandeses, desarmados, retiram-se da cidade de Salvador. Machado
está vigilante para, dentre os retirantes, apontar os judeus para impedir que escapem:
Peor en pasado judíos,
que, en fin, los traídores fueran,
advierte que los conozco.[19]
Machado
denuncia Bernardo, pai de Guiomar, a Don Fadrique: "es este pícaro hebreo el que te vendió". Para o judeu não há salvação.
Para limpar o mundo é preciso que o pharmakos
morra, condenado.
A peça de Lope, encharcada
pela ideologia da limpieza de sangre,
retira do humano o judeu. A judia Guiomar é um dos exemplos desse atroz exílio para
além do humano: jovem e bonita, é abandonada pelo nobre português que a seduziu
mas o fidalgo justifica o seu abandono como único meio de preservar sua honra e sua fé; casada com o holandês Vinch, seu marido
dela se afasta também sem que esse segundo abandono apareça como infamante para ele; enfim, ela tem de comprar
a sua salvação ao gracioso sem que a extorsão
de pagar-lhe mil dobrões seja vista como negativa. Muito pelo contrário: numa inversão
sistemática e prenhe de significado, a vítima torna-se armadilha para incautos:
ela se deixou seduzir pelo fidalgo português Don Diego para que seu pai, "en su sangre", tivesse honra em Portugal
e na Espanha[20]; casou-se com o holandês
para vingar-se do amante português. Desse ponto de vista, prudente é Machado que
não se deixa tocar pela beleza da jovem e só lhe tira ouro. Guiomar - a que guia
para o mar, seu corpo atraindo os homens para o abismo e os enganos do amor - possui
o poder que lhe advém da sua beleza e do ouro: Machado, letrado e gracioso, indica, de certa forma, aos espectadores,
o que se pode/deve aceitar dos judeus: dinheiro apenas.
AS PERSONAGENS HISTÓRICAS E A EXALTAÇÃO
DAS DUAS NAÇÕES IRMÃS | Consideremos agora as personagens históricas da peça,
isto é, os atores do feito militar, a Retomada da Bahia; eles são citados pelos
seus nomes, famílias, passado e ações de bravura. E também pelos ferimentos e baixas.
Algumas tiradas da peça constituem o necrológio das perdas portuguesas e espanholas,
com evidente preocupação de exaltar as duas nações hispânicas. Existe, assim, na
peça de Lope, uma hábil celebração da união
das duas nações que, como irmãs, na emulação de suas glórias, parecem contrárias:
porque fuera Lusitania
única, a no haber Castilla,
por las letras y las armas,
y si Portugal no hubiera,
Castilla por Fénix rara
se celebrara en el mundo.[21]
O elogio das duas nações
é igualmente paralelo na voz dos adversários:
¡Notable es la arrogancia portuguesa!
¡Terrible la soberbia
castellana! [22]
Mas existe, igualmente, na
obra de Lope, uma série de ocultações que fazem da sua peça uma obra, senão de circunstância,
pelo menos de partido: o nome do descobridor da terra do Brasil e sobretudo a linhagem
portuguesa da casa de Aviz, reinante em Portugal até 1580. Implicitamente, parece
que o primeiro dono do país foi, desde sempre, o Rei espanhol e no discurso da personagem
Brasil, a índia, evoca Carlos V e seus
portugueses.
Sem insistir em cada uma
das personagens históricas, é necessário destacar o herói do feito, Don Fadrique de Toledo. Sua figura permitirá melhor
compreender o funcionamento do aparelho barroco espanhol, sobretudo ao analisarmos
a sua presença na tela de Maino.
Na peça de Lope, encontramos:
a) sua ascendência; b) seu passado; c) suas vitórias precedentes à da Bahia; d)
a admoestação que lhe faz o gracioso de que valor
e donaire não se opõem, único episódio
em que o tom geral de idealização da sua figura sofre alguma inflexão; e) seu diálogo
com os vencidos e f) sobretudo, a cena em que, diante do retrato de Felipe IV e
em seu nome, perdoa aos holandeses, mas não aos judeus.
Não nos esqueçamos de que
Don Fadrique, no momento da publicação e da representação da peça de Lope (1625),
estava no auge da sua glória, o que não se dá no momento da realização do Salón
de los Reinos onde se insere a tela de Maino. Voltaremos portanto ao assunto mais
tarde.
AS PERSONAGENS BRASILEIRAS DE LOPE | Resta-nos enfim considerar
as personagens brasileiras. No quadro de Maino, aparentemente, os populares que
rodeiam o ferido, em primeiro plano, seriam brasileiros; na peça de Lope, certamente,
os índios o são igualmente. Entretanto, na tela de Maino, como o primeiro referente
é, como veremos adiante, não a batalha travada em terras e no mar do Brasil, mas
a sua representação num teatro, a gente do povo que, compassiva, rodeia o ferido,
constitui, na verdade, um grupo de atores num cenário de papel cartão. Na peça de
Lope, no entanto, aparecem índios brasileiros: quase nada falam, mas estão presentes na ação. Entre a Primeira Jornada
e o restabelecimento da ordem na Terceira Jornada, decorreram vários meses: passa-se
do ano 1624 a 1625. Parte desse período, Machado o vive entre índios. Nos montes
em que se refugiou depois do ataque dos invasores, fez mais penitência que nos desertos
de Tebas e viu os índios assarem e comerem os holandeses:
por aquestos indios son
de aquella cruel nación
de quien hay cosas tan nuevas.
