Ao prefaciar a edição conjunta de 10 livros de poesia de Carlos Drummond de
Andrade, Antonio Houaiss destaca que o poeta brasileiro “humildemente se põe na
posição de que todos os saberes possíveis sobre poesia nunca esgotarão o novo”,
ao mesmo tempo em que atenta para o fato de que “há subjacente na sua poesia uma
contradição ostensiva e uma coerência latente entre o viver individual e o viver
da espécie”.[1]
O que temos pela frente é o reflexo de uma obra que é toda uma existência, vorazmente
coerente com todos os seus meandros, não ocultando falhas, decepções, hesitações,
esgotando-se na diversidade.
Impossível compor um poema a essa altura da evolução
da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja –
de verdadeira poesia.[2]
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) situa-se como um dos maiores beneficiários
do Modernismo no Brasil. Integrante do grupo que, em Minas Gerais, fundaria A
Revista (1925) – publicação que, a exemplo das inúmeras não somente do Modernismo,
mas de todo o período convulsivo das vanguardas, teria curtíssima duração, em seu
caso apenas três números –, o poeta não convive diretamente com a explosão do movimento,
vindo a deparar-se, sobretudo no instante em que edita o primeiro livro, Alguma
poesia (1930), com seu momento mais desafiador, quando se acumulam os destroços
da tradição e se impõe a necessidade de contribuição estética mais substanciosa
da ruptura.
E aqui faz bem lembrar a correta avaliação de Antonio Houaiss ao dizer que
coube a Drummond,
mais do que a ninguém dentre os modernistas – incluindo os próprios Mário
de Andrade e Manuel Bandeira – a função de cristalizador do movimento, pois nele
é que a poesia brasileira contemporânea atingiria a plenitude moderna, de que derivariam
(no melhor sentido) os melhores poetas subsequentes – moderna no sentido de antenação
com a problemática do mundo moderno, na sua multifacetada e aparentemente caótica
dispersão e concentração planetizadas.[3]
Embora a Semana de Arte Moderna (São Paulo, 13 a 17 de 1922) seja o marco
promulgador das ideias do Modernismo, este já se prepara – em um misto de inquietação
e insatisfação, no dizer de Wilson Martins – somando, de pelo menos meia década
antes, uma série de acontecimentos, internos e externos, de que são exemplos o insustentável
anacronismo do Parnasianismo e o fervilhamento de ideias europeias, sobretudo aquelas
oriundas de Marinetti e Apollinaire. O referido crítico observa ainda:
Mais do que uma simples escola literária ou, mesmo, um período da
vida intelectual, o Modernismo foi, no meu entender, toda uma época da vida
brasileira, inscrito num largo processo social e histórico, fonte e resultado de
transformações que extravasaram largamente dos seus limites estéticos. A sociedade
nova, aqui e alhures, correspondia, necessariamente, literatura nova – eis o que
não se cansaram de repetir, desde o primeiro instante, todos os teóricos e artistas.[4]
A obsessão por uma literatura nova, por inevitável e sempre benéfica que
seja a busca de algo que subverta os parâmetros em voga, gerou um certo atropelo
estético que, supostamente, deveria ser equacionado pelas gerações subsequentes.
É natural que ocorra isto, pela própria convulsão que caracteriza o choque entre
tradição e ruptura. No caso brasileiro, o dilema central é que praticamente não
havia uma tradição, de maneira que a ruptura teria que desempenhar muito mais um
papel de carta de fundação, e justamente em um território pautado por vícios oriundos
do período colonial que se multiplicavam como um cancro. Recorda Ivan Junqueira:
O movimento modernista de 1922 tinha diante de si uma paisagem de fato desoladora:
a do triunfo parnasiano, isto é, o triunfo da fôrma sobre a forma. E isso porque
deitara suas raízes nas entranhas de um ideário estético inteiramente importado.
