Os trabalhos
de Cindy Sherman são fotografias. Ela não é uma fotógrafa, mas uma artista que
usa a fotografia. Cada imagem é construída em torno da representação
fotográfica de uma mulher. E cada uma dessas mulheres é a própria Sherman,
simultaneamente artista e modelo, transformada, camaleonicamente, em um
glossário de poses, gestos e expressões faciais. Na medida em que seu trabalho
se desenvolveu, entre 1977 e 1987, um estranho processo de metamorfose ocorreu.
Pastiches pós-modernos aparentemente fáceis e acessíveis se transformaram gradualmente
em imagens difíceis, porém ainda acessíveis, que traziam questões sérias e
desafiadoras para as estéticas feministas contemporâneas. E essa metamorfose
provê uma nova perspectiva que então altera, retrospectivamente, a
significância de seu trabalho inicial. De forma a compreender as implicações
críticas dessa perspectiva alterada, é necessário contestar com veemência sua
postura expressamente não-teórica, ou mesmo anti-teórica.
Paradoxalmente,
é porque não há citação teórica explícita em seu trabalho, nenhuma palavra
explicativa, nenhuma indicação linguística, que a teoria pode então por si só
se constituir. A obra de Sherman continua sendo afeita ao enigma, mas como um
desafio crítico, e não como um mistério insolúvel. Solucionar o enigma, decifrar
suas pistas pictográficas, aplicar as ferramentas teóricas associadas à
estética feminista, é, para usar uma de suas palavras favoritas, divertido. E
chama atenção para a forma como, a partir de estéticas feministas, a teoria, a
decifração e o prazer da resolução de um enigma ou de um quebra-cabeça podem
estar conectados.
Durante os
anos 1970, estéticas feministas e mulheres artistas contribuíram fortemente ao
questionamento de duas grandes divisões culturais. Ao longo do século 20,
inexoravelmente, mas de forma descontínua, constituiu-se uma pressão contra a
separação entre teoria de arte e prática artística, por um lado, e entre alta e
baixa cultura por outro. O colapso dessas divisões foi crucial para os vários e
variados componentes da pós-modernidade, e também para a arte feminista.
Mulheres artistas fizeram uso tanto da teoria quanto da cultura popular a
partir de referências e citações. Cindy Sherman, apresentando seu trabalho pela
primeira vez no final dos anos 1970, usou a cultura popular como sua fonte
material sem fazer uso da teoria como um dispositivo de comentário e de
distanciamento. Quando suas fotografias foram exibidas pela primeira vez, sua
reiteração insistente de representações do feminino, e o uso pela artista de si
mesma enquanto modelo, em infinitas variações de máscaras, imediatamente chamou
a atenção dos críticos que a acolheram como um contraponto à arte feminista
teórica e conceitual. O sucesso de seu trabalho inicial, sua aceitação pelo
centro (mercado e instituições de arte) em um momento em que diversos artistas
defendiam uma política marginal, contribuiu para obscurecer o fato de que seu
trabalho tinha interesse intrínseco para estéticas feministas, bem como que as
ideias criadas pelo seu trabalho não poderiam ter sido formuladas sem uma
pré-história do feminismo e de teorizações feministas do corpo e da
representação. Sua chegada à cena artística certamente marcou o começo do fim
da era em que o corpo feminino tinha se tornado, se não irrepresentável,
somente representável se refratado pela teoria. Mas em vez de se esquivar,
Sherman reage e altera a teoria. Ela traz uma perspectiva diferente para a
“questão das imagens de mulheres” e retoma uma política do corpo que tinha
sido, talvez, perdida ou negligenciada pelas reviravoltas do feminismo dos anos
1970.
No início
daquela década, o Women’s Movement [segunda onda do movimento
feminista norte-americano] tomou o corpo feminino como um lócus de disputa política, mobilizando-se acima de tudo em torno do
direito ao aborto, mas com outras questões suplementares se desenrolando na
forma de uma agitação sobre a marginalização médica e a sexualidade em si como
uma fonte de opressão sobre as mulheres. Uma política do corpo levou
logicamente a uma política da representação do corpo. Foi necessário apenas um
pequeno passo para incluir a questão das imagens de mulheres nos debates e nas
campanhas em torno do corpo, mas foi esse pequeno passo que levou o feminismo
para fora do terreno familiar da ação política e para dentro do terreno das estéticas
políticas. E também este pequeno passo, de um terreno a outro, requereu um novo
vocabulário conceitual, e abriu caminho para a influência que a semiótica e a
psicanálise exerceram sobre a teoria feminista. A ideia inicial de que as
imagens contribuíram para a alienação das mulheres de seus corpos e de suas
sexualidades, com uma esperança concomitante de liberação e recuperação, foi
substituída por teorias da representação como sintoma e significante da forma
como problemas postos pela diferença sexual sob o patriarcado poderiam ser
deslocados para o feminino.
