quarta-feira, 9 de novembro de 2022

MIRIAN DE CARVALHO | O dia e a noite nas Paisagens Íntimas de Wega Nery

 


Em algum lugar, a paisagem recorta-se em distâncias.

Em algum lugar, esmorece o tempo a pontuar de lírios

minha noite de festa. E solidão. Em minha casa

recortam-se vitrais do tempo.

 

Sem recorrer a critérios subordinados a aspectos na ordem do abstracionismo ou do figurativismo, denominamos Paisagens Íntimas na pintura de Wega Nery lugares desejados em visitações à cor e à luz. Primeiro, foram as casas, as águas, as árvores, a cidade, e outros recantos, buscando pouso fora da tela. E presenciávamos na arte de Wega as primeiras desconstruções do espaço. Depois, nos idos de 1960, surgiram lugares etéreos. E tudo se transformou em transparente vidraça, indicando caminhos e localizações sem linhas divisórias entre o interior e o exterior. A partir de então, o visitante encontra nas paisagens vestígios das primeiras tintas, atravessando um vitral de enigmas luzentes nas malhas do colorido a pulsar em efeitos instantâneos. Nesse tempo, o olhar percorre direções de caminhante luz a um extenso e inexistente horizonte, entreabrindo lugares oníricos.

Ao andamento encantatório das Paisagens Íntimas inscrevem-se fragmentos do Universo, enquanto os olhos atam e desatam elos virtuais que entrelaçam cores e luzes. A partir dos anos 1960, ante o tempo a percorrer-se a si mesmo, sincronizam-se na pintura de Wega o dia e a noite, porque os aconteceres regem-se pelo tempo poético tentando deter a eternidade. Gradativamente inserem-se nas paisagens desdobramentos que se desatrelam dos limites objetivos e miméticos. O dia e a noite sincronizam-se. E, em certo momento, percebe-se na pintura de Wega o nascedouro do tempo. Ancoradouro e cais de partida, o tempo ao nascer nas telas da pintora encontra-se, em simultaneidade, parado e em fuga: “As últimas pinturas de Wega são construções vastas como tapeçarias, irrequietas, de estruturas dinâmicas que lembram bandos de aves prestes a voar ou prestes a mudar a direção do voo.” [1]

Entanto, estendemos a imagem do voo a quase todas as paisagens, inclusive a muitas das primeiras paisagens pintadas por Wega, abrangendo sobretudo aquelas que primam pela desconstrução do espaço físico gerando lugares poéticos. Com o passar do tempo, de modo mais acentuado, esses lugares oníricos integram desestruturação do tempo linear e sequencial ao jogo das cores. E, de modo definitivo, a partir dos anos 60, à imagem do voo em ímpetos de encontro e dispersão, cruzam-se asas de luzes diuturnas e notívagas. Ao ritmo do tempo, essas asas sugerem o canto imemorial dos pássaros de luz ressonando na passagem dos instantes. Em sincronia, essas asas aparecem e dissipam-se atravessando o dia e a noite. Elas acompanham estrelas cadentes migrando entre o chão e a coroa do sol. E entre as inversões do norte e do sul. Aqui, o movimento da queda adquire perfil poético. E o movimento de descida pode verticalizar-se em direção aos céus.

 

UT PICTURA POESIS

 

Na paisagem, esconde-se minha noite de festa,

enquanto se perdem minhas barcas de luzes e sombras

vendo ferir-me a pele a matéria dos vitrais.

 

Ao impulso da imaginação entrelaçando veios comuns à poesia e à pintura, define-se no trabalho de Wega uma poética que instiga reflexões sobre a epígrafe de um escrito, cujo autor não consigo me lembrar. Mas ficou-me a memória do conteúdo. É isso que importa. Ao introito do referido texto assinalava-se: “A poesia surge quando começamos a chamar de pombas aos navios e de telhados ao mar.” Talvez, não sejam essas as palavras do autor. Mas, do ponto de vista do conteúdo, cabe a referência. E cabem reflexões sobre a amplitude do tema porque a poesia não se reduz à metáfora. A poesia surge quando o poeta realiza epifanias e velamentos ao jogo ambivalente do ser e do não ser.

A poesia tem início quando o poeta, de algum modo, inverte a ordem do mundo. Quando o poeta percebe nas coisas a origem de algo. A poesia surge quando o poeta inscreve na linguagem certo estranhamento e se dispõe a dar voz à matéria das coisas, fundando lugares imaginários sob a dinâmica das transformações. O pintor e o poeta trabalham com a disposição anímica dos elementos: Construindo armadilha / de arminho, saio à caça / das flores e pássaros. / Mas um dia hei de descer / à doçura desse cárcere. O pintor e o poeta trabalham a origem das coisas. A busca da origem imbrica-se no ofício de ambos. E essa busca da origem enraíza-se nos elementos originários do mundo. Para os primeiros filósofos gregos, os elementos originários do mundo eram quatro: ar, água, terra e fogo, fazendo-se intrínsecos aos processos e ao existir da pintura e da poesia.

Na Antiguidade, outros pensadores fizeram acréscimos a essa constituição originária. Alguns teceram ideias que tangenciam abstrações e conduzem o pensamento à noção de ser. Entanto, ainda bem antes das formulações filosóficas, pintores e poetas, ou seja, os artistas de modo geral, fizeram acréscimos a esse quarteto dos elementos, bem como anteciparam desdobramentos referentes ao ser e ao não ser, porque a poesia e a pintura perfazem contradições e paradoxos. Associando-se aos quatro elementos e à matéria imaginada, na pintura e na poesia tornam-se plásticos os lugares, as coisas, os vegetais, os minerais e os seres viventes. Nesse rol ilimitado de substâncias transformadas pelo poético, incluem-se os metais; a madeira; o breu; as conchas; os corais; a pele; o corpo. Não há limite para esse inventário de seres vivos ou inanimados animizando-se.

Na poesia e na pintura tornam-se elementos da imaginação todas as gamas de coisas e matérias passíveis de transformações, acrescentando-se a elas, hoje, os novos materiais produzidos pela tecnologia. Não há limite para a imaginação poética. Do teclado do computador à navegação virtual, há lugar para o trabalho do artista visual e do poeta: Perdidas em meio à selva de códigos / deságuam cachoeiras de mensagens / que emergem entre estranhos na ânsia / de algum projeto-de-encontro. (…) Às incompreensões do tato, / o que sobrevive é cio. / E poesia. Em qualquer lugar, o poeta e o pintor dispõem-se à busca da origem de algo. À escuta da origem de algo, o poeta se dispõe a lutar com palavras e a dialogar nos espaços existentes entre o significado e o silêncio, enquanto o pintor luta com cores, pondo-as em diálogo em lugares criados entre forças advindas das luzes e sombras.

Diante das nuvens ou diante do teclado do computador, diante do vazio, ou diante do nada, o poeta e o pintor podem partilhar a matéria do universo onírico. Atenta a essa partilha, Wega habita um cosmos íntimo afeito aos caminhos da cor e da luz. Nos cenários campestres, nas ruas interioranas e no burburinho da cidade, a pintora encontra horizontes, mares, galáxias, fenômenos astronômicos, que ela traduz em espaços não regidos pelas causalidades de ordem formal e eficiente. A pintora os concebe através do afeto. E os realiza no plano dos sentidos. Assim, podem ser chamadas de Paisagens Íntimas muitas das primeiras telas, visto que já apresentavam instâncias espaciais e temporais visitadas na surpresa do instante das cores, criando fenômenos e lugares fora do espaço geográfico e do tempo cronológico.

Wega traz aos sentidos um cosmos de fenômenos poéticos advindos das cores e luzes. Seus trabalhos ganham nomes líricos, tais como: Lugar Inesquecível (1965); Luzes sobre o Verde (1986); Entardecer em Planuras Luminosas. [2] Desse modo, a pintura de Wega apresenta ao mundo o intimismo dos lugares. Visitando lugares quiméricos, Wega inaugura universos que aderem à poética do nome, referendando jogos do esconder e surgir. Jogos de um velamento que persiste sob o sol de verão e de uma epifania que se ressalta entre cores noturnas. Em sua coleção de paisagens, a matéria imaginada foi a própria natureza reinventada através de cores e luzes à persecução de lugares originários. Não se trata de uma visão contemplativa. Visitando a pintura de Wega, intuímos e sentimos a dinamogênese das cores, abrindo-se ao errante caminho da luz e a inscrever na pintura certo estado de tensão entre o dia e a noite.

Ao tangenciar a origem do sentir, a poesia, assim como a pintura, volta-se para o sentido íntimo das coisas. E a pintura, assim como a poesia, dá sentido às coisas que jamais se revelam por inteiro: nesse casulo esconde-se / a linguagem fechada em si / pressentindo o sono / do tempo. Ao íntimo do tempo, fazem-se íntimos os elementos. Wega surpreende a tragédia da luz e de seu oposto, tal se pressentisse que, na pintura e na poesia, encontram-se o eu e o cosmos. Talvez, por isso, Wega tenha registrado em palavras: “A minha tragédia é interna. Sinto também a tragédia do homem perdido.” [3] Perdido, o homem se vê em estado de solidão. Sua terra é o Universo. Sua terra se revela paisagem íntima. Sua terra, vasto e pequeno chão da tragédia humana. Plasticamente, na pintura de Wega, essa tragédia se expressa nas fortes oposições das cores entre si, e entre luzes e sombras, assim como, num poema, versos livres cadenciam oposições conduzidas por imagens e sonoridades reveladoras dos não vistos e não ditos: Sob as águas as aves fazem / o ninho de passagem. / Ao tempo transitório. / Ao tempo exato.

