A atividade literária de Augusto Meyer cobre
um longo período, que vai da juventude à maturidade do escritor. Como ensaísta e
crítico, suas primeiras experiências se encontram no jornal Echo do Sul da cidade
do Rio Grande, em 1922. Quais os autores comentados então? Omar Khayyam e Alphonsus
de Guimaraens. Ele viveu intensamente a passagem do Simbolismo para o Modernismo.
Da leitura de suas obras reunidas em livros,
que vão de Machado de Assis (Porto Alegre, Liv. Globo, 1935) até A forma secreta
(Rio, Ed. Lidador, 1965), verificamos uma trajetória intelectual das mais refinadas
do século XX. Nosso objetivo será levantar as características dessa presença no
meio brasileiro. Para maior comodidade, citaremos de preferência os Textos críticos
organizados por João Alexandre Barbosa (São Paulo, Perspectiva/INL, 1986).
No início da coletânea, temos “O autor, esse
fantasma”, em que Augusto Meyer se remete àquelas “sombras dos mortos que, segundo
os antigos, vagavam à procura de um resto de existência terrena – pelo menos na
memória dos homens” (ob. cit., p. 14). Observe-se: na concepção crítica de Augusto
Meyer predominou, em várias ocasiões, o fantasma do autor.
Mas, com o correr do tempo, Augusto Meyer
foi-se afastando, na análise literária, do primado do autor, para ir configurando
aos poucos a hegemonia do texto. Verberando o determinismo biográfico e o dogmatismo
do meio, raça e tempo, heranças do século XIX, chegou a propor algo novo: “a biografia
do poema, através da análise de fontes e influências” (ob. cit., p. 65). A proposta
se encontra num dos seus mais assinalados estudos, Le bateau ivre. Análise e interpretação
(Rio, Liv. São José, 1955). Ora, a predisposição de biografar o poema mediante a
busca de fontes e das influências coloca Augusto Meyer na linha da literatura comparada
e, de certa forma, na busca dos efeitos da recepção da obra.
Podemos admitir, na crítica de Augusto Meyer,
certo ecletismo metodológico. Mas, principalmente, uma orientação consciente e valorativa
que alcança a tendência moderna à relatividade filosófica em face da Hermenêutica.
Com efeito, diante do pensamento de Hans-Georg Gadamer, na obra Verdade e método
(1960), propagou-se a noção de que não há experiência da verdade que não seja interpretativa.
Ademais, dentro do ecletismo de Augusto Meyer refulgiu a análise estilística.
Ora, o crítico gaúcho, quer por empréstimos
quer por ilustração da prática ensaística, foi tecendo um discurso do método a seu
modo. O caso da análise da obra de Machado de Assis é exemplar. Tendo procurado
realizar um estudo de cunho psicológico do ficcionista, por vezes Augusto Meyer
se manifestou intolerante com o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas, enquanto,
em outras situações, se deixou fascinar pelo seu esquema narrativo. A tal ponto
que, em certo momento, não fugiu à pulsão freudiana de identificar-se com o romancista:
Sem
querer negar alguma reminiscência literária acidental, tenho para mim que Machado
não tomou de empréstimo Natureza ou Pandora senão a si mesmo, isto é, a esse profundo
bucho de ruminante que todos trazemos na cabeça e onde todas as sugestões, depois
de misturadas e trituradas, preparam-se para nova mastigação, complicado quimismo
em que já não é possível distinguir o organismo assimilador das matérias assimiladas...
Não
é minha a imagem; lá está em Brás Cubas. (Ob. cit., p. 205)
A atitude crítica de Augusto Meyer, assimiladora
e ao mesmo tempo criativa, não se distancia do aspecto que surpreende no autor de
sua predileção.
Complicado terreno. Pode-se mesmo estudar
a evolução do mé- todo crítico de Augusto Meyer ao longo de seus diferentes ensaios
sobre a obra de Machado de Assis. Certa vez, aliás, perfilhou a excelência de Eça
de Queirós e chegou a proclamá-la. Respondendo a um inquérito de José Condé, do
Correio da Manhã, em 1948, sobre “os dez maiores romances”, incluiu Os Maias na
lista: “Parece-me que Os Maias representam muito bem a contribuição da língua portuguesa,
pois Machado não consegue integrar-se na família dos genuínos romancistas, falta-lhe
humildade, ilusão de criador, paciência de acompanhar as personagens com aquele
mínimo de simpatia, sem o qual tudo se reduz a um jogo subjetivo de análise psicológica,
e a poesia da narrativa perde o fôlego, exausta.” (Ob. cit., pp. 665-666)
Mas estamos longe de um juízo perfeito e acabado.