Não
surpreendentemente, esse tipo de estética teórica/política afetou também
artistas trabalhando no ambiente do feminismo dos anos 1970, e a
representabilidade do corpo feminino entrou em crise. Em um extremo, o diretor
Peter Gidal disse em 1978: “Eu me recusei veementemente ao longo da década
passada, tirando uma ou outra aberração menor, em permitir qualquer imagem de
mulheres em meus filmes, já que não vejo como essas imagens possam ser separadas
dos significados dominantes”. Artistas e diretoras mulheres, ao mesmo tempo em
que rejeitavam esse banimento indiscriminado, foram extremamente cautelosas no
investimento de “significados dominantes” em imagens de mulheres. Enquanto
teóricas feministas focaram na cultura popular para analisar esses
significados, artistas se voltaram à teoria, justapondo imagens e ideias para
negar esses significados dominantes e, devagar e polemicamente, inventar
outros. Apesar de, neste ambiente, o foco de Cindy Sherman no corpo feminino
parecer quase chocante, suas representações de feminilidade não eram um sinal
de regressão, mas uma re-representação, um tornar estranho.
Uma
visitante de uma retrospectiva de Cindy Sherman, que caminha pelas suas obras
em ordem cronológica, deve ficar quase tão impactada pela natureza dramática de
seu desenvolvimento quanto pelas obras individuais, em si muito impactantes.
Não é apenas uma questão de observar a crescente maturidade, o estilo que muda,
ou as novas direções tomadas, mas de seguir uma certa narrativa do feminino de
sua premissa inicial até o seu ponto final. E esse desenvolvimento ocorre ao
longo de dez anos, entre 1978 e 1987. A jornada pelo tempo, pelo
desenvolvimento cronológico da obra, é também uma jornada ao espaço. Sherman
disseca o espaço fantasmagórico conjurado pelo corpo feminino, de sua
exterioridade para sua interioridade. A visitante que chega às imagens finais e
então retorna, invertendo a ordem, descobre que, sabendo-se já o que está por
vir, as imagens iniciais são transformadas. O processo inicial de descoberta,
diversão e admiração é complementado pela descoberta da curiosidade, do
devaneio e da decifração. E então, uma vez que o processo de desintegração
corpórea é estabelecido nas obras posteriores, as inocentes imagens anteriores
adquirem uma estranheza retrospectiva.
A primeira
série de fotografias, que também estabeleceram a reputação de Sherman, é
chamada de Untitled film stills. Em cada fotografia, Sherman posa
para a câmera como se estivesse em uma cena de filme. Cada fotografia tem sua
própria mise-en-scène, evocando um estilo de filmagem que é
altamente conotativo, porém elusivo. As fotografias em preto-e-branco parecem
se referir aos anos 1950, à nouvelle vague, ao neorrealismo, a
Hitchcock, ou a filmes B hollywoodianos. Esse uso de uma conotação amorfa as
coloca no gênero da nostalgia, comparáveis aos filmes americanos dos anos 1980,
que Fredric Jameson descreve como tendo a característica pós-moderna de evocar
o passado ao mesmo tempo em que nega a referência da história. Elas têm a
qualidade barthesiana cinquentista, aquela fantasia coletiva americana dos anos
1950 como o momento de juventude generalizada em um cenário de uma América
branca e predominantemente de classe média, o último momento de calma antes das
tempestades dos direitos civis, do Vietnã e finalmente do feminismo. Nostalgia
é memória seletiva, e tem frequentemente como efeito dar atenção às suas
repressões, ao fato de que sempre esconde mais do que registra. E os anos 1950
assistiram ao último desabrochar de uma cultura específica de aparências e,
particularmente, da aparência feminina. Os apetrechos da luta feminina para se
conformar à fachada de desejabilidade assombram a iconografia de Sherman.
Maquiagem, saltos, cabelo armado, roupas respeitáveis, mas erotizadas, são
todos cuidadosamente “colocados” e “feitos”. Sherman, a modelo, se veste a
caráter enquanto Sherman, a artista, revela a máscara de sua personagem. A
justaposição começa a denotar uma “superficialidade”, de forma que a nostalgia
começa a se dissolver em desconforto. Sherman acentua esse desconforto ao
inscrever uma vulnerabilidade tanto na mise-en-scène das
fotografias quanto nas poses e expressões das mulheres.
Essas cenas
dos Film stills ocorrem normalmente no exterior. Sua
fascinação deriva de sua qualidade de trompe-l’oeil. A espectadora
passa por uma série de estranhamentos, reconhecimentos e doubletakes [termo
sem tradução direta para o português, significa algo como um “olhar de novo”
reativo, uma segunda olhada mais atenta e imediatamente após o primeiro olhar].