E além de importado, empoeirado, gasto, cediço.[5]
Tanto é verdade que no resto do continente americano já ocorrera a entrada
do modernismo, considerando aqueles preceitos mínimos que podem ligar uma
instância a outra. Na América Hispânica, por exemplo, quando surge o período das
vanguardas que, cronologicamente corresponde ao Modernismo brasileiro, já é plenamente
possível falar de ruptura em contraste com a tradição. O atraso nunca foi vencido
de todo, de tal maneira que o adjetivo tardio persegue a história da literatura
brasileira – e não somente da literatura, é bom que se diga – de maneiras as mais
impróprias possíveis. Dentro deste espírito, quero reproduzir um pouco mais das
palavras de Ivan Junqueira:
O furor iconoclástico do grupo de 22 era tamanho e tão difuso que seus integrantes
chegaram a proclamar que não sabiam bem o que queriam, mas sabiam perfeitamente
o que não queriam. É claro que, nessas circunstâncias, o movimento modernista incorreu
numa série de rupturas que não se justificavam em absoluto, mas que afinal tiveram
lá sua utilidade, pois, na pior das hipóteses, conseguiram tirar nossa literatura
do marasmo e da subserviência em que até então se encontrava. A maior prova de que
tais abusos não procediam é que os beneficiários do modernismo de 1922 não foram
propriamente seus líderes, e sim aqueles que os apoiaram a distância ou, mais ainda,
os que começaram a produzir alguns anos mais tarde.[6]
Este que é considerado pela crítica como uma segunda fase do Modernismo brasileiro
é o momento em que surge a obra de Carlos Drummond de Andrade, marcada pela polêmica
já desde o princípio, com a publicação do poema “No meio do caminho” na Revista
de Antropofagia (São Paulo, julho de 1928). Talvez por facilidade da crítica
em tratar-lhe a obra esquematicamente ou por uma astúcia que implica em sua redução,
Drummond se viu reduzido a um poeta de fases, sem que jamais tenha ficado bem explicado
onde o lírico se deixa substituir pelo engajado, em que momento o esteticismo abre
passo para algum eventual descuido com a linguagem ou então se decide a ser apenas
compulsivamente erótico – aspectos ou variações que, considerados os que de fato
se verificaram, jamais se deram em isolado. A distribuição de fases ganha um novo
alento com a carta de defunção do poeta decretada por todos aqueles que consideram
o auge de sua produção poética os 10 livros encerrados sob o título Reunião
(1969). Excessiva benevolência da crítica, segundo se pode depreender da afirmação
de Wilson Martins, ao afirmar que,
em 1945, já o poeta se havia completado em sua natureza profunda; a partir
de então, há um aperfeiçoamento poético e um certo enriquecimento da inspiração,
mas nada de realmente novo seria acrescentado à sua essência.[7]
É imenso o risco de tal
avaliação ser interpretada como terminal no que diz respeito às possibilidades de
desdobramento de uma poética. Além do que a mesma se apega a dois aspectos que são
plenamente aplicáveis à leitura crítica da obra dos mais notáveis representantes
de quaisquer correntes artísticas em toda a história da humanidade: técnica e inspiração.
Carlos Drummond de Andrade foi essencialmente um poeta de seu tempo. Não o determinou
propriamente, nem se deixou vitimar por ele. Foi mais essencialmente o seu cronista
e esteticamente distinguiu-se por haver incorporado de maneira magistral técnicas
múltiplas, diversas entre si, pautado por oscilações naturais, de tal maneira que,
no dizer de Houaiss, por mais variações que se observe, emerge uma obra que deve
ser percebida em sua condição totalizante, uma obra que “vale essencialmente como
um unipoema, ou melhor, como um universo, construído num poetar de várias décadas,
poetar que deve ter sido, que foi condição sem a qual uma vida não teria sentido”.[8]
A ideia de fase sugere o entendimento da obra como sendo heterogênea, de maneira
que não me parece relevante, portanto, abordar a obra de Drummond, sob prismas redutores,
como se estivéssemos a instalar quebra-molas no dorso da história.
A leitura do diário de
Carlos Drummond de Andrade ajuda em muito a compreensão daquilo que José Maria Cançado
identifica como um paradoxo e uma condição, ao dizer que “esse homem que parecia
não pertencer a nada, dessemelhante absoluto, parecia também, por isso mesmo, condenado
a participar de tudo”.[9]
As anotações sistemáticas em forma de um diário têm início em 1943, quando Drummond
já havia publicado os quatro primeiros livros, e o acompanham até 1977. Constituem
uma fonte básica de convívio com este personagem tão múltiplo, segundo o qual viria
a dizer Cançado, no mesmo livro, ser “dez, vinte, oitenta sujeitos diferentes, cada
um deles com delineamentos, delicadezas e formas próprias de conquista e troca amorosa”.
