Sem sombra de dúvida, Jorge de Lima é um dos casos mais curiosos da literatura
brasileira, senão das artes brasileiras, uma vez que seu originalíssimo talento,
não se satisfazendo nos limites da poesia, do romance e do ensaio, para ele estreitos,
invadiu outros terrenos, como a escultura e a pintura, onde vem realizando experiências
que a uns enchem de furor e a outros agradam extraordinariamente.
Rapaz de dezessete
anos, era autor de sonetos parnasianos impecáveis, com hemistíquios, enjambements,
chaves de ouro e tudo, sonetos que deixaram de boca aberta um crítico dos mais ferozes
e errados da época – precursor em linha reta de Elói Pontes – Osório Duque Estrada.
É desse tempo o seu célebre O Acendedor de lampiões, que as antologias recolheram.
Tentando outro gênero, escreve pouco depois um romance Salomão e as mulheres, e
logo a seguir A Comédia dos erros, volume de ensaios que mereceu ótimas referências
de mestre João Ribeiro, sobretudo pela pureza do estilo.
Logo se fatiga,
porém, de tudo isso e, pelas alturas de 1925, passa a fazer excelente poesia modernista,
servindo-se principalmente de motivos folclóricos do Nordeste – a sua região – e
de recordações da infância. Datam de então alguns de seus poemas que mais se popularizaram,
como Essa negra fulô, O Mundo do menino impossível, Bangüê, Madorna de iaiá etc. Foram os poemas
dessa fase que levaram José Lins do Rego, em lúcido ensaio, a saudar em Jorge de
Lima uma das vozes mais expressivas da poesia brasileira de todos os tempos. E os
versos modernistas de fundo folclórico do lírico alagoano têm a maior repercussão
não só no Brasil mas também no exterior, onde críticos ilustres se ocupam deles.
Mesmo afastado de qualquer dos grupinhos que aqui, em São Paulo, em Belo Horizonte
e em outros Estados realizavam o tão salutar movimento modernista, que culminou
na famosa Semana de 1922, e agindo isoladamente por iniciativa própria, Jorge de
Lima ia construindo, na pacatez provinciana de Maceió, obra da maior importância.
O poeta, porém,
não gosta de dormir em cima do que já está feito, e por isso, depois de Essa
negra fulô, e dos poemas nascidos de seu contato com a terra, os rios, as casas,
as tradições, as crendices, as lendas da sua região natal, deixa por um instante
a poesia, que vivia então, na frase de José Lins do Rego, como creio que vive ainda
hoje, "bulindo pelo seu corpo todo", e se mete outra vez no ensaio, agora
para dar ao público duas interpretações originais, uma do romance de Proust e outra
da poesia moderna (v. Dois Ensaios, Casa Ramalho Editora, 1929). Sobre Proust,
não será exagero dizer-se que foi o primeiro a escrever no Brasil, sendo, indiscutivelmente,
um dos grandes conhecedores da obra do autor de A la recherche du temps perdu.
Mudando-se, em
1930, para o Rio, continua a ser autor dos mais discutidos, e prazerosamente alimenta
a controvérsia que se estabelece em torno de seu nome, pois alguns anos mais tarde,
ao mesmo tempo em que publica O anjo, romance super-realista que alcançou
o prêmio da Fundação Graça Aranha mas foi combatidíssimo, dá à estampa um estudo,
escrito em alemão, e editado em Leipzig, sobre o problema da miscigenação no Brasil:
Rassenbildung und Rassenpolitik ill Brasilien.
Mas não param
aí suas aventuras. Ao contrário, datam de então suas primeiras esculturas e pinturas,
estas feitas não raro com materiais descobertos pelo próprio pintor e por ele pela
primeira vez utilizados. Muitos de seus quadros não são óleos, nem aquarelas, nem
guaches: são uma substância que o próprio Jorge prepara e que, segundo ele, vem
dando muito bons resultados. Nem só nisso se observa, porém, a inquietação do poeta
à procura de novas expressões para sua riquíssima sensibilidade. Com o tempo, em
sua poesia também se opera profunda alteração. Vai perdendo aquele caráter regionalista
e folclórico da fase nordestina e ganhando um acento profundamente religioso, místico,
universal. Vêm então os poemas de Tempo e eternidade, escritos de parceria
com Murilo Mendes, e por fim os de A Túnica Inconsútil, que mereceram o grande
prêmio de poesia da Academia em 1940.
O consultório
médico do poeta, no prédio do Café Amarelinho, na Cinelândia, há muito tempo é um
dos pontos de reunião de escritores, poetas e pintores mais concorridos do Rio.
Ali o romancista de Calunga atende os seus doentes, interrompendo não raro o curativo
ou a auscultação para ouvir um pouco o que se conversa na sala e dar o seu palpite
(1). Foi onde o apanhei para esta entrevista, em tardes consecutivas. Como havia
longos anos não ia ao seu consultório, achei-o um pouco despovoado de intelectuais
e mais procurado por clientes que por escritores. Jorge afiança-me, porém, que o
mesmo ainda é freqUentado por muitos amigos, entre outros Murilo Mendes, R. Magalhães
Júnior, J. Fernando Carneiro, Francisco Karam, Jaime Cortesão etc. Naqueles dias,
não sabia por que, é que não tinham aparecido. De intelectual só chegou lá uma vez
o escritor português José Osório de Oliveira, que tanta simpatia tem demonstrado
pelo Brasil. Mas o tempo estava ruim mesmo muita chuva e um frio danado. Bem podia
ser esse o motivo por que o consultório andava vazio…
A entrevista
fora marcada de véspera, e, a bem da verdade, não devo dizer que o poeta tenha procurado
esquivar-se de falar ao repórter. Foi antes com muito boa disposição que se prontificou
a conversar comigo sobre as perguntas do questionário que lhe apresentei.