A câmera olha; ela “captura” a personagem feminina em uma paródia de diferentes
voyeurismos. Ela se intromete em momentos onde a personagem está desprotegida,
às vezes despida, absorvida em seu próprio mundo na privacidade de seu próprio
ambiente. Ou testemunha o momento em que ela inadvertidamente baixa a guarda ao
se assustar com a presença, invisível e fora de cena, de alguém que a vê. Ou a
câmera a observa composta, ao mesmo tempo recatada e sedutora, frente ao mundo
exterior e seu olhar intrusivo. A espectadora é imediatamente atraída pelos
voyeurismos apresentados. Mas o fato óbvio de que cada personagem é a própria
Sherman, disfarçada, introduz um senso de encantamento em relação à ilusão e
sua credibilidade. E, como é sabido, no cinema qualquer momento de admiração de
uma ilusão imediatamente destrói sua credibilidade. A atração do voyeurismo se
volta como uma armadilha, e a espectadora acaba consciente de que Sherman, a
artista, montou uma máquina para fazer o olhar se materializar
desconfortavelmente em uma aliança com Sherman, a modelo. E então a curiosidade
da espectadora pode ser atraída para a narrativa adjacente. Mas, qualquer
especulação em torno de uma história, em torno de eventos reais e da personagem
representada, rapidamente encontra um beco sem saída. A visitante de um vernissage de
Cindy Sherman deve estar bastante consciente que a série Film stills é
construída em torno de uma única imagem. E que nada existe, seja antes ou
depois do momento mostrado. Cada momento significante é um recorte, um tableau sugerindo
e negando a presença de uma história. Na medida em que elas aparentam ser algo
a mais, as fotografias de Film stills parodiam a imobilidade
da fotografia e performam ironicamente a pungência de um “momento congelado”.
As mulheres nas fotografias estão quase sempre em estase, paralisadas por algo
além da fotografia, como surpresa, devaneio, decoro, ansiedade ou apenas
esperando por algo.
O voyeurismo
da espectadora é desconfortável. Não há um exibicionismo complementar da parte
das figuras femininas e a sensação de estar as observando, sem ser visto,
provoca uma mistura de curiosidade e ansiedade. As imagens são, contudo,
eróticas. Sexualidade permeia as figuras e suas narrativas implícitas. Sherman
performa feminilidade como uma aparência, em que a insistente sexualização da
mulher paira, oscilando com respeitabilidade. Porque Sherman usa cosméticos
literalmente como uma máscara, ela torna visível o feminino como uma máscara. E
é essa cultura de aparências, a homogeneidade do visual que caracteriza o
cinquentismo, da qual Sherman se utiliza para adotar tal variedade de
figurações similares, porém diferentes. Identidade, ela parece dizer, se
encontra nos visuais da feminilidade branca do período. Mas justamente por ela
ser artista e modelo, voyeur e objeto do olhar, ativa e passiva, sujeito e
objeto, as fotografias configuram uma variedade comparável de posições e
respostas para o espectador. Não há um sujeito estável em sua obra, nenhum
ponto fixo que não se transforme rapidamente em outra coisa. Dessa forma, a
sensação inicial de homogeneidade e credibilidade dos Film stills se
fragmenta no tipo de heterogeneidade de posições subjetivas que estéticas
feministas adotaram em antecipação ao pós-modernismo propriamente dito.
Em 1980,
Sherman fez sua primeira série de fotografias coloridas, usando projeções de
fundo de externas em vez de locações de fato, se aproximando para uma
concentração maior no rosto, e achatando o espaço da fotografia. Então, em
1981, ela fez uma série de fotografias coloridas que começaram a sugerir uma
interioridade à aparência exterior da figura. Essas fotografias dão início à
sua exploração da máscara da oposição binária interior/exterior da
feminilidade. Todas as fotografias têm o mesmo formato, horizontal como de uma
tela de cinemascope. Portanto, boa parte das figuras aparece
deitada, em sofás ou camas ou no chão. Como a série se originou como imagens de
duas páginas para a [revista] Artforum, elas parodiam um pastiche soft-core.
Essas fotografias se concentram na esfera das emoções, desejos e devaneios
femininos, e são realizadas em espaços privados que reduplicam a privacidade
das emoções. Mas, mais uma vez, uma sensação exata é impossível de ser
definida. As jovens mulheres que Sherman personifica podem estar sonhando
acordadas sobre um futuro romance ou podem estar de luto por um. Elas podem
estar esperando, em uma passividade forçada, por uma carta ou telefonema. Seus
olhos contemplam a distância. Elas não parecem se importar com suas roupas, que
às vezes se encontram amarrotadas, de forma que, seguras e sozinhas com seus
pensamentos, seus corpos ficam levemente à mostra ao espectador. Elas emanam
vulnerabilidade e disponibilidade sexual como heroínas/vítimas apaixonadas em
um melodrama açucarado. Existem alguns precedentes para essa série em Untitled
film stills, mas o uso da cor, do formato horizontal e da pose repetida
criam um duplo tema de espaço interno e devaneio. O espaço íntimo de um quarto
propicia o cenário apropriado para um sonhar acordado ou um devaneio, que
combina com as poses sugestivas e eróticas de Sherman em um acúmulo de
conotações de sexualidade. Essas fotografias reiteram o caráter
“para-ser-olhada” da feminilidade. A Untitled film stills falseia
uma narrativa em torno das fotografias para que a câmera não atraia indevida
atenção à sua presença, o caráter “para-ser-olhada” sendo assim uma questão de
conformidade social e cultural. As imagens da série Untitleds de
1981, por sua vez, se anunciam enquanto fotografias e, assim como em uma pin-up,
o erotismo da modelo, e sua pose, são direcionadas para a câmera, e em última
análise para a espectadora.
