quarta-feira, 1 de novembro de 2017

KATERINE DUMONT | Três Origens & uma biografia assinada por Moara Guayi


AS TRÊS ORIGENS (Katerine Dumont)

1. A Origem do Cemitério | Corroborando a teoria do filósofo brasileiro Thiago de Paiva Campos em seu livro “O Mistério do Graal: O Roubo do Corpo de Cristo”, de que Jesus fora sepultado na casa de José em Arimatéia e durante algum tempo esta casa se tornou a Igreja do corpo de Cristo, fazendo posteriormente à morte de Cristo, como imitação do sepultamento de Jesus – o corpo de Cristo – em uma casa-Igreja, a primeira do cristianismo, e logo depois José de Arimatéia seguiu para a Europa, na Inglaterra, onde fundou a primeira igreja cristã na Europa, e continuou o costume de enterrar os mortos da comunidade nas casas-igrejas.
Esta tese é tão verdadeira que, na Europa, os sepultamentos dentro das igrejas eram comuns até o instante em que surgiu a peste negra, que arrebatou milhões de vidas em toda a Europa. Com o aparecimento da peste negra, com o risco de contaminação e a falta de espaço nas igrejas da Europa para enterrar todos os mortos, como até então era de costume, surgiu a necessidade de se construir os primeiros cemitérios.
Tudo começou quando um padre da paróquia de Roma sugeriu ao Papa Clemente XVI que, com a ameaça de contágio e a falta de espaço nas igrejas, o costume de se sepultar os mortos dentro das igrejas deveria imediatamente cessar. Depois de alguma discussão entre a cúrio romana devido ao fato de se sepultar os mortos dentro das igrejas era algo que estava ligado à origem do cristianismo, e que isso abalaria a estrutura de conservação dos costumes cristãos, mas então o padre sugeriu ao Papa que, ao invés de sepultar os mortos dentro das igrejas, que fossem construídos atrás das igrejas um espaço em um terreno onde os mortos pudessem jazer ou fazer os corpos deitarem sob a terra, um cemitério, e como era necessário manter alguma ligação neste rompimento de tradições milenares, o padre sugeriu que sobre cada cova fosse posta uma cruz, simbolizando que aquele era um rito cristão.  Mas o Papa então o questionou perguntando se somente enterrar os corpos do mortos pela peste iria conterá a disseminação da doença, foi então que o padre sugeriu que os corpos então fossem lacrados hermeticamente em um caixão de madeira.
Depois de alguns minutos em silêncio analisando a situação, o Papa resolveu que os cemitérios deveriam ser construídos e que os sepultamentos em igrejas deveriam cessar imediatamente em toda a Europa.
Uma carta oficial do Papa foi enviada a cada Bispo da Igreja na Europa, e eles, junto à comunidade começaram a construir os cemitérios por de trás das igrejas. A partir daí os mortos não foram mais sepultados nas igrejas, mas sim enterrados em cemitérios. O ritual fúnebre passou do sepultamento para o enterro devido à necessidade que a peste negra causou em parar com os sepultamentos em igrejas e enterrar os corpos em cemitérios.
Devido ao fato de as igrejas já não comportarem tantos mortos pela peste negra e o risco de contágio aos membros da igreja, sepultando-os dentro da igreja como fora desde o sepultamento de Jesus Cristo na casa de José em Arimatéia, e cuja tradição José deu continuação e passou de geração em geração até a chegada da peste negra.
Com a construção dos cemitérios por toda a Europa, aos poucos a peste foi acabando, e o costume de fazer deitar os corpos sob a terra se perpetuou por todo o mundo. No Brasil os sepultamentos em igrejas existiram até o ano de 1820, quando a ordem do papa de proibir os sepultamentos em igrejas chegou até o Brasil, marcando o momento histórico da construção dos primeiros cemitérios brasileiros.
No entanto, com a resistência da mudança da tradição milenar de sepultar os mortos nas igrejas e o preconceito contra os escravos, que eram vistos pelos brancos como animais inferiores, e não como seres humanos, os primeiros enterros em cemitérios brasileiros ocorreram somente com cadáveres de negros escravos e indigentes. Os homens brancos continuaram a serem sepultados dentro das igrejas durante longo tempo, de tal modo que o tamanho de uma cidade no Brasil era medido pelo número de igrejas que a cidade continha, já que as igrejas desde o sepultamento de Jesus na casa de José em Arimatéia e a tradição por ele iniciada na Inglaterra e espalhada por toda a Europa até o surgimento da peste negra, e como a peste não havia atingido o Brasil, o orgulho do brasileiro branco falou mais alto e os sepultamentos nas igrejas continuaram mesmo com a proibição oficial do Papa, as pessoas não aceitavam serem enterradas atrás da igreja ao invés de sepultadas dentro da igreja, e com a influencia de coronéis sobre a igreja, os sepultamentos dentro das igrejas continuaram para os brancos e o enterro se reservou aos escravos e indigentes. E, para os brancos, ricos e poderosos as igrejas continuaram a fazer o papel dos cemitérios.