A los indios del Brasil
llamaron antropófagos,
que entre estos montes y lagos
vivieran vida gentil,
y enseñados a comer
carne humana, la ocasión
deste holandés escuadrón
los ha dado bien que hacer.
Allí los he visto asar;
allí, en jigote deshechos,
pechos sepultar en pechos;
pero no os quiero cansar
con las venganzas de gente
bárbara…[23]
Note-se o involuntário humor
da tirada de Machado: "peitos sepultos
em peitos". Os índios antropófagos brasileiros são também evocados no discurso
de várias personagens: eles constituem ainda o Outro inimaginável e incompreensível.
Sua alteridade radical por comerem carne humana século e meio depois do "descobrimento"
da América, ainda não foi assimilado pelo imaginário europeu e pelo texto de Lope,
cujo não-dito parece insinuar que esses bárbaros, no entanto, só comem holandeses.
O que confere, nova forma de humor, um certo tom positivo à sua antropofagia e,
num confronto irreverente e atual, nos confirmaria a visão irónica de João Ubaldo
Ribeiro, no seu Viva o povo brasileiro, de que os índios e
caboclos brasileiros, depois de provarem a tenra e macia carne flamenga não podiam
mais tolerar a dura e áspera carne das Espanhas [24].
Em Lope, o Brasil, como índia
aculturada e convertida, recita Apolo e envia a Fama à corte espanhola para dar
notícia da invasão da terra por "gente
desleal"[25]. Uma longa tirada sua
na Primeira Jornada é particularmente interessante: ela evoca sua história, sua
ociosidade "entre las olas de la mar
sentada" antes da chegada de "aquel
portugués" que cortou de naves o mar profundo: note-se, ao mesmo tempo,
que o trabalho só aparece em terras do
Brasil depois do descobrimento e a ocultação do nome do descobridor. Num claro exemplo
de reescritura da História pela ideologia dominante, as terras encontradas pelo
descobridor anônimo são referidas ao soberano Carlos V: "sus portugueses conquistaron fuertes/ mi tierra
y mar"… Os descobridores e navegadores portugueses são portanto os portugueses
de Carlos V. Segue-se então a evangelização
e a conversão; o Brasil conta:
Entonces recebí la fe de Cristo
y supe que era Dios único y
solo
..............................................
y limpia del antiguo barbarismo
me baño en las corrientes del
bautismo.[26]
Note-se o adjetivo limpia: quem nunca poderia ser limpio é o judeu porque, sobre ele, pesa
o seu sangue manchado desde sempre. Estabelece-se assim uma diferença entre dois
tipos de bárbaro, um recuperável (o gentio,
o índio), outro irrecuperável (o marrano, o cristão novo, o judeu). A expressão
"bárbaro hebreo" aparece em
diferentes passagens da peça El Brasil restituído.
É interessante observar como
a diferença luso-espanhola, na América, se inscreve no teatro de Lope. A peça, da
primeira metade do século XVII, metaforiza ainda as dissemelhanças que os colonizadores
ibéricos, apesar da união tão exaltada dos dois povos do ponto de vista oficial
e da "virtuosa emulação" entre
portugueses e espanhóis, tentam ocultar e revelar: a colônia portuguesa é aquela
onde ainda existem judeus, que ainda não
foram eliminados ou expulsos, como nos territórios espanhóis, purificados.
A TELA DE MAINO, LA
RECUPERACIÓN DE BAHÍA (1635) | A peça de Lope retrata, em 1625, sucessos
do mesmo ano; a tela de Maino retoma, dez anos depois, o mesmo feito histórico já
transposto para o teatro. Já abordamos, em artigo publicado em Colóquio-Artes [27], os problemas de leitura
deste quadro esplêndido e original a partir do procedimento de encaixe de um quadro
dentro do quadro. Mais precisamente: de uma tapeçaria dentro do quadro. Na época
da sua realização, de todos os quadros do Salón de los Reinos, é aquele que alcança
os maiores elogios:
… teniendo en conta hasta qué
punto Olivares se sentía identificado con el proyeto de la Unión no debe sorprender
que el cuadro de Maino sea el único de la serie que incluye la figuras del rey y
de su ministro. (…)
La presencia de estas dos figuras
en la Recuperación de Bahía explica por
qué, de entre todasla escenas de batallas, ésta fué la que los contemporáneos siempre
escogieran para colmarla de elogios. [28]
Sem retomar a análise feita
e para a qual remetemos o leitor, buscaremos aqui destacar alguns aspectos da articulação
entre literatura e pintura no barroco espanhol, mais precisamente entre El Brasil restituído, de Lope e La Recuperación de Bahía, de Maino.
Na tela, três cenas diferentes
se sucedem do fundo para o primeiro plano: no fundo, tropas desembarcam da frota
luso-espanhola e descem nas praias da baía de Todos os Santos numa representação
plástica, de certo modo, de cunho arcaizante; no plano médio, à direita, o vencedor
espanhol Don Fadrique de Toledo Osorio perdoa os vencidos ajoelhados diante de um
tapete que representa o Rei Felipe IV e no primeiro plano, à esquerda, um ferido
é assistido por populares que o cercam, atentos e compassivos.