Em boa parte
das Untitled film stills, as figuras femininas se destacam de seu
entorno, exagerando a sua vulnerabilidade em um mundo exterior. Em algumas,
contudo, um granulado visível mescla a figura com a textura e o material da
fotografia. Na série de 1981, o uso de Sherman da cor, da luz e da sombra
mistura a figura feminina e seus entornos em um contínuo, sem bordas definidas.
Focos de luz iluminam partes da pele ou banham a imagem com um brilho suave.
Acima de tudo, as fotografias têm um acabamento lustroso e de alta qualidade,
condizente com os códigos e convenções da fotografia comercial. Enquanto as
poses são suaves e relaxadas, antitéticas à ideia popular de feminilidade
fetichizada (de salto alto e corpete, ereta, extravagante e exibicionista), o
fetichismo retorna nas qualidades formais da fotografia. A sensação de
superfície reside agora não na tentativa da figura feminina de manter as
aparências com a máscara da feminilidade, mas na subordinação e imbricação da
modelo com a textura do meio fotográfico em si.
A próxima
fase importante de Sherman, a série Untitleds de 1983, começa
a manifestar o humor sombrio que vai, a partir daqui, cada vez mais dominar
suas obras. Essa virada foi, em primeiro lugar, uma reação contra a indústria
da moda que havia a convidado para realizar ensaios fotográficos e,
posteriormente, tentado modificar e suavizar os resultados: “Desde o começo
havia alguma coisa que não funcionava para mim, como se tivesse alguma fricção.
Eu selecionei algumas roupas que queria usar. Enviaram-me roupas completamente
diferentes, todas enfadonhas. Aí eu realmente comecei a tirar sarro, não das
roupas, mas muito mais da moda. Eu comecei a colocar tecidos e cicatrizes no
meu rosto para ficar bem feia” [Cindy Sherman, citada no livro The
state of the art: Ideas and images in the 1980s, de Sandy Nairne].
Essas
fotografias usam iluminação forte e brilhante e cores de alto contraste. As
personagens são teatrais e exageram seus papéis. O novo corpo de Sherman começa
a emergir. Ela parodia grotescamente o tipo de imagem feminina orientada para o
consumo erótico, e inverte os códigos convencionais de atração e elegância
femininas. Enquanto a linguagem da fotografia de moda dá grande ênfase à
leveza, de forma que as modelos parecem desafiar a gravidade, as figuras de
Sherman são pesadas em corpo, aterradas ao solo. Sua falta de autoconsciência beira
ao exibicionismo. E elas fazem poses profissionais para mostrar roupas que
exageram seus físicos desajeitados, que são exagerados mais uma vez pela
iluminação e o ângulo da câmera. Não há absolutamente nada de natureza ou
natural nessa resposta à esbelteza cosmética da moda. Ao contrário, as imagens
sugerem que a oposição binária ao corpo perfeito da manequim é o grotesco, e
que o corpo suave e liso, polido pela fotografia, é uma defesa contra um corpo
estranho, inquietante e desconfortável. A partir dessa perspectiva, a
superfície do corpo, tão cuidadosamente apresentada nas fotografias iniciais,
parece se dissolver para revelar uma monstruosa alteridade por trás da fachada
cosmética. Um “alguém” que parecia espreitar em algum lugar na topografia fantasmática
da feminilidade começa, por assim dizer, a se solidificar.
Após
as Untitleds de 1983, a série anti-moda, as metamorfoses se
tornam mais agudas e perturbadoras. A série Untitled 1984 é
como que o reverso de Dorian Gray, como se a dor, a raiva e a estupidez da
natureza humana deixassem seus traços claramente nas feições humanas, como se a
superfície estivesse falhando em sua tarefa de mascarar. Na série seguinte,
inspirada nos monstros de contos de fada, as figuras se tornam sobrenaturais e,
quase como personificações animistas, pairam sobre ou retornam aos princípios
elementares. Desta vez as figuras parecem emanações de medos irracionais,
beirando o terror, relíquias de pesadelos infantis. Se a série de 1981
apresentava, a partir de expressão facial e pose, a interioridade de
pensamentos secretos, Sherman agora parece personificar as coisas do
inconsciente em si. Enquanto que a interioridade anterior sugeria devaneios
leves e eróticos, essas são materializações de ansiedade e pavor. Sherman
parece ter passado da sugestão da presença de uma alteridade escondida para a
representação de seus habitantes. Uma maquiagem crescentemente grotesca e
deformadora borra identidades de gênero, e algumas figuras possuem chifres ou
focinhos, como horripilantes híbridos mitológicos. Se a iconografia anterior
sugeria um desejo passivo por agradar, a deformação e a distorção parecem
emergir em alguma proporção com a repressão. Essas figuras são ativas e
ameaçadoras.