Esta abundância ou complexidade existencial, que naturalmente ia mais à frente do
aspecto amoroso evocado por seu biógrafo, em parte se identifica com o panorama
algo intrincado da época que lhe tocou viver, considerando os conflitos naturais
de um país em sua entrada na modernidade, os embaraços políticos e os atropelos
da vida pessoal. O próprio poeta reflete em uma passagem do diário:
Há uma contradição insolúvel entre minhas ideias ou o que suponho minhas
ideias, e talvez sejam apenas utopias consoladoras, e minha inaptidão para o sacrifício
do ser particular, crítico e sensível, em proveito de uma verdade geral, impessoal,
às vezes dura, senão impiedosa.[10]
Embora o ponto manifesto
dessa contradição diga respeito ao engajamento do poeta na ação política daquele
momento, localiza-se aí um aspecto fundamental da personalidade de Drummond, expresso
na indagação: “como posso convencer a outros, se não me convenço a mim mesmo?” Temos
um conflito que extrapola a delimitação política, dilema que fez com que o poeta
se retorcesse a vida inteira na impetuosidade dos inúmeros confrontos com sua natureza.[11]
Não à toa, quando prepara uma antologia pessoal de sua poesia, dispõe os poemas
não na usual ordem cronológica de publicação dos livros mas agrupados tematicamente,
abrindo o livro sob a égide de “um eu todo retorcido”.
Fato é que Drummond se
contorcia em perene conflito entre o próprio caráter e o temperamento dos fatos
à sua volta. Em momento algum, no entanto, foi vítima de uma indecisão, pois de
uma maneira ou de outra entregava-se por inteiro àquilo em que acreditava. Neste
sentido, foi homem de uma integridade abismal, pouco compreendida ou aceita em um
meio sempre afeito a moderações de toda ordem. Não era um homem alheio a seu tempo,
como João Cabral de Melo Neto certa vez aludiu, indignado com o aparente desinteresse
de Drummond “pelo que estava acontecendo em termos de poesia na Europa”. Evidente
que desinteresse não quer dizer desinformação. Drummond não era o alheio
à maneira de um Jorge Luis Borges, por exemplo. Sua natureza sempre colidente consigo
mesma é que o conduziu por caminhos que não se limitavam a contornos literários,
imprimindo em sua aventura um feitio tanto mais amplo quanto diverso e não menos
controverso.
A crítica literária
possui seus vícios, naturalmente, e um deles diz respeito ao padrão de comportamento
por ela atribuído ao poeta. José Maria Cançado dá no alvo ao perceber que a poesia
do autor de O sentimento do mundo vem “às rajadas daquele ponto negro, onde
se encontra o próprio Drummond comendo sacrificial e iluminadoramente o próprio
fígado”. Não se inclinava por uma sedução fácil das vanguardas, o que não quer dizer
que as desconhecesse. João Cabral não percebia uma pequena distinção: Drummond e
Manuel Bandeira – sua ressalva também envolvia este outro poeta – não tinham a preocupação
de fundar uma voz própria, definir uma poética, pois se encontram entre aqueles
raros casos de poetas que já nascem prontos. Olhavam à volta com outras preocupações,
portanto. Apenas isto, porém distantes de quaisquer temores de cristalização estética
e menos ainda de uma satisfação plena ante o que a experiência de vida ia descortinando
a cada momento.
Na série de entrevistas
radiofônicas realizada por Lya Cavalcanti, Drummond recorda o período de edição
de A Revista – um dos principais momentos de repercussão do Modernismo fora
do eixo São Paulo/Rio de Janeiro –, nos seguintes termos:
Fui, e não me custa dizê-lo, um misto de agitador e gaiato, com tempo disponível
para fazer uma espécie de modernismo estridente, que irritava mais do que convencia,
ou antes, não convencia coisa alguma.[12]
Esta passagem ajuda a
engatar três perspectivas dadas como distintas entre si: um Drummond alheio a seu
tempo, outro que questionava os jeitos usuais de adaptação e um terceiro que rejeitava
qualquer forma de subordinação. Tais delineamentos não atendiam à voracidade existencial
de Drummond, basta pensar no que diria à mesma Lya Cavalcanti:
O que há de mais importante na literatura, sabe? é a aproximação, a comunhão
que ela estabelece entre seres humanos, mesmo à distância, mesmo entre mortos e
vivos. O tempo não conta para isso. Somos contemporâneos de Shakespeare e de Virgílio.