Trata-se de intuir, tanto na poesia quanto na pintura, a existência daquilo que surge e que se insurge diverso ante as repetições do dia e da noite. Trata-se de captar o que se desvela por estranhamento. Na pintura de Wega, intuímos transformações do mundo, fazendo-se motivo das Paisagens Íntimas. Imaginada e transposta à cor e à luz, a matéria do mundo matiza-se nas telas da pintora. Nesta visitação às paisagens de Wega, merece destaque a seguinte observação: “Tanto em pintura como em música e em literatura, tantas vezes o que chamamos de abstrato me parece apenas o figurativo de uma realidade mais delicada e mais difícil, menos visível a olho nu.” [4] E, entre recortes do espaço e do tempo, chegamos a um ponto fundamental: a inscrição da pintura no plano ontológico, ou seja, nos meandros do poético. À escolha de tal enfoque, merece destaque o achado filosófico que assim se resume: “Diante da pintura tornam-se desnecessárias as discussões entre o figurativo e o não figurativo.” [5]

Ao curso dessa ideia, muitas das primeiras paisagens de Wega, posto que classificadas como figurativas, incluem-se no rol das Paisagens Íntimas que abrange, em grande parte, composições consideradas abstratas. Nas paisagens de Wega a pintura perfaz uma existência intrínseca às cores e luzes. Por isso, do ponto de vista ontológico, a arte pictórica não se enquadra nas categorias “figuração” e “abstração”. Diante do geometrismo, em alguns momentos tangenciado por Wega, cabe parafrasear Magritte: Isto não é uma maçã. Ou, de modo mais categórico: Isto não é abstração geométrica. Na arte pictórica, tudo pertence ao universo da cor e da luz. Do mesmo modo, visualizando um lugar ou um monumento, como a Torre, Paris, [6] pintada por Wega (1965), não estamos em Paris diante do monumento projetado por Eiffel. Tornamo-nos visitantes de uma paisagem luminescente que transita entre o dia e noite, acolhendo imaginário monumento de luzes verticais que atravessam os limites da Terra e dos céus. No turbilhão cromático, o ferro dessa construção transforma-se em leve percurso ascendente que reúne chão e nuvens.

Quando imaginou a matéria da sua Torre, Wega a fez ascendente pássaro transfeito em relâmpago sem tempestade. Em visitação à Torre de Wega, entram em cena efeitos cromáticos e luminosos, porque ao construir um monumento “o pintor medita sobre a natureza das coisas”. [7] Medita acerca da transformação da matéria. Ao meditar sobre a matéria das coisas em metamorfose, o pintor reúne fragmento e inexistente completude das coisas. E na pintura as coisas não têm avesso nem superfície. Não têm começo nem fim. Sua origem registra-se numa existência sensorial e virtual. Seguindo procedimentos similares aos do poeta, o pintor surpreende coisas incriadas. Na poesia eclodem forças metafóricas. Mas a grande força do poético consiste na metamorfose. [8]

O poeta diz aquilo que sentiu tocar-lhe a pele ante a surpresa do mundo e por meio do ritmo materializa o sentimento na cadência dos versos, enquanto o pintor colore a matéria onírica trazida aos sentidos. São diversas as cores da tinta e as cores na pintura, assim como são diversas as palavras no dicionário e no poema. Cabe agora rememorar menção feita às palavras que tenho na memória: “A poesia surge quando começamos a chamar de pombas aos barcos e de telhados ao mar.” Entanto, não é só isso. Não se trata de uma troca de nome, porque a poesia começa quando o poeta transforma pombas em telhados. Os telhados em pombas. O mar em maçãs. E as maçãs em pomos de carne. Seguidor das incertezas da barca, / o viajante da fábula abria as janelas / de um pomar de corais e alimentava-se / do leite que jorrava das tetas das árvores. A poesia tem início quando a cama bifurca-se em cavalo e sol.

De vários modos insurge-se o poético. A poesia acontece quando o sol torna-se, de modo simultâneo, chave de abrir e fechar. Ou ainda quando podemos transformar o telhado em matéria e museu de uma coletividade de seres diversificados: Entre caibros e lendas, guardo minha coleção / de pássaros, limo e seres imaginários. Assim, pode ser dito, a poesia começa quando o poeta plasma a matéria através da imaginação aderindo-lhe aos sentidos. O mesmo ocorre com o trabalho do pintor. A pintura inicia-se quando o pintor transforma a matéria em imagem cromática e a imagem cromática em espaços, simultaneamente, oníricos e sensoriais. E isso ocorre no tempo intrínseco à pintura. Esse tempo se dá através da cor envolta em luzes e sombras. Faz-se temporalidade a cor transformada por luzes e sombras. E a luz é um fenômeno temporal.

Sob o enfoque poético, o pintor plasma a matéria a partir da luz. Na pintura surge uma nova matéria concebida por “forças colorantes”. [9] De modo genérico, pode ser dito que a arte pictórica encarna uma ontologia e uma ontogênese. A pintura assume mudanças definidoras de sua existência. Essas mudanças vêm ao mundo na confluência do dia e da noite. A pintura revela-se numa existência sinestésica. E a esse existir deflagra-se um ciclo de mutações, ou seja, deflagra-se um fenômeno tátil impulsionado pela mão do pintor. Ante esse fenômeno, a mão do pintor é conduzida por cores e luzes. Iniciado tal trajeto, a ele aquiescem áreas de velamento e ocultamento. À pulsação das cores, a pintura assume e deflagra oposições e contrastes que caracterizam seu modo de estar no mundo.

Nesse modo de estar no mundo, há desígnios poéticos a serem captados pelo outro que se acerca do fenômeno pictórico. Porque a pintura traz ao outro cores do intimismo que se mescla à amplitude do Universo. O pintor põe-se em diálogo com poderosas forças cósmicas. Ele dialoga e interage com turbilhões de cores e luzes. Mobiliza arquétipos. Difundida por meio de oposições e diferenças, “a cor é uma força criante”. [10] Do ponto de vista ontológico, a arte pictórica encarna sincronias da claridade e do breu, numa fusão do tempo e do espaço a perfazer uma dinamogênese cromática e luminosa. Ao ato da fruição, saltam à existência seres que povoam o universo pictórico e os sentidos do visitante. Ao ato da fruição, eclodem seres cromáticos e seres luminosos. E seres de opacidade, conduzindo latente prisma solar.

Nas paisagens de Wega, à instantaneidade e à simultaneidade do dia e da noite, o ser e o não ser reúnem-se, tal como na imagem poética, tecendo correspondências: Luz mortal que, cortante, nos ressuscitasse. Na poesia, assim como na pintura, resta algo por desvelar-se. Na pintura, resta por desvelar-se a eclosão da imagem primeva. Primeva no plano da cor. E da luz.

 

IMAGENS DO DIA E DA NOITE NA PINTURA DE WEGA NERY

 

E ao visitante, meus jardins de barcarolas.

Meu mar de luzes e sombras. Meus pássaros

matizando de poesia minha cidade fundada

na origem das águas.

 

Em meio a diferenças, identificam-se elos recorrentes na produção artística de Wega. Entanto, para explicitá-los, não elegemos critérios de análise com base na passagem da pintora pela Escola de Belas Artes, nem pelo Grupo Guanabara ou pelo atelier de Samsom Flexor, dentre outros lugares de estudo e orientação estético-artística significativos na arte de Wega. Na análise da produção pictórica de Wega, seguimos critérios voltados para os efeitos cromático-luminosos de cunho sincrônico. E para apreender e relacionar certas convergências na arte de Wega, recorremos às seguintes denominações, que, sem se demarcar por cronologia exata, entrelaçam-se por meio de aproximações espaciais e temporais articuladas às Paisagens Íntimas: Primeiras Imagens (1940, 1950 e 1960); Vitrais e Reflexos (1960, 1970 e 1980); Expansões e Vórtices (1970, 1980, 1990).


A partir dessa articulação poética que implica aproximações espaciais e temporais, pode ser observado que na arte de Wega surgem elos que se encadeiam no todo de sua obra. Compõem as Primeiras Imagens, ou seja, trabalhos produzido nas décadas de 1940, 1950 e 1960: retratos, naturezas-mortas e certas paisagens, foco de nossa análise, realizadas sobretudo nos idos de 1950. Já nas paisagens desse período, integram o espaço qualidades cromáticas e luminosas que, em esquiva do mimetismo, instauram lugares em expansão.

Em muitas dessas paisagens, observam-se cortes e secções realizados pelo intimismo do olhar, tal como em Barquinho (1950) e A Ponte (1950). Surge assim, à época das Primeiras Imagens, um espaço que por vezes se encurva e, seguindo uma diagonal, ultrapassa os limites do suporte. Participando das ambivalências do poético, aderem a essa dinâmica, dentre muitas outras pinturas pertencentes às Primeiras Imagens, as obras Corumbá (1969); Freguesia do Ó (1950); Casebres, Canindé (1950); Niterói, Favela (1950); [11] bem como alguns desenhos.

Advindos de um desdobramento daqueles espaços das Primeiras Imagens, os Vitrais e Reflexos compreendem transparências e expansões de uma luz escorregadia a flutuar entre alvéolos e meandros cromáticos, em esquiva dos eixos vertical e horizontal quanto ao plano da tela. Em se tratando de direções e lugares oníricos, cria-se entre eles uma relação de pertencimento e não pertencimento espacial ante as vicissitudes do tempo no domínio poético: Infinita e exígua Babel, / este meu interior / que me rodeia o corpo. Fugidia e eterna luz do pensamento, / engolindo-me o corpo. Eis as ambivalências que percorrem o trabalho de Wega à tessitura de lugares e tempos íntimos. Já nos idos de 1960, como se atravessasse um vitral onde pulsam inúmeras direções moventes, a luz dinamiza as cores que se dirigem a espaços não fixos. E assim, surgem lugares que se permutam, uma vez que esse posicionamento não se demarca de modo linear e sim em recortes poéticos.

Em algumas obras que compõem os Vitrais e Reflexos, insurgem-se espaços reversíveis, como pode ser observado em Cristal (1959), e em Vitral (1960). [12] Trata-se de um estranhamento relativo ao espaço que se revela movente, sem posição fixa, permutando lugares que eclodem sem contornos ou demarcações rígidas relativas ao interior e ao exterior e sem demarcações afeitas à ordem dos planos geométricos. Ao percorrê-los, o visitante de modo sincrônico situa-se lá e aqui, aqui e além, neste e noutro lugar. Aqui. E, entre reflexos de cores e luzes, em lugar algum. Posto que nem sempre tangenciando a reversibilidade, tais efeitos inserem-se em outras telas que compõem os Vitrais e Reflexos. Essas efusões cromáticas adquirem desdobramentos e intensificam-se, progressivamente, numa verdadeira explosão das cores dispersas e amalgamadas a luzes e sombras multiplicando direções espaciais, algumas delas compactuando sentidos contrários.

Essa tendência à reunião de opostos se acentua nas Expansões e Vórtices, isto é, nos trabalhos produzidos nos anos 1970, 1980 e ao longo dos anos 1990, quando a apreensão de uma realidade íntima alcança espaços fragmentados por reflexos luminosos em múltiplas direções, a intensificar densidades e profundidades afeitas às cores, às luzes e sombras. A título de exemplo mencionem-se das Expansões e Vórtices as telas Revelação Onírica (1979) e Segredos do Tempo (1979). [13] Observe-se que a dinâmica espacial que envolve a reversibilidade nos Vitrais e Reflexos atinge algumas obras desse conjunto a que denominamos Expansões e Vórtices, como ocorre nas duas obras supracitadas.