O quadro de Maino oferece
ao espectador, aparentemente, diferentes momentos do feito histórico: o desembarque
dos aliados, socorro ao ferido e cerimônia de homenagem e vassalagem ao soberano
espanhol representado em efígie. Uma leitura cronológica e ingénua encadearia os
episódios assim: desembarque, socorro ao ferido e cerimônia diante do tapete. Na
verdade, as diferentes cenas constituem episódios no teatro do mundo e, desse ponto
de vista, pertencem todas ao mesmo espaço teatral, em que acontecem praticamente
em momentos e espaços concomitantes.
Nem o desembarque na praia,
nem o socorro ao ferido, como tais, fazem parte do texto de Lope. Eles são narrados
pela Fama ou Apolo: constituem narrativas do passado.
O arcabouço alegórico da
peça de Lope reaparece, modificado, na tela, no quadro dentro do quadro, que constitui
o tapete exposto. Neste, a deusa Palas Atenas e Olivares coroam o rei de louros
e Felipe IV, como príncipe da paz triunfante, tem aos seus pés três figuras, identificadas
como a Fraude, a Traição e a Heresia. Acima da cena en abyme[29] , a frase latina SED
DEXTERA TUA retoma o texto do Salmo de Davi como Rei. A realeza do rei espanhol
é portanto equivalente à de Davi, rei de Israel, cabeça da estirpe messiânica. Esta
é a maior glória imaginável na história do povo eleito: no político e no guerreiro,
como unificador do reino; no artístico, como protetor das artes; no religioso, como
crente e anunciador do Salvador.
Aceita a tese de que a cena
no plano médio do quadro é a transposição plástica do perdão de Don Fadrique aos
vencidos diante da imagem do Rei[30] (cf. "Magno Felipe, esta gente/ pide perdón de sus yerros"), busquemos
as diferenças temáticas das duas obras, que são essencialmente: a) a ausência, na
tela, de judeus e índios brasileiros e b) a presença, ao lado do Rei, do seu Ministro
todo-poderoso, Olivares, o conde-duque. A personagem de Atenas, no tapete, pode
ser homologada às personagens de Apolo e da Fama em Lope.
Apresentando nossa hipótese
de forma resumida, teríamos: a peça de Lope, que se baseia toda na ideologia da
limpieza de sangre e onde os judeus constituem
o bode expiatório, é transposta para a tela, em 1635, com modificação de sentido.
Este passa a ser a glorificação do Valido ao lado do Rei e uma reflexão humanista
sobre o poder e o herói.
Devemos, aliás, distinguir
entre o herói do feito (Don Fadrique de Toledo Osorio) e seu Destinador-Herói (o
Valido). Completando ainda a identificação de Valbuena-Prat para o plano médio,
poderíamos ver a cena do ferido do primeiro plano como a transposição, para a tela,
de outros episódios de Lope: ferimento ou morte de vários combatentes aliados, cuja
bravura não é mostrada mas exaltada pelo próprio Apolo. Mas, novamente, com diferença, de gênero e de tonalidade: na
peça, o tom predominante é o da narração épica; em Maino, na cena do ferido, o tom
predominante é o sentimental. Em Lope, Apolo termina seu panegírico dos caídos com
um apelo às Musas, que é a negação do sentimental:
No os estristezeáis,
¡oh musas!
veréis la venganza presto;
que morir con honra es vida
que vive a pesar del tiempo.[31]
Para compreender a evolução
ideológica ocorrida entre as duas obras, seria necessário articular de maneira mais
clara a ausência de certas personagens
e a presença de nova personagem. A tela
de Maino como que apaga um dos eixos de significação da peça teatral, ou seja, a
reflexão sobre os bárbaros, recuperáveis (os gentios quando convertidos à fé de
Cristo) e irrecuperáveis (marranos e judeus), introduzindo nova figura, totalmente
ausente da obra do dramaturgo, a do conde-duque Olivares, representado em efígie
ao lado do Rei e da deusa Atenas.
Gaspar de Guzmán, conde-duque
de Olivares, é o Valido de Felipe IV, exercendo o poder de 1621 a 1643, datas que
abarcam a produção das duas obras que nos interessam. É o protetor de Rubens, Velázquez,
Murillo, do próprio Lope. Sua ambição e talvez o seu sentido da grandeza espanhola
o lançam a empreendimentos ousados: por causa da sua política militar (guerra nas
Províncias Unidas, participação da Espanha na Guerra dos Trinta Anos), toma medidas
fiscais que provocam desordens internas. Por outro lado, seu esforço de equilibrar
as finanças do Reino o levam a abrandar as leis contra os cristãos-novos, em particular
na comprovação da "limpieza de sangre"
para obtenção de cargos oficiais.