Finalmente,
na última fase, as figuras desaparecem completamente. Às vezes partes do corpo
são substituídas por próteses, como seios ou nádegas falsos, mas, em última
análise, nada sobra além da repugnância; a repugnância de resíduos sexuais,
comida apodrecida, vômito, gosma, sangue menstrual, cabelo. Esses traços
representam o fim da linha, a substância secreta dos fluidos sexuais que os
cosméticos foram criados para esconder. A topografia do exterior/interior está
esgotada. Previamente, toda obra de Sherman havia se focado e se estruturado ao
redor do retrato, para que a figura individual provesse o foco do olhar do
espectador. A mise-en-scène do entorno havia gradualmente
desaparecido como se Sherman estivesse negando ao espectador qualquer distração
ou mitigação das figuras em si, na medida em que elas se tornavam gradualmente
mais e mais grotescas. Por volta de 1985, cenários voltaram às fotografias, mas
difusos em texturas. Elementos naturais, pedras, areia ou terra, por exemplo,
desenvolvem conotações expressivas e ameaçadoras. Cor, iluminação e a textura
das figuras as fazem se fundir visualmente com seus cenários. O ângulo da
câmera aponta agora para o chão onde as figuras se encontram sem vida ou,
talvez, presas em suas próprias materialidades.
A mudança de
perspectiva para um plongée prenuncia a última fase de
Sherman. Quando o corpo, em qualquer forma homogênea ou coesa, desaparece de
cena, seus traços e detritos são espalhados pelo chão, em pedras ou areia ou
submersos na água. Com a desintegração do corpo, as fotografias perdem também
qualquer organização formal homogênea ou coesa, e a sensação de fragmentação
física ecoa na fragmentação das imagens. Agora a borda da imagem pode ser tão
significativa quanto qualquer outra parte dela. Ao mesmo tempo, as fotografias
foram enormemente aumentadas. A série inicial, Untitled film stills,
era toda de imagens de 20x25cm, enquanto que as fotografias da última série
aumentaram para, por exemplo, 1,83×1,24m. A espectadora podia assimilar as
obras iniciais com um olhar e com uma sensação de comando sobre a imagem; já as
fotografias posteriores confundem a espectadora e forçam o olhar a escanear a
superfície, procurando por uma figura ou padrão específico que possa oferecer
alguma garantia formal diante de um conteúdo perturbador.
Essa
narrativa de desintegração, horror e finalmente repulsa levanta, primeiramente,
a questão da fonte, ou origem, dessa fantasmagoria do corpo feminino, e, em
segundo lugar, suas possibilidades de análise. Uma mulher se torna “o veículo
favorito da metáfora” uma vez que ela é inscrita no regime do complexo de
castração, então a questão da origem retorna, mais uma vez, para a questão do
inconsciente masculino. Uma superfície cosmética e artificial cobre, como uma
carapuça, a ferida ou vazio deixado pela psique masculina quando esta percebe a
marca da diferença sexual no corpo feminino como uma ausência, um vazio, uma
castração. Neste sentido, a topografia da máscara feminina ecoa a topografia do
fetiche em si. Mas enquanto que, por exemplo, o fenômeno da Pandora permanece,
em último recurso, um sintoma dessas ansiedades e recusas, Sherman lentamente
livrou o sintoma de seus mecanismos de recusa, ao mesmo tempo revelando os
mecanismos em sua essência. O irônico “desvelar” de Sherman também “desvela” o
uso do corpo feminino como uma metáfora da divisão entre a atração da
superfície e a decadência oculta, como se aquilo que tivesse sido projetado por
tanto tempo no espaço mítico “atrás” da máscara da feminilidade tivesse
subitamente sido quebrado através do véu delicadamente pintado. As metamorfoses
do corpo feminino, na “trajetória narrativa” de Sherman, traçam o gradual
colapso da superfície. Parodiando a metáfora, ela retorna ao “literal”, aos
fluidos corporais e restos que se tornam inseparáveis do corpo castrado na
iconografia da misoginia. Mas ela dramaticamente chama a atenção também ao
regime do representacional e da contradição mitológica vivida pelas mulheres
sob o patriarcado. Apesar de a imagem poder ter se originado no inconsciente, e
apesar dela poder ser um fantasma, essas fantasias coletivas têm um impacto
também na realidade, e produzem sintomas que mediam entre os dois. As
fotografias dessa fase são um lembrete de que a psique feminina pode muito bem
se identificar com a repulsa misógina contra o corpo feminino, e tentar apagar
os sinais que a marcam fisicamente como feminina. As imagens de comida
apodrecendo e vômito evocam o espectro da garota anoréxica, que tragicamente
encarna o fetiche da moda do feminino como uma construção eviscerada, cosmética
e artificial, projetada para repelir a “alteridade” escondida no “interior”.