A respeito dos
começos de sua vida, anoto que nasceu no dia de São Jorge – 23 de abril de 1893,
no município de União, Estado de Alagoas. A padroeira de sua cidade natal é Santa
Maria Madalena, a pecadora poética que derramou diante dos apóstolos escandalizados
perfumes sobre os pés de Cristo. Por isso seu pai, fazendeiro, comerciante e pessoa
relacionadíssima no lugar, não encontrou, no vasto círculo de suas amizades, madrinha
mais digna para seu primeiro filho que a Virgem da Conceição. O nome foi fácil escolher:
bastou olhar para a folhinha. Vê-se, desse modo, que nasceu herdeiro de um destino
místico, que haveria de influir poderosamente em sua obra. Por trás do sobrado em
que veio ao mundo e a poucos quilômetros de distância, fica a serra da Barriga,
onde Zumbi fundou seu famoso quilombo. Em frente há uma praça bem vasta e no extremo
dessa praça a igreja de Santa Maria Madalena. A beleza da serra da Barriga, que
ele, em menino, não cansava de admirar, embora a temesse, tantas eram as lendas,
as assombrações, as histórias terrificantes que a seu respeito se contavam, atuou
fortemente em toda a sua infância. Andava pelos seis ou sete anos quando foi acometido
de uma asma alérgica. Insulado em casa, com crises angustiosas de dispneia, enquanto
seus irmãos e amigos se entretinham em tomar banho no rio Mundaú ou passear de canoa,
muitas vezes ouvia de suas velhas tias a história social da serra da Barriga, onde
Zumbi organizou uma república para acolher os negros fugidos e oferecer resistência
aos senhores escravocratas. Tinha oito anos quando, pela primeira vez foi levado
a visitar esse serra, e Jorge ainda se lembra de que a pequena comitiva se perdeu
na espessa mata que envolve o antigo reduto de quilombolas. Tiveram de dormir na
casa rústica de um lavrador e só no dia seguinte, por um cortado de burros, foram
levados até o topo da montanha. Recordando a aventura, adianta:
Sem qualquer
exagero, posso dizer que naquele instante, pela primeira vez, me senti tocado pela
poesia. Todo o imenso panorama que descortinei então – o rio Mundau, que segundo
a lenda nascera das lágrimas de Jurema, de um lado a serra dos Macacos, do outro
a planície do Jatobá, os campos verdes da terra-lavada, o Fundão, a Tobiba, os bangüês,
a Great Western, as olarias e lá longe a igreja da minha padroeira e o sobrado em
que eu nascera, tudo aquilo entrou pelos meus olhos deslumbrados de menino e nunca
mais saiu de dentro de mim. Tanto assim que muitos anos depois, já homem feito,
foram esses os temas que fui buscar para alguns de meus poemas da fase que poderia
chamar "nordestina" da minha poesia.
- E os estudos
primários, onde os fez?
Na escola de
dona Mocinha Medeiros, onde não me demorei porém mais do que o tempo suficiente
para aprender a ler e escrever, passando .depois para o Instituto Alagoano, cujos
diretores eram dois Goulart de Andrade. Por esse tempo descobri, sobre uma cômoda
de Jacarandá avoenga, uma velha caixa de música. Meu prazer era então ficar longas
horas repassando as curtas frases de Mozart que o antiquado aparelho repetia. Essa
lembrança de meninice me inspiraria algumas páginas do romance A mulher obscura,
e acho que devo à velha caixinha de música, encotrada um dia por acaso, o verdadeiro
fanatismo que ainda hoje tenho pele música do genial compositor de Salzburgo. Ja
havia em mim, no entanto uma grande fome de misticismo, e isso me levou a matricular-me
pouco depois no Colégio Diocesano, de Maceió, dirigido por irmãos maristas. Ali
fiz o curso de humanidades, prestando exames finais no Liceu Alagoano, onde conheci
Jackson de Figueiredo, que estava então concluindo seus exames parcelados. Mas Jackson
nesse tempo não era o combatente católico do "Centro Dom Vital" e de A
Ordem. Muito pelo contrário, era um monista, um ateu, um anticlerical. E meu contato
com aquele que viria a ser mais tarde um dos líderes do catolicismo no Brasil fez
de mim, que era aluno exemplar, um rebelado contra a disciplina e os métodos de
ensino do colégio.
- Onde foi publicada
sua primeira produção literária?
Num jornalzinho
que eu tinha nesse colégio de maristas. Chamava-se “O Corifeu” e era feito quase
todo por mim. Em suas páginas apareceram meus primeiros versos, e também um romance
dos tempos de menino. “O Corifeu” sofria, porém, forte oposição dos outros e um
belo dia, em pleno recreio, foi "empastelado", tendo sido rasgada toda
uma edição (cem exemplares), sob tremenda vaia a seu diretor.