Tendo como meta uma interpretação poética, torna-se relevante notar que, sobretudo no que tange aos espaços, não há na arte de Wega uma distinção rígida que possa demarcar fases como linhas divisórias quanto às Paisagens Íntimas. Comparando telas de períodos distintos, podemos notar um desdobramento e um entrelaçamento estético recorrente no todo de sua produção pictórica. Dentre outras, obras como Hospedaria dos Ventos (1967) e Paisagem Cósmica (1961), [14] em que pese o ano de sua realização, apresentam características pertinentes a Expansões e Vórtices, cujos desdobramentos espaciais múltiplos expandem-se progressivamente a partir dos anos 1970. No conjunto, as pinturas de Wega tangenciam-se por meio de uma poética da cor e da luz. Entre diferenciações, surgem fragmentos que estão presentes em trabalhos de décadas diversas, tal como ocorre na produção de alguns poetas, que, através dos tempos, apresentam imagens recorrentes.

Como exemplo de recorrência imagística, mencione-se a poesia de Cecília Meireles, com suas constantes visitações aos mares d’água, aos mares do firmamento, e a tantos outros mares de intimismo conduzidos pela solitude: “Seu nome de barca e estrela, / Foi: SERENA DESESPERADA”. [15] Do mesmo modo, Wega tornou-se navegadora de mares de todas as matérias. Das matérias tangíveis. E das matérias oníricas: [16] das matérias que insuflam o que não se faz visível no dia a dia. Assim, a pintura de Wega revela-se arte de navegar paisagens. Arte de libertar pássaros cromáticos entre os espaços do dia e da noite, quando as cores se espraiam e reúnem lugares finitos e infinitos. Quando as cores são tintas originárias. Quando as cores e luzes são asas migrantes em busca de inexistente pouso. Deslizante lugar de chegada e partida nos lugares concebidos pelo afeto. Nos lugares que habitamos à realização de impressões sensoriais, sentimentos e desejos. Sob esse prisma, não há diferença entre o figurativo e o abstrato.

Ao pouso nos lugares poéticos, várias aproximações fazem-se possíveis na pintura de Wega, quanto às qualidades espaciais e imagísticas. Destaquem-se a título de exemplo as afinidades insurgidas nas Primeiras Imagens, na paisagem denominada Freguesia do Ó (1950), e no quadro Abstração (1953). [17] Em Freguesia do Ó, a paisagem se lança para fora do suporte nas direções frontal e diagonal. Em Abstração, os lugares se lançam para “fora” da tela, seguindo diagonais e em certo momento surge uma tendência à curvatura. Por volta de 1950, as pinturas de Wega ainda apresentam cores chapadas e os espaços ainda não se diversificavam multiplicados por reflexos, que passam ao trajeto marcante na pintura de Wega a partir dos anos 1960. E já com alguns desdobramentos espaciais sugeridos por diluições da cor em luzes e sombras, podemos localizar, na paisagem denominada Corumbá (1969), alguns traços espaciais em comum com as telas Freguesia do Ó e Abstração. Trata-se do mesmo deslocamento dirigido à diagonal. Por outro lado, numa visitação a telas de períodos posteriores, as cores e luzes eclodem em Abstração como um cristal explodindo em várias direções, desconstruindo planos e posições fixas.

Já nos anos 1950 e 1960, o espaço concebido por Wega mostra-se dinâmico e sugere desconstrução dos planos geométricos. Essa desconstrução ganha corpo progressivamente a partir dos anos 1960. Nesse sentido, ainda que não sendo paisagem, Abstração revela-se lugar onírico. Trata-se desde o início de uma apreensão tática do espaço, ou seja, uma incursão pelo lugar onírico através de sinestesias com incursões pelo estranhamento espacial. Tal recurso é usual na arte de Wega, e aqui incluem-se também grande parte dos seus desenhos, em especial aqueles a nanquim. Essa apreensão do espaço dimensiona-se, tanto da parte da pintora quanto da parte do visitante, como desvelamento de lugares habitados e percorridos, de um ponto a outro ponto, estabelecendo uma relação de correspondência entre diferenças e sugestões de espaços não limitados ao olhar. São espaços que não se regem pelo fechamento, até mesmo em obras que apresentam certo sentido linear, como ocorre em Abstração.

Observe-se que, em virtude de tal apreensão do espaço, nas Primeiras Imagens a posição relativa a um dado ponto torna-se dinâmica, por vezes movente. A partir dos Vitrais e Reflexos afirma-se total desconstrução do espaço euclidiano e cria-se na pintura de Wega um jogo espacial ambíguo e ambivalente. Em verdade, nas Paisagens Íntimas, a localização confirma-se lugar virtual. Conquanto a busca de elos comuns entre as obras mencionadas, ainda que possam ser “classificadas” como figurativas Freguesia Ó e Corumbá, e como abstrata a tela Abstração, há entre elas certos elos que, sob vários aspectos, as aproximam dos pontos de vista espacial, por meio de um estranhamento cromático-luminoso. Entanto, tal como na poesia, na arte de Wega o estranhamento se faz experiência lúdica e intimista do espaço. E a esta interpretação, sob o enfoque adotado neste ensaio, nas paisagens que podem ser chamadas de figurativas, a imagem não tem caráter mimético. Ela “advém de uma ontologia direta”. [18] Não se refere a algo que a antecede. Ela não é descritiva. Não é representativa. A imagem surge. Surge primeva e única. Surge das instâncias da cor e da luz.

Assim como na poesia, a imagem não se atrela nem se dirige a um referencial. No campo da pintura a imagem não se vincula necessariamente ao figurativismo. A imagem pictórica perfaz uma existência poética. Não se confunde com um objeto visto nem o substitui. [19] Não substitui pessoas nem coisas nem lugares. Imagens não são ícones. E podem presentificar instantes de privação, incontendo-se nos não ditos e não vistos: Escaparam-se alguns eclipses. / Ganhei vazios. Salvei-me / do quintal que terminava / no fim do mundo. Uma barca vermelha e uma mancha vermelha são igualmente imagens, definindo campos sensoriais. Trata-se de áreas de cor que se mostram pregnantes e interativas, gerando espaços na pintura.

Desse modo, Freguesia do Ó, Abstração e Corumbá, posto que composições distintas, trazem movimentos nascidos do imaginar a matéria a partir de lugares originários, que se realizam por meio da cor. Porque a matéria básica da pintura é a cor. Na pintura de Wega, do ponto de vista espacial, há lugares diferenciados ou opostos que se relacionam em complementaridade. E, sobretudo, a partir dos anos 1960, as telas de Wega incorporam fortes tensões no tocante a focos luminosos direcionando-se ao seu oposto. Ou a lugares diferenciados, ainda que não opostos. Trata-se de uma dialética dos opostos e/ou diferenças que agregam e desagregam a parte e o todo, uma vez que esse todo não se estrutura pela relação figura-fundo em que se demarcam como opostos o interior e o exterior.

Na arte de Wega, as referências ao interior e ao exterior não definem posições marcadas na espacialidade bidimensional, nem na espacialidade tridimensional que pode ser sugerida pela pintura. Nesse sentido, se por ventura numa tela houver sugestão de algo situado dentro e fora do espaço pictórico, trata-se de uma relação meramente virtual. E instantânea. Por virtual, entenda-se aqui a alusão a um lugar que adquire existência sensorial, ou seja, que afeta os sentidos por meio de efeitos de simultaneidade e instantaneidade em virtude da dinâmica da cor e da luz. Nesse sentido, a categoria “virtual” se aplica a imagens, fragmentos ou a qualquer traço pictórico que exista em virtude da luz e do colorido. Tais efeitos deflagram-se ao encontro de duas ou mais cores, com suas respectivas intensidades luminosas, inaugurando espaços. A virtualidade se refere a um plural de lugares. De lugares não representados. A eles reúnem-se impressões sensoriais e caminhos intuídos. E essa instância espacial surge fora dos parâmetros usuais da percepção.

Entre cores, luzes e sombras, a pintora habitou esses meandros virtuais. Com ela, habitamos essas regiões transfeitas em cores e luzes. Até mesmo nas Primeiras Imagens, nas telas referentes a lugares geográficos não se verificam paisagens representadas estritamente por meio da perspectiva de observação. A seguir, ao período dos Vitrais e Reflexos, o espaço adquire abrangência plural, tangenciando polivalências quanto aos lugares e suas qualidades, enfatize-se. Concebidos a partir de desdobramentos e contrastes cromáticos, esses lugares congregam diferenças e oposições que de modo harmônico convivem sincronicamente. Essas diferenças e oposições, sejam cromáticas ou luminosas, proliferam nos Vitrais e Reflexos, bem como surgem com grande intensidade nas Expansões e Vórtices.

Embora na arte de Wega tais oposições e diferenças não se demarquem de modo rígido, caracteriza-se nas Primeiras Imagens, do ponto de vista espacial, em virtude de uma concepção tátil do espaço, conforme se observa na tela Aclimação (1949) [20] e Niterói (1950). Nessas duas telas, assim como em outras, a concepção do espaço se confirma através de certa negação da figura-fundo, por meio da expansão das cores em esquiva dos contornos, respectivamente, nos ângulos de visualização da paisagem, nas diagonais, bem como nos cortes realizados na apreensão do motivo. Como peculiaridade das Primeiras Imagens, sobretudo nas paisagens da década de 1950, note-se que, em algumas telas, certos componentes cromáticos, assim como todos os componentes cromáticos em certas pinturas, dirigem-se a lugares que ultrapassam os limites do suporte, numa tendência ao encurvamento e/ou a impulsos do espaço em direção a uma diagonal e algumas vezes em sentido frontal, repetimos, como a envolver o visitante. Tais efeitos podem ser verificados até mesmo em retratos e naturezas-mortas, visto que o motivo não se atém aos limites da tela, sequer do ponto de vista da composição que, à maneira de certas manifestações da pintura e da gravura orientais, apresentam cortes.

Progressivamente, esse dinamismo do espaço torna-se acentuado desvio da figura-fundo nos Vitrais e Reflexos, com sugestões de um espaço reversível, conforme o mencionado. Por fim, nas Expansões e Vórtices, esse desvio torna-se negação e desconstrução total dos esquemas da figura-fundo, quando se intensificam e ampliam elos espaciais conectando finitude e infinitude. E, igualmente, conectando efeitos de surgimento instantâneo das cores, quando as imagens mostram-se através de mutações do dia e da noite. Nas telas que se inserem nas Primeiras Imagens, isto é, nas paisagens figurativas, as imagens transformam o lugar geográfico em lugar cromático. E, do ponto de vista da obras abstratas, a imagem, ou melhor, as imagens são áreas de cor, gerando espaços conectados por interações e variações luminosas.