No ano de 1888 a Lei Áurea foi assinada pela redentora Princesa Isabel do Brasil, e desde esse momento, a diferença entre brancos e negros começou a se desfazer aos poucos, até que, com o tempo, os cemitérios que antes enterravam somente negros escravos e indigentes, começou a ser morada também dos corpos de brancos, poderosos e ricos do Brasil, porém, como o mestre Matias Aires nos ensinou em suas Reflexões Sobre a Vaidade do Homem, a vaidade e o orgulho se manifestam até mesmo na hora da morte, e os brancos, poderosos e ricos começaram então ao invés de enterrar os corpos de seus entes queridos, a construir sepulturas ao invés de covas, pois para eles enterrar os corpos de seus entes amados era muito humilhante, considerado um tipo de ritual fúnebre reservado somente para os escravos. Mas agora não existiam mais escravos, e os brancos viram que todos, sempre, terminam no mesmo lugar, seja enterrado ou sepultado.

2. A Origem do Carnaval | O carnaval é, em sua origem, um tipo de sonho, de ficção, de ato-falho, ou seja, é a manifestação estética do inconsciente coletivo, e todos os desejos reprimidos pela moralidade são revelados no carnaval. Mas como, quando, onde e por que o fenômeno do carnaval surgiu na história da humanidade?
O carnaval é a realização de uma fantasia do inconsciente coletivo. É uma espécie de válvula de escape da mente humana quase completamente dominada pela moralização civilizacional da humanidade que reprime seus desejos sexuais e violentos por meio da ética e da religião.
Do ponto de vista do inconsciente coletivo, o carnaval é, sob o olhar individual de um homem, como um ato-falo, uma fantasia ou ficção coletiva, um grande sonho envolvendo todas as pessoas em um conjunto. O carnaval é uma exacerbação do desejo sexual e violento que, ao contrario do que ocorre no ato-falho, por convenção, não é aleatório e ao acaso, mas tem dia e hora para iniciar e terminar. Todavia, é um fato que o carnaval é um tipo de válvula de escape dos desejos mais obscuros da mente humana em escala coletiva.
Mas como de fato surgiu o carnaval? Bem, é provável que haja resquícios arqueológicos da presença do carnaval em homens primitivos após a aquisição da linguagem, ou seja, após o corte entre a natureza e a civilização com suas leis e costumes morais.
O propósito do carnaval é dar vazão ao prazer, ao desejo sexual e de violência existente na fantasia de cada ser humano desde o primeiro homem. Assim como a mente deixa escapar por ato-falhos, sonhos e esquecimentos o tesouro do inconsciente individual, o carnaval, o folclore, os mitos e lendas são manifestações do inconsciente coletivo. E foi isso o que Freud não entendeu e Jung sim.
Baseado na natureza da mente humana é provável e bem possível que o carnaval possa ter se originado em eras primitivas, no princípio da civilização. A palavra carnaval significa (adeus à carne), ou seja, o carnaval é, na verdade, uma festa de despedida dos prazeres da carne, onde, como em um sonho, a repressão moral é diminuída e os desejos inconscientes revelados por meio de fantasias, danças, cantos e o folclore como um todo, que é o inconsciente coletivo a céu aberto de uma civilização. O Dicionário do folclore brasileiro, que é um dos únicos do gênero no mundo, é o inconsciente coletivo do brasileiro a céu aberto.
O carnaval é um fenômeno que implica necessariamente a moral e a ética, pois todo ele desde sua origem é uma manifestação da culpa e do arrependimento que provém após o fim do carnaval, onde o significado de seu nome revela seu propósito, ou seja, dar adeus à carne que há dias todos se fartaram festejando, bebendo e comemorando com fantasias.
O carnaval é, portanto, antes de tudo, uma experiência moral baseada na culpa e no arrependimento que promove o festejo e a celebração do morto que é pranteado, ou seja, do período socialmente admitido por todos como o período do carnaval, que se repete em um ciclo eterno todo ano desde que o macaco se transmutou em homem por meio da linguagem matemática e do raciocínio lógico.