Em outra circunstância, Augusto Meyer reduz seu entusiasmo pela obra de Eça, acha-a,
de certa forma, muito fechada e previsível. Vê no autor de Os Maias um integrante
da “família inquieta de Balzac, esse comilão de teses” (ob. cit., p. 226). Elogia-lhe
a obra, mas não resiste a compará-la, agora desfavoravelmente, à de Machado de Assis:
Não
vejo de modo algum no honesto Eça apenas o tom dos ardores, exigências e perversões
físicas; o que prevalece na sua obra é uma sensualidade de artista que põe todas
as coisas em evidência ao claro sol da verdade.
A
sensualidade é a arte de cultivar o momento que passa, de ficar no presente, no
imediato; a sensualidade é também questão de pele, quando muito, de mucosa – de
qualquer modo, uma coisa superficial. Daí a sua falta de profundidade moral, a pobreza
psicológica dos seus romances, a ausência completa de penumbra sugestiva e daquele
segundo texto sem letra de forma, feito de entrelinha e reticência, de brancos de
página e cochicho interior, que é, por exemplo, o grande recurso de Machado de Assis. (Ob. cit., p. 227)
E não contém sua crítica à veia cômica de
Eça, arrematando: “... e sentimos que se repetem um pouco os abades que arrotam
com estrondo, os inumeráveis Acácios e Gouvarinhos, nem sempre desenhados com o
escrúpulo da verossimilhança, virtude que ele prezava tanto no escritor de ficção.”
(Ob. cit., pp. 227-228)
Também Machado recebe comentários restritivos
de Augusto Meyer, que manifestou certa implicância com os motivos livres do romancista.
Ao resenhar a edição de Quincas Borba, com as suas variantes, em trabalho crítico
da Comissão Machado de Assis, observa, quanto à figura de Rubião, certo afastamento,
na segunda versão, entre o narrador e a cena. E acrescenta:
Mas
o que mais importa é acentuar que em ambos os casos, texto definitivo e variante,
a verdadeira presença é menos a da personagem, ou da cena viva, que a do autor.
O emprego destas modalidades verbais, presente dramático e imperfeito narrativo,
associado ao uso oportuno do discurso indireto, ou discurso misto, como dizia Adolf
Tobler, mais conhecido hoje em dia por estilo indireto livre, permitiria ao autor
identificar-se com a personagem, mas na verdade essa identificação ficou prejudicada
pela intransigência com que Machado insiste em manter suas franquias de autor, interferindo
diretamente no entrecho.
(Ob. cit., p. 347)
Até hoje não conseguimos alcançar como um
leitor tão arguto e informado como Augusto Meyer se tenha tantas vezes insurgido
contra as digressões machadianas, tão irônicas e multívocas, que no fundo sinalizam
a concepção moderna do texto literário, sua literalidade e rebeldia à subordinação
referencial ou naturalista. Como receberia ele, por exemplo, a experiência de Fernando
Sabino, que passou Dom Casmurro para a terceira pessoa e ressecou-o de comentários
e filosofemas, na obra Amor de Capitu?
Não se trata evidentemente de interferir “diretamente
no entrecho”, como censurou Augusto Meyer, mas de admitir que o entrecho é em essência
o fluxo verbal, o andamento do discurso narrativo, com suas idas e vindas, seus
altos e baixos, suas afirmações e negativas.
O crítico gaúcho estava devidamente aparelhado
para conceber desse modo a aventura literária de Machado de Assis. Basta que rastreemos
a sua arte poética ao longo dos ensaios. De início, Augusto Meyer manifestou clara
preferência pela última fase da obra do autor de Memórias póstumas, a ponto de proclamar
predileção pelos romances Brás Cubas e Dom Casmurro. Antonio Candido, ao comentar
os diferentes ciclos de leitura de Machado de Assis, soube dar relevo ao trabalho
de Augusto Meyer, quando este, ao surpreender o “homem subterrâneo” em Dostoievski
e a multiplicidade de máscaras em Pirandello, soube contemplar no romancista brasileiro
a confluência daquelas qualidades tão assinaladas nos romancistas estrangeiros de
seu agrado.