As imagens nas telas de Wega concentram colorido vibrante, contrastando, de modo mais intenso ou menos intenso, com áreas de sombreado. Esse conjunto de lugares imaginados em sua origem, ou seja, apreendidos numa visão primeira e única, são Paisagens Íntimas. Principalmente a partir dos Vitrais e Reflexos e das Expansões e Vórtices, as imagens encarnam transformações dos elementos telúricos e cósmicos. Nesse conjunto de pinturas, o existir enraíza-se no arcaísmo das circunscrições anímicas. Nas coisas apreendidas enquanto origem e trazidas ao mundo pela pintura. Na arte de Wega o colorido perfaz o universo imagístico. A cor se revela primeira imagem. Imagem-matriz. Momento único. Sentido primevo. Transformação da matéria. E captação do que se transforma nas cores maceradas pelo encantatório em esquiva das definições relacionadas à forma e ao fechamento.

À dinâmica do espaço e do tempo, a pintura de Wega não se revela nem figurativa nem abstrata. Questão essa que, de modo genérico, abarca a concepção ontológica da pintura. Note-se que é esse o grande salto da pintura de Wega: trazer à existência a vida das cores a transitar entre o dia e a noite. Entre seres diurnos e notívagos, se em meio a manchas direcionadas ao infinito reconhecemos uma barca, uma casa, ou um astro, estamos em visitação ao arquétipo do lugar, porque, do mesmo modo que a poesia, a pintura mobiliza arquétipos e os atualiza nos meandros do colorido. Ao transformar a matéria dos mares, das barcarolas, dos desfiladeiros, das torres, das galáxias, e de tantas outras coisas e lugares inscritos em regiões oníricas, Wega os envolve no vórtice do encantatório. Nas Paisagens Íntimas, a cor é vertigem da luz. Navegadora de cores e luzes, Wega concentra e dispersa espaços tangíveis e virtuais. Seus pássaros de luzes e sombras abrem asas aos impulsos simultâneos de chegada e partida.

Generalizando, definem-se na pintura, ao encontro do diverso, localizações e dimensões inconcebíveis e impossíveis dos pontos de vista da razão e da objetividade. E aqui relembramos a verdade estética registrada por René Magritte ao afirmar: “Isto não é um cachimbo” ou “Isto não é uma maçã”. Da pintura Wega, incluindo-se aí as primeiras telas, muito mais deve ser dito: Isto não é um barco. Isto não é uma casa. Isto não é um acidente geográfico. E então podemos imaginar, num solilóquio, palavras da pintora: Eis minhas paisagens oníricas. Meus desejos irisados. Meus lugares do afeto. Meus vitrais do tempo. Note-se que o enfoque adotado neste ensaio não envolve psicologismo. Não está em jogo a artista enquanto pessoa. Mas o legado das Paisagens Íntimas, onde se traduz o desejo da primeira imagem a ser partilhada com o outro. A essa partilha, a experiência da matéria da primeira imagem das coisas realiza-se na matéria da pintura. Essa primeira imagem é dádiva do onirismo acolhido na vigília e trazido ao plano sensorial. Então a pintura desvela-se ato e momento de solidariedade.


Sob a égide poética, podemos ir além. Dos retratos e autorretratos, podemos imaginar outras palavras de Wega dizendo-se: Eis as cores e luzes da imagem do outro. Eis as cores e luzes da minha imagem. Na pintura de Wega, o outro não é representação de alguém na ambiência do ateliê ou da sala. Wega registra o intimismo do retratado. O outro torna-se intimismo revelado. Torna-se lugar e tempo em que o retratado encontra-se a si mesmo nos domínios da cor e da luz, assim como os lugares encontram-se a si mesmos nos domínios da cor e da luz. Nas telas da pintora transita o intimismo de um solilóquio. Diluem-se cores e reflexos. Voam luzes e transparências. Porque Wega encontra o nascedouro da poesia, quando a cor se torna matéria a ser plasmada. E transformada em cor e luz ante os sentidos. Por isso, o passado não se insere nessas cores. São elas sempre atuais. Através da pintura, a artista inverte a ordem do mundo. A ordem do tempo. E do espaço. A esse espaço crispado em pele e nervos, podemos presenciar a pintura como ato primeiro: momento de solidão a percorrer lugares onde o tempo revela-se instantâneo. Onde o visitante chega sozinho. Entanto, a solidão se transforma em solitude. Momento de reunião do espaço e do tempo à transformação do absoluto. À captação das cores transmutando-se.

Mas não se trata de um momento da vida ou da solidão da pintora ou do visitante das paisagens. Porque Wega matiza a solidão das paisagens. E o visitante é o convidado de honra nessa partilha das cores e luzes, expondo a origem da matéria fundamental à pintura: a cor. À festa das transmutações / o camaleão é convidado de honra / dos olhos do tempo a olhar o mundo / que passa sem ser visto. À festa das transmutações, a pintura de Wega deseja a presença do outro. Aquele que habitará nas Paisagens Íntimas os espaços e tempos do dia e da noite.

 

OS ESPAÇOS POÉTICOS NA PINTURA DE WEGA NERY

 

Invertem o norte e o sul as asas dos pássaros.

Longo breve percurso na vertigem das torres

recolhidas às direções do tempo. Ao centro,

bate meu coração vermelho de afeto.

 

Na arte da pintura a cor animiza o espaço. Nas telas de Wega, já nas Primeiras Imagens, nos idos de 1940 e 1950, em esquiva das posições relativas aos planos geométricos, o espaço compreende localizações e dimensões poéticas. Seguindo esse caminho, assinalam-se nas Primeiras Imagens pontos e lugares virtuais, a caracterizar uma apreensão do espaço, em parte ou no todo da obra, que se mostra como ultrapassagem de limites físicos e de demarcações relativas à composição. A partir dos Vitrais e Reflexos, essa ultrapassagem de demarcações deflagra fluxos luminosos que separam áreas de cor e, em simultaneidade, atuam integrando-as. Quanto ao essencial na arte de Wega, pode ser mencionado o intenso colorido, que gradativamente adquire texturas, dando diferenciadas densidades às cores. Entre densidades fortes e suaves, nas cores ressoam profundidades e espessuras plasmando lugares poéticos: lugares de intimismo do dia e da noite.

Às diferenciações próprias das texturas eclodem múltiplos os espaços em esquiva das localizações fixas. Se em certos trabalhos de Wega há alguma analogia com o geométrico, ali a geometria torna-se metáfora à espera de sentidos que possam inventar uma poética do espaço íntimo. Sob esse prisma, os espaços fundam-se numa inversão da ordem do mundo. Ao impulso poético, sua Barcarola Branca torna-se vitral do tempo, atravessando a luz para alcançar um horizonte reflexo. E seu Vitral (1960), [21] barca de cores e reflexos atravessando janelas abertas para o mundo e para o infinito. E ousando travessias, Barcarola Branca e Vitral 21 tornam-se aves romeiras em movimento de chegada e partida. Já em meados da década de 1960, a pintura de Wega voltava-se para uma realidade íntima percorrendo meandros oníricos.

A partir dos Vitrais e Reflexos tais meandros conjugam fortes oposições e diferenças entre matizes e desdobramentos luminosos que se fundem e se dispersam fundando espaços que, por vezes, tangenciam a reversibilidade. Essa tendência à reunião de oposições torna-se crescente nas Expansões e Vórtices, por volta dos anos 1980, e ao longo dos anos 1990, quando a apreensão de uma realidade íntima expande-se em espaços fragmentados em múltiplas direções a intensificar densidades e profundidades afeitas às cores, às luzes e sombras. No íntimo das paisagens, o colorido advém de cadenciado impulso que transforma a espátula em prisma solar. Sem improvisos, Wega desconstrói demarcações e limites de uma cidade-arcádia cósmica realizada através de um lirismo ressonante em espaços e tempos poéticos, tal se fossem poemas ordenados por equilíbrio assimétrico.

Suas paisagens irmanam-se aos desígnios do visitante, acolhendo-o em seus meandros: Irmanando-me à solitude dos astros / delineia-se meu roteiro de caminhante. / O que se perdeu / seria agora fardo. / Ou penitência. E ao modo da heterometria poética, Wega estabelece liames entre fragmento e algo diverso do fragmento que, entanto, não se presume totalidade. À consecução desses liames, Wega conduz as cores. Não a tinta. Porque a matéria da pintura é a cor, repetimos sempre. Na pintura, faz-se matéria a cor. O branco e o preto são cores. Ao movimento preciso da mão, Wega plasma a cor. Entanto, essa precisão não lhe tira a espontaneidade, porque a mão da pintora é conduzida por atuante luminosidade. Trata-se de ritmos da matéria luminosa a conduzir gestos precisos à epifania da cor nessas Paisagens Íntimas.

Nas Paisagens Íntimas, vigoroso e ao mesmo tempo espontâneo, o impulso que reúne cor e luz prossegue modulado. Mostra-se comedido e livre. A partir dos Vitrais e Reflexos o espaço recria-se liberto das divisões do dia e da noite, que se emparelham realizando espaços multidirecionais. Wega reduz, amplia, inclina, contrai e fragmenta o espaço, entre caminhos e direções integrando-se numa ordem abrangente da finitude e da infinitude. De modo mais intenso, nas Expansões e Vórtices, sua pintura cria liames cromático-luminosos que relacionam diferenças e oposições que, de algum modo, se interligam. Surgem liames de cor. Liames de luz. Liames de sombras. Eles atam-se e desatam-se criando lugares virtuais.

Esses liames quebram a dominância das direções verticais e horizontais e conduzem tensões entre os matizes. E assim o espaço exaspera-se em alvéolos que se recolhem e se dilatam, enquanto os opostos complementam-se e interagem, tal como ocorre em grandes momentos do pensamento oriental, traduzindo-se nas artes e no simbólico, como, por exemplo, no colorido intenso das mandalas búdicas e na complementaridade das oposições do tai-ki no Taoísmo, que encarnam alternâncias na ordem das diferenças, que tangenciam o poético na perspectiva filosófica das culturas em que estão inseridas. Quanto às oposições complementares na pintura de Wega, posto que na perspectiva da cultura ocidental, referendam aqui uma aproximação com os exemplos orientais sob o ângulo poético. Desse modo, entre alternâncias afeitas à singularidade intimista da sua pintura, Wega cadencia ritmos e movimentos, urdindo contrapontos de luzes e cores a inaugurar espaços.

