Ter sido modelo desde cedo para os “retratos de Katia” e, mais
tarde, um longo trabalho como assistente por mais de trinta anos, numa convivência
íntima dentro do ateliê, com o cheiro das tintas, os chassis, pinceis, telas, espátulas
e cavaletes, tornou-me muito próxima das fases e do fazer artístico de meu pai Arcangelo
Ianelli.
Desde
menina acompanhei os quase vinte anos da fase figurativa do artista, muitas vezes
presencialmente, em excursões pela represa, ruas de São Paulo, banhados de São José
dos Campos, cemitérios, praias de Itanhaém. Lembro-me da maleta de tintas e do cavalete
para as pinturas ao ar livre.
As
fases de Ianelli foram se sucedendo de forma gradual, sem muitas rupturas ou saltos,
de forma cronológica, quase didática, numa trajetória de 65 anos de trabalho disciplinado.
A figuração termina por volta de 1960, quando já encontramos, sobretudo nas naturezas-mortas,
uma composição mais despojada, com formas geometrizadas e simples, um prenúncio
da fase geométrica que viria dez anos mais tarde (1970).
Durante
dois anos vivemos na Europa, num trailer, em razão do prêmio concedido ao artista
pelo Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1964. Esse tempo no exterior
marcou a carreira de Ianelli, que, naquele momento, já havia ingressado no abstracionismo.
Ele toma conhecimento dos museus, dos artistas e críticos, além do movimento artístico
da época em Roma, Paris, Berlim, Munique, Madrid.
Quando
retorna em 1967, o artista figura em diversas Bienais de São Paulo e, no exterior,
levanta o 1º Prêmio de duas Bienais importantes: a do México em 1978 e a do Equador
em 1989.
Sua
pintura passa, nesse período, do abstracionismo informal à fase da “Matéria”, na
qual camadas grossas de tinta se sobrepõem, e da “Matéria” para a fase do “Grafismo”,
na qual interseções são feitas sobre a pintura lembrando desenhos rupestres.
Em
1971, o artista entra na fase do “Balé das Formas”, assim denominada pelo crítico
Paulo Mendes de Almeida devido à impressão de movimento dos elementos geométricos
na composição como num balé de formas e cores.
Até
1973 permanece no “Balé”, para então ingressar na sua fase tão marcante que foi
a geometria, na qual trabalhará ao longo de dez anos. É nesse mesmo período que
o artista enfrenta um problema sério de saúde: uma intoxicação pelo chumbo da tinta
a óleo, que lhe provoca uma pancreatite e o obriga a deixar essa técnica por determinação
médica, substituindo o óleo por têmpera. Ianelli trabalhará com essa nova técnica
pelos próximos oito anos.
A
têmpera permitiu ao artista um grande aprendizado. Segundo ele, foi com esse material
que descobriu as nuances delicadas das transparências, algo que, posteriormente,
em sua última fase, das chamadas “Vibrações”, ele pôde usar com mestria, já de volta
à tinta a óleo.
Nesse
ínterim da fase geométrica à das Vibrações, Ianelli se dedicou a inúmeras gravuras,
serigrafias e relevos brancos em madeira, tendo ainda desenvolvido nessa época sua
pesquisa com esculturas de mármore, realizando várias peças.
Também
na última fase, à qual o artista dedica seus últimos quinze anos, a pintura vai
sendo depurada para chegar à plenitude da simplicidade em que só as cores, sobrepostas
umas às outras, nos dão a sensação de estar penetrando uma luz aveludada e serena.
São
suas derradeiras obras os relevos pintados, nos quais as formas geométricas de 1970
são resgatadas e trazidas para o tridimensional, criando uma “escultura pintada
de parede”.
Ianelli
realizou ao todo 4 retrospectivas: no MAM de São Paulo, no MAM do Rio de Janeiro,
no MASP e a última, a mais abrangente, em 2002, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Um
artista com uma produção extensa e diversificada, cuja disciplina de trabalho concentrava
horas ininterruptas dentro do ateliê, inclusive aos finais de semana. Uma trajetória
de quase 70 anos de criação registrada em desenhos, inúmeros pasteis sobre cartão,
guaches, serigrafias, gravuras, litografias, pinturas, relevos e esculturas. Ianelli
dizia que, se pudesse um dia voltar a viver, gostaria de poder ser novamente artista.
Sentia que uma vida era pouco para tantas possibilidades de criação.
Hoje,
além de ser restauradora de pintura especializada na obra de Ianelli, trabalho juntamente
com minha filha, a poeta Mariana Ianelli, na documentação da obra do artista para
um futuro Catalogue Raisonné de toda a sua produção.
ARCANGELO IANELLI – BIOGRAFIA RESUMIDA
Arcangelo Ianelli (São Paulo, SP – 1922-2009) iniciou-se no desenho
como autodidata, tendo se dedicado a estudos de pintura, mural e afresco a partir
de 1940. Desenvolveu uma pintura figurativa, predominantemente de marinhas e paisagens
urbanas, entre 1940 e 1960. Durante a década de 50, integrou o Grupo Guanabara
juntamente com Manabu Mabe, Yoshiya Takaoka, Jorge Mori, Tomoo Handa, Tikashi Fukushima
e Wega Nery, entre outros. Passou por lenta evolução e
por diferentes fases, iniciando-se na abstração a partir de 1961. Viveu os anos
de 1966 e 1967 na Europa, em razão do Prêmio de Viagem ao Exterior. Desde
a metade da década de 1970, atuou ainda como escultor, realizando obras em mármore
e em madeira, nas quais retoma questões constantes de sua obra pictórica.