Tanto isso é verdade que Augusto Meyer reivindica,
no estudo “Uma casa estranha” (cf. Machado de Assis, 1935-1958, Rio, Liv. São José,
1958), “a soletração das entrelinhas humanas do texto, pauta de silêncio onde o
que não se diz também fala por omissão” (p. 205).
Tania Franco Carvalhal viu bem essa postura
do crítico diante do complexo autor, propugnando “deixar o texto falar e ouvir as
vozes do texto” (cf. O crítico à sombra da estante, Porto Alegre, Ed. Globo, 1976,
p. 84). E apresenta fulgurante lucidez quando, por exemplo, assinala: “O que apaixona
o crítico é a descoberta, no fundo falso do texto, da figura e do talento do autor.
Mas a sua metodologia de aná- lise se define cada vez melhor: parte sempre da obra
para chegar ao autor. Opõe-se decididamente ao caminho inverso, não atribuindo grande
validade às interpretações biográficas.” (Ob. cit., p. 31.)
A obra como um corpo vivo, a ser visitado
muitas e diferente vezes, constitui uma concepção particular de Augusto Meyer. Dentro
do comparatismo, que é uma das suas tônicas, vale assinalar a distinção que faz
entre Bernard Shaw e Pirandello. O princípio tem certo paralelismo com o contraste
entre Eça e Machado. Vejamos:
É
claro que, ao traçar o plano de uma peça, não predetermina as personagens até o
excesso de transformá-las, como Bernard Shaw, em portavozes de uma tese. Shaw é
um bom prefácio e uma peça pregada ao público. As personagens de Pirandello têm
mais vida, porque refletem o imprevisto e o indefinível da própria vida. (“Na caixa do ponto”, em Textos críticos,
p. 165.)
Estamos, portanto, sob a égide do imprevisto.
Aliás, Augusto Meyer, quando se manifesta sobre Dostoievski, não deixa de assinalar
como o gênio transborda dos limites e apresenta um olhar de visionário que se sobrepõe
ao romancista. O crítico fala de “uma nova moral revolucionária, o estoicismo anárquico”,
quando “o romancista absorve o homem de partido” (Textos críticos, p. 375).
É bom chamar a atenção, a esta altura, para
a qualidade da prosa de Augusto Meyer, recheada de incontáveis recursos, desde as
nuances da ironia até o ataque frontal às incorreções morais ou textuais dos autores
analisados. O crítico se mostrou sempre aberto a inovações, mas cauteloso quanto
aos arbítrios da interpretação. Em dado momento de análise da obra de Hölderlin,
baseia-se numa advertência de Nietzsche: “Quem pretende explicar algum passo do
autor com mais profundidade do que realmente comporta a intenção do contexto não
está explicando, mas obscurecendo esse autor.” (Hölderlin”, em Textos críticos,
p. 448)
Quais os momentos altos da investigação crítica
de Augusto Meyer? Já dissemos de seus estudos machadianos. Mas dois trabalhos não
podem ficar fora de referência: o que escreveu sobre Le bateau ivre e o que fez
acerca de Camões. Antes, porém, nesta busca do método crítico de Augusto Meyer,
vejamos como ele, em conferência sobre João Ribeiro, ao expor as qualidades do grande
polígrafo brasileiro, encontrou pretexto para desenhar o esboço do crítico ideal,
no qual, talvez, se mirasse, diante do modelo a seguir.
O título da conferência é “João Ribeiro, ensaísta”.
No primeiro momento de análise da posição intelectual do homenageado, elabora esta
síntese: “Creio que havia nele, como tese e antítese, a coexistência e a colaboração
dialética de Prometeu e Penteu, desfechando na síntese de Proteu. Rebeldia, conservação
e transformação.” (Textos críticos, p. 307)
Mais adiante, Augusto Meyer resume admiravelmente
o perfil psicológico e a configuração mental de João Ribeiro: “Havia nele, acima
de tudo, uma inquietação fecunda, a serviço de uma capacidade pantagruelesca de
ler e assimilar”. (p. 313)
Ora, o leitor atento logrará extrair dessa
passagem os qualificativos que mais bem modelam o poder intelectual de Augusto Meyer.