Na arte pictórica, as áreas de cor constituem espaços. Eles sugerem percursos, profundidades, desdobramentos, que transcendem o que se localiza longe e perto, o que se localiza acima e abaixo, o que se posiciona dentro e fora. Em simultaneidade, a pintura de Wega desfaz a oposição centrada nos domínios do ser e do não ser. Porém, esse transcender não se opõe ao campo sensorial. Na pintura de Wega as oposições complementam-se em lugares que se abrem, que se entreabrem e se retraem, tal uma rosa dos ventos seguida pelo viajante em todas as direções, de modo sincrônico. Ou ao modo de um catavento seguindo ventos contrários. Ou ao movimento de um arado de cores desenhando no nascedouro do solo o dia e a noite.

Expandindo-se, os espaços unem-se e desagregam-se, como se fossem cristais partidos em infinitos pedaços que ultrapassam os limites do suporte, relembre-se. Nas Paisagens Íntimas ativa-se um princípio ideativo e plástico que se apresenta como desvio das conclusões impostas pela dedução ou pelos contornos da objetividade. Na pintura de Wega o espaço abrange crivos luminosos que concentram múltiplos lugares. A arte de Wega revela-se negação da imobilidade. E, ainda que não sejam paisagens, corroboram nossa argumentação obras como Natureza Morta (1950) e a composição de nome Meninas, [22] trazendo soluções estéticas comuns às Primeiras Imagens, no que tange a um direcionamento das imagens à diagonal, a revelar um viés espacial deslocando-se a lugares virtuais.

Entre cores moventes, os lugares virtuais ganham impulso progressivo na arte de Wega. Nas Paisagens Íntimas os lugares virtuais encenam o encontro do dia e da noite, onde incidem intensas luzes gerando sombras. E sombras gerando luzes. Fogos solares e lunares. Cintilações e vórtices. Cavernas e clareiras de um naufrágio da luz ascendente derramando-se na atmosfera. E assim, na pintura de Wega, os espaços inauguram-se de modo fundamental como desconstrução do mundo objetivo. No processo ontogenético a pintura de Wega traz ao mundo aqueles seres cuja existência é própria da cor, matizando e entrelaçando a finitude e a infinitude. E esse encontro da infinitude e da finitude ocorre igualmente nos desenhos de Wega, incidindo numa poética dos contrários.

Nos desenhos de Wega incluem-se leves texturas que pulsam nas gradações da luz movendo-se entre o papel e os traços. Nos desenhos a nanquim, filetes e retículas aproximam e afastam áreas nascidas da cor negra ao percurso das linhas que se aproximam e que se afastam, contrapondo e reunindo transparência e opacidade. Entranhando-se no papel, as linhas desejam expansão. Por vezes, dilatam-se rompendo contornos e limites. Por vezes, elas eclodem em tessituras que afloram em direções que, em algum momento, desviam-se dos eixos verticais e horizontais, como ocorre em Frase (1957). [23] E aqui, registre-se, torna-se possível pressentir, em alguns desenhos, certo rumo que se relaciona
às Paisagens Íntimas, no tocante ao espaço poético. Mas à visitação ao desenho de Wega faz-se necessário iniciar uma poética da matéria intrínseca ao traço e ao papel, a partir de caminhos diversos daqueles da pintura.

Voltando aos espaços pictóricos, pode ser dito que a pintura de Wega não se atrela nem à bidimensionalidade nem a sugestões tridimensionais de natureza volumétrica. Seus espaços saltam das telas, a perfurar e atravessar a atmosfera em todas as direções. Rompendo a ordem dos planos geométricos, sua pintura comporta uma quarta dimensão trazida aos sentidos. Comporta uma dimensão temporal que se renova a cada olhar. E incorpora várias outras dimensões que compreendem metamorfoses do espaço vivenciado ao tempo das cores, enquanto a luz rege mudanças de ordem temporal. Porque a luz rege mutações. E a pintura de Wega se lança ao universo das transformações. No plano ontológico, sua pintura implica efeitos próprios dos seus desígnios. Implica uma poética do fazer. E do olhar. E uma poética do tempo. E do tempo nada sabemos. Talvez, seja o que sabemos dele. Ou o que sentimos à sua breve imensurável perspectiva. Manada de pássaros em fuga. Ou pouso instantâneo de pássaros e reflexos.

 

O TEMPO EM FUGA NAS PAISAGENS DE WEGA NERY

 

E ao visitante, meus jardins de barcarolas.

Meu mar de luzes e sombras. E estas aves

que chegam à hora de partir, matizando de poesia

minha cidade fundada no nascedouro das cores.

 

Comecemos por ressaltar que, de modo genérico, na arte pictórica a cor adere a irradiações luminosas. Adere ao tempo, porque os fenômenos luminosos pressupõem uma ordem temporal. A cor é um fenômeno de natureza temporal. E a pintura encarna transmutações relacionadas ao tempo intrínseco à cor e à luz. Intrínseco à dinâmica das metamorfoses da cor e da luz. Wega pinta a cor e a luz vistas pela primeira vez. E o que vemos pela primeira vez transforma-se. Transformou-se. E transformar-se-á. Porque a cor e a luz aderem ao tempo. E o tempo se vai. O que permanece é memória. E na pintura, à fusão do indivíduo e do cosmos, o tempo passa e não passa. Fundem-se instante e eternidade. Pulsa o momento originário do surgir.

A esses contrastes marcantes na pintura de Wega, encontram-se o dia e a noite, quando a duração não é mais que intervalo. Aprendi que ao grito do tempo / surge o intervalo das durações. Aqui torna-se hiato a duração. E o tempo, sempre misterioso e mágico. E o tempo, ave amanhecendo nos ombros da madrugada. Progressivamente nas telas de Wega reafirma-se o jogo do encantatório, seguindo dinâmica fundadora de áreas de sombra e silêncio. A princípio em ritmos mais lentos e concisos, circunscreve-se nas Primeiras Imagens a ambivalência do dia e da noite. Entre o dia e a noite, / lenta, enraíza-se a paixão. Depois, esse ritmo acelera-se. E às Paisagens Íntimas circunscrevem-se oposições e diferenças que se ampliam a partir dos Vitrais e Reflexos.

Aos jogos do dia e da noite, a pintura de Wega indica instâncias a serem desveladas junto a regiões que desejam esconder-se. Ao sol do verão, ensaia-se a dança dos notívagos. E, aos entrecortes e rumores do dia, contracenam espaços noturnos. Orquestram-se regiões de ocultamento e silêncio. Nas telas de Wega há instâncias de silêncio. Ao silêncio, algo permanece em ocultamento. No ocultar-se, há incisões de sombras nas entreluzes de um diamante de muitas faces que terá sempre uma face oculta. Porque a dramaticidade do colorido faz-se igualmente drama da luz e da sombra, escoando com o tempo em fuga. Pertence ao instante a regência das mutações que ocorrem nos espaços das Paisagens Íntimas. Crivados de luzes e sombras, os espaços multiplicam-se, de modo crescente, nos Vitrais e Reflexos e nas Expansões e Vórtices.

Se na pintura os espaços têm uma relação direta com o colorido, este ganha qualidades temporais que se acentuam em virtude da luminosidade. A luz atua como se fosse espelho movente a refletir a si mesmo. Sempre em transformação. À proximidade de duas ou mais cores diversas, esse espelho torna-se foco de transformações e efeitos de ordem temporal não afeita à sucessão. Nas Paisagens Íntimas, com ênfase nas Expansões e Vórtices, criam-se então convergências e dispersões simultâneas ao voo de pássaros diurnos e noturnos alçando voo de chegada e partida. Nas telas de Wega, as variações dos matizes diluídos em luz intensificam a instância temporal, dando à pintura efeitos diferenciados entre claridade e velamento. Sincronicamente, convivem nas telas de Wega o dia e a noite, pontuando lugares que se distendem, que se contraem, e que se mesclam em meandros e percursos virtuais.


Nesses lugares, nesses meandros, o que se transforma se rege pelo tempo poético, [24] isto é, por um tempo breve e longo cuja existência subsume simultaneidades, convergências e fuga numa ordem não sequencial. Na arte da pintura, sua matéria, a cor, revela desígnios do transformar-se no tempo. No tempo que se vai. E não volta. O que ressurge é outro tempo, infenso a marcas da sucessão. Igualmente nos transformamos. Somos tempo. Somos feitos da matéria do tempo. Seres temporais, aprendemos que as coisas vistas pela primeira vez já não são mais as mesmas, porque, regidos pelo tempo, somos instante. Tempo em fuga. Instante atual e tempo que se foi. E desejo do vindouro. Ao inexorável jogo do tempo, que escoa e se faz atualidade, as Paisagens Íntimas mobilizam arquétipos. Mas não advêm de um passado. Essas paisagens é que trazem aos sentidos o arcaísmo das cores primevas.

Cumprindo movimento inverso, assim como a poesia, a pintura mobiliza arquétipos. [25] A pintura tem força de arquétipo a inaugurar a paisagem do mundo, que antes ninguém vira. Na pintura de Wega, as paisagens ressurgem em outras paisagens recriadas aos efeitos do tempo atuando sobre os elementos poéticos. No intimismo das paisagens de Wega, somos caminhantes do fogo entre águas concentradas e dispersas no ar, densificando a terra liquefeita em luzes. Somos habitantes dos quatro elementos. E de tantos outros que a imaginação pode abarcar. Do caminho do alto ao caminho do meio, o mistério da entreluz acolhe o visitante. Do caminho do meio à ultrapassagem do horizonte, retrai-se incontida luz partejando asas do dia e da noite. O tempo na pintura de Wega se faz atualidade.

Aos sentidos despertos, esse tempo na arte de Wega desdobra-se em reflexos da luz que se expande e se contrai em direção ao seu oposto. A luz se expande e se contrai a entrecortar as paisagens. Essa expansão e contração do lume perfaz a convivência dos opostos. Invertendo o leste e o oeste, / meus pássaros / decidem rumos de chegar e partir. E o voo das cores prossegue intenso, a recriar o tempo poético desdobrando instantes. Esse tempo exaspera-se nas Expansões e Vórtices, bem como, em alguns momentos, nos Vitrais e Reflexos, captando espécie de vertigem cósmica ao nascedouro do mundo. Aos impulsos da pintura de Wega, a matéria faz-se origem. Dos quatro elementos saltam / minhas barcarolas de pássaros. / À vertigem das asas, invento / matérias que o mundo não conhece.