Recorrendo ao texto mais brilhante de Freud, que é Totem e Tabu vemos a descrição de um mito onde o líder da horda, possuidor de todas as mulheres, negando o contato sexual dos outros homens da horda com as mulheres, fazendo predominar seu desejo de poder, fora posteriormente assassinado pelos próprios filhos e posteriormente devorado e pranteado pelos membros da tribo, que a ressuscitaram a figura paterna do líder da tribo por meio da religião, manifestando um conflito de sentimentos de prazer por ter matado e poder agora possuir as mulheres da horda, e um sentimento de culpa por terem matado o pai da tribo, levando-o ao arrependimento e, por fim, à celebração do funeral, o sentimento de culpa promove o arrependimento que gera a festividade, a celebração; o primeiro carnaval da história da humanidade: um funeral de um homem primitivo.
Tanto é verdade que os funerais e velórios guardam de forma latente um ambiente de festa e celebração, em algumas culturas serve-se comida e bebida alcoólica aos convidados do funeral, como uma verdadeira celebração nascida de um ato de extremo prazer (matar o Pai e tomar sexualmente as mulheres da horda) seguido de um período de culpa e outro de arrependimento, gerando assim a celebração fúnebre do velório de um homem primitivo que passa a ser devorado e pranteado, chorado e elevado a um nível mítico, quase sobrenatural.
Portanto, o primeiro carnaval da história da humanidade foi um velório de um pai tirano assassinado pelos próprios filhos a fim de que estes em fim pudessem possuir sexualmente as mulheres da horda, que antes eram todas reservadas ao líder brutalmente assassinado por seus próprios filhos a fim de satisfazerem seus desejos sexuais. Por fim, esta morte se torna uma celebração, uma festa. O velório é ao carnaval da morte, e o enterro o espetáculo final.
Portanto, baseado nos argumentos anteriores podemos ter em consenso o axioma:

O carnaval tem sua origem na celebração da morte

Ocorrida após o sentimento de culpa e o arrependimento que promove a celebração, o culto em torno do morto. Eis o primeiro e surpreendente ponto de minha investigação. O carnaval (adeus à carne) era a manifestação festiva do inconsciente coletivo em relação à morte. Adeus à carne significa ao mesmo tempo uma expressão de excesso de prazer seguido de culpa e arrependimento que promovem o carnaval da morte com seus rituais fúnebres, como uma tentativa do membro vivo da família de saldar sua divida moral para com o a alma do falecido. Carnaval (adeus à carne) é a despedida da alma do corpo ao qual habita.
Esse resultado de minha pesquisa é extremamente curioso, pois une, pela primeira vez, de modo inusitado e inesperado até mesmo para o próprio autor, a relação funcional entre o carnaval e a morte. Ambos são iguais, porém opostos, como a vida e a morte, ou Apolo e Dionísio. O carnaval tem sua origem na celebração da morte, por isso o significado de seu nome é (adeus à carne).
No entanto, este não é o único significado destas palavras, pois (adeus à carne) poderia significar o período de culpa e arrependimento seguidos depois das orgias sexuais do carnaval, levando assim à ressurreição da figura do morto por meio do mito, da lenda, da ficção, da religião, da arte e do sonho, gerando resquícios até os nossos dias atuais. Um exemplo clássico é o período da Quaresma após o carnaval, onde muitos católicos fazem penitência pelos excessos da carne que cometera durante o carnaval. Mostrando a sequência prazer + culpa + arrependimento = Mistificação ou religiosidade em torno da figura central do morto, no caso, Jesus Cristo.  
Nossa tese comprova sua veracidade ao compararmos as nossas especulações filosóficas a miúde com o carnaval na antiguidade; que eram celebrações de festas grandiosas, onde se comia, bebia (inclusive álcool) que buscavam incessantemente os prazeres da carne, como o sexo, por exemplo, mas não só ele.
Na antiga Roma, de 17 a 23 de dezembro, o carnaval tomava conta da cidade, e tudo, absolutamente tudo na cidade parava por sete dias seguidos de festas, celebrações, sexo e álcool; as atividades econômicas paravam, os escravos ficavam livres por um dia para fazerem o que quiserem e o grau de censura moral de toda a cidade era rebaixado como num sonho, revelando nos homens seus instintos e impulsos mais primitivos. Cujo único propósito é atingir o máximo de prazer, o estase da vida durante aquele período de tempo, e o mínimo de desprazer. As pessoas trocavam presentes e elegiam de brincadeira um rei que guiava o cortejo pelas ruas, como se fosse um carro fúnebre, mostrando mais uma vez a relação funcional entre o carnaval e a morte.
As máscaras de carnaval só surgem no Renascimento, com suas fantasias luxuosas e carros alegóricos, assim como os carros fúnebres. Por que elas só aparecem no Renascimento? Qual a relação entre o Renascimento com o surgimento das máscaras de carnaval?