Lá está a “inquietação fecunda” conduzida por duas capacidades “pantagruelescas”:
a de ler e a de assimilar. Diríamos: o inexcedível apetite de consumir obras literárias
e de correlacionar os conteúdos.
Naquele patamar de sua formação, Augusto Mever
aponta a aproximação de João Ribeiro aos novos métodos de interpretação estilística,
já que o polígrafo brasileiro privava com as concepções de Vossler e de Leo Spitzer.
Bem sabemos que, àquela altura, Augusto Meyer dava lições de soberbas análises estilísticas,
justamente pela intimidade que revelava com os principais corifeus da Estilística.
Admirável estudo. Ao encerrar a palestra,
Augusto Meyer incide sobre a obra de João Ribeiro uma luz nova e intensa, de tal
reverberação que os seus dizeres se tornam hoje obrigatórios para iluminar o próprio
estro analítico do ensaísta Augusto Meyer:
Torno a dizê-lo: é a superação
do ensaísmo pela poesia do ensaio que eu sinto na sua obra. No fundo, ele é mais
poeta que ensaísta. E para concluir só me resta voltar ao começo. A verdade é que
ao João escrito devemos acrescentar o inescrito, o inefável, isto é, aquele outro
João que sugere por entre as linhas todo um mundo de causas inéditas e virtuais,
a cavaleiro do texto. (Ob.
cit., p. 319)
Tentemos ressaltar o melhor da crítica de
Augusto Meyer. Há nele tanto a crítica objetiva quanto as modulações subjetivas,
carregadas de admiração e poesia.
No primeiro caso, tomemos a análise da poesia,
a começar por Le bateau ivre. Trata-se de um dos mais profundos exercícios de leitura
intrínseca, de decomposição e reajuntamento do poema, na procura do seu modelo estrutural.
Dois segmentos do ensaio pontuam a sutil percepção do analista e sua capacidade
de exprimir a validade do poema:
O
poeta, desprezando qualquer sentido conceitual e discursivo de poesia, amontoa metáforas,
cromatismos, sensações simples ou sinestesias, imagens alusivas, alucinações, senão
todo, pelo menos parte do seu arsenal de vidente armado em guerra, e a própria concepção
do poema já postula uma irrealidade fundamental, um clima de alucinação e pesadelo. (Textos críticos, p. 60)
Mais adiante, o ensaísta agrega outras impressões
elucidativas:
Aqui,
todavia, o que mais impressiona e ao poema confere um valor extraordinário é justamente
a disciplinada harmonia do conjunto, a perícia genial com que esse domador de imagens
violentas sugere a um só tempo a fúria superficial da tempestade e a profunda calma
do abismo, simbolizada a espaços por aqueles afogados que vão dormir na transparência
da onda... (p. 61)
A seguir, voltemo-nos para as considerações
realizadas em torno de Camões, o Bruxo. Diga-se de passagem que o relativismo crítico
de Augusto Meyer limitava-se pelo interesse na qüididade de cada composição e na
autonomia verbal de cada autor. Daí que, no ensaio sobre Eça, tenha deixado escapar
estes dizeres: “para cada autor, um modo de abordá-lo sem exigência descabida. Nunca
pedir mistério ao Eça, equilíbrio a Camilo e outros absurdos.” (p. 225)
Que de especial extrai o crítico da obra de
Camões? Entre tantos aclaramentos preciosos, fruto da visão comparativa e do amplo
e pormenorizado conhecimento das Letras, um predicado singular faz do trabalho de
Augusto Meyer um caso único: a apreensão do estrato fônico como instrumento para
atingir o substrato da poesia.
Ao investigar a obra de Antero de Quental,
Augusto Meyer se indispunha contra as simetrias interpretativas. E, ao fazer a exegese
de Camões, o crítico se vale das observações de Said Ali a respeito da aliteração,
cuja importância advém de o som estar associado à ideia. E o filólogo acrescenta:
“A imagem que o espírito liga ao som pode estender-se ao mesmo fonema reproduzido
em outros vocábulos próximos, resultando daí a sensação de reforço da mesma ideia.”