Na peça de Lope, não há uma
única referência ao Valido, já em exercício, repetimos. Na tela de Maino, ele se
torna elemento central na significação da obra, como elo necessário entre o herói
e o Rei. Mais ainda: o poder real não se dissocia do Valido. No quadro, sua importância
aparece, explícita: ele é representado em efígie, no mesmo espaço do Rei, fazendo
par com a deusa grega, no tapete diante do qual se ajoelham os vencidos. Por outro
lado, a representação en abyme supõe certos
jogos, ao mesmo tempo, verbais e visuais: Olivares é o duplo masculino e humano
da deusa Atenas, a Sabedoria armada; ele tem ao ombro a espada nua do conquistador
ornada de oliveira (planta[32], com significações
diversas, todas nobres, que retoma o seu próprio nome: Olivares) e coroa o Rei de
louros.
O estudo do Salón de los
Reinos é assunto para trabalho muito mais extenso: ele foi brilhantemente iniciado
pelo livro, capital, de Jonathan Brown e J. H. Eliott [33]. O conjunto pictórico
criado por Velázquez, em 1635, articula três séries ou paradigmas de quadros: doze
batalhas, dez telas mitológicas e cinco retratos equestres de membros da família
real numa trama complexa de significações sintagmáticas e paradigmáticas. La Recuperación de Bahía retoma sub-repticiamente
o diálogo explícito, em outras batalhas, entre vencedor e vencido, mas aqui o espectador
não identifica o vencido entre as pessoas, representadas ajoelhadas e de costas.
Entretanto, única entre todas as batalhas do Salón de los Reinos, o vencedor aponta
para o Rei e o Valido. O seu dedo indica o próprio cerne da representação.
Exaltação do rei. Exaltação
do Valido também, que forma com a deusa armada da Sabedoria, como vimos, o par coroante.
Sustentáculo do trono, duplo do Rei (a atitude dos dois homens é semelhante no tapete),
Olivares é representado com uma espada nua, gigantesca, apoiada sobre o ombro. Don
Fadrique venceu os holandeses na Bahia, Olivares derrotou as forças que ameaçam
a Monarquia espanhola: a Fraude, a Traição (ou a Guerra) e a Heresia. Se sobre a
cabeça do Rei há louros, a espada de Olivares está adornada também.
Observe-se ainda que há,
entre o Rei e o Valido, entre Felipe IV e Olivares, uma relação implícita passivo/ativo:
o Rei é coroado pelo Valido e a mensagem é reforçada, fora do tapete, pelo gesto
indicador e o discurso (do qual conhecemos o texto, graças a Lope) de Don Fadrique
à multidão de joelhos. O sujeito da frase o
Rei é coroado é, de facto, o objecto direto de um verbo ativo numa frase subjacente.
Assim, o Rei é coroado sai da frase subjacente:
Atenas e Olivares coroam o Rei. Se Atenas
é uma figura alegórica e portanto retórica, Olivares é um homem vivo em 1635 e exerce
o poder em nome do Rei. É Olivares que ergue a coroa sobre a cabeça do seu Rei,
é ele que porta a espada nua, que derrotou a Fraude, a Traição e a Heresia etc.
Por outras palavras: o Rei é Rei por direito de nascença, mas Rei vitorioso graças
a Olivares. Este é o herói sobre-humano, espécie de Nicomède ou de Suréna, que permite
ao Rei mostrar-se como Rei. Aliás, as relações entre o Herói e o Rei postas em cena
por um outro dramaturgo na mesma época, Pierre Corneille, sobretudo na fase final
do seu teatro, não estão longe da problemática das relações entre Rei e Valido na
Espanha do século XVII.[34]
Há na Espanha uma delegação
de poder que merece ser aprofundada e que a tela de Maino põe em cena de maneira
admirável. O Rei é Rei e concede o exercício do poder a um valido que o exerce em
seu nome, o soberano sendo rei literalmente em pintura e no teatro. A expressão
aliás está na boca de uma das heroínas de Corneille: "Puisque le roi veut bien n'être roi qu'en peinture" (Nicomède, V) [35].
Que Olivares, destituído
depois do desastre de Rocroi (1642) contra os franceses, morra louco é compreensível
depois que um tal poder lhe foi retirado. Na Espanha, Olivares não é a eminência
parda, o poder por debaixo dos panos, mas exerce o poder à vista de todos: ele coroa
o Rei na tela de Maino e se faz representar sobre um cavalo en courbette por Velázquez [36]. Seu título espanhol,
el Valido, exprime sua situação, para
nós, hoje, paradoxal: ao mesmo tempo, adjetivo ("recibido, apreciado o estimado generalmente") e substantivo ("el que tiene el primer lugar en la gracia de
un príncipe o alto personaje. Primer ministro"), a palavra é, na verdade,
o particípio passado do verbo valer. O
Valido é o que recebe o valor de outro,
fonte de valor e da ação de valer . Aqui a relação passivo/ativo entre
Rei e Valido, antes referida, se inverte: o Rei imóvel é fonte de valor e da ação de valer exercida pelo seu delegado que age e fala em seu nome. Lumen solis, "a luz do sol", define Quevedo ao Valido[37]. Seu poder (ou sua
luz) tem portanto um aspecto lunar. O Rei é o sol ausente (que se quer ausente)
e envia sua luz a outro que o representa, por procuração.