Somos amigos pessoais deles. Se alguém perto de mim falar mal de Verlaine, eu o
defendo imediatamente; todas as misérias de sua vida são resgatadas pela música
de seus versos.[13]
Também se pode recorrer
à síntese do poeta, bastante sugestiva, que traça um de seus tradutores para o espanhol,
o mexicano Francisco Cervantes, ao destacar que Carlos Drummond de Andrade
enfrenta la realidad, pasando por una sensación
populista, muy de guerra mundial, para llegar al conocimiento de que uno pasa con
las manos vacías por las estancias de la existencia y que, al hacer una reconsideración
de ésta, descubre otra vez lo elemental, lo fundamental de los asuntos sencillos,
para concluir que el habla llana encierra en ocasiones maneras más hermosos, de
uso poético, que el refinamiento. La trayectoria de una obra así de sólida reviste
una apariencia de juguetona sensatez, de supervivencia sin compromiso, pero sin
ocultarse al mundo dentro de una pecera.[14]
Seu humanismo era verdadeiramente
possuído por esses engodos existenciais, de tal maneira que até mesmo o cinismo,
a visão corrosiva, o humor não se encaixavam na poética senão como uma zona de tensão,
tablado onde por vezes confundir era a melhor estratégia para alcançar alguma compreensão.
Drummond não confundiu somente a si mesmo, mas a todos os seus críticos. E não o
fazia, diga-se melhor, de forma artificiosa, mas antes, como afirma Fábio Lucas,
retratando “a crise do sujeito no ritual da modernidade, seu isolamento e sua solidão”.[15]
E a representação desse conflito evidentemente se dá de modo múltiplo, seja do ponto
de vista da linguagem – não à toa inúmeros poemas assumem a forma velada de uma
crônica e vice-versa – ou desse caudal de vozes que muitos críticos confundem com
mera superposição de fases. Diria que este é um dos notáveis ardis da poética de
Drummond, porém uma astúcia que essencialmente reflete essa “consciência armada
por severo senso de negatividade e inadequação do mundo”,[16]
traço fundamental do poeta que salienta um outro estudioso de sua obra, Davi Arrigucci
Jr.
Ainda seguindo as pistas
preciosas deste crítico, temos que mesmo o aspecto da desilusão – outra recorrência
na abordagem da obra do autor de Sentimento do mundo – não deve ser interpretado
de maneira isolada, sobretudo porque ele também se reveste de oscilações que, por
vezes, tocam o oposto. Arrigucci Jr. atentamente observa que “não se trata de ‘desilusão’,
mas de um verdadeiro pensamento poético sobre nossa condição, o que não se deixa
reduzir aos conceitos abstratos de uma filosofia existencial, mas é um sentimento
refletido do mundo articulado em palavras, em imagens, em poemas”.[17]
E cabe insistir na inexistência de sobreposição de fases, pois mesmo a relação entre
épico e lírico é antes o reflexo de contradições internas do que propriamente flutuações
de linguagem. Este “misto de canto épico com acento lírico”[18]
que encontramos na poética de Drummond não se verifica de maneira estratificada,
mas sim como uma íntima controvérsia que reflete justamente este eu retorcido
– não apenas do poeta, claro está – já aqui evocado.
Evidente que a desilusão
pessoal existiu e se manifestou em graus de intensidade distintos em momentos diversos,
de maneira que negá-la seria desconhecer passagens fundamentais da biografia do
poeta. Contudo, sua dimensão é mais profunda e importa sobretudo por esta lúcida
abordagem de Geneton Moraes Neto:
Pouquíssimos criadores terão conseguido, em qualquer época, transformar em
palavras de beleza tão intensa o sentimento de permanente “inadaptação ao mundo”,
o espanto diante do absurdo da vida, a frustração cívica, a certeza de que tudo
é um “sistema de erros”, um “vácuo atormentado”, “um teatro de injustiças e ferocidades”.
Desse sentimento, desse espanto, dessa frustração, dessa certeza, Drummond extraiu
uma poesia paradoxalmente solidária, perplexa, esperançosa.[19]
Vale insistir, portanto:
Carlos Drummond de Andrade foi certamente o poeta que, no Brasil, mais soube dialogar
com a multiplicidade voraz da época que lhe tocou viver, diálogo nem sempre marcado
por conquistas, inclusive porque a vitória a todo custo é uma das marcas da debilidade.
Sua conquista maior é a da frequente e incansável irradiação da dúvida. Tratou ironicamente
e até com violenta náusea a presunção de todos aqueles que sentiram -se com respostas
a dar ao mundo, e o fez justamente revelando inquietudes e desilusões, identificando-se
com o mundo à sua volta, errando sem sucumbir ao erro, indo e vindo em todos os
matizes da sensibilidade humana, e sempre em altíssima expressão poética.