É difícil de
traçar o colapso do corpo feminino enquanto fetiche bem-sucedido sem
re-representar as ansiedades e pavores que dão origem ao fetiche em primeiro
lugar, e Sherman pode estar sujeita à acusação de que reproduz a narrativa sem
um contexto suficientemente crítico. É aqui que a série Untitled film
stills pode ser relida retrospectivamente com o desenvolvimento futuro
da obra de Sherman em mente. Retornar às fotografias anteriores,
retrospectivamente, é ver como o corpo feminino pode se tornar um condutor para
diferentes ideias condensadas em uma única imagem. Por exemplo, a estranheza
das personagens femininas, por trás de suas fachadas cosméticas, começa a se
fundir com a instabilidade da fotografia enquanto objeto de crença. A estrutura
do fetichismo indica uma homologia entre essas diferentes ideias, e a teoria do
fetichismo ajuda a desvendar o processo de condensação.
Para Freud,
o fetichismo (para além de seu entendimento de que ele “confirmava o complexo
da castração”) demonstra que a psique pode sustentar ideias incomparáveis de
uma só vez a partir do processo de recusa. A recusa fetichista reconhece a
castração da mulher e simultaneamente constrói um substituto para negá-la e
repor o objeto que falta. Freud via a coexistência dessas duas ideias
contraditórias, mantidas em uma só psique, como um modelo para a relação do ego
com a realidade, a “divisão do ego”, que permitia que duas atitudes paralelas,
porém contraditórias, fossem mantidas em um equilíbrio vacilante. Alternando
entre ilusão visual e a percepção do mecanismo de ilusão, uma consciente
suspensão de descrédito seguida de uma onda de desilusão, “eu sei… mas ainda
assim”, a espectadora dos Film stills de Sherman pode sentir
quase que fisicamente, e quase se deleitar com, a ruptura entre conhecimento e
crença.
Um “efeito
de oscilação” contribui para a estética pós-moderna. O espectador olha,
reconhece um estilo ou tópos, duvida, olha de novo, reconhece a
citação; e significados se deslocam e mudam suas referências, como percepções
cambiantes de perspectiva de uma ilusão de ótica. O efeito é, talvez,
particularmente excitante porque ele joga com a credibilidade do fetiche. Neste
sentido, Cindy Sherman leva o jogo pós-moderno ao seu limite no terreno
contestado do corpo feminino. Quando a espectadora chega às fotografias finais
de desintegração e apenas relutantemente reconhece o conteúdo pelo que é, o
aspecto artístico da obra de Sherman volta à tona. Não é tanto que as cores das
imagens dos detritos sejam mais afeitas ao universo da pintura e suas
referências mais a forma das bordas do que da figura, mas sim que seu lugar na
parede de uma galeria afirma o seu status, no mesmo momento em que a
espectadora está prestes a dar as costas em uma incredulidade revoltada. Neste
sentido, elas, também, criam um “efeito de oscilação”, desta vez entre
reverência e repulsa. Este tipo de tema está presente nos trabalhos tardios de
Sherman, que se encontram fora da “narrativa” 1977-87, e retornam à figuração do
corpo humano, refratado agora pela arte em si. Ela reproduz os grandes mestres,
se colocando no papel da figura central, ou personificando um retrato.
Novamente, ela distorce o corpo com falsas adições, como um seio em uma Virgem
e seu Filho. Apesar de faltar nessas imagens a inexorabilidade e
complexidade de sua fase prévia, ela ainda brinca com as estruturas da recusa e
chama atenção para a fetichização das grandes obras e seu valor pela história
da arte.
Para Freud,
a estrutura do fetichismo não é a mesma que a estrutura da repressão. Ao mesmo
tempo em que provê um substituto, uma reposição, e literalmente um anteparo à
memória traumática, o fetiche é também uma lembrança de perda e substituição. E
nessas circunstâncias, a representação do corpo feminino, o provocador original
do complexo da castração, pode ser sintomática e reveladora. Quando Sherman
retrata a feminilidade como uma máscara em sua sucessão de “fantasias”, o corpo
feminino se afirma como um lócus de ansiedade que deve, a todo
custo, esconder. E ele adquire uma vulnerabilidade autoconsciente que parece
emanar uma tensão entre a aparência exterior e sua interioridade. Dessa forma,
Sherman brinca com a “topografia” do corpo feminino. Mas suas fotografias
iniciais ilustram em que medida essa “topografia” foi integrada na cultura do
feminino. No intuito de criar um corpo “cosmético”, uma indústria cosmética foi
criada, para que o investimento psíquico que o patriarcado faz na aparência
feminina seja ecoado por um investimento por parte do capitalismo. E cosméticos
são também, é claro, as ferramentas do ofício de Sherman.