A problemática do Rei/Sol
não está ausente da Espanha mas ela trabalha o imaginário de uma forma mais oculta
e não menos poderosa do que na França de Luís XIV. Como o mostra Rosa López Torrijas[38], a identificação do
Rei espanhol com o Sol é antiga e assim, Ruscelli, nas suas Imprese illustri de 1580, dedicadas a Felipe
II, representava o soberano como Sol conduzindo um carro de quatro cavalos com o
lema latino "iam illustrabit omnia",
o que significa que, como o Sol ilumina tudo, o Rei espanhol ilumina com a lei de
Deus o nosso mundo.
Voltemos ainda por um momento,
antes de avançarmos, à inscrição já referida por debaixo do dossel: SED DEXTERA
TUA, fragmento do Salmo 43, 3 que reza: Neque enim gladio suo occupaverunt
terram, nec brachium eorum salvavit eos, sed dextera tua et brachium tuum, Domine,
quoniam salvavit eos. A crença no providencialismo[39], ou seja, a proteção
divina sobre a política dos reis que lutam contra a heresia e a vitória da fé católica.
A hierarquização do poder
na Espanha está presente na tela de Maino: o comandante das tropas, aquele que retomou
Salvador e a Bahia, dirige-se aos vencidos que, de joelhos e de costas para o espectador,
prestam vassalagem à efígie do Rei coroado pelo par alegórico/humano: Atenas/Olivares.
Este, que não tomou parte na batalha, é representado como Herói vitorioso, espada
desembainhada sobre o ombro[40], derrotando a própria
essência dos inimigos da Monarquia (a
Fraude, a Traição, a Heresia). Em qualquer batalha, em qualquer canto do mundo[41], o comandante terrestre
ou naval é um delegado do Herói (Olivares), que assegura o trono, como delegado
do Rei. Em outros termos: se o general espanhol ou a serviço de Espanha vence inimigos
(= homens: holandeses, hereges, ingleses etc.), o Valido vence a essência do inimigo
(= Fraude, Traição, Heresia) enquanto o Rei existe, como Deus vivo, para receber
a coroa de vencedor e pacificador, para ser honrado,
fonte secreta de todo valor. Para ser
coroado para sempre, espectador imóvel, fascinado e fascinante, talvez enfastiado,
representando o papel de Rei.
Entre a peça de Lope e a
tela de Maino, entre 1625 e 1635, um salto foi dado. Na obra do dramaturgo, o Valido
ainda não aparece embora já esteja em exercício: a vitória sobre os holandeses foi
alcançada graças ao "ánimo belicoso del
joven Felipe" que põe "espíritu
animoso en su gente" [42].
O primeiro ministro espanhol
tinha ainda outra designação, el Privado.
Literalmente: o que tem a privacidade. A privacidade com a Monarquia encarnada.
Com o Rei. É este privilégio exorbitante que será retirado a Olivares quando cai
em desgraça. El Privado será privado do
seu cargo que era, antes de mais nada, olhar o verdadeiro Sol e refleti-lo, como
a Lua reflete o Sol. Ofuscante demais para simples mortais.
Exaltação do Rei, exaltação
do Valido, exaltação também de Don Fadrique. Fato também relevante a ser observado:
na Espanha, ao contrário da França de Luís XIV, um homem, uma vez caído em desgraça,
não tem a sua imagem apagada nem destruída. Porque a sua queda, no caso do Valido,
é a condição mesma do funcionamento da monarquia espanhola e no caso de um comandante,
como Don Fadrique, fonte de reflexão sobre a roda da Fortuna em seus altos e baixos.
O herói da Bahia, no momento
em que é criado o Salón de los Reinos por Velázquez (1635), acaba de cair em desgraça
e morrer exilado da corte[43]. Mas Don Fadrique aparece
em duas batalhas do conjunto: Bahia e San Cristóbal. Para os discretos da época, os comandantes vitoriosos
das diferentes batalhas deviam fornecer ao espectador do conjunto, um painel sobre
diferentes sortes: vida e morte, ascensão e queda, glória e desgraça. A figura de
Don Fadrique introduz na série de batalhas um tema interessante: o do herói já morto
(caso de Espínola, representado em duas batalhas) mas caído em desgraça (caso de
Don Fadrique). Percebemos, assim, um novo elemento que deveria picar os contemporâneos
e seu interesse: a frase de Lope, atribuída ao vencedor da Bahia ("Magno Felipe, esta gente/ pide perdón de sus
yerros") podia também aplicar-se ao próprio Don Fadrique. Por outro lado
ainda, o vencedor de Bahia exibe diante dos holandeses derrotados um tapete no qual
é seu inimigo, o conde-duque, que coroa o Rei de louros.
Elementos da biografia desse
marinheiro excepcional, morto um ano antes
da inauguração do Salón de los Reinos, exilado da corte e prisioneiro, permitem
melhor apreciar as alusões.