Esta é uma questão interessante e, a minha tese, é de que, sendo o Renascimento um movimento cultural que marcara a ruptura entre a Idade Média e o novo mundo, onde as condições político-econômicas levam ao nascimento da burguesia que inventa as máscaras de carnaval para esconder suas identidades, suas verdadeiras faces, gerando uma sociedade baseada na hipocrisia.
O surgimento das máscaras de carnaval entre a burguesia europeia é como máscaras sociais que eles usavam para esconder suas próprias identidades, podendo fazer o que quisesse na festa sem que ninguém sequer desconfiasse quem fosse. O surgimento das máscaras de carnaval tem a ver com o surgimento das máscaras sociais que as pessoas, agora com noção de privacidade e identidade; uma é como o reflexo da outra, enquanto você pode circular pela festa sem ser reconhecido. As máscaras de carnaval foram, portanto, uma reação natural da sociedade burguesa à transformação do feudalismo para o capitalismo e a reforma protestante. Se antes, na Idade média, apreciávamos sem qualquer vergonha uma execução cruel em público, inclusive de crianças, agora, com o renascimento e a noção de privacidade, propriedade e identidade, surge a necessidade de a burguesia esconder por de trás de uma máscara a sua verdadeira face. Ou seja, as máscaras criadas pela burguesia europeia usadas no carnaval surgiram como uma manifestação social do novo modo de vida capitalista. A máscara da burguesia era usada para esconder sua hipocrisia. E a origem do carnaval é, portanto, a morte.

3. A Origem do Samba | Com o advento da Capoeira e da Umbanda, que usava o batuque como manifestação musical genérica trazida da África, marcado pela característica central do culto aos orixás, que os umbandistas primitivos disfarçavam de santos católicos para fugir da perseguição da Igreja.
E foi no Estado do Rio Grande do Sul onde tudo começou e se estendeu até alguns países vizinhos. O batuque é, portanto, uma manifestação religiosa, um som que é usado para invocar a Deus, pois assim ele se origina primeiro na África e depois é trazido para o Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul. O samba é, portanto, antes de tudo, em sua raiz, em sua origem, uma manifestação religiosa de religamento com Deus.
A introdução da manifestação religiosa do batuque havia se multiplicado no Brasil pelo Rio Grande do Sul por volta do século XIX (antes da anunciação da Umbanda pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas por meio de Zélio Morais), e os primeiros terreiros foram fundados nas regiões do Rio Grande e Pelotas.
Com o tempo, a palavra batuque passou a ser designada para qualquer reunião de negros com cantos e dança; festejos, ou seja, a característica religiosa original do batuque passou a ter em seu conjunto os elementos da dança, do canto e do instrumento, em geral o atabaque e o recém-criado berimbau pelos capoeiristas do quilombo.
A semente do samba começava a germinar pouco a pouco, desde a África com seu batuque religioso até a sua mistura com a capoeira recém-inventada pelos negros. A partir do século XX a palavra batuque que designava a tradição ritualística religiosa dos africanos em seus cultos aos orixás, foi substituída pela palavra samba; que passou com o tempo a suplantar a palavra batuque, que prova a origem religiosa do samba, bem como a inegável influência do nascimento da capoeira em sua composição.
O samba nasceu, portanto, do sincretismo entre a capoeira e a Umbanda pré-Zélio de Morais. Ou seja, o samba nasceu da mistura do jogo, da dança, da música e da nova luta denominada capoeira e recém-criada, e o batuque religioso dos cultos aos orixás, que foram disfarçados com os santos católicos por medo da perseguição da Igreja. O samba é desse modo, a mistura entre jogo, a dança, o canto, o instrumento, e, por fim, e o primordial no sentido de indicar a raiz do samba, a religião, que é a fonte, a matriz e a origem do samba.
No inicio da década de 1890, dois anos depois da abolição da escravatura pela redentora princesa Isabel, os negros livres começaram a se espalhar pelo país, em especial no Rio de Janeiro e na Bahia e, onde não tendo onde morarem tomaram os morros para si e construíram as famosas favelas.
E foram nas favelas que o samba tomou de vez a sua forma original que sintetiza a identidade musical do Brasil através do sincretismo entre o jogo outrora jogado pelos angolanos no ritual de batismo para a idade adulta, da dança promovida pelo som magnetizante dos atabaques, da música com a invenção do berimbal, a luta como forma de resistência e defesa aos abusos dos coronéis e, por fim, a religião de Umbanda pré-concebida pelo culto aos orixás disfarçados de santos católicos. A partir desse conjunto de acontecimentos e cruzamentos do acaso o samba em fim tomou a sua forma original, nascendo de um jogo, um cântico, uma dança e o batuque que era a expressão mais sagrada do samba, pois era sua ligação com a religião e seus cultos aos orixás. Sintetizando, o samba é a soma da capoeira (jogo, canto, dança, luta) com o batuque (religião), e se desenvolveu praticamente na Bahia e nas favelas do Rio de Janeiro, onde tomou sua forma final.