(p. 253)
Pois bem. No comentário às adaptações que
Camões empreendeu de poemas de Petrarca, Augusto Meyer revela alto conhecimento
do jogo mimético e, ao mesmo tempo, transporta essa apreensão para o campo de juízo
de valor, para, afinal, registrar a alta superioridade do poeta português. Permitam-nos
transcrever as palavras do crítico:
Camões,
por sua vez, traduz Petrarca e o transfigura. Ao retomar alguns dos seus paradigmas
retóricos e temas rotineiros, ultrapassa o padrinho, dá-lhe alma nova, quase sempre
num processo de decantação que o simplifica, deixando a meio caminho metade da sua
sobrecarga de sutilezas e preciosismos. (Textos críticos, p. 264)
Valeria a pena referir o admirável elogio
de Sá de Miranda, pioneiro a muitos respeitos na formulação da lírica em língua
portuguesa. E, num luxo de verdadeiro erudito, Augusto Meyer fornece ao leitor,
no final de “Um soneto de Sá de Miranda”, nada menos que quatro versões do mesmo
soneto, aquela extraordinária composição que começa com o verso: “O sol é grande,
caem com a calma as aves.”
Do mesmo modo, seria de assinalar a altivez
com que encara a obra do Padre Antônio Vieira, afastando do seu culto uma série
de lugares-comuns e de frase feitas que desfiguram a verdade sobre o nosso grande
escritor barroco. Por exemplo, verbera o clichê do “Vieira abolicionista” e exalta
a severa apreciação que Antônio Sérgio realizou sobre o orador. Com efeito, assim
se manifestou Antô- nio Sérgio: “O impetuoso sacerdote, se bem apurarmos as contas,
acabou na verdade por pactuar com a injustiça. Que digo? Pactuar? Não; mais do que
isso, infelizmente: acabou por servi-la. Como ele mesmo o confessa, acomodou-se
à fraqueza do seu próprio poder e à força irresistível do poder alheio.” (“Vieira”,
Textos críticos, p. 287)
Não só de amenidades tratou Augusto Meyer.
Foi inclemente com os tradutores irresponsáveis e exemplificou largamente os deslizes
que certas versões trouxeram para a língua portuguesa. Aliás, de início manifestou
a enorme possibilidade de imperfeição no ato de traduzir: “... mas todos sabem que
a tradução perfeita é coisa que só existe no céu, na língua dos anjos, quando se
acabar para sempre a confusão de Babel.” (Ob. cit., p. 145)
Entre as vítimas das más traduções aponta
Heine: “Não há poeta mais traduzido e mais intraduzível” (Ob. cit., p. 137). Do
mesmo modo, indica erros das várias traduções de um soneto de Dante, “o mais belo
soneto deste mundo”, o sublime “Tanto gentile e tanto onesta pare”. É que não encontrou
um só tradutor que notasse que “Labbia” não se traduz por “lábio” ou “lábios”, como
fizeram tantos, inclusive Dámaso Alonso. O correto seria “semblante”, “rosto”, “aspecto”.
A propósito: no centenário de Henriqueta Lisboa, a editora da Universidade Federal
de Minas Gerais publicou as suas várias traduções, que vão de Dante a Ungaretti.
E lá está “o mais belo soneto deste mundo”, segundo Augusto Meyer. E, para nossa
felicidade, a tradução de “labbia” está correta.
Chegamos ao final. Mais de uma vez assinalamos
o lado poético do ensaio de Augusto Meyer. O leitor poderá ter uma noção exata de
sua capacidade de coexistir com a obra analisada, de desenvolver uma empatia identificadora
com o texto alheio, uma espécie de co-naturalidade discursiva, ao ler a “Evocação
de Virginia Woolf”. Trata-se de puro lirismo, uma espécie de impressionismo onírico.
O mesmo teor se repete em “Nova Odisséia”, “Um certo Elpenor” e a “Viagem de Virgílio”,
todos provenientes da obra A forma secreta (1965), da qual Fausto Cunha disse ser
a culminância das qualidades de ensaísta e prosador de Augusto Meyer.
O engenho verbal e o poder de penetração crítica
se conjugam no ensaísmo de Augusto Meyer, no seu acurado e deleitoso estilo de persuasão.
Para ele se pode reservar o mesmo argumento que Thomas Mann empregou para caracterizar
Georg Lukács (que chegou a inspirar uma personagem do romancista): quando está com
a palavra, está com a razão.
*****
Artista convidada | Rozi Demant (Nova Zelândia,
1983)
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Agulha Revista de Cultura
Número 116 | Agosto de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO
| FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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