Fetichismo
depende de uma topografia fantasmática, instalando um anteparo e um escudo,
intimamente ligados ao mecanismo de defesa do ego, como Freud apontou. Ao mesmo
tempo, fetichismo é a mais semiótica das perversões, blindando e protegendo por
meio de um objeto que é, inevitavelmente, também um símbolo de perda e
substituição. Mas este empreendimento semiótico é investido em um reconhecimento
do artifício. O fetichismo é, como Nietzsche disse da mulher, “tão artístico”.
Nas representações de mulheres por Godard, por exemplo, o corpo feminino
reduplica a superfície que cobre um vazio misterioso, mas que pode encarnar o
objeto do fetiche em si. Essa síndrome veio a si no star system de
Hollywood, na produção em massa de pin-ups, e na equação, na
cultura consumista contemporânea, entre feminino e glamour.
Cindy
Sherman delineia o abismo ou atoleiro que sobrecarrega o corpo desfetichizado,
privado da semiótica do fetiche, reduzido a ser “inexprimível” e desprovido de
significância. Seu trabalho posterior, como eu sugeri no mito de Pandora,
levanta a questão do conceito do abjeto de Julia Kristeva. O argumento de
Barbara Creed que o abjeto é central na imagem recorrente do “feminino
monstruoso” nos filmes de horror é também aplicável ao monstruoso em Sherman.
Apesar de suas figuras materializarem os elementos do terror irracional, elas
também possuem pathos e poderiam facilmente ser compreendidas
em termos de “o monstro como vítima”. Suas fotografias de figuras atrofiadas,
por exemplo, o corpo que se assemelha a um trabalho de cera sujo, olhos abertos
e se misturando cromaticamente à grama, poderiam fazer parte de um léxico do
horror e do estranho, assim como as Untitled film stills são
como um léxico de poses e gestos típicos de uma feminilidade respeitável, porém
ainda estranha. Assim como o desenvolvimento da subjetividade individual
depende da demarcação da fronteira entre o eu, a mãe e subsequentemente
qualquer reminiscência da falta dessa fronteira na infância, as fotografias de
Sherman também trabalham inversamente. Começando com Untitled film
stills, montadas dentro de uma borda branca e envoltas em uma moldura
preta, as imagens gradualmente perdem seus contornos definidos, tanto em
relação à moldura quanto à representação das próprias figuras.
Ao se
referir aos anos 1950 em seu trabalho inicial, Sherman se junta a muitos outros
em identificar a América de Eisenhower como o local mítico do nascimento da
cultura pós-moderna. Referências aos anos 1950 invocam as consequências da
Guerra na Coreia e o sucesso do Plano Marshall, o consumo em massa americano, a
“sociedade do espetáculo” e, é claro, o melodrama hollywoodiano. Foi uma época
em que, no contexto da Guerra Fria, a publicidade, o cinema e a própria
embalagem e sedução das mercadorias comercializavam glamour. O glamour
proclamava a desejabilidade do capitalismo americano ao mundo exterior e,
internamente, assegurava uma americanidade como aspiração à população branca
recentemente suburbanizada, ao mesmo tempo em que enterrava memórias
incompatíveis de suas origens imigrantes. No trabalho inicial de Sherman,
conotações de vulnerabilidade e instabilidade fluem para a construção e
credibilidade da máscara social geral. As imagens cinquentistas como um emblema
particular de americanidade também mascaram o fato que esta foi uma década de
repressão política e social na medida em que profundas mudanças se acumulavam
no horizonte, a transição de Joe McCarthy para James Dean, do governador Maddox
para Martin Luther King. Em vez de simplesmente se referir ao “cinquentismo” de
modo nostálgico, Sherman insinua um mundo ingerindo as sementes de sua própria
decadência.
Em 1982,
Cindy Sherman apareceu na capa da revista anglo-americana de vanguarda ZG.
Ela está imediatamente reconhecível como Marilyn Monroe em uma pose de garota
da capa. Ela não é a Marilyn de luzes brilhantes e diamantes, mas a outra,
igualmente familiar, Marilyn de calça e camisa, ainda a epítome do glamour do
período, a mão segurando a cabeça jogada para trás, os olhos semicerrados, os
lábios abertos. Mas refratada pela máscara de Sherman, a máscara de Marilyn
falha em esconder sua ansiedade interior, e sua infelicidade parece escapar pelas
frestas. O fetiche favorito da América nunca conseguiu esconder completamente
sua interioridade, e o véu de atração sexual agora parece, em retrospecto, ser
assombrado pela morte. Enquanto que a pós-modernidade americana cita os anos
1950, Marilyn Monroe é o seu emblema, como um ícone em seu próprio direito, e
como fonte de toda a subsequente iconografia de Marilyn, mantida viva pela
cultura gay, ressurgindo com Debbie Harry no fim dos anos 1970 e reciclada por
Madonna nos anos 1980.
