quinta-feira, 4 de maio de 2017

KATIA IANELLI | Lembranças de Arcangelo Ianelli


Ter sido modelo desde cedo para os “retratos de Katia” e, mais tarde, um longo trabalho como assistente por mais de trinta anos, numa convivência íntima dentro do ateliê, com o cheiro das tintas, os chassis, pinceis, telas, espátulas e cavaletes, tornou-me muito próxima das fases e do fazer artístico de meu pai Arcangelo Ianelli.
Desde menina acompanhei os quase vinte anos da fase figurativa do artista, muitas vezes presencialmente, em excursões pela represa, ruas de São Paulo, banhados de São José dos Campos, cemitérios, praias de Itanhaém. Lembro-me da maleta de tintas e do cavalete para as pinturas ao ar livre.
As fases de Ianelli foram se sucedendo de forma gradual, sem muitas rupturas ou saltos, de forma cronológica, quase didática, numa trajetória de 65 anos de trabalho disciplinado. A figuração termina por volta de 1960, quando já encontramos, sobretudo nas naturezas-mortas, uma composição mais despojada, com formas geometrizadas e simples, um prenúncio da fase geométrica que viria dez anos mais tarde (1970).
Durante dois anos vivemos na Europa, num trailer, em razão do prêmio concedido ao artista pelo Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1964. Esse tempo no exterior marcou a carreira de Ianelli, que, naquele momento, já havia ingressado no abstracionismo. Ele toma conhecimento dos museus, dos artistas e críticos, além do movimento artístico da época em Roma, Paris, Berlim, Munique, Madrid.
Quando retorna em 1967, o artista figura em diversas Bienais de São Paulo e, no exterior, levanta o 1º Prêmio de duas Bienais importantes: a do México em 1978 e a do Equador em 1989.
Sua pintura passa, nesse período, do abstracionismo informal à fase da “Matéria”, na qual camadas grossas de tinta se sobrepõem, e da “Matéria” para a fase do “Grafismo”, na qual interseções são feitas sobre a pintura lembrando desenhos rupestres.
Em 1971, o artista entra na fase do “Balé das Formas”, assim denominada pelo crítico Paulo Mendes de Almeida devido à impressão de movimento dos elementos geométricos na composição como num balé de formas e cores.
Até 1973 permanece no “Balé”, para então ingressar na sua fase tão marcante que foi a geometria, na qual trabalhará ao longo de dez anos. É nesse mesmo período que o artista enfrenta um problema sério de saúde: uma intoxicação pelo chumbo da tinta a óleo, que lhe provoca uma pancreatite e o obriga a deixar essa técnica por determinação médica, substituindo o óleo por têmpera. Ianelli trabalhará com essa nova técnica pelos próximos oito anos.
A têmpera permitiu ao artista um grande aprendizado. Segundo ele, foi com esse material que descobriu as nuances delicadas das transparências, algo que, posteriormente, em sua última fase, das chamadas “Vibrações”, ele pôde usar com mestria, já de volta à tinta a óleo.
Nesse ínterim da fase geométrica à das Vibrações, Ianelli se dedicou a inúmeras gravuras, serigrafias e relevos brancos em madeira, tendo ainda desenvolvido nessa época sua pesquisa com esculturas de mármore, realizando várias peças.
Também na última fase, à qual o artista dedica seus últimos quinze anos, a pintura vai sendo depurada para chegar à plenitude da simplicidade em que só as cores, sobrepostas umas às outras, nos dão a sensação de estar penetrando uma luz aveludada e serena.
São suas derradeiras obras os relevos pintados, nos quais as formas geométricas de 1970 são resgatadas e trazidas para o tridimensional, criando uma “escultura pintada de parede”.
Ianelli realizou ao todo 4 retrospectivas: no MAM de São Paulo, no MAM do Rio de Janeiro, no MASP e a última, a mais abrangente, em 2002, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Um artista com uma produção extensa e diversificada, cuja disciplina de trabalho concentrava horas ininterruptas dentro do ateliê, inclusive aos finais de semana. Uma trajetória de quase 70 anos de criação registrada em desenhos, inúmeros pasteis sobre cartão, guaches, serigrafias, gravuras, litografias, pinturas, relevos e esculturas. Ianelli dizia que, se pudesse um dia voltar a viver, gostaria de poder ser novamente artista. Sentia que uma vida era pouco para tantas possibilidades de criação.
Hoje, além de ser restauradora de pintura especializada na obra de Ianelli, trabalho juntamente com minha filha, a poeta Mariana Ianelli, na documentação da obra do artista para um futuro Catalogue Raisonné de toda a sua produção.