Aderindo a essa vertigem, à maneira dos poetas a quem é dado dizer o mundo visto pela primeira vez, Wega colore e ilumina lugares que acolhem o visitante além e aquém dos recortes do longe e do perto, além e aquém dos limites da tela. Aquém e além do tempo cronológico. Sincronicamente, o que se revela mostra-se e esconde-se na paisagem. Eis a aura de uma fábula do tempo a envolver a pintura de Wega Nery. Uma aura de contrastes luminosos que se intensificam nos anos 1970, quando, à desconstrução dos planos geométricos, as cores afloram tal se fossem águas crispadas pelo vento a dispersar e reunir reflexos. Ou a unir e dispersar tempos intrínsecos à pintura. Ou a reunir e dispersar sistemas de instantes. Se a realidade do tempo pertence ao instante, na pintura, assim como na poesia, reúnem-se sistemas de instantes [26] em convergência e dispersão.

Ao tempo da pintura o instante converge para os alvéolos da existência. E então eclodem em fuga revoadas de tempos transfeitos em pássaros de cores captados por um espelho a refletir o dia e a noite. Aos entreatos do tempo, percebemos que nas Paisagens Íntimas insere-se a paisagem da vida. Percebemos que a paisagem da vida compreende pequeno recanto desejado, onde o tempo do instante dialoga com a eternidade. E, então, encontram-se o dia e a noite, mostrando-se e recolhendo-se ao diálogo do tempo em fuga. Nas Paisagens Íntimas, as cores produzem tempos em dispersão. Produzem tempos que se reúnem e se dissipam em sincronia, visto que o dinamismo da cor deflagra temporalidades de ordem não linear.

Nas Paisagens Íntimas, de modo mais acentuado nos Vitrais e Reflexos e nas Expansões e Vórtices, deflagra-se um tempo de simultaneidades, que atuam entreabrindo e entrefechando áreas de cor ao jogo ambivalente do existir e não existir. Às mãos da pintora guiando o tempo, as áreas de sombra correspondem aos não ditos do poeta. Quanto às perdas, alegra-me / a fantasia do esquecimento. Na pintura de Wega, as áreas veladas pedem decifração ante o que se mostra no viés da luz em fuga. Entre o luminoso e o sombrio, as cores, imbuídas de luminosidade latente, trocam de lugar. Essa troca de lugar ocorre no tempo poético. No tempo instantâneo. Porque a pintura de Wega abandona o mundo da forma, para lançar-se aos processos transformacionais da matéria.

Nas Paisagens Íntimas, até mesmo em algumas telas pertencentes às Primeiras Imagens, não há contorno ou definição linear do motivo. Criam-se irradiações e fulcros cromáticos, que, aderindo ao tato, captam no mundo dimensões percorridas pela luz e pelo avesso da luz conduzindo cores fadadas à instantaneidade. Ao pintar o que se transforma, Wega convida o visitante a transformar o mundo. E o que foi visto pela primeira vez torna-se outra paisagem, não mais aquela que foi vista pela primeira vez. O que se transforma vive no tempo: Pássaro nascido de incriada Fênix. O que se transforma pertence ao cerne da cor. O que se transforma tangencia o tempo da luz. O que se transforma pertence ao tempo breve. E esse tempo vive a transformar-se em parte ou por inteiro. Nos domínios da cor e da luz, o que existe vive em transformação. Nesse sentido, o espaço e o tempo pictóricos envolvem sinestesias que lançam a arte de Wega à perspectiva filosófico-cultural do endobarroco.

 

WEGA NERY E O ENDOBARROCO

 

Movimentos descendentes em queda para o alto,

reflexos do tempo vivo acolhendo pássaros,

vórtices, espelhos e crivos de luzes e sombras

enquanto a vida germina canteiros e ninhos.

 

Entre classificações que remontam ao figurativo e ao abstrato, encontram-se várias referências ao trabalho de Wega, do ponto de vista formal. Entre tais referências destacam-se aquelas que associam o trabalho da pintora a vários estilos e movimentos, visto que a pintura de Wega realmente permite tais aproximações, seja com romantismo, com o expressionismo, com o barroquismo e até mesmo com o surrealismo. Entanto, ainda que do ponto de vista de certos procedimentos técnicos e estéticos permitam-se algumas dessas alusões, torna-se importante lembrar no trabalho de Wega a univocidade que não se atrela ao passado, porque o que passou não retorna. Eis uma condição imposta pela diacronia. Os estilos têm implicações estético-filosóficas irreprodutíveis em outro período histórico.

Por outro lado, em todos os períodos da História da Arte, destacam-se, e com forte representatividade no pós-modernismo, artistas cujo trabalho escapa às definições ancoradas numa época. Esse é o caso de Wega. Abrangendo grande parte do desenho, e, sobretudo, as Paisagens Íntimas, insurge-se na arte de Wega um desvio de normas atreladas a pressupostos estéticos relacionados. Em sua arte insurgem-se diferenças e oposições cromático-luminosas revelando forças transformativas do espaço, que se revela único na pintura de Wega, até mesmo nos trabalhos de cunho geométrico concebidos pela pintora.

Seguindo trilha poética, o trabalho de Wega pode ser dimensionado na linha do endobarroco. Mas em que consiste o endobarroco? Em primeiro lugar, ressalte-se, não se trata de estilo, nem de classificação de cunho estritamente formal. A categoria “endobarroco” engloba diretriz filosófico-cultural que se estende a todas as artes, trazendo como pano de fundo um princípio estético e ideativo que se explicita em desvio das normas imputadas pela razão monológica, ou seja, em desvio em desvio da razão atrelada à verdade única. Em esquiva do princípio lógico de identidade, bem como em esquiva do absoluto, o endobarroco nas artes visuais relaciona-se de modo fundamental ao espaço.

Note-se que no endobarroco as referências espaciais tangenciam concepções filosóficas, refletindo-se, de modo poético, nas expressões artísticas ao longo da Cultura Moderna. Tais concepções chegam ao Seiscentismo, época em que se aprofunda uma crise da razão, que se fez sentir nos domínio das artes, reunindo finitude e infinitude. Lembremos que naquele período surgiram ideias que permitiram ao homem transitar conceitualmente entre o mundo fechado e o universo infinito. [27]

Trata-se assim de um veio expressivo que implica desconstrução da ordem do espaço absoluto, da ordem hierárquica do espaço euclidiano e dos espaços percebidos no dia a dia. Entre várias incursões endobarrocas, criam-se nas expressões artísticas lugares não regidos pelas causalidades formal e eficiente. No caso de Wega, o endobarroco insurge-se através de uma espacialidade e de uma temporalidade que se lançam ao encantatório. Generalizando, sob o ângulo endobarroco, a eclosão do espaço desdobra-se em singularidades intrínsecas ao trabalho de cada artista. Porém, posto que dizendo respeito mais diretamente ao espaço, quase sempre por meio de desconstruções e estranhamentos, a espacialidade se faz dinamizar por meio das luzes e sombras implícitas ao colorido, levando à pintura implicações temporais.

Assim sendo, nesta aproximação do endobarroco com a arte de Wega, deve ser destacada a dinamogênese do espaço como negação da forma e da imobilidade. À vigência do endobarroco na pintura de Wega, atuam sobre as cores irradiações e mantos luminosos afetos à dinâmica temporal implícita ao endobarroco. Quanto à origem, o endobarroco despontou nos alvores da Cultura Moderna. E, em sendo amplamente significativo no âmbito de certas expressões culturais, sinaliza movimento de desconstrução de instância do pensamento, refletindo-se nas expressões artísticas. Por outro lado, tal desconstrução pode ser deflagrada pela própria expressão artística. No plano histórico, à época do Seiscentismo, ressaltam-se intensas desconstruções que aderem ao endobarroco.

Tendo início por volta do século XV, o endobarroco atravessa vários períodos e chega aos dias atuais. Não se trata assim de abordagem meramente estilística nem formal, ressalte-se. O entendimento do endobarroco foi proposto e estudado em vários trabalhos de nossa autoria. [28] A denominação surge como metáfora do dinamismo ideativo e estético, que, insurgindo-se em vários períodos históricos, exacerbou-se no Seiscentismo, não sendo porém a ele restrito. Desse modo, as manifestações do endobarroco não advêm da estética seiscentista. Ao contrário, esta é que decorre da estética endobarroca. Dentre suas características básicas podem ser citadas no campo da pintura: a desconstrução, as irregularidades, as dissimetrias, os cortes, os escorços abrangentes do espaço.

Sob esse prisma, observe-se, ainda que não exclusivas do Seiscentismo, não devem ser minimizadas naquele período as irregularidades plásticas no que tange, dentre outros aspectos, à elaboração dos planos, [29] envolvendo diagonais e posições em detrimento dos eixos verticais e horizontais na pintura. Entanto, esses traços não estão necessariamente presentes em todas as épocas de atuação do endobarroco. O dinamismo espacial, cromático e luminoso surge renovado e diferenciado em diferentes épocas. As irregularidades adquirem facetas próprias de cada período. E aqui, mais uma vez, enfatizamos: à dinamogênese espacial agregam-se efeitos nos campos do colorido e das luzes e sombras, que dão à arte pictórica qualidades temporais.

Na pintura de Wega, a dinâmica espacial endobarroca revela perfil único através do desvio ou da negação da figura-fundo, bem como através do afastamento dos eixos verticais e horizontais que se exacerbam progressivamente nas décadas de 1970 a 1990. Nas telas da pintora, as dissimetrias espaciais sugerem tensões advindas de múltiplos lugares. Nos campos dessas tensões, que se explicitam de modo amplo nas Expansões e Vórtices, não há posições demarcadas, tais como dentro e fora, repetimos. Tal fenômeno se transpõe aos desenhos, com ênfase naqueles 1957, em que se ressaltam retículas que permitem a passagem e a reunião de lugares distintos, criando alternâncias entre luz e sombra, como por exemplo em Rochas (1954), e de modo mais intenso em Frase (1957), em Carnaval (1957) e em Ritmos (1957). [30]

Com variáveis, a presença do endobarroco faz-se nítida em todos os períodos da produção artística de Wega. Nas Primeiras Imagens essas tensões indicam o início do rompimento das demarcações espaciais relativas aos limites do suporte, como ocorre em Corumbá e Freguesia do Ó, em que já se percebe certo estranhamento com relação ao primeiro plano. Trata-se de dinâmica, que com o passar do tempo se intensifica, revelando interações entre polos opostos em Vitrais e Reflexos e progressivos desdobramentos espaciais entre luzes e cores atravessando a atmosfera nas Expansões e Vórtices. Sobretudo Expansões e Vórtices, torna-se relevante perceber a inserção dos traços endobarrocos, sublevando-se por estranhamento, que reúne e dissocia pontos espaciais extremos e oposições de cores e luzes, quando emergem ou aquietam-se áreas sombrias.