Participou ativamente do movimento artístico brasileiro
como expositor, membro de júri, de comissões organizadoras de certames artísticos.
Curador de mostras no país e no exterior, fez parte de conselhos de arte de museus
e da Comissão Nacional de Artes Plásticas. Com presença marcante no movimento artístico
latino-americano, expôs individualmente em vários países, tendo integrado bienais
internacionais. Realizou, nestes últimos 30 anos, inúmeras esculturas em mármore
e em madeira, bem como vários painéis e murais. Possui obras no acervo de vários
museus internacionais (América Latina, Europa, EUA, Japão e Canadá) e museus nacionais
(São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco, Bahia, Paraná e Rio Grande do
Sul). Entre suas exposições mais recentes, destacam-se a Retrospectiva de 60 anos de pintura, na Pinacoteca do Estado de São Paulo,
em 2002, e a exposição “Ianelli – Os caminhos da figuração”, no Museu de Arte Brasileira
da FAAP (MAB - SP), em 2004, e no Museu Oscar Niemeyer (MON) de Curitiba, em 2006.
Recebeu, em mais de 60 anos de carreira artística, diversos
prêmios, entre eles, o Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna
em 1964; o Prêmio Museu de Arte Moderna de São Paulo no Panorama da Arte Brasileira
em 1973; o Prêmio Pesquisa do Ano concedido pela Associação Paulista de Críticos
de Arte, pelo mural de concreto e relevo realizado na avenida Brigadeiro Faria Lima,
em São Paulo, em 1975; o I Grande Prêmio da Bienal Ibero-Americana do México e Prêmio
Gonzaga Duque da Associação Brasileira de Críticos de Arte e da Associação Paulista
de Críticos de Arte, pela mostra retrospectiva no Rio de Janeiro e em São Paulo
em 1978; o Grande Prêmio Internacional da II Bienal de Cuenca em 1989; o Prêmio
ECO – ART Rio 92 de artistas Nacionais e
Latino-Americanos. Em 1999, foi homenageado com o prêmio internacional Lumiére, da associação cultural U.N.O.P.A.D.C. de
Roma, em 2003, com o Prêmio da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte)
por Melhor trajetória de um artista, além do Prêmio da APCA (Associação Paulista
de Críticos de Arte) por Melhor Retrospectiva do Ano.
Livros
publicados sobre sua obra: “Ianelli do figurativo
ao abstrato” (1978), de Paulo Mendes de Almeida; “Ianelli forma e cor” (1984), de
Frederico Moraes, “Três coloristas – Ianelli, Volpi e Aldir” (1989), de Alberto
Beuttenmüller, “Ianelli – 50 anos de pintura” (1993), com diversos textos críticos,
“Poetas do espaço e da cor – Volpi, Ianelli, Weissman, Aldir” (1997), de Edla Van
Steen, “Ianelli” (2002), com diversos textos críticos.
Filmes e Vídeos: “Ianelli – Artista
Brasileiro”, “Poetas do espaço e da cor”, “Ianelli em Cuenca”, “Entrevista com Ianelli”,
vídeos de Olívio Tavares de Araújo; “Especial Ianelli”, vídeo da TV Educativa, Rio
de Janeiro; “Do Figurativo ao Abstrato e Um Mural na Fachada”, de Paulo Ramos Machado;
“A geometria e a cor”, vídeo da TV Sesc-Senac; “Ianelli – Arte do Brasil”, CD-Rom,
Tecné.
*****
KATIA IANELLI (Brasil). Curadora, galerista, ensaísta.
Em 2002, coordenou a grande retrospectiva de 60 anos de pintura de Ianelli na Pinacoteca
do Estado de São Paulo. Em 2004, trabalhou como coordenadora editorial do livro
“IANELLI” (Via Impressa), lançado no mesmo ano na Pinacoteca do Estado. Curadora
da exposição “Os caminhos da Figuração”, mostra panorâmica da fase figurativa de
Ianelli, no Museu de Arte Brasileira da FAAP (SP), em 2004, e no Museu Oscar Niemeyer
(PR), em 2006. A ela agradecemos a valiosa cumplicidade de ceder à nossa revista
os direitos de reprodução de 50 obras de seu pai. Página ilustrada com obras de Arcangelo Ianelli (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.
Obras de Arcangelo
Ianelli que constam desta página:
1. Natureza-morta, óleo sobre tela, 46x61cm,
1959, Coleção particular.
2. Casas, óleo sobre tela, 73x60cm, 1960, Coleção
particular.
3. Natureza-morta, óleo sobre tela, 73x60cm,
1960, Coleção particular.
4. Natureza-morta, óleo sobre tela, 60x70cm,
1960, Coleção particular.
Agulha
Revista de Cultura
Fase II | Número 27 | Maio de 2017
editor geral |
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente |
MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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