ARCANGELO IANELLI – BIOGRAFIA RESUMIDA

Arcangelo Ianelli (São Paulo, SP – 1922-2009) iniciou-se no desenho como autodidata, tendo se dedicado a estudos de pintura, mural e afresco a partir de 1940. Desenvolveu uma pintura figurativa, predominantemente de marinhas e paisagens urbanas, entre 1940 e 1960. Durante a década de 50, integrou o Grupo Guanabara juntamente com Manabu Mabe, Yoshiya Takaoka, Jorge Mori, Tomoo Handa, Tikashi Fukushima e Wega Nery, entre outros. Passou por lenta evolução e por diferentes fases, iniciando-se na abstração a partir de 1961. Viveu os anos de 1966 e 1967 na Europa, em razão do Prêmio de Viagem ao Exterior. Desde a metade da década de 1970, atuou ainda como escultor, realizando obras em mármore e em madeira, nas quais retoma questões constantes de sua obra pictórica.
Participou ativamente do movimento artístico brasileiro como expositor, membro de júri, de comissões organizadoras de certames artísticos. Curador de mostras no país e no exterior, fez parte de conselhos de arte de museus e da Comissão Nacional de Artes Plásticas. Com presença marcante no movimento artístico latino-americano, expôs individualmente em vários países, tendo integrado bienais internacionais. Realizou, nestes últimos 30 anos, inúmeras esculturas em mármore e em madeira, bem como vários painéis e murais. Possui obras no acervo de vários museus internacionais (América Latina, Europa, EUA, Japão e Canadá) e museus nacionais (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul). Entre suas exposições mais recentes, destacam-se a Retrospectiva de 60 anos de pintura, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2002, e a exposição “Ianelli – Os caminhos da figuração”, no Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB - SP), em 2004, e no Museu Oscar Niemeyer (MON) de Curitiba, em 2006.
Recebeu, em mais de 60 anos de carreira artística, diversos prêmios, entre eles, o Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna em 1964; o Prêmio Museu de Arte Moderna de São Paulo no Panorama da Arte Brasileira em 1973; o Prêmio Pesquisa do Ano concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo mural de concreto e relevo realizado na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, em 1975; o I Grande Prêmio da Bienal Ibero-Americana do México e Prêmio Gonzaga Duque da Associação Brasileira de Críticos de Arte e da Associação Paulista de Críticos de Arte, pela mostra retrospectiva no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1978; o Grande Prêmio Internacional da II Bienal de Cuenca em 1989; o Prêmio ECO – ART Rio 92 de artistas Nacionais  e Latino-Americanos. Em 1999, foi homenageado com o prêmio internacional Lumiére, da associação cultural U.N.O.P.A.D.C. de Roma, em 2003, com o Prêmio da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) por Melhor trajetória de um artista, além do Prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) por Melhor Retrospectiva do Ano.
Livros publicados sobre sua obra: “Ianelli do figurativo ao abstrato” (1978), de Paulo Mendes de Almeida; “Ianelli forma e cor” (1984), de Frederico Moraes, “Três coloristas – Ianelli, Volpi e Aldir” (1989), de Alberto Beuttenmüller, “Ianelli – 50 anos de pintura” (1993), com diversos textos críticos, “Poetas do espaço e da cor – Volpi, Ianelli, Weissman, Aldir” (1997), de Edla Van Steen, “Ianelli” (2002), com diversos textos críticos.
Filmes e Vídeos: “Ianelli – Artista Brasileiro”, “Poetas do espaço e da cor”, “Ianelli em Cuenca”, “Entrevista com Ianelli”, vídeos de Olívio Tavares de Araújo; “Especial Ianelli”, vídeo da TV Educativa, Rio de Janeiro; “Do Figurativo ao Abstrato e Um Mural na Fachada”, de Paulo Ramos Machado; “A geometria e a cor”, vídeo da TV Sesc-Senac; “Ianelli – Arte do Brasil”, CD-Rom, Tecné.

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KATIA IANELLI (Brasil). Curadora, galerista, ensaísta. Em 2002, coordenou a grande retrospectiva de 60 anos de pintura de Ianelli na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Em 2004, trabalhou como coordenadora editorial do livro “IANELLI” (Via Impressa), lançado no mesmo ano na Pinacoteca do Estado. Curadora da exposição “Os caminhos da Figuração”, mostra panorâmica da fase figurativa de Ianelli, no Museu de Arte Brasileira da FAAP (SP), em 2004, e no Museu Oscar Niemeyer (PR), em 2006. A ela agradecemos a valiosa cumplicidade de ceder à nossa revista os direitos de reprodução de 50 obras de seu pai. Página ilustrada com obras de Arcangelo Ianelli (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.

Obras de Arcangelo Ianelli que constam desta página:
1. Natureza-morta, óleo sobre tela, 46x61cm, 1959, Coleção particular.
2. Casas, óleo sobre tela, 73x60cm, 1960, Coleção particular.
3. Natureza-morta, óleo sobre tela, 73x60cm, 1960, Coleção particular.
4. Natureza-morta, óleo sobre tela, 60x70cm, 1960, Coleção particular.


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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 27 | Maio de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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