As
personificações de Cindy Sherman precedem, e em certo sentido prefiguram, as de
Madonna. As performances da Madonna fazem pleno uso do potencial dos
cosméticos. Assim como rapidamente transforma sua aparência camaleônica
diariamente, ela performa homenagens à perfeição cosmética dos astros do cinema
e também integra o “efeito de oscilação” ao ritmo de seus vídeos, sincronizando
a montagem, a mudança de personalidade e as reversões de papeis sexuais. Apesar
de Madonna, obviamente, não seguir a narrativa de desintegração de Cindy
Sherman, sua consciência desse outro lado da topografia da máscara feminina é
evidenciada em sua bem-conhecida admiração por Frida Kahlo. Frida retratava seu
rosto como uma máscara em um grande número de autorretratos, e velava seu corpo
em elaborados vestidos tehuana. Às vezes seu véu caía, e seu corpo
machucado era trazido à superfície, condensando seus ferimentos físicos reais
com o ferimento imaginário da castração e com o espaço interior literal do
corpo feminino, o ventre que sangra, em suas pinturas autobiográficas, por
conta de um aborto. A máscara de Frida Kahlo foi sempre sua. A de Marilyn era
como uma marca registrada. Enquanto Cindy Sherman e Madonna mudam suas
aparências em fascinantes desmascaramentos de uma identidade estável, a máscara
de Marilyn tinha sempre que ser absolutamente idêntica. Sua aparência podia
aceitar um modelamento cosmético que a tornasse instantaneamente reconhecível
como sendo de Marilyn. Mas aqui, também, a máscara é tensa, ameaçada pela
lacuna entre estrelato público e pressões privadas (como era o caso de todos
presos na moral dupla da Babilônia Hollywoodiana do studio system)
e também pela lógica da própria topografia.
Ao recusar a
justaposição entre palavra e imagem, tão prevalecente na arte dos anos 1970 e
1980, Sherman pode estar sujeita a acusação de que ela mesma está presa no
impasse topográfico do fetiche e o seu colapso. Ela estaria então incapaz de
inscrever os meios da decifração em seu próprio trabalho. Seu uso de “sem
título” para descrever seus trabalhos transforma inabilidade em recusa. Sua
obra vividamente ilustra a maneira como imagens são capazes de se endereçar ao
seu espectador, e são completamente disponíveis ao processo de decifração, por
meio de mise-en-scène, conotações, justaposições e assim por
diante. Neste sentido, a iconicidade de uma fotografia, seu significado por
meio da semelhança com o que representa, pode ser uma ilusão. Como imagens de
quebra-cabeça de crianças, que contém objetos escondidos em outros objetos, como
o duplo sentido de um trompe-l’oeil, como o ajuste da visão
necessário para ver uma imagem holográfica, a obra de Sherman é testemunha da
habilidade da fotografia de significar mais do que parece representar.
Ademais, a
psique humana prospera na divisão entre superfície e segredo, que, enquanto
metáfora da repressão de todos os tipos, não pode ser varrida para longe.
Topografias do corpo feminino são formadas pela incerteza inscrita na
feminilidade pela cultura misógina, e essa forma de imbricação entre ordem
psíquica (social) e a cultura que a reflete irá necessariamente existir. Mas a
mudez e o desespero dos trabalhos de Sherman representam a mudez e o desespero
que se sucedem quando uma estrutura fetichista, os meios de apagar a história e
a memória, entram em colapso, seja como resultado de trauma pessoal ou
repressão social. O fetiche necessariamente quer que a história seja
negligenciada; esta é a sua função. O fetiche é também sintoma e, enquanto tal,
possui uma história a ser decifrada, mas apenas ao se recusar sua topografia
fantasmática. Freud descreve seu primeiro conceito do inconsciente como uma
topografia que apresenta a ação de enterrar da repressão, mas ele analisou a
linguagem do inconsciente, sua expressão formal em condensação e deslocamento,
em termos de significação e decifração. Como último recurso, a decifração é
dependente da linguagem e exegese do analisado, que transforma o sintoma em
linguagem e traça sua história deslocada. A completa falta de pistas verbais e
significantes na obra de Cindy Sherman chama atenção à semiótica que precede
uma bem-sucedida tradução do sintoma em linguagem, a semiótica de deslocamentos
e fetichismo, desesperadamente tentando disfarçar ideias inconscientes da mente
consciente. Ela usa iconografia, conotação ou o deslizar do significante em uma
trajetória que termina arrancando todo significado acumulado no limite da
matéria corpórea. Contudo, mesmo este fundamento, o vômito e o sangue, por
exemplo, retorna ao significado cultural, ou seja, à dificuldade do corpo, e
acima de tudo o corpo feminino, enquanto ele é sujeito aos ícones e narrativas
do fetichismo.
NOTA
Tradução de Giancarlo Casellato
Gozzi. Esta tradução se
encontra originalmente publicada na página web do Instituo Moreira Sales. Laura Mulvey (1941) é crítica cinematográfica e feminista inglesa, autora de
diversos livros e ensaios sobre cinema e psicanálise, entre eles Cidadão
Kane (1992), Visual Pleasure and Narrative Cinema (1975)
e Death 24x a second (2005).
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Número 151 |
Março de 2020
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