Por vezes sutis, as sombras participam das mutações do colorido intenso. Intenso, mesmo quando se trata de tons mais baixos, anunciando a noite. Intenso, porque opõe áreas de silêncio e prenúncios de festa ao encontro do dia e da noite. O domínio cromático tem vida própria. E por mostrar-se afeito aos roteiros da luz e da sombra, desse domínio participam diferenças e oposições que perfazem vicissitudes do ser e do não ser numa completude poética. Assim, as diferenças e oposições não conduzem a sínteses, como o claroescuro na pintura clássica, que se revela como transição de um ponto a outro, pautando-se por gradações sutis. De modo diverso, na pintura de Wega, criam-se contrastes que atuam como paradoxos e oximoros na poesia. Em ascese à torre, minhas aves elevam-se / às profundezas do metal dos sinos e forjas, sonorizando longínquo cárcere das minhas estreitas cercanias.

E assim nas telas de Wega, movimentam-se pássaros em simultâneo tempo de chegada e fuga. Essa tensão revela-se característica do endobarroco na arte de Wega. Em campo entreaberto ao olhar e aos outros sentidos, as oposições dissociam-se e equilibram-se numa ambivalência e por vezes numa polivalência espacial. Em campo entreaberto aos sentidos, essas tensões evidenciam e aproximam diferenças cromáticas e luminosas ao fluxo das diversidades. E, de modo exacerbado, nas Expansões e Vórtices explodem traços do endobarroco, sugerindo lugares em esquiva das construções em torno de um ponto único ou de um plano determinado. Nesses lugares, as cores vão à origem do cosmos, a reunir fragmentos ao todo que não se totaliza.

Nesse jogo cromático, o conjunto das telas de Wega integra-se como cenário e cena de uma experiência íntima. Nos Vitrais e Reflexos e nas Expansões e Vórtices, essa experiência revela espacialidades multifacetadas a jorrar reflexos que indicam localizações virtuais. Em sendo sensorial a captação desses efeitos, eles desdobram-se em lugares que se ampliam, que se contraem, e que se movimentam numa visualidade que se completa no tato. O espaço distende-se e retrai-se. Inicia-se. E não termina. Reúne. E separa. Separa e reúne inconcebível fim e inexistente princípio de um lugar a percorrer-se a si mesmo. A essa dinâmica eclodem efeitos instantâneos da cor e da luz, num movimento de raiz endobarroca. Lembremos que esse veio filosófico-cultural revela-se por meio da exceção e do desvio da regra.


Através dos tempos, desde os alvores da Cultura Moderna até os dias atuais, inúmeros artistas, com soluções estéticas diversas, têm revelado traços endobarrocos. Entanto, ainda que num rol muito diversificado e extenso, há no trabalho de cada um deles, pelo menos em algum momento, alguma característica endobarroca marcante como o desvio e/ou negação da ordem das coisas percebidas no plano objetivo e da hierarquia afeita ao espaço euclidiano, bem como a negação do absoluto, do conclusivo e do fechamento. No caso de Wega, esse desvio já se esboçara nas Primeiras Imagens, quando se alteram localizações determinantes do primeiro plano, repetimos.

Já ao período das Primeiras Imagens o primeiro plano se desconstrói ao lançar-se a um lugar virtual situado fora dos limites da tela, assumindo uma poética do espaço em que o visitante pode dirigir-se a todos os lugares e a nenhum lugar ou a nenhum ponto fixo. Entanto, esses lugares possuem modulação intrínseca, tal como ocorre num poema composto por versos livres, em que sonoridades, ritmos e recursos imagísticos conduzem oposições a insuflar o tempo poético. Nesse sentido, nas Paisagens Íntimas, o dia e a noite pousam no tempo instantâneo que rege os espaços virtuais que se correspondem no espectro cromático e luminoso de várias obras entre si. Essa correspondência induz o visitante a uma reflexão sobre o trabalho de Wega numa relação com a contemporaneidade.

 

WEGA NERY E A CONTEMPORANEIDADE

 

Turbilhão de asas insuflando quimeras,

insurgente caminho das alamedas do cosmos.

E o tempo, não mais que luzes e sombras

ao fôlego das horas atravessando vitrais.

 

Em atenta visitação ao trabalho de Wega, podemos perceber que em certo momento sua pintura se lança à contemporaneidade, com destaque nas telas relacionadas às Expansões e Vórtices. Posto que amplo o universo da arte contemporânea, um dos grandes questionamentos realizados por suas manifestações abrange a circunscrição do espaço. Seja do ponto de vista do objeto ou do ponto de vista conceitual, a espacialidade subsume discussões relativas à proporção, à função, ao posicionamento, à virtualidade, entre outras inúmeras facetas. Nesse sentido, começamos por afirmar que as expressões contemporâneas não se reduzem a instalações, objetos, vídeos, ou a manifestações de igual teor. Na contemporaneidade, os meios ditos tradicionais apresentam igualmente questionamentos e soluções estéticas diversos daqueles do modernismo. Há singularidades que abrangem a gravura, o desenho, a escultura e a pintura.

Pelas características das obras abrangentes das Expansões e Vórtices, situamos na perspectiva da contemporaneidade um grande número de pinturas de Wega que formam um conjunto interativo. Por outro lado, observou-se ao longo deste texto que inúmeros trabalhos de Wega apresentam entre si conexões entre fragmentos e inexistente todo. Tais conexões, conduzindo ambiguidades, inserem-se em grande parte da produção contemporânea, visto que hoje os artistas visuais, em sua maioria, não produzem trabalhos isolados. Na pintura contemporânea, os pintores produzem conjuntos interativos. À maneira das outras linguagens atuais que interferem no espaço da mostra, e até o questionam sob vários ângulos, chegando por vezes a desconstruí-lo, a pintura se lança a grandes formatos que dialogam por vezes com obras de formato médio e/ou pequeno, convidando o visitante a integrar-se à ambiência da mostra.

Pode ser dito que se faz comum à arte contemporânea, quer do ponto de vista conceitual, quer do ponto de vista objetual, essa articulação do fragmento com algo mais amplo, que entanto não se constitui um todo, por sugerir algo que não se conclui nem se esgota na visualidade e/ou na linguagem. Note-se que a noção de fragmento não se refere ao tamanho de uma peça em comparação com outra maior. Ainda que tal relação possa ocorrer, trata-se especificamente de elos de correspondência e interação que podem relacionar imagens ou efeitos intrínsecos a obras de qualquer formato, interagindo na ambiência. Nesses elos não há completude. Tal correspondência inicia uma poética da incompletude, como desvelamento de algo lacunar. É próprio da contemporaneidade o não fechamento. O não conclusivo. A busca do sentido. A dialética da correspondência do ser e do não ser.

Em tempos atuais, essa poética da incompletude revela na pintura contemporânea soluções diversas daquelas que regeram os vários momentos da pintura moderna. Tal dinâmica, como não poderia deixar de ser, difere das soluções afeitas à pintura narrativa e, igualmente, difere dos cânones da pintura clássica. Pode ser dito, de modo genérico, que o espaço pictórico tradicional dimensiona-se nos limites da finitude tendo como meta uma síntese. Em certos momentos históricos, posto que voltada a pintura para um ideal plástico, clássico ou não, esse ideal tangenciava referenciais perceptivos: viés estético que tomou novos rumos a partir do modernismo. Entanto, ainda que negando esquemas da perspectiva de ponto único, a pintura moderna, salvo algumas exceções, ainda aderia à finitude do espaço, tal como ocorreu no Cubismo, em que a infinitude se esboça como conceito, visto que, do ponto de vista perceptivo, o espaço ainda se visse limitado ao contorno do suporte.

Noutra vertente, posto que através de transgressões temáticas abordadas de modo encantatório ou fantástico, o Surrealismo valorizou recursos da perspectiva, sem grandes desconstruções espaciais. Por outro lado, as transgressões dadaístas, que vão ao campo do objeto e ao campo pictórico, abrangendo saltos e estranhamentos na ordem das colagens e assemblages, ainda se atrelavam à finitude espacial. Os objetos compreendem limites no espaço físico. Por vezes sugerem o conceito. Mas não se lançam à virtualidade. No caso da pintura, não há ultrapassagem do suporte, seja do ponto de vista objetivo, seja do ponto de vista da relação figura-fundo. Assim, há uma grande diferença entre as soluções espaciais do modernismo e da contemporaneidade, tanto do ponto de vista do objeto quanto do ponto de vista pictórico, com orientações estéticas diversas.

Porquanto no modernismo os parâmetros relativos à objetividade constituam, de certo modo, antítese da visualidade objetiva, a pintura moderna realizou espaços concluídos numa espécie de Gestalt, que se exacerba nas experiências ancoradas na geometria. Ao distanciar-se dessa tendência ao fechamento, a pintura contemporânea tem propiciado a convivência de contrários e diferenças que se articulam sem visar a uma síntese. Trata-se de conexões e desconexões simultâneas de várias ordens, que surgem de modo singular na produção de cada artista, ao criar-se uma ambiência que envolve o corpo e deflagra sinestesias e em que o espaço da mostra integra-se à espacialidade das pinturas.

Há na pintura contemporânea interação entre fragmentos de trabalhos diversos. Tais fragmentos podem variar em extensão e não estão regulados por tamanho e não pertencem a uma tela ou a um objeto ou a um dado espaço pictórico. Na pintura, tais fragmentos interagem do ponto de vista cromático e podem tangenciar o conceitual. Entanto, ao acolher o conceitual, este atua no plano da linguagem numa função estética. Não se trata assim de enunciados discursivos e lineares. Trata-se de sentidos articulados por cores e luzes, que dinamizam o pictórico enfatizando, de algum modo, o não visto. Nessa dinâmica, o não visível presta-se à intuição. Tal processo percorre vários momentos da pintura de Wega, sobretudo as Expansões e Vórtices.

A esse processo, com destaque nas Expansões e Vórtices, as telas de Wega atuam como se fossem espelhos inventando a própria imagem, criando elos de pertencimento e não pertencimento espacial. Nas Expansões e Vórtices ocorre uma relação de ambígua continuidade/descontinuidade espacial. Wega fragmenta e reúne espaços, desconstruindo a ordem das coisas vistas e/ou intuídas. De modo intenso nas Expansões e Vórtices, observam-se efeitos de cores e luzes em transformação inaugurando espaços que não se concluem no sentido de fechamento, porque não se dimensionam pela antítese “interior/exterior” nem se subordinam à noção de forma.