Don Fadrique de Toledo Osorio
(1580 - 1634), filho do quinto marquês de Villafranca, serviu muito jovem nas galeras
de Nápoles. Nomeado capitão general do mar oceano em 1618, venceu a esquadra holandesa
em frente ao cabo São Vicente em 1621, bloqueou a costa inglesa em 1623 e expulsou
os holandeses da Bahia, tema da peça de Lope e da tela de Maino. No regresso à Europa,
dedica-se à proteção das esquadras das Índias de 1626 a 1629. Em 1630, no mar das
Antilhas, vence ingleses e franceses que se tinham estabelecido na ilha de San Cristóbal,
tema de outra batalha do Salón de los Reinos, do pintor Eugenio Caxés. Mais tarde,
passa a Flandres acompanhando o cardeal-infante Don Fernando. Essa carreira vitoriosa
é interrompida quando Don Fadrique conquista a inimizade do conde-duque de Olivares;
o Valido consegue desterrá-lo, exonerando-o dos seus cargos e funções. Don Fadrique
morre aos 54 anos, antes de partir para o desterro. Caindo Olivares, em 1643, Felipe
IV reabilita a memória do ilustre homem do mar.
Mas antes dessa reabilitação
póstuma, que só virá anos mais tarde, Don Fadrique, caído em desgraça, expulso da
corte e já morto, aparece em duas batalhas do Salón de los Reinos, como objecto
de meditação sobre a glória e a queda dos homens. Sicut transit gloria mundi. Mas essa meditação está oculta para os desatentos
ou desinformados. No quadro de Maino, Don Fadrique está de pé, junto à efígie do
seu Rei e do Valido, que o condenou. Assim, a simples proximidade de figuras complementares
e/ou opostas cria inflexões de sentido para os contemporâneos: a História e sua
reflexão estão presentes no teatro do mundo. O Salón de los Reinos era o teatro
dessa encenação.
À GUISA DE CONCLUSÃO | Assim, um episódio
da História do Brasil, no mesmo ano do acontecimento, é transposto para o teatro
por Lope de Vega e do teatro para a tela de um pintor de corte, dez anos mais tarde.
A trama de significações
da peça realça, além do feito histórico em si (a reconquista da Bahia aos holandeses),
a celebração da recente união das duas nações hispânicas, a ideologia da limpieza de sangre e o exotismo do novo país,
o Brasil. Este, como índia aculturada e conversa, se ergue no diálogo de cunho retórico
e teológico, mas a terra, onde se vislumbra a presença inquietante de negros nos
morros (quilombolas?) e de índios antropófagos, vive no limiar da barbárie. A presença
ainda de judeus, introduz na peça, através do episódio só aparentemente de cunho
sentimental e amoroso do par impossível por diferença de fé, o tema da traição inerente
à gente judia. O Brasil, de certa forma, foi invadido por hereges porque conservava
ainda os seus judeus.
Por seu lado, a tela de Maino,
monge pintor, se insere em outra trama de significados ao mesmo tempo plásticos,
teatrais e literários. Ela faz parte de um conjunto pictórico complexo ao qual,
por falta de espaço, só fizemos breve referência. Deixando de lado a problemática
da limpieza de sangre, ela se centra sobre
as relações de poder entre Rei, Valido e herói, e a reflexão humanista e religiosa
sobre a fugacidade da glória do mundo. Seu primeiro referente não é mais o acontecimento
histórico mas a sua representação no teatro barroco: dessa forma, La Recuperación de Bahía constitui uma obra
cheia de dobras, como diria Deleuze[44]: dobras da mise en abyme (o tapete dentro do quadro,
isto é, a representação dentro da representação); dobras das referências ocultas
a vários textos (religiosos e teatrais); dobras do contraponto com acontecimentos
e figuras contemporâneos etc. Dobras ainda da retomada, sutil e modificadora, de
temas pictóricos clássicos: o soldado ferido, no primeiro plano da tela, assistido
por uma mulher ajoelhada lembra a figura de São Sebastião assistido por Santa Irene;
a mulher com três crianças remete, de certa forma, à iconografia tradicional da
Caridade; a mulher com uma trouxa de panos sugere uma das figuras das Obras de misericórdia:
vestir os nus[45].
*****
Agulha Revista de
Cultura
Número 115 | Julho de
2018
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[1] LOPE DE VEGA. El Brasil restituído. Espanha: Ministerio
de la Cultura, B. N., vol. 7
[2] A índia que representa o Brasil é
assim descrita: " Brasil, en figura de dama índia, con una rueda de plumas
y una flecha dorada como un dardo". (LOPE, op. cit., p. 267)
[3] LOPE, op. cit., p. 284.
[4] Machado, irônico,
comenta sobre o casamento: ¡Lindo casamento
harán / un hereje y una hebrea! (LOPE,
op. cit., p. 266). E, depois, ainda sobre a união da judia com o holandês: Dicen que preñada de él / y casada con Leonardo,
/ un capitán de Ricarte / que necio y enamorado, / con estar en cinco meses, / pensará
que es suyo el parto. (LOPE,
op. cit., p. 269). Aliás só a heresia, a tolice e o descontrole amoroso poderiam
justificar o casamento com uma judia.
[5] Machado é filho de portuguesa com
espanhol: "¿No sabe que soy Machado/
castellano y portugués?" (LOPE, op. cit., p. 267); "fué mi padre castellano/ y mi madre portuguesa" (LOPE, op. cit.,
p. 277); "soy castellano y portugués"
(LOPE, op. cit., p. 288).
[6] LOPE, op. cit., p. 260.
[7] Cf., entre outros, KAMEN, Henry.
A Inquisição na Espanha. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1966; SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos-novos. Porto: Inova, 1969.