Me importei sim,
mas a raiva logo passou, porque então, mais por debique a meus desafetos, passei
a publicar meus versos nos melhores jornais de Maceió, que lhes davam sempre ótimas
colocações. (2)
- Que espécie
de versos fazia nessa época?
Versos de feição
regular, na maioria sonetos caprichados. É dessa fase O acendedor de lampiões, escrito
quando eu tinha dezessete anos. Esse soneto se popularizou muito, graças, sobretudo,
à grande propaganda que dele fez Duque Estrada.(3)
- Onde o crítico
o leu?
Foi-lhe mostrado
em Maceió, por pessoas interessadas em colher sua opinião a meu respeito. Osório
Duque Estrada leu-o, gostou muito e perguntou quem era o autor. Disseram-lhe que
era um estudante de dezessete anos e ele manifestou desejo de conhecer-me. Fui,
então, levado à sua presença. O autor da letra do Hino Nacional estava em tournée
de conferências literárias pelo Nordeste, e em Maceió ficara hospedado no Hotel
Nova-Cintra. Todo sem jeito, atrapalhadíssimo, apresentei-me ao homem que gozava,
naquele tempo, da fama de ser um dos críticos mais ferozes do Brasil. Mas de sua
boca só ouvi elogios aos meus versos, e incentivos para que continuasse naquele
mesmo caminho.
- Conselho que
você não seguiu, não é verdade?
Durante muitos
anos segui. Soneteei que não foi brincadeira. Para você ter ideia, basta dizer que
meus versos dessa fase, se reunidos em volumes, dariam um número de páginas muito
superior a tudo quanto publiquei depois. Mas o público em geral não conhece senão
os XIV Alexandrinos.
- E o curso de
Medicina?
Iniciei-o na
Bahia, mas vim concluí-lo aqui, no ano de 1914. Ainda morava, porém, em Salvador,
quando, numas férias de fim de ano, de volta a Maceió, aproveitei para percorrer
todo o rio S. Francisco até Pirapora: quer dizer: fiquei conhecendo a zona sertaneja,
a zona heróica, a zona do cangaceirismo, que fora outrora a região do pastoreio,
dos bandeirantes e missionários. Atravessei meu Estado até à faixa ganglionada de
lagoas e rios. Foi quando fiquei conhecendo a indigência dos tiradores de sururu,
comedores de mariscos, descendentes dos caetés. A miséria observada entre essa gente
geófaga mais tarde me sugeriria o assunto da novela Calunga.
- Até que ano
do curso médico ficou na Bahia?
Até o terceiro,
Como já disse, vim terminar os estudos aqui. Naquele tempo os médicos ainda costumavam
defender tese, e a minha versou sobre O destino higiênico do lixo no Rio de Janeiro,
tendo sido aprovada com distinção pela banca examinadora, presidida pelo grande
Miguel Couto.
- Que tal era
então a Escola de Medicina?
Para um meio
como o nosso, era muito boa, pois, não obstante certas deficiências do ensino, os
professores eram excelentes.
- Quais os de
que mais gostava?
O mais querido
era sem dúvida Miguel Couto, por quem os estudantes tinham verdadeira veneração.
Mas havia outros: Afrânio Peixoto, Aluísio de Castro, Antônio Austregésilo…
- Ligou-se mais
intimamente a qualquer deles?
Fui muito amigo
de Miguel Couto, e ainda o sou dos demais que citei. Mas aquele a quem me cheguei
mais de perto foi Afrânio Peixoto. Ainda estudante fiz-me seu amigo e por iniciativa
sua foi que publiquei meu primeiro livro, que aliás lhe é dedicado: os XIV Alexandrinos,
de que acima lhe falei.
- Depois de formado,
para onde foi?
Voltei para o
meu Estado. Tinha então 21 anos. Meti na mala o diploma e os livros, no dedo o anel,
e regressei a Maceió, onde passei a c1inicar. Era no início da Primeira Guerra Mundial.
Na capital do Estado também fiz política, tendo sido eleito deputado por três legislaturas.
Depois prestei concurso para a cadeira de Ciências Físicas e Naturais do Ginásio
de Alagoas, ingressando assim no magistério, onde estou até hoje. Mais tarde deixei
de lecionar ciências e passei a ensinar literatura brasileira. Foi disso e da clínica
que vivi em Maceió até 1930, quando me mudei para o Rio. (4)
Quer dizer que
por ocasião da Semana de Arte Moderna estava onde?
Em Alagoas.
- Não participou,
então, do movimento?