A negação do fechamento e da conclusão revela-se característica da pintura contemporânea, porque o espaço não se mostra limite nem contorno, relembre-se. Hoje, não raro, além de tangenciar o conceitual, a pintura muitas vezes se lança a incursões objetuais. Igualmente torna-se próprio da pintura contemporânea a interação das peças em seu conjunto, uma interação que se conduz pela relação ambígua de continuidade/descontinuidade. No Brasil são muitos os artistas, que, tendo propostas diversas, tangenciam tais determinantes estéticas. [31] Com parâmetros próprios, há uma pintura caracteristicamente contemporânea.

Por conduzir oposições, por confrontar espaços finitos e infinitos, nessa pintura, que pode ser figurativa ou abstrata, elimina-se então a ideia de suporte, uma vez que os espaços atuam além dos limites da tela ou de outro material utilizado para receber as cores. Nesse sentido, muitos artistas contemporâneos tangenciam o endobarroco. E tal é o caso de Wega, que transita do modernismo à contemporaneidade, observando-se ser o endobarroco um veio estético e ideativo que sempre apresenta transgressões quanto aos estilos ou tendências de uma época.


Em suas Paisagens Íntimas, Wega é única. Sua arte não se prende a classificações.

Embora apresentando certas características diferenciadas, não há linha divisória que seccione em fases a arte de Wega, reafirme-se. Assim, entre outras, várias telas de períodos distintos revelam traços comuns entre si, refletindo o encontro das cores e luzes do dia e da noite, através de contrastes complementares. Nesse encontro, há intercâmbio entre vários trabalhos, tais como: Sem título (1965); Acampamento (1966); Ritmo Cósmico (1973); Música Iluminada (1981); Manhã em Azul (1993). [32] Aqui mencionadas somente cinco telas pertencentes a quatro décadas de pintura de Wega Nery, observe-se que muitas outras caberiam à apreensão da simultaneidade do dia e da noite nas Paisagens Íntimas. Nessas paisagens, voam cores e reflexos. Deslocam-se asas luminosas. Pousam e se evadem pássaros diurnos e noturnos.

Como se fossem pássaros migrantes idos e vindos de direções várias, cores e luzes conectam e desconectam caminhos. Nas Paisagens Íntimas, os espaços contraem-se e ampliam-se sugerindo elos entre finitude e infinitude. E o tempo, grande pequeno pássaro em fuga. E o tempo, pouso no instante. Asas luminosas, sobrevoando espaços do dia e da noite.

 

NOTAS

1. SPANUDIS, Theon. “Pintura Estrutural”. A Ilha Verde de Wega, 50 Anos de Pintura – em Homenagem aos 80 Anos da artista. Catálogo da mostra. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo/Centro Cultural São Paulo.

2. Reproduções dessas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery – Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com as seguintes referências: Lugar Inesquecível (1965), óleo s/ tela, 116 x 89; Luzes sobre o Verde (1986), óleo s/ tela, 120 x 100; Entardecer em Planuras Luminosas (s/d), óleo s/ tela, 40 x 60.

3. RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987. Depoimento de Wega Nery registrado por Ivo Mesquita.

4. LISPECTOR, Clarice. A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

5. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1976.

6. Reprodução da obra encontra-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com a seguinte observação: óleo s/ tela, 70 x 100 cm. A pintura Torre, Paris encontra-se também reproduzida no presente livro.

7. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1976.

8. Cf. CARVALHO, Mirian. Metamorfoses na Poesia de Péricles Prade. São Paulo: Quaisquer, 2006.

9. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1976.

10. BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1976.

11. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, respectivamente, com as seguintes observações: Corumbá, óleo s/ tela, 70 x 50; Freguesia do Ó (1950), óleo s/ tela, 55 x 46, col. do Palácio do Governo de São Paulo, em Campos de Jordão; Casebres, óleo s/ tela, 54 x 44; Niterói, óleo s/ tela, 54 x 44. A pintura Corumbá encontra-se também reproduzida no presente livro.

12. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com as seguintes observações: Cristal, óleo s/ tela, 37 x 43; Vitral, óleo s/ tela, 72 x 90.

13. Reproduções das referidas telas encontram-se em SILVA, Jorge Anthonio e. Wega Nery. São Paulo: Pantemporâneo, 2009.

14. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com as seguintes observações: Hospedaria dos Ventos, óleo s/ tela 92 x 65; Paisagem Cósmica, óleo s/ tela, 120 x 170.

15. MEIRELES, Cecília. “Vaga Música”. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

16. SILVA, Jorge Anthonio e. Wega Nery. São Paulo: Pantemporâneo, 2009. Trata-se de leitura imprescindível ao conhecimento do trabalho de Wega, através de abordagem da obra da pintora a partir da poética dos quatro elementos.

17. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, respectivamente. Quanto à Freguesia do Ó, consulte-se nota nº 11. Sobre Abstração, observem-se as seguintes referências: óleo s/ tela, 100 x 80.

18. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Trad. Antonio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. Rio de Janeiro: Eldorado [s.d.].

19. BACHELARD, A Poética do Espaço. Op. cit.

20. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com as seguintes observações: Aclimação e Niterói, óleo s/ tela, 46 x 38; Gávea e Dois Irmãos, óleo s/ tela, 70 x 50.

21. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com as seguintes observações: Barcarola Branca, óleo s/ tela, 80 x 100; Vitral 21, óleo s/ tela, 72 x 90.

22. Reproduções das referidas obras encontram-se em: RIBEIRO, Leo Gilson; MESQUITA, Ivo; e PINTO, Tão Gomes. Wega Nery - Reflexos do Real Invisível. São Paulo: K/MWM-IFK, Editor Emanoel Araújo, 1987, com as seguintes observações: Natureza Morta, óleo s/ tela, 55 x 46; Meninas, óleo s/ tela.

23. FERRAZ, Geraldo. Wega Liberta em Arte. São Paulo: Edição do Autor, nº 793, 1975.

24. BACHELARD, Gaston. “Instante Poético e Instante Metafísico”. O Direito de sonhar. Trad. José Américo Mota Pessanha e outros. São Paulo: Difel, 1979.

25. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Op. cit.

26. Cf. BACHELARD, Gaston. A Dialética da Duração. Trad. Marcelo Coelho. São Paulo: Ática, 1988.

27. Quanto a essa questão consulte-se a obra de KOYRÉ, A. Du Monde clos à l’univers Infini. Paris: Gallimard, 1973.

28. Cf. CARVALHO, Mirian de. Metamorfoses na Poesia de Péricles Prade. São Paulo: Quaisquer, 2006. Dentre outros trabalhos, o referido assunto consta da obra inédita A Carnavalização na Pintura de César Romero. As referidas obras receberam da UBE, em 2007, respectivamente, os seguintes Prêmios: Geraldo de Menezes (História e Crítica) e Vianna Moog (Ensaio). À elaboração do conceito de endobarroco, buscamos subsídios nos trabalhos de vários autores, com ênfase no pensamento de Eugenio d’Ors e Helmut Hatzfeld.

29. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Tomo I, 2ª ed. Trad. Walter H. Geenen. São Paulo: Mestre Jou, 1972.

30. Reproduções das referidas obras podem ser vistas em FERRAZ, Geraldo. Wega Liberta em arte. Op. cit.

31. Sobre esse tema foram publicados os seguintes textos de nossa autoria: “O Trans-realismo de João Câmara em Duas Cidades”. Jornal da ABCA nº 3. São Paulo: Associação Brasileira de Críticos de Arte, setembro de 2002. “Os Lugares da Crítica: reflexões sobre o tempo a partir da pintura de César Romero”. Os Lugares da Crítica de Arte. Org. Lisbeth Rebollo Gonçalves e Anna Teresa Fabris. São Paulo: ABCA/Imprensa Oficial, 2005. “A Contemporaneidade da Pintura de Rita Manhães”. Rio de Janeiro: IBEU, 2009 (catálogo da mostra de pintura). “Luzes das Cores”. Rio de Janeiro: IBEU, 2009 (catálogo da mostra de pintura de Márcio Santana). “O imemorial na arte de Vladimir Machado: reflexões sobre a pintura contemporânea”. Gambiarra. Revista dos Mestrandos em Comunicação do Programa de Pós-graduação em Ciência da Arte - UFF nº 2, ano II, 2009. Disponível na internet em 30.8.2015.

32. Imagens em: SILVA, Jorge Anthonio e. Wega Nery. São Paulo: Pantemporâneo, 2009. A pintura Ritmo Cósmico encontra-se também reproduzida no presente livro.

 


MIRIAN DE CARVALHO (Brasil). Poeta, filósofa e crítica de arte. Entre seus livros de ensaios destaca-se Metamorfoses na poesia de Péricles Prade (2006) e Carnavalização e ironia na arte poética de Oleg Almeida (2013). Miriam de Carvalho é membro da Associação Internacional de Críticos de Arte e PEN Club.

 

 



AGNES ARELLANO (Filipinas, 1949). Escultora conocida por sus agrupaciones escultóricas surrealistas. Una tragedia familiar ocurrida en 1981 determinó el rumbo de su carrera y los temas principales de su arte. Sus padres, su hermana Citas y una empleada doméstica murieron en un incendio que arrasó la casa ancestral de los Arellano en San Juan, Metro Manila. Arellano recibió la noticia del incendio mientras estaba de vacaciones en España. En memoria de sus difuntos padres y hermana, decidió establecer las Galerías Pinaglabanan sin fines de lucro en el sitio de la casa ancestral. Allí se exhibirían muchas obras de arte filipinas y extranjeras inusuales, y también se otorgaron subsidios a artistas talentosos. Arellano conmemoró la trágica muerte de sus padres y su hermana 7 años después con un evento multimedia llamado “Fuego y muerte: un laberinto de arte ritual”. Creó una instalación única que consiste en un laberinto de santuarios temáticos en el jardín Arellano, combinando esculturas, poesía, fotografías, esculturas sonoras, plantas y recuerdos familiares. Esto demostró el profundo sentido del precario equilibrio entre la muerte y la vida del que había tomado conciencia después de la tragedia. Este tema también encontraría su camino en muchas de sus otras obras. Agnes Arellano es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura. A ella agradecemos por su cariño y complicidad.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 217 | novembro de 2022

Artista convidada: Agnes Arellano (Filipinas, 1949) 

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