Mas como isso aconteceu? Como havia vários grupos de sambistas e capoeiristas nas favelas do Rio, começou a surgir entre eles certa rivalidade, assim como havia entre os cariocas e os baianos em relação à origem do samba final.
Com a rivalidade entre os grupos de samba e capoeira nos becos e botequins da cidade do Rio de Janeiro, a raiva entre eles aumentou, mas a raiva de todos eles contra os baianos ainda era maior, e com o passar do tempo a rincha entre baianos e cariocas aumentou e tomou proporções de terror.
As comunidades de negros e capoeiristas da Bahia e as comunidades de negros e capoeiristas do Rio combinaram um duelo, um enfrentamento, uma luta de capoeira entre o melhor dos dois grupos. E assim foi feito. Certa noite, baianos e cariocas se encontraram no em uma mata rasteira no centro do Brasil e, a cada um dos melhores capoeiristas da Bahia e do Rio receberam um par de pedaços de pau, que eram os maculelês, manifestação oriunda dos capoeiristas da Bahia, mas o maculelês ainda não havia chegado ao Rio, e os cariocas ficaram espantados e com medo quando os dois pares de paus foram entregues a cada um dos capoeiristas.
E os cariocas, então amedrontados, perguntaram o que era aquilo, os pedaços de pau, dois para cada capoeirista. E um dos mestres então se ergueu e disse em voz alta que aqueles paus eram chamados de maculelê, em homenagem ao negro fugido que porque o seu patrão, que também era seu pai, não aceitava a presença da criança que ele dizia ter problemas de pele, como uma desculpa para matar o filho bastardo produto de um estupro do patrão à mãe do rapaz, que, não vendo outra saída, acabou indo para a floresta e foi acolhido por uma tibo de índios que o criou, mas ele, como era diferente dos demais, não podia participar de todas as atividades da tribo. No entanto, certa noite Maculelê foi deixado sozinho na aldeia enquanto toda a tribo havia saído para caçar. E, no entanto, eis que, justamente nesse dia uma tribo rival invadiu a aldeia e Maculelê, usando apenas dois bastões, dois pedaços de pau, lutou sozinho contra a tribo rival e, como um herói, salvou a todas as mulheres e crianças da tribo e, desde então, utilizamos na capoeira o maculelê (os dois paus) como arma na capoeira.  
Os cariocas se reuniram, mediram os riscos de se lutar com uma arma diferente, mas por orgulho, aceitaram o desafio, e então a roda gigantesca se formou no meio da mata rasteira. O atabaque tocou, o berimbau sinalizou, o cantador cantou e então os dois jogadores deram início à luta com os pedaços de pau e, com as batidas do maculelê um no outro, produzia-se um som ritmado e melodioso, apesar do sangue que envolvia a luta, que deveria ir até o final, e quem ganhasse ficaria, por consenso geral, com o troféu da invenção do samba: Bahia x Rio de Janeiro.
Bem, como era de se esperar, por lutar com uma arma desconhecida e suas técnicas, o carioca acabou perdendo a batalha e com isso a sua vida, tendo como golpe de misericórdia uma meia lua de compasso bem no meio do queixo, deslocando sua mandíbula.
A partir do trato, a Bahia ficou com a honra de ser o berço do samba, enquanto que, os cariocas voltaram um a um para as suas academias com o rabo entre as pernas e com suas cabeças baixas de vergonha enquanto os baianos zombavam de sua derrota.
Ao se reunirem após a luta e a derrota vergonhosa, os cariocas ficaram pensando no tal maculelê, e a partir daquele dia introduziram o maculelê em suas rodas, e, com o tempo, os negros e capoeiristas foram notando que a luta com o maculelê produzia uma melodia padronizada, um ritmo musical.
Contando isso a um amigo músico em uma mesa de botequim onde o samba de roda era costumeiro durante todas as noites, onde novos sambistas apresentavam seus sambas e os vendiam às gravadoras. Ele então cantarolou o tom e o ritmo das batidas do maculelê enquanto o amigo escrevia num guardanapo as notas musicais advindas do som reproduzido pelo amigo que imitava com a boca a luta de maculelês. E assim que o amigo terminou de escrever as notas, ele pegou seu violão e começou a tocá-las, e assim surgiu o samba final que moldou toda uma série de outros estilos musicais, como a Bossa Nova.


