Na historia da fotografia
brasileira temos algumas experiências isoladas que merecem nossa atenção. Na maioria
das vezes, são iniciativas que adquiriram importância por estarem desconectadas
do fluxo sequencial da linguagem ou por se tornarem demonstração de interesses particulares
de artistas mais inquietos que foram atraídos por alguns aspectos inusitados do
fazer fotográfico. Um desses artistas é Jorge de Lima (1893 – 1953), alagoano, médico,
romancista, poeta, pintor (esteve na I Bienal de São Paulo, em 1951) e que, por
um curto período, também trabalhou com a fotografia.
Mas não foi fotógrafo. Jorge
de Lima produziu algumas fotomontagens, no final da década de 1930, que se tornaram
públicas através de uma crônica de Mario de Andrade no Suplemento de Rotogravura do jornal O Estado de São Paulo, na primeira quinzena de novembro
de 1939. Vale lembrar que as onze fotomontagens que foram enviadas a Mario de Andrade
pertencem hoje ao arquivo do IEB – Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade
de São Paulo.
Mais tarde, em março de 1943,
Jorge de Lima publicou o livro A Pintura em Pânico (em
única edição, com 41 fotomontagens, tiragem de 250 exemplares, numerados e assinados),
hoje raríssimo e completamente esquecido na cronologia da fotografia brasileira.
Seus poemas e suas fotomontagens remetiam às experiências mais radicais das vanguardas
europeias, tanto que, no livro, a apresentação de seu parceiro Murilo Mendes (1901
– 1975) destaca a total sintonia com os trabalhos de Max Ernst, Salvador Dali, entre
outros. Jorge de Lima, sabemos, já tinha lido Freud na segunda metade da década
de 1920, e conhecia os principais artistas do movimento surrealista.
A fotomontagem traz uma explosão
de pontos de vista, estabelece insólitas relações de luz e sombra, de oposições
formais, variabilidade de texturas, e caracteriza-se pela harmonia ou pelo inesperado
das imagens associadas. Tudo isso a aproxima dos enigmas perturbadores dos nossos
sonhos, presente também nas imagens de Jorge de Lima, onde é possível encontrar
uma organização formal em que é perceptível as diferentes texturas, o desenho da
luz e uma narrativa onírica e misteriosa.
Mesmo que tardias, as fotomontagens
de Jorge de Lima são de enorme importância para entendermos o percurso da nossa
fotografia, já que devemos incorporar essas experiências inesperadas e nem sempre
totalmente conhecidas. O fato de ser escritor, poeta e pintor, valorizar a relação
vida-poesia-sonho, ter conexões com os modernistas, em particular os paulistas,
estar atento aos movimentos da arte, e produzir imagens de toda ordem é que caracteriza
este seu interesse em particular. Murilo Mendes, na introdução do livro A Pintura em Pânico destaca este seu trabalho afirmando
que nele “há uma combinação do imprevisto com a lógica. E a fotografia tem ajudado
o homem a alargar sua experiência da visão”.
Se considerarmos o procedimento
– basicamente por apropriação de fotografias publicadas em veículos de grande circulação
– podemos entender alguns trabalhos posteriores que pontuam ainda hoje a arte contemporânea.
Isso apenas denota o caráter revolucionário da fotomontagem, que buscava, do ponto
de vista óptico e do conteúdo, criar uma imagem diferenciada, distante dos automatismos
maquínicos, e estabelecer novas visualidades a partir do caos da época.
Curiosamente, por outro lado,
é interessante verificar como a denominação fotomontagem era explicada por Raoul
Hausmann (1886 – 1971), um dos nomes mais importantes do movimento Dada: “chamamos
a este processo de fotomontagem porque ele continha a nossa aversão a fazer o papel
de artistas. Considerávamo-nos engenheiros, nossa intenção era construir, ‘montar’
o nosso trabalho (como um serralheiro). A partir de 1918, assumiam com a fotomontagem
um papel transgressor na atividade questionadora de produzir imagens que buscavam
desmascarar o sistema dominante.
Jorge de Lima não nos deixou
maiores informações sobre suas fotomontagens. O que teria pretendido o poeta com
suas colagens? Além de homenagear suas “Musas”, tema recorrente em sua obra literária,
ele explora o onírico e o inusitado a partir da disparidade dos elementos visuais
justapostos que enfatizam sua intencional narrativa surrealista. Ao aprofundarmos
nosso olhar sobre suas fotomontagens, podemos até ser surpreendidos por algum detalhe
que escapou da nossa visão, mas continua o mistério de uma obra que não podemos
ignorar na cronologia da fotografia brasileira.
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RUBENS
FERNANDES JUNIOR. Jornalista,
curador e crítico de fotografia, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP,
professor e diretor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado
(Facom-FAAP). Página ilustrada com obras de Juliana
Hoofmann (Brasil, 1965), artista convidada desta edição.
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Agulha Revista de Cultura
Número 119 | Setembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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