Não, muito embora
o tenha apoiado desde o início. E o apoiei por uma razão muito simples: é que aquilo
que os rapazes de São Paulo faziam, era o que nós do Nordeste também achávamos que
precisava ser feito. Havia então o sentimento generalizado da necessidade de uma
renovação. Nós mesmos, que éramos considerados, por uns, simbolistas e parnasianos
por outros, como Manuel Bandeira, Mário de Andrade e eu, pensávamos assim, aspirávamos
por uma revisão do conceito de arte então dominante. Talvez não soubéssemos direito
o que queríamos – como observaria mais tarde Aníbal Machado – mas sabíamos muito
bem o que não queríamos. Aliás, essa necessidade de renovação, que é uma coisa biológica,
mais tarde seria notada dentro do próprio Modernismo, que não ficaria circunscrito
à fase folclórica, regionalista e do poema-piada, mas procuraria outras soluções
mais universais e permanentes. Que havia em todo o país uma preparação psicológica
para o advento de uma nova estética, prova-o o fato de o Modernismo haver surgido
quase ao mesmo tempo em diversos lugares: em São Paulo, aqui, em Belo Horizonte,
em Porto Alegre, no Recife etc. Em Maceió nós também fazíamos literatura modernista
muito embora não nos prendesse aos próceres do Rio e de São Paulo qualquer laço
mais estreito do que aquele que une escritores com as mesmas ideias. Naturalmente,
nos centros maiores e mais populosos, o movimento suscitou maior curiosidade fez
mais rumor. Na província, passávamos quase despercebidos, e não ganhávamos senão
os ataques dos velhos que nos julgavam doidos, ou risinhos sarcásticos dos mais
sutis.
- Havia em Maceió,
nessa época, um bom grupo de escritores?
Havia sim, como
não? Basta dizer que estavam lá, entre outros, Graciliano Ramos, José Lins do Rego,
Aluísio Branco, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima e Aurélio Buarque de Holanda.
- Vocês se reuniam
sempre?
Em lugar pequeno
os amigos nem que não queiram estão constantemente juntos.
- Mas havia no
grupo um orientador, ou cada um fazia o que queria, agindo isoladamente?
Não, cada um
agia por si, fato que, de resto, se observou em todo o Modernismo, onde, de modo
geral, não houve chefes. Não passamos a fazer literatura modernista para imitar
os nossos confrades de São Paulo e daqui. Abandonamos os velhos moldes porque também
em Maceió, como em todo o Nordeste, aquele tempo, amadureceu e tomou forma, no espírito
dos escritores, o desejo de fazer alguma coisa nova e diferente do que então se
perpetrava por esse Brasil afora, na poesia, no romance, no ensaio etc.
- Que pretendeu
quando, juntamente com Murilo Mendes, se propôs "restaurar a poesia em Cristo"?
Isso foi o seguinte:
depois dos Poemas Escolhidos, que apareceram em 1932, comecei a sentir-me insatisfeito
com a minha poesia, a ansiar por novas soluções. Passei a inclinar-me, então, não
mais pelo gênero de poemas que fazia, mas por outro; de fundo místico. E como não
tinha compromissos de escola, senti-me inteiramente à vontade para empreender a
desejada renovação, já havendo compreendido que o plano mais elevado para isso seria
uma poesia que se restaurasse em Cristo, que é a mais alta Poesia, a mais alta Verdade,
o nosso destino mesmo, e tivesse não uma tradição regional ou nacional, mas sim
a mais humana e universal das tradições, que é a bíblica. Aconteceu que, em palestra
com Murilo Mendes, notei que ele estava animado da mesma intenção. Numa outra conversa,
o dístico aflorou. Escrevemo-lo no frontispício de Tempo e Eternidade. Tanto
bastou para que fôssemos combatidíssimos. Mas, surdo aos ataques que me fizeram
(e ainda fazem), continuei a trilhar a mesma estrada. Depois do livro escrito de
parceria com Murilo, publiquei A túnica inconsútil, que não é outra senão
a túnica de Cristo, a única que não se pode dividir. Hoje noto que esse era o meu
caminho natural, inevitável, pois minha infância me fez místico. É sabido o quanto
os primeiros anos de vida marcam a pessoa. Através, muitas vezes, de mil equívocos,
o homem maduro volta, afinal, a reencontrar o menino que foi. Uns, mais felizes,
se encontram logo, não se perdem por trilhos errados. Para outros, a procura do
seu caminho é demorada e penosa. Machado de Assis já disse, numa frase que se tornou
célebre, que "o menino é pai do homem". Ora, com todos os antecedentes
a que acima fiz referência, minha poesia teria de ser, por força, de fundo religioso.
A palestra é
interrompida porque chega um cliente que Jorge precisa atender. E como naquele resto
de tarde estará ocupado, enquanto veste o avental pede-me que volte no dia seguinte.
- No outro dia,
peço-lhe que me fale do papel social da poesia. e a respeito eis o que me diz:
Meu caro amigo,
não demos deliberadamente papéis à poesia. Podemos marcar funções para o teatro:
as de educar, divertir, criticar. Ou para a oratória e a política. Mas não para
a poesia, que não é mestre-escola, nem baedeker, nem meeting. Com muito acerto há
vários anos José Lins do Rego já escrevia que infelizmente no Brasil a poesia tinha
tarefas a cumprir, dias de trabalho marcado, horas de aulas a dar; ora continentalismo
a sustentar, ora interesses de três raças tristes a defender. Desde que se dê à
poesia a incumbência de puxar a sardinha para que lado for, ela deixa de ser poesia.