[8]PINTO, Orlando da Rocha. Cronologia da construção do Brasil. Lisboa:
Livros Horizonte, 1987, p. 82.
[11] A historieta,
verdadeiro encaixe cômico dentro da peça, é a seguinte: Cuentan que jugando estaba / un señor con su mujer, / más fea que Lucifer
/ y nás fea que la Cava, / y que entrando un cortesano, / "¿ Qué juegan?",
les preguntó: / y el marido respondió: / "Besos, señor, mano a mano".
/ Viendo, pues, aquel retrato / tan feo, les replicó: / "¿ Besos juegan? Voyme
yo / porque no me den barato." / Así yo, que viendo estoy / que juega balas
el muro / porque no me dé a lo obscuro / tan mal barato, me voy. (LOPE, op. cit., p. 286). Em resumo
ou moral da história: ganhar uma bala no escuro e morrer é não saber jogar, ou seja,
mau jogo.
[20] LOPE, op. cit. p. 260. Através de Don
Diego, Guiomar quis ligar seu pai à antiga nobreza de cristãos-velhos: De la palavra engañada / De Don Diego Meneses,
/ porque en su sangre tuvieses / parte en Portugal honrada, / y en España también,
/ empeñé todo mi honor / a los engaños de amor.
[23] LOPE, op. cit., p. 278.
[24] RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o povo brasileiro. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984. Veja-se todo o capítulo da reinvenção da antropofagia pelo Caboco
Capiroba, já meio negro, meio índio, a partir das narrações dos padres na Redução.
Por outro lado, ele aprende, pela experiência, a apreciar a carne flamenga. A passagem
é um modelo de ironia: são os jesuítas que ensinam que se pode comer carne humana;
as carnes hispânica e holandesa são comparadas por alguém que se torna aos poucos
um gourmet. "…até mesmo o caboco Capiroba, cujo paladar, antes
rude, se tornou de tal sorte afeito à carne flamenga que às vezes chegava mesmo
a ter engulhos, só de pensar em certos portugueses e espanhóis que em outros tempos
havia comido, principalmente padres e funcionários da Coroa, os quais lhe evocavam
uma memória oleosa, quase sebenta de grande morrinha e invencível graveolência"
(op. cit., p. 44).
[25] LOPE, op. cit., p. 268. Na peça de
Lope, não é apenas o gracioso que acusa
os judeus de traição, mas o próprio judeu que justifica a entrega de Salvador aos
holandeses por temor ao Santo Ofício. A confissão, mesmo no teatro, é a melhor
das provas: Temiendo que el Santo Oficio
/ envía un visitador, / de cuyo grave rigor / tenemos bastante indicio, / los que
de nuestra nación / vivimos en el Brasil, / que tiene por gente vil / la cristiana
Religión, / por excusar las prisiones, / los gastos, pleitos y afrentas, / y ver
deste yugo exentas / de tantas obligaciones / nuestras familias, que ya / a tal
extremo han llegado, / porque dicen que enojado / Dios con nosotros está, / habemos
escrito a Holanda / que con armada se apresta, / de quien tenemos respuesta / que
sobre sus aguas anda, / juzgando será mejor / entregarmos a holandeses / que sufrir
que portugueses / nos traten con tal rigor. (LOPE, op. cit., p. 290). Numa obra ideologicamente
marcada pela ideología da limpieza de sangre,
era necessário que o judeu confessasse e justificasse, em cena, a sua traição. Por
outro lado, na luta contra os invasores, Don Fadrique acaba por admirar a bravura
holandesa que dá, aos espanhóis, ocasião de honra. Ele dirá a um oficial dos seus:
"No dan, Enrique, ocasión/ de honor,
enemigos viles" (LOPE, op. cit., p. 285). No final, os holandeses decidem
render-se por discrición: "que es de discretos tomar/ la fortuna como viene"
(LOPE, op. cit., p. 290); o filho do coronel holandês, morto na batalha, concorda:
"pues rendirse un hombre a España/ es
darse merecimiento" (LOPE, op. cit., p. 290).
Holandeses
e espanhóis admirando-se mutuamente, preparam portanto o espectador para a cena
do perdão aos vencidos. Fora deste pacto de cavalheiros e fidalgos ficam os "inimigos vis", isto é, os judeus. O
antisemitismo radical da peça de Lope é de uma extraordinária coerência.
[27] ALMEIDA, Lilian
Pestre de. Pour l'étude de la mise en abyme chez Velázquez, in Colóquio-Artes, nº 73, Lisboa, Gulbenkian,
jun. 1987, p. 42 - 51.
[28] BROWN, Jonathan
y ELIOTT, J. H. Un palacio para el Rey.
El Buen Retiro y la corte de Felipe IV. Madrid. Alianza, 1985, p.179.
[29] Para a definição do conceito de mise en abyme veja-se ALMEIDA, op. cit.,
p. 44 - 46.
[30] A referência à cena de Lope tornou-se
lugar comum da crítica. Veja-se, por exemplo, VALBUENA-PRAT, in Varia
Velazqueña. Madrid, 1960, p. 175 e sqq.
[31] LOPE, op. cit., p. 283.