A BIOGRAFIA ASSINADA POR MOARA GUAYI | Katerine Dumont era a filha única de um francês, Pierre Dumont e uma curitibana, Cecília Baum, de família alemã. Dumont veio com os pais fugidos da segunda grande guerra ainda quando era criança e foi morar em Curitiba, onde na juventude conheceu Cecília e depois de alguns flertes, Dumont pediu a mão de Cecília ao seu pai e se casaram no dia 28 de março de 1973, na época, ambos com 25 anos, e depois de dezessete anos de casamento, nasceu Katerine Baum Dumont, na data de 03 de janeiro de 1990.
Com cinco anos de idade, devido a uma proposta de trabalho, Pierre foi morar em Minas Gerais, em Barbacena, onde viveu até a morte de Katerine em 2016, mudando-se com sua esposa novamente para a França, onde vive atualmente.
Katerine cresceu em Barbacena e tornou-se mineira de coração, apesar de nunca ter se esquecido das lembranças de Curitiba com sua avó materna, que lia para ela todas as noites, antes de dormir, histórias diversas do folclore brasileiro, lendas e mitos. Este fato marcou profundamente a alma da pequena Katerine, que tão cedo tomou conhecimento dos mais diversos mitos e lendas do folclore brasileiro, que posteriormente veio a ser a sua marca original dentro da literatura de horror. Esse é o primeiro ponto da história de Katerine Dumont que marcou sua vida a ponto de refletir em toda a sua obra.
Um segundo ponto, mas não menos importante, foi um fato ocorrido quando Katerine ainda era criança, de mais ou menos sete anos. Numa aventura solitária, levada pela curiosidade das histórias que a avó contava antes de ela dormir, Katerine resolveu se aventurar sozinha dentro de um cemitério porque queria conhecer mais de perto a morte de que ela tanto ouvia nas histórias lendárias contadas por sua avó. E aconteceu que, no meio dessa aventura de horror, Katerine, em dado momento, enquanto atravessava o cemitério, tropeçou e caiu dentro de uma cova aberta da qual ela não dava altura. Katerine ficou presa dentro daquela cova durante todo o dia e passou à noite toda sozinha dentro de uma cova no cemitério da boa morte em Barbacena, e só foi encontrada por seus pais no outro dia de manhã. Esse episódio marcou para sempre a personalidade da pequena Katerine, e refletiu diretamente na sua escolha pela literatura de horror.
Depois desse episódio, a personalidade de Katerine mudou completamente; ela se tornou retraída e vez por outra sofria de crises depressivas e terrores noturnos. Durante longos anos seus pais a levaram em todo tipo de especialistas, como psiquiatras, neurologistas e psicólogos, mas sua depressão e terrores noturnos apenas amenizaram, mas não a abandonaram, tendo sido perseguida por toda a sua vida por crises fortíssimas de depressão e terrores noturnos que nunca a abandonaram até o dia de sua morte.
Na adolescência, Katerine foi enviada pelo pai para viver na França, em Paris, onde seus avós paternos moravam. Lá se tornou fluente em francês e em inglês. Por lá também sofria com crises de depressão e terrores noturnos e, apesar de estar sobre os cuidados dos avós paternos e se tratando com os melhores especialistas da época, nenhum progresso pôde ser visto em relação à sua doença. Sua depressão era crônica e se agravou muito depois do trágico acontecimento de ficar presa sozinha em um túmulo na cidade de Barbacena, e desde aquele dia seus terrores noturnos nunca mais a abandonaram.
Por toda a sua vida Katerine teve de lidar com crises fortíssimas de depressão e terrores noturnos. Aos dezessete anos, ainda em Paris, Katerine começou a usar maconha para aliviar suas crises de depressão e seu terror noturno. Como nenhum tratamento havia funcionado, ela então resolveu experimentar a maconha e passou a utilizá-la para fins medicinais e recreativos, o que de fato amenizou muito suas crises depressivas e seus terrores noturnos praticamente desapareceram.
Quando terminou os seus estudos em Paris, ficou na dúvida em tentar cursar Filosofia na universidade de Paris ou voltar para o Brasil, já que sentia falta do calor dos brasileiros e principalmente de seus pais.
Decidida a voltar para o Brasil, Katerine, ainda no avião, sentou-se ao lado do homem que futuramente viria a ser o seu marido. René Beaumont, que era restaurador e viera para o Brasil a trabalho; havia sido contratado pelo governo brasileiro para trabalhar na restauração de igrejas antigas no interior do Brasil.