Talvez pareça controverso
dizer que o poeta tenha vivido intensamente cada momento, pelo que nos pareceu sempre
tão cético, discordante, desiludido. O fato é que nele a experimentação era tanto
existencial quanto formal, o que requer diálogo intenso consigo mesmo e com o que
lhe é – aparentemente – exterior. Não se pode descrer antes de haver crido. O estar
intensamente em algo possui um caráter muito mais amplo do que geralmente percebemos.
O próprio Drummond alude a isto em um poema ao dizer que “o esquecimento ainda é
memória”. Por mais que o mundo se inicie pela afirmação da realidade, este somente
se desdobra ante o questionamento da própria alegação. A intensidade da criação
vem justamente de uma condição ulterior de harmonização dos contrastes, dos opostos.
Fábio Lucas nos ajuda a situar melhor a questão:
Carlos Drummond de Andrade tornou-se mestre da figuração engenhosa, caprichadamente
lúdica do universo, principalmente no campo formal. Na esfera íntima, conteudística,
frequentemente manifesta uma paixão dramática, que puxa para o aspecto irônico ou
desencantado de avaliação da existência. Daí o seu texto pender para o jogo da criação
pura (retratação de uma fantasia original, autônoma, pessoal) ou para o artifício
da representação (modo de buscar uma similitude, direta ou indiretamente, entre
o signo e o que ele representa).[20]
A estratégia – se cabe
o termo – era a do risco permanente, porém o pêndulo não era artificioso. Em um
de seus “apontamentos literários”, o próprio Drummond ironiza: “Fazia sonetos tão
lindos, mas tão lindos, que ninguém percebia que não eram sonetos”.[21]
Talvez se pudesse dizer dele mesmo que sua estratégia era tão envolvente que ninguém
percebia que não era apenas uma estratégia. Drummond encarnava como poucos o dilema
do esfacelamento do ser praticamente imposto pela voragem de um século em que a
experimentação converteu-se em cobaia de si mesma, ou seja, havia um emaranhado
incontrolável de exigências participativas que não somente cegou inúmeras esperanças
como principalmente gerou individualismos controversos que desaguaram em regimes
de exceção e um caudal inoperante de desencantamento. Sob este aspecto, Drummond
foi o grande sobrevivente do século, e é até aceitável que tenha despertado inúmeros
desafetos que apostaram em outros não-sobreviventes.
Carlos Drummond de Andrade
era intensamente anti-dogmático. Mesmo se dissesse de si, como o fez aos 60 anos,
que havia alcançado uma “serenidade ascética”, no minuto seguinte já cometia uma
imprudência juvenil. Rejeitava até a si mesmo, para não confundir-se com um dogma
de qualquer natureza. Deu grandes pistas neste sentido, mas a crítica só o conseguia
perceber literariamente. De volta ao conflito entre os territórios épico e lírico,
ele próprio provocava:
Não há tempo de epopeia, reclamando poetas aptos para interpretá-los. Há
– ou não há – poetas épicos, capazes de extrair seu alimento do contemporâneo mais
álgido, como do passado, ou do futuro.[22]
Eis uma evacuação territorial
do epos, em que o poeta é sempre um navegador de si mesmo e de seu tempo,
esteja em busca do passado ou de volta ao futuro. E ele próprio acentuava o assunto:
Que fazer de nossos possíveis dons literários, entregues à nossa própria
polícia e julgamento? O público não nos decifra: apóia ou despreza, simplesmente.
A bolsa de valores intelectuais é emotiva e calculista, como todas as bolsas. Hoje
temos talento; amanhã não. Éramos bons poetas na circunstância tal, mas, já agora
estamos com o papo cheio de vento; somos demasiado herméticos; demasiado vulgares;
nosso individualismo nos perde; ou nosso socialismo; chegamos a dois passos da Igreja;
o que nos falta é o sentimento de Deus; nossa prosa é lírica, nossos versos são
prosaicos.[23]
É impressionante a lucidez
de Drummond nesta passagem de um de seus apontamentos literários, onde aduz, referindo-se
ao que deve esperar de si um jovem poeta:
A vocação tem de lutar contra o próximo, que tradicionalmente a ignora. Tem
de achar-se a si mesma, na confusão dos modelos, estáticos ou insinuantes, que constituem
o museu da literatura. E por todo o sempre continuará, solitário, a interrogar-se
e a corrigir-se, não esperando que lhe venha conforto exterior.[24]
Diante disto, impossível
imaginar que este poeta tenha prestado tributo a alguma escola literária ou argumentação
política. Viveu essencialmente um conflito ulterior, e a ele entregou-se com tamanha
intensidade que, mesmo ocasionalmente desagradando a expectativas de todos os matizes,
foi íntegro, honesto consigo mesmo, honrado, de uma maneira que pouco se encontra
no mundo fugidio das letras.