(5) No entanto, em todos os tempos, teve uma função social importantíssima, já que
o poeta foi sempre o anunciador das grandes reformas universais. Hoje, mais do que
nunca, precisamos de poesia. Precisamos dela como se precisa de cantigas para ajudar
um trabalho pesado, de verdadeiras cantigas de eito, deste eito imenso que é o mundo
atual, convulsionado pela maior guerra de que se tem notícia. (6) Desconfie dos
que saem à rua anunciando que vão fazer poesia nova, poesia burguesa, protestante,
católica, social ou monarquista, porque não há poesia com tais rótulos. Não acredite
nos especialistas em poesia. Esta dispensa estandartes. É como aquele bilhete de
águia de que nos fala o filósofo: "o vento passa, a águia o segue".
A conversa estava
me interessando e minhas notas, de tão ligeiras, eram rabiscos quase ininteligíveis.
Mas o telefone veio cortá-la. A secretária do poeta passa-lhe o fone. Felizmente,
é coisa rápida, e Jorge logo volta a falar:
Um exemplo podemos
tirar do que ocorre atualmente: fala-se muito hoje em dia em literatura proletária.
Ora, apesar de os seus cultores viverem entre operários, observando-os como os cientistas
observam suas cobaias, essa literatura não tem, salvo raras exceções, a naturalidade
e a força da águia do filósofo. Outra coisa será quando o operário ou o intelectual
proletarizado puderem escrever suas vidas, fixar no papel, em contos, romances,
novelas, poemas, suas rebeldias triunfantes.
- Mas que destino
prevê para a Poesia? Pensa que ela se tornará cada vez mais livre, ou a tendência
será para voltarmos aos moldes antigos?
Fique sabendo
desde logo que não tenho o menor parti pris contra isso que você chama de "moldes
antigos". Dentro deles se fez muito boa poesia. Mas daí a achar que o que caracteriza
a poesia são a métrica e a rima, vai uma distância enorme. Depois que grandes escritores
como Maritain e Henri Brémond clarificaram o conceito de poesia, tal confusao não
se admite mais. A propósito, nada mais esclarecedor que aquele pequeno apólogo de
Claudel – Animus e Anima, que você naturalmente já leu.
- De qualquer
modo, conte o apólogo.
Narra Claudel
que Animus e Anima eram um casal que vivia muito bem. Animus, isto é, o amante,'
simbolizava a inteligência, a consciência, a vontade. E Anima, isto e, a esposa,
a intuição, a sensibilidade, o subconsciente. O ménage transcorria em paz. Apenas
Animus achava que Anima não tinha a menor inteligência, devia viver tão-somente
para cuidar dos serviços domésticos, preparar-lhe a comida, prestar-lhe obediência
e ajudá-lo com seus dotes de intuição. Ora, acontece que um dia Animus vem mais
cedo para casa, e, quando se aproxima, verifica que lá dentro alguém canta uma canção
como jamais tinha ouvido outra tão bonita. Maravilhado, corre para verificar quem
cantava, e descobre que a dona daquela voz tão suave e tão rica não é outra senão
Anima. Esta, porém, assim que o amante entra, se cala. Animus pede-lhe que continue
a cantar, mas isso é impossível, porque Anima sofre verdadeira inibição na presença
de Animus. Desesperançado de tornar a ouvir aquele canto que tanto o fascinara,
Animus, usando de um estratagema, sai outra vez. Da rua ouve de novo o canto. Volta,
e Anima novamente se cala. Aqui termina o extraordinário apólogo, que serve para
demonstrar que todas as vezes que a inteligência, a consciência, a vontade intervêm
no mistério leigo da poesia, este não se produz. A preocupação de contar sílabas,
escolher rimas, enfeitar o verso, faz com que Anima não cante…
- Quer dizer
que devemos banir definitivamente esses ornamentos, que mais do que inutilidades
são entraves à boa poesia?
Não digo tanto…
Poderão ser utilizados quando ocorrerem naturalmente, Espontaneamente, sem nenhuma
interferência da consciência ou da vontade, porque do contrário Anima se calará.
Aliás, tenho para mim que o que vale é o momento poético que o indivíduo vive. Porque
penso que a poesia, a verdadeira, a profunda poesia, pode existir em potencial dentro
de qualquer pessoa, em estado quase de pureza química. Escreve-la, fixá-la, manipulá-la,
é secundário. Chamam a um livro de poemas um livro de poesias. No entanto, na verdade,
que é ele? Uma simples máquina, um motorzinho, um átomo, destinado a criar dentro
do leitor um estado poético. (7) E só esse objeto é que tem o dom de conseguir isso?
Absolutamente. Os mais diversos agentes são capazes de fazer com que experimentemos
sensação idêntica: a contemplação da natureza, a bem-amada, a música e até os tóxicos
como o álcool, a morfina, a cocaína, o ópio etc. É sabido, aliás, que os poetas
românticos usaram e abusaram destes últimos, principalmente do álcool, para a criação
de estados poéticos. Baudelaire foi um deles e inaugurou, mesmo, uma escola de satanismo,
que teve grande voga. Não foi senão o uso de tais venenos a causa da morte prematura
de tantos dos nossos românticos: Castro Alves. Varela, Álvares de Azevedo. Também
a música, como acima frisei, pode criar dentro do indivíduo estados poéticos. A
sinfonia nº 41 de Mozart, por exemplo, não é outra coisa senão um maravilhoso poema.
Não há ninguém que não se emocione ao ouvi-la.