Ambos se deram muito bem e passaram quase toda a viagem conversando sobre todo tipo de assunto e, quando desembarcaram no Rio de Janeiro, trocaram telefones e se despediram. Algum tempo depois, René, tendo uma igreja na cidade de Barbacena para restaurar, resolveu ligar para Katerine e marcar um encontro. Ambos se encontraram e a partir dali um romance começou a surgir entre os dois.
Katerine e Fraçois fizeram um grande casal e, apaixonados, casaram-se no Brasil, em Barbacena, na igreja da boa morte, tendo o casamento sido celebrado pelo padre Apolo de Sá Brandão, e desde esse dia, Katerine vivenciou os melhores anos de sua vida. Katernie tinha 21 anos e René 30 quando se casaram. Ambos foram muito felizes no Brasil. René tornou-se o restaurador chefe da empresa francesa no Brasil e Katerine, renunciando à vontade de estudar literatura ou filosofia, decidiu tornar-se uma bela dona de casa.
Pouco tempo depois Katerine deu a luz o seu primeiro filho, e desde então sua depressão, que vinha sendo aliviada com alguns medicamentos e um pouco de maconha, começou a piorar cada vez mais. Seus terrores noturnos aumentaram e ela sempre, praticamente todos os dias sofria de pesadelos horríveis em que ela dizia que seu filhinho estava morrendo.
Depois de alguns anos de tratamento psiquiátricos em vão no Brasil, Katerine continuou a levar sua vida de dona de casa com o auxílio de seus pais, que ajudavam na criação do neto quando Katerine estava em crise. Quatro anos depois Katrine engravidou novamente e deu a luz ao segundo filho. Desta vez sua depressão a pegou pelo pé e a arrastou a diversas tentativas de suicídio mal sucedidas.
Katerine foi julgada incapaz de cuidar de seu próprio filho naquele momento de crise, e acabou sendo internada pelos pais em um hospital psiquiátrico em Paris, para onde retornou brevemente para se tratar. Depois de alguns meses de tratamento Katerine retornou ao Brasil e, assim que pisou no aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, o seu marido René, indo de encontro à sua esposa que o esperava do outro lado da rua, foi ser arrebatado por um ônibus circular, vindo a falecer ali mesmo no local, em frente ao aeroporto, nos braços de sua amada mulher que, segundo testemunhas, em prantos, chorava copiosamente e não permitia ninguém tocar em seu marido. Até que a polícia chegou junto com o IML e levaram o corpo, enquanto isso Katerine era acudida e consolada pelas pessoas ao seu redor.
Passado toda a burocracia da morte de seu marido, velório e enterro, que fora realizados na França, Katerine retornou ao Brasil para a casa de seus pais em Barbacena, onde viveu até o fim de seus dias, que, desde então, tornaram-se um verdadeiro inferno de horror e terror, com crises depressivas agudas e terrores noturnos.
Neste meio tempo, agora já com 25 anos de idade e em completa depressão, a ponto de não conseguir sequer cuidar como gostaria de seus filhos, Katerine conheceu-me pela internet, eu – Moara Guayi –, que lhe apresentei o Alvissarismo. Foi identificação à primeira vista, tanto entre mim – Moara – e Katerine quanto entre ambos em relação ao Alvissarismo – sistema filosófico religioso desenvolvido pelo filósofo mineiro Thiago de Paiva Campos –, e desde então Katerine e eu – Moara – começamos a cultivar uma breve, porém muito verdadeira amizade mediada pelo Alvissarismo por meio da internet.
Katerine começou a praticar os pilares da doutrina criada pelo filósofo brasileiro e nós nos tornamos grandes amigos.
Quando fez 25 anos de idade, Katerine, já mais consolada com sua doença e a perda de seu amado marido, enquanto dormia, tivera um sonho em que um anjo de luz esverdeada, apresentando-se como Ismael, disse-lhe:Bem dito seja o seu sofrimento mulher. Fazei dele a sua arte de horror e terror com o cheiro desta terra tupiniquim.
Ao acordar assustada daquele sonho, Katerine imediatamente tomou o seu computador e, naquela mesma madrugada, começou a produzir sua arte: a literatura de horror tupiniquim, cuja inspiração provinha das estórias lendárias contadas pela avó quando era criança.
Os pais de Katerine, preocupados com os netos, e com a incapacidade de Katerine de cuidar deles, se mudaram novamente para a França e levaram os dois netos com eles, deixando Katerine em Barbacena a trabalhar em seu novo projeto artístico: a construção de uma literatura de horror e terror originalmente brasileira.