Quando se comemorou o
cinquentenário do poeta, Emílio Moura recordou os encontros nos anos 20, e tocou
no aspecto sempre controverso das influências: “misturávamos Stendhal com Anatole,
Pascal com Bergson, Antero com Rimbaud, Ibsen com Maeterlink”.[25]
Ao lado de Drummond, Emílio Moura viria a fundar, juntamente com Martins de Almeida
e Gregoriano Cañedo, uma publicação intitulada A Revista, de decidida filiação
ao Modernismo. Este grupo de escritores, que incluía ainda nomes como Pedro Nava,
Abgar Renault, Gustavo Capanema, Alberto Campos, dentre outros, a exemplo do que
passava no resto do país, tinha uma educação literária acentuadamente francesa,
ocasionalmente mesclada a vozes inglesas e portuguesas, ou seja, sempre europeias.
Era comum os jovens poetas de Belo Horizonte adquirirem exemplares das edições do
Mercure de France, da N.R.F. e da Calman-Lévy. Para além do
ambiente francês, cada um deles ia naturalmente buscando outras opções que lhes
ajudassem a forjar uma melhor definição tanto ética quanto estética. No caso de
Drummond, é curioso que tenha despertado interesse por dois portugueses, Albino
Forjaz de Sampaio (1884-1949) e António Ferro (1895-1956). Esta aproximação nunca
foi devidamente explorada, mas certamente influíu na maneira como o intenso niilismo
de Drummond se mesclava com o humor, certo cinismo e mesmo as posturas anti-clericais.
Fato é que um livro como Palavras cínicas (1916), de Albino Forjaz de Sampaio,
provocou um grande impacto em Drummond, o mesmo ocorrendo com a presença de António
Ferro em Belo Horizonte, quando este se apresentou, em 1923, no Teatro Municipal,
tocando bumbo e disparando sua propaganda poética: “A minha época sou eu”. Os dois
poetas cultivavam um gênero caro ao poeta brasileiro: o aforismo. Em Forjaz de Sampaio
encontramos:
A águia que rói os fígados a Prometeu não é outra senão a Dor. Bendita seja
a Dor que tiraniza e leva ao crime.
Tudo mentira, tudo ilusão. Quem sabe lá quanta podridão levedou para dar
uma rosa, para abrir um malmequer, e para florir uma chaga? Que as chagas o que
são senão rubras e esquisitas flores?
Abre o crânio e vê se distingues a alma de Dante da alma de Caim, a de Inocêncio
III da do galego ali da esquina.[26]
Por outro lado, vemos
na personagem central da novela Leviana, de António Ferro passagens como:
De hoje em diante, passo a mandar-te folhas de papel em branco, com a minha
assinatura no fim. Enche-as como entenderes. É que eu não sinto o que digo, mas
sinto sempre o que tu me dizes.
[…]
Marco, todos os dias comigo, um rendez-vous ao espelho. Falto sempre. A minha
imagem, ali à espera, e eu, muito longe, contigo, nos teus braços.[27]
António Ferro inclusive
foi participante da Semana de Arte Moderna e publicou, na revista modernista de
São Paulo, Klaxon, o manifesto “Nós”,
lançado em seu país no ano anterior, 1921. Considerado um dos pais do modernismo
em Portugal, dirigiu a revista Orpheu, e foi intelectual ligado ao Estado
Novo português, dirigindo o Secretariado de Propaganda Nacional do governo Salazar.
Albino Forjaz de Sampaio também deu contribuição a uma política de espírito acentuadamente
nacionalista criada por Ferro. De alguma maneira, os aspectos declaradamente transgressores
que envolviam cada um deles exerceu algum crédito na formação do jovem poeta brasileiro.
O humor em Drummond está ligado mais à ironia do que à comicidade, ironia que, por
sua vez, se atém menos à zombaria do que a uma oposição aos valores sociais vigentes.