- Nesse caso,
se o que vale é a sensação poética, que pode ser provocada por outros fatores, que
interesse há em fixar a poesia?
Há interesse
em fixá-la para que o estado poético experimentado pelo agente repercuta, com maior
ou menor intensidade, conforme o leitor, num grande número de pessoas. Mas a função
de um caderno de poemas é a mesma de um volume de fotomontagens, ou de um disco
de Mozart, ou de um concerto do Cortot.
- Procurando
esclarecer ainda certos fatos ligados à revolução literária de 1922, indago de Jorge
de Lima quais, na sua opinião, os autores estrangeiros que maior influência exerceram
no movimento modernista brasileiro. A propósito, e depois de pensar um pouco, diz-me
o seguinte:
Creio ser falta
de agudeza crítica achar que nossos modernistas devem muito a Marinetti e aos escritores
franceses ditos de vanguarda, como Apollinaire, Max Jacob e outros. Eu, pelo menos,
a esses não me sinto devedor. É claro que falo por mim, mas cabotino que jamais
me seduziu foi o falecido Marinetti. Fui assistir à conferência que pronunciou no
extinto Teatro Lírico, quando de visita ao Brasil. Mas não senti um instante sequer
a menor inclinação por suas ideias.
- Não acredita,
então, que houve influências estrangeiras no modernismo brasileiro?
Se formos esmiuçar
caso por caso, descobriremos uma infinidade de pequenas influências. Mas, de um
modo geral, houve escritores que, embora indiretamente, atuaram muito mais em nossos
poetas e prosadores de então do que Marinetti e os franceses acima citados. Influências
sérias e decisivas, a meu ver, foram, por exemplo, as de Proust e Pirandello.
E, através destes
dois, as de Freud e Einstein (8) O que, de resto, não aconteceu apenas no Brasil,
mas no mundo todo. Note como, depois do Modernismo, em nossa literatura o relativo
passou a preponderar sobre o definitivo. A quem se deve isso, senão a Proust? Desde
então incutimos em nossos escritos, tanto em prosa como em verso, a fragmentação
da personalidade. Antes de Proust, os personagens dos romances encarnavam sempre
uma virtude, tinham um caráter único e rígido da primeira à última página, eram
postos nos livros para desempenhar um papel determinado. Você veja por exemplo as
criaturas de Balzac – o tio Goriot, Eugénie Grandet – ou as de Eça de Queirós –
o Conselheiro Acácio, a criada Juliana, Jorge, João da Ega. Veio Proust e acabou
com isso. Em seu romance, um judeu no primeiro volume pode perfeitamente converter-se
ao catolicismo no quinto. Swann, que no início é ciumento ao extremo, no fim já
não o é. Indiscutivelmente, os tipos do autor de A la recherche du temps perdu guardam
muito mais do que todos os outros, criados antes dele, a relatividade e a inconstância
da vida. Mas não só pelo relativismo introduzido em nossa literatura se fez sentir
no Brasil a influência de Proust. Esta se nota também pela grande importância que
os nossos escritores passaram a dar então às memórias de infância, de que o Menino de Engenho,
de José Uns do Rego, pode servir de exemplo. Nunca a infância, com todas as suas
dimensões e seus seres intemporais, proustianos, foi mais explorada. Como você naturalmente
não ignora, um volume inteiro – Du côté de chez Swann – nasce como uma feitiçaria,
um passe de mágica, da sensação gustativa que dá ao escritor um biscoitinho molhado
no chá, o qual lhe tira da memória toda a meninice perdida, passada em Illiers.(9)
Pois esse processo de recuperação do tempo seria também usado em larga escala pelos
autores brasileiros do Modernismo. Mas espere aí. Vamos ilustrar isto que lhe estou
dizendo com alguns exemplos.
Levanta-se, some
pelo corredor e logo depois volta, sobraçando alguns volumes.
A influência
de Proust não se fez sentir, porém, apenas no romance. Também na poesia ela pode
ser notada. Um de meus poemas intitula-se, mesmo, Poema relativo",
e tem versos assim (abre um dos livros que trouxe e lê):
Vem, ó bem-amada,
Porque, como
te disse,
se não há pássaros
no meu parque,
pode ser, se
o vento
não soprar forte,
que venham borboletas.
Tudo é relativo
e incerto no
mundo.
Também tuas sobrancelhas
parecem asas
abertas.(10)
Falei há pouco
de Pirandello. Pois num simples verso de Ismael Néri, que você pode ler aqui neste
outro livro – "Meu Deus, para que pusestes tantas almas num só corpo?"
– sente-se a influência do escritor italiano: após a fragmentação da personalidade,
a tragédia da reconstituição da unidade, quando no mesmo poema exclama: – "ó
Deus estranho e misterioso, que só agora compreendo! / Dai-me, como vós tendes,
o poder de criar corpos para as minhas almas." (11) Também o subconsciente,
o sexo, os sonhos, passaram a ter grande valor para os nossos escritores, e isto
graças a Freud. Um livro do excelente João Cabral de Meio Neto chama-se, mesmo,
Pedra do Sono Além disso, depois de 22, notamos em nossas letras fenômenos de multiplicação
da personalidade, de abstração do tempo e de ubiquidade, que trazem a marca do gênio
de Proust. Mário de Andrade, por exemplo, tem um poema intitulado "Eu sou trezentos".