Desde a partida de seus pais e seus filhos para a França, Katerine se dedicou de corpo e alma à missão que o anjo lhe dera de expurgar a sua dor por meio da arte. Katerine escrevia dia e noite, sempre mantendo contato comigo – Moara Guayi –, seu companheiro de filosofia religiosa no Brasil. Ela já não comia direito, nem dormia e muito menos saia de casa, senão para o necessário; e depois de um ano praticamente enclausurada dentro de um apartamento no centro de Barbacena escrevendo um livro atrás do outro e os publicando de forma independente em uma dessas plataformas de auto publicação da internet, Katerine morreu misteriosamente dentro daquele claustro. Tinha apenas 26 anos de idade. O corpo só foi encontrado dias depois devido à reclamação dos vizinhos do mau cheiro que exalava do apartamento da escritora. A polícia foi chamada e, quando adentraram ao apartamento, encontraram o corpo de Katerine já em avançado estado de decomposição, sentado sobre a mesa da sua escrivaninha com a cabeça caída para o lado direito.
A escritora Katerine Dumont morreu na madrugada de 02/09/2016 na cidade de Barbacena, onde morava desde a infância, apesar de ter nascido em Curitiba. Os legistas que fizeram a autópsia não encontraram a causa da morte da escritora, apesar das especulações de suicídio, nada foi encontrado que indicasse que esta tenha sido a causa da morte. Já há muitos anos, desde a primeira gravidez, Katerine sofria de uma depressão muito forte e, com a segunda gravidez, sua depressão ficou gravíssima…
Suspeitando de que pudesse ter ocorrido um suicídio, os policiais investigaram toda a casa, mas não encontraram nada, nem carta de despedida e nem qualquer resquício de que Katerine houvesse cometido suicídio. O apartamento estava limpo e arrumado, sem nada fora do lugar. Logo então descartaram a hipótese do suicídio, mas depois que entraram em contato com os familiares na França e descobriram do seu histórico de depressão crônica, a hipótese do suicídio começou a rondar novamente a investigação. Todavia, feito o exame do legista, este não conseguiu descobrir a causa da morte da escritora, de modo que, em sua certidão de óbito, a causa da morte está como:causa desconhecida.
A causa da morte da escritora tornou-se um grande mistério que a polícia forense do Estado de Minas Gerais não conseguiu decifrar, e o corpo ficou no necrotério do IML até a chegada dos pais e dos filhos da escritora que estavam em Paris, afim de que um parente pudesse reconhecer o corpo e então liberá-lo para o velório e o enterro.
Tanto o velório quanto o enterro de Katerine foi reservado somente aos familiares, que eram seus dois pais e seus dois filhos, e a família nunca revelou e disse não ter qualquer pretensão de revelar onde o corpo da escritora fora enterrado. Até hoje não se sabe onde foi sepultado o corpo de Katerine Dumont.
Tempos depois, eu recebi uma ligação internacional do pai de Katerine, dizendo que ele havia encontrado no meio das coisas dela o meu telefone e alguns e-mails trocados por nós. A fim de levar uma vida tranquila e sem especulações da imprensa sobre a morte da filha, Pierre Dumont me pediu para que eu administrasse o trabalho literário de sua filha aqui no Brasil, e me passou, por meio de documentos assinados em cartório, o encargo de administrar a obra de sua filha, encargo esse que eu, com muito prazer, aceitei, sabendo se tratar de uma das maiores escritoras da história da literatura brasileira e universal.

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NOTA
MOARA GUAYI (aquele que auxilia no parto de uma semente boa) é poeta, filho de um ribeirinho com uma índia, que estreou no palco da vida em 18 de março de 1995 na cidade de Belém do Pará. Por influência de sua filosofia religiosa e ideologia político-econômica conhecida como Alvissarismo, a obra poética de Moara Guayi é marcada pela sua Odisseia brasileira (ainda não publicada), que narra em versos poéticos uma ficção mitológica da história do Brasil. A poesia de Moara Guayi narra a incrível estória épica do herói do Brasil: Angatupyry – a personificação do Bem na mitologia tupi-guarani – que trava uma batalha divina contra a invasão dos europeus em terras tupiniquins, buscando libertar os milhares de índios do jugo pesado do homem branco. Esta é uma estória de luta pela liberdade que narra de forma ficcional em narrativa poética a história de uma terra que nunca veio a ser Brasil. Contato: moaraguayi@gmail.com.


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Agradecimentos a Thiago de Paiva Campos e Jair Glass. O primeiro por tornar possível a presença de Katerine Dumont e Moara Guayi em nossa revista; o segundo pelo desenho que fez de Katerine Dumont. Página ilustrada com obras de Jair Glass (Brasil, 1948), artista convidado desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Número 104 | Novembro de 2017
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