Daí que seu ceticismo não possa jamais ser entendido como uma fase, como algo determinado
por uma desilusão de momento. Ele próprio aclararia em uma entrevista:
Eu sou uma pessoa inteiramente pessimista, cética. Não acredito em nenhum
valor de ordem política, filosófica, social ou religiosa. Acho a vida uma experiência
que tem de ser vivida, mas que se esgota e termina, acabou, não tem nada.[28]
Evidente que naquela mescla
de autores lidos nos anos 20 – Drummond se revelaria sempre um leitor voraz, mas
também um apaixonado pelo cinema – os portugueses mencionados não foram mais prestigiados
que os demais, embora seu biógrafo tenha destacado o impacto do diálogo de
Drummond com os dois poetas. Ajuda a fortalecer o que defendo um trecho da nota
por ocasião da morte de Erik Satie, publicado em A Revista # 3, onde lemos:
Satie deixou uma técnica e uma expressão, o que é tão raro e perturbador.
Foi um criador sem messianismo, porque irônico. Em muitas de suas obras sua personalidade
estará oculta, porém nunca distante. E para compreendê-lo há que dar-lhe a volta
toda. Chegou a uma simplicidade tal de forma que os inexperientes e superficiais
o acusaram de empobrecimento.[29]
Segue traçando um paralelo
entre a liberdade e suas limitações, o que está estreitamente ligado à conquista
do verso livre. Rigorosamente Drummond está conversando consigo mesmo, e Satie torna-se
então um valioso cúmplice dessa reflexão. Talvez a crítica tenha deixado escapar
estes dados, tanto pelo aspecto distrital, acadêmico, quanto por certa cegueira
hierárquica baseada no artificial prestígio literário. A íntima ligação de Drummond
com o cinema, por exemplo, poderia ter sido muito melhor explorada e inclusive agendada
como realce nas entrevistas tão cobiçadas pela imprensa com o poeta. Igualmente
seria possível traçar paralelos com autores traduzidos por Drummond, de que são
exemplos Choderlos de Laclos, Honoré de Balzac, Marcel Proust, Federico García Lorca
e Molière.
A maneira como Drummond
fala de Erik Satie é impressionante, quase como se estivesse a antever o caminho
que ele próprio deveria seguir, ou melhor, que de fato acabou trilhando. Mesmo a
atenção que tinha pelo Modernismo, o atrativo da Semana de Arte Moderna, de 1922,
era quando menos ambígua, ambiguidade reforçada pela correspondência com Mário de
Andrade que, já em 1928, lhe dizia coisas como
…publico o Macunaíma que já está feito e não quero mais saber de brasileirismo
de estandarte. Isso tudo conto só para você porque afinal das contas reconheço a
utilidade do estandarte. Meu espírito é que é por demais livre pra acreditar no
estandarte.[30]
E Mário escrevera isto
para Drummond justamente porque este lhe havia mostrado os originais de um livro
que pretendia publicar cujo título era Minha terra tem palmeiras, referência
direta à “Canção de exílio”, poema de Gonçalves Dias, de profundo apelo nacionalista.
Na sequência desta carta diria ainda:
Me parece um pouco tardio pra você ir na onda. Tanto mais que o espírito
individualistamente contemplativo e observador de você, bem livre, não combina com
isto.[31]
Drummond acabaria desistindo
não somente do título, mas de todo o livro, e sua estreia na poesia viria somente
dois anos depois, com Alguma poesia. Estreia em que já se vislumbra a condição
heterodoxa de toda grande poesia e mesmo o relativo tributo que paga a certas características
do Modernismo, dentre elas o poema-piada e a busca de uma brasilidade, uma leitura
conjunta de sua obra, tempos depois, tornará possível entender que não seguiam tão
à risca as ortodoxias do movimento. A expressão jocosa logo se revelaria corrosiva
em sua raiz, fruto mais de um desconforto, de uma dissonância, de uma acentuação
de contradições do que propriamente de uma tirada espirituosa destinada a alegrar
ou libertar o espírito. Por sua vez, a brasilidade em Drummond não foi construída,
não se deu como resultado de um esforço, de um programa, tendo havido bem mais o
que se possa chamar de revelação, de identificação, de descoberta mútua, em que
não ficariam de fora – nem haveria motivo para tanto – os entendimentos com poéticas
que expressavam outras vertentes. Mesmo a deliberação por uma temática urbana que
fosse a expressão da modernidade se vê ali mesclada com a mesmice sem ressonância
de uma cidadezinha qualquer, propiciando desde já leituras infinitas do cotidiano.