E em outro exclama: "Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer".
Não nasci no
começo deste século,
Nasci no seio do Eterno,
Nasci no seio do Eterno,
são os dois primeiros
versos da Vocação do Poeta, de Murilo Mendes. (12) A ubiqüidade, o simultaneísmo
de Ronald de Carvalho, no seu poema Brasil, chega a ser alarmante. Nesse
poema de Ronald, sente-se a velocidade do poeta moderno, que anula tempo e espaço.
Outro exemplo de como a nossa literatura se tornou relativa está nos versos de Felipe
d'Oliveira que lhe vou mostrar, onde a relatividade é atribuída à possibilidade
de um daltonismo do maquinista:
o trem racha
em duas metades
a espessura do
escuro
e, cuspindo pela
boca da chaminé as
estrelas inúteis
à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista
fosse daltônico
a locomotiva
teria parado. (13)
Deixando o volume
em que lera os versos, volta a falar:
Freud e Einstein,
judeus, através da obra do judeu Proust, não largarão mais os modernos. E graças
a eles nossa literatura se enriqueceu de possibilidades até então nem sequer suspeitadas.
Nem as criaturas de Proust nem os poetas modernos poderiam mover-se no limitado
espaço de Galileu em que se movimentavam os personagens de Balzac. O que não quer
dizer que os escritores modernos do Brasil, quando escreveram as obras que acima
citei, já tivessem lido Proust, Pirandello, Freud, e conhecessem as teorias de Einstein.
É que se deu um fenômeno curioso: as ideias que esses grandes homens fixaram andavam
um pouco pela cabeça de muitos dos poetas e prosadores que entre nós fizeram o Modernismo.
Hoje podemos estabelecer ligação entre suas obras e as daqueles geniais inovadores,
mas é inegável que em muitos casos terão agido inconscientemente, movidos apenas
pela intuição.
- Houve outras
influências?
Houve a grande
saturação russa com a sua literatura social que entre nós se manifestou com os inúmeros
poemas proletários e principalmente com os romances revolucionários que surgiram
abundantemente.
- A esta altura
senti que já havíamos conversado bastante e que as notas que tinha dariam uma entrevista
talvez até maior que as outras. Não quis, porém, despedir-me do poeta, sem primeiro
indagar para onde vão suas preferências entre os vários gêneros de arte a que se
tem dedicado. Sua resposta não se fez esperar:
Prefiro a poesia.
Tudo o mais que tenho tentado, inclusive a pintura, está subordinado ao sol da poesia,
são caminhos para ela, às vezes simples exercícios para conferir-lhe novas dimensões,
outras profundezas.
- Se tivesse
de organizar hoje uma antologia de seus poemas, quais escolheria?
Assim de memória
é difícil responder. Para que a resposta seja sincera e consciente, será preciso
reler alguns deles, folhear os meus livros.
Deixe que depois lhe fornecerei uma listinha.
Deixe que depois lhe fornecerei uma listinha.
Dias mais tarde
recebi, de fato, uma relação de seus poemas prediletos, que aqui vai transcrita:
de Poemas Escolhidos: "Guerreiro", "Boneca de Pano" e
"Minha Sombra"; de Tempo e Eternidade: "A noite desabou sobre
o cais", "Na carreira do vento" e "Eu vos anuncio a consolação";
de A túnica inconsútil: "Poema do cristão" , "Olha antes a
semente" , "O nome da musa", "Lâmpada marinha", "A
noite da louca", "O grande desastre aéreo de ontem", "Duas meninas
de tranças pretas". "O poeta que dorme dentro de vós", "A ave",
"Cristo Peixe", "Marta e Maria", "Alta noite" e "Invocação
a Israel".
NOTAS
(1) Em reportagem que escreveu "No décimo aniversário da morte de Jorge
de Lima", Valdemar Cavalcanti, que o conheceu ainda em Maceió, lembra que o
ambiente do consultório que ele veio a montar, depois, no Rio, era mais ou menos
o mesmo do que mantinha na Rua do Comércio, na capital de Alagoas: "Nessa época
era ele conhecido, em Maceió, como o médico dos pobres; porque aos pobres atendia
com inexcedível solicitude, fosse dia ou noite, atento a qualquer chamado, só para
rico tirando conta. Tinha o consultório no fundo de uma farmácia, na rua principal
da cidade: havia duas salas a que se chegava por um longo corredor, sempre cheio
de gente. Ali Jorge de Lima dava consultas e injeções, lia e escrevia, trabalhava
como um mouro com o ar mais fagueiro deste mundo, quase sempre assobiando baixinho.
Quando ali chegava, cedo ainda, já tinha, desde as cinco. andado pelos bairros.
visitando seus doentes. Se o cliente não tinha recursos, mandava aviar a receita
na farmácia, de graça. No consultório, o mínimo de ordem. Nas estantes, amostras
gratuitas de remédio, aos montes, misturadas com livros de toda natureza. A um canto,
pequena mesa com um fogareiro constantemente aceso, fervendo seringas. Rapazinho,
frequentei muito esse consultório, quando não era para tomar injeções era para conversar
literatura: ora cálcio, ora Proust; era bismuto e era Mário de Andrade em profusão.