[32] A oliveira é a planta de Atenas,
seu presente à cidade que a havia consagrado; ela recorda os valores mais característicos
da própria deusa: sabedoria, prudência, civilização. Por outro lado, a tradição
cristã acrescenta a essa simbologia a da paz: Noé sabe do fim do dilúvio pelo ramo
de oliveira que lhe leva uma pomba (Gên., 8, 11).
[33] O livro intitulado
Un palacio para el Rey. (Madrid: Alianza, 1985), apesar da
sua qualidade, não faz exatamente uma leitura iconológica do Salón de los Reinos
mas fornece a base histórica fundamental para estudos posteriores.
[34] Uma análise mais extensa e de tipo comparativo
entre teatro francês e teatro espanhol traria outros exemplos.
[35] Nicomède, V, 6, in CORNEILLE, Pierre. Théâtre complet. Pléiade. Paris: Gallimard, 1950, t. II, p.
454. É Laodice, rainha da Armênia, que diz a frase sobre Prusias, rei que deixa
o governo a outros.
[36] Julián Gállego mostrou que, na Espanha
do seeculo XVII, o cavalo é uma espécie de trono móvel. Consultar GÁLLEGO, Julián.
Visions et symboles dans la peinture espagnole
du XVIIe siècle. Paris: Klincksieck, 1968, p. 223. A postura en coubette é quase exclusiva dos Reis de
Espanha: vejam-se os retratos equestres de Felipe III, Felipe IV e o Infante Baltasar
Carlos, por Velázquez, no Salón de los Reinos.
[37] Quevedo, na peça Cómo ha de ser el Valido, compara o Valido
ao átomo refletindo a luz do sol, imagem que, segundo Gállego (op. cit., p. 122),
se relaciona com uma empresa de Saavedra Fajardo, Lumine solis. Assim, é perigoso olhar de frente o Rei, sol que cega.
Nesse sentido, é o Rei espanhol uma espécie de Zeus cujo esplendor seria fatal aos
mortais. Isso explica, em parte, a simplicidade do vestir de Felipe IV em oposição
ao enfeitado Luís XIV de França. Veja-se o quadro de Jacques Laumosnier sobre o
encontro dos dois Reis por ocasião da entrega da Infanta espanhola ao noivo francês,
Entrevue de Louis XIV de France et de Philippe
IV d'Espagne dans l'Île des Faisans en 1659. O rei espanhol, à direita,
veste-se sobriamento de cinza; o rei francês, à esquerda, veste-se como personagem,
hoje, quase de carnaval
[38] LÓPEZ TORRIJOS,
Rosa. La mitología en la pintura española
del Siglo de Oro. Madrid,
Cátedra, 1985, p. 307. Por outro lado, GÁLLEGO, Julián, op. cit., ao tratar da obra
de Ruscelli indica que seria esta a primeira vez que se atribui ao Rei espanhol
a divindade solar.
[40] Iconograficamente, a atitude de Olivares
lembra a de Hércules, clava ao ombro.
[41] No Salón de los Reinos, são representadas
batalhas terrestres e marítimas, travadas na Europa e na América.
[43] BROWN e ELIOTT,
op. cit., p. 181 - 182, narram o desentendimento entre o Ministro e o comandante:
"En octubre de 1633, más o menos por
las fechas en que se proyectaba la decoración del Salón de los Reinos, tuvo un enfrentamiento
con Olivares, quien pretendía que mandara una nueva expedición a Brasil. Sospechando
que no dispondría de hombres ni de barcos suficientes, Toledo expuso con toda claridad
que sólo tomaría el mando bajo unas condiciones que Olivares no podía de ninguna
manera aceptar. La disputa entre los dos hombres llegó a su punto decisivo en una
tormentosa entrevista en julio de 1634 en la que se intercambiaran insultos con
voces tan desaforadas que se pudieran oír al otro lado de las puertas. (…) Como
era de esperar, don Fadrique pronto se encontró en prisión acusado de desobedecer
las órdenes del rey. La casa de Toledo, como un solo hombre, adoptó la causa de
su pariente y expresó una protesta colectiva boicoteando las fiestas del Buen Retiro.
El 12 de noviembre el Consejo de Castilla falló en contra de don Fadrique, cuya
salud se deterioba rápidamente en el castillo en el que se hallaba prisionero: la
setencia fué feroz, desterrándole a perpetuidad de Castilla, privándole de todos
sus cargos y de los ingresos de sus posesiones e imponiendóle una multa de 10.000
ducados". O
interessante é que este homem, punido, está presente no Salón de los Reinos. Pensando
em termos da corte francesa, para que se possa compreender a diferença, capital,
era como se Fouquet, punido e aprisionado por ordem de Luís XIV, pudesse figurar
no conjunto de Versalhes à glória do rei.
Don Fadrique
morre em 10 de dezembro de 1634. Quevedo lhe faz um soneto cujos últimos versos
são: "Esto fue don Fadrique de Toledo./
Hoy nos da desatado en
sombra fría/ llanto a los ojos y al discurso miedo".
[44] Sobre o conceito de dobras no barroco
ver o texto de DELEUZE, Gilles. A dobra:
Leibniz e o barroco. São Paulo: Papirus, 1991.
[45] Cf. BROWN, J. e ELIOTT, J. H., op.
cit., p. 197.
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