O moderno não perde sua condição de decadente e utópico, a um só tempo. E Drummond
é absolutamente moderno exatamente por isto.
Há, evidentemente, uma
conexão ininterrupta que relaciona toda a obra de Drummond – inclusive a prosa,
embora esta não esteja sendo tratada na presente edição –, que a unifica acima de
todas as perspectivas de fragmentá-la em fases, em face do que tão bem observou
Antonio Houaiss, de que se trata de toda uma vida, “inclusive no que esta encerra
de defraudações e vacilações, de ilusões e decepções, de atritos e de lubricidades”.[32]
O biográfico, portanto, não é penoso, um embaraço a ser evitado, mas antes elemento
fundamental para a concretização – e não planificação, programação – de uma obra.
E este conflito nunca evitado, esta aceitação de um mundo encharcado de oscilações,
relevante mais pelos erros do que pelos acertos, onde naturalmente a complexidade
de linguagens que o evidenciem não se distingue do comportamento – seja individual
ou social –, dos abismos dialéticos da presença do ser no tempo; este conflito que
o poeta não dissocia de seus dissabores ou alegrias, da voracidade de suas leituras
ou da intensidade colidente de seu viver; este conflito perene e abrangente que
encontramos em toda a obra de Drummond é o que o torna o mais complexo e cristalino
dos poetas brasileiros. E refiro-me a complexo no sentido de que não me parece tenha
sido satisfatoriamente compreendida essa condição cósmica de sua poética – termo
aqui entendido como algo comum a todos os homens, uma representação do mundo que
o revele por inteiro em cada uma de suas partículas, em cada um de nós.
Carlos Drummond de Andrade
era um poeta entranhado em seu próprio tempo e que a todo momento punha em risco
tal conexão, certo – ao menos disto – de que a poesia, qualquer que seja a forma
em que se manifeste, não tem por fundo senão a própria existência humana. Antonio
Houaiss estabelece como nenhum outro crítico esta relação, ao dizer do autor de
Claro enigma:
É poeta do seu tempo no fato de que a matéria-prima do cotidiano se lhe aflora
a todo instante, não havendo como distinguir, quase sempre, o que é deliberadamente
circunstancial – felizmente salvo nas duas violas-de-bolso – do que é o contingente
temporal, como pressão motivadora imediata de certos instantes do seu poetar; é
poeta do seu tempo no fato de que eleva ao ou insere no seu poetar todas as entidades
do seu real objetivo e subjetivo, desclassificando (mas usando deles) os assuntos,
motivos, temas, tópicos antes admitidos em poética, e classificando os até então
proscritos, construindo assim um poliedro poético de milhares de faces, algumas
muito iluminadas por retornos no seu fazer criador, sempre a uma nova luz; é poeta
do seu tempo no fato de que é intrinsecamente avesso, impotente, a dissociar assuntos,
motivos, temas, tópicos entre si ou uns dos outros; porque sua poesia, não sendo
fazer poético intencionalmente de objetos que venham a funcionar por si mesmos como
coisas com virtualidades próprias ou auto-compensadas, reflete sempre um estar-no-mundo
que se faz rejeitar-o-mundo para implicitamente propor-um-novo-mundo, estar-no-mundo
que, mesmo quando atado a uma particularidade do mundo, é sempre, concomitantemente,
uma antenação com todos os momentos e aspectos do mundo; […][33]
Este meter-se na matéria
do mundo é o que torna Drummond ao menos o mais intrigante dos poetas brasileiros.
Evidente que quando uma obra é tão abarcadora, dali se pode extrair hóstias para
todo credo. Em língua portuguesa é o que ocorre com Fernando Pessoa, e a referência
aqui não vai além do fato de que aspectos controversos, de vida e obra, nos dois
autores, acabaram por gerar uma vastíssima proliferação de peritos que se empenham
em refazer tudo, à sua maneira, desfigurando o objeto da vistoria e o reapresentando,
na comarca em que agem, como um modelo novo, sempre curiosamente restritivo. Talvez
por esta razão tenha se tornado um lugar-comum abordar a poética de Carlos Drummond
de Andrade como um compósito de diversas fases.
Embora tenha rejeitado
a vida inteira o epíteto de maior poeta brasileiro, esta era a consideração geral
acerca de sua obra, condição estimada desde muito cedo