Jorge, nunca o vi intranquilo ou nervoso: o mesmo sempre, inalterável, o ar generoso
e discreto, paciente com todo mundo, às vezes dando até a impressão de desligado
e aéreo. Ao lado da clientela do médico, a clientela do poeta. Um que sempre por
lá andava, a todo instante, era José Lins do Rego, que entrava sem bater na porta,
falava muito e saía quando menos se esperava. Enquanto numa sala, às vezes, Jorge
tratava dos doentes, na outra ia aceso o debate de temas de cultura. E a impressão
que ele dava era a de um mágico, pela maneira como fazia as coisas, pelo jeito ele
ir e vir, pelas surpresas que causava como uma espécie de prestidigitador".
(ln Correio da Manhã de 23-11-1963.)
(2) Estas e outras confissões autobiográficas foram depois ampliadas nas
memórias que, em capítulos, publicou no Jornal de Letras, de outubro de 1952 a junho
de 1953. Interrompidas em virtude da doença que o vitimou nesse mesmo ano de 1953,
essas páginas alcançam a época em que se formou em Medicina, no Rio (1914). Deu-lhes
o Autor um tratamento sobretudo poético e constituem preciosa fonte de informações
sobre sua infância e juventude. Podem hoje ser lidas em Obra Completa, vol. da Editora
Aguilar.
(3) V. Obra Completa, cit., p. 208.
(4) Na reportagem citada. Valdemar Cavalcanti assim se refere à mudança do
poeta para o Rio: "Alvo de perseguição política (e mesmo de um atentado), fechou
consultório, arrumou as malas e, desfazendo-se de uma das mais belas casas de Maceió,
então à beira de um rio. veio embora com a família, para iniciar um novo ciclo de
sua vida."
(5) Coisa semelhante diria Carlos Drummond de Andrade ao poeta João Acióli,
em carta de 1948, ao discutir. a propósito do livro deste último, A Canção sem amanhã,
o problema da poesia social: "Não só a poesia social, como toda poesia não
pode ser nunca o tratamento direto do fato. Para esse tratamento existe a prosa.
Poesia é essencialmente expressão indireta das coisas, na forma transposta, elíptica,
oblíqua e mágica do poeta. (Mágica no sentido de emprestar novos atributos ao material
comum da linguagem, pelo seu uso especial. não em um sentido de milagre.) E mais
adiante: "Poesia não se faz com preocupações alheias à própria poesia; e se
estas se instalam no interior do poema, por força do tema selecionado pelo poeta,
o que se deve desejar é que essa penetração de um cuidado alheio à poesia não prejudique
esta. Só."
(Revista de Poesia e Crítica. Brasília, S. Paulo, Rio de Janeiro, 2(4):71-73,
abril de 1978.
(6) A entrevista é de 1945)
(7) "A obra de arte é uma máquina de produzir comoções", já havia
dito Mário de Andrade. (A escrava que não í Isaura, in Obra imatura, São Paulo,
Livraria Martins, 1960, p. 258.) Em 1981. escrevendo sobre a "estética da recepção",
o crítico Wilson Martins teve ocasião de lembrar o artigo que quase trinta anos
antes publicara na Revista Brasileira de Poesia. VI, junho de 1953. Nesse artigo,
na verdade de grande agudeza crítica, observava ele, em conceitos que de certa forma
ampliam e aprofundam o que nos disse Jorge de Lima neste trecho da sua entrevista:
‘O poema, a obra poética, nada mais são, portanto, que uma forma excepcional de
excitação' e a poesia que neles encontramos não está. na realidade, neles mesmos;
está em nós, e varia segundo o que variamos, vale o que valermos. Parece um paradoxo
gratuito sustentar que a poesia está tanto em quem a recebe como em quem a transmite,
tanto no leitor como no poeta. Entretanto, a verdade é essa." (Jornal do Brasil
de 25/07/1981.)
(8) Segundo Jaeques Riviere, as teses psicanalistas já se encontravam espalhadas
– sob várias formas – no romance proustiano, antes do aparecimento da teoria freudiana.
(Apud Alcântara Silveira – Compreensão de Proust, Rio de Janeiro, Livraria José
Olímpio, 1959, p. 13.)
(9) Et dês que j’eus reconu lê gôut du morceaux de madeleine trempe dans
lê tilleul que me donnait ma tante (…) ettout Combray etses environs, tout cela
qui prend forme et solidité. est sorti. vil/e et jardins. de ma tasse de thé."
A la recherche du temps perdu, I Du côté de chez Swann. (Premiere partie, Paris,
Gallimard, 1946, pp. 68/69.)
(10) De Poemas Escolhidos, in Obra Completa, cit., p. 332.
(11) "Oração de I.N.", in Antologia de Poetas Modernos, organizada
por D. Milano. Rio de Janeiro, Ariel Editora, 1935, p. 82.
(12) Antologia, cit., p. 148.
(13) “Entrecruzamento de linhas”, in Antologia cit., p.67.
HOMERO SENNA (Brasil, 1919-2004). Ensaísta, biógrafo, autor de uma
obra fundamental: República das Letras
(1996). Página ilustrada com obras de Juliana
Hoofmann (Brasil, 1965), artista convidada desta edição.
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Agulha Revista de Cultura
Número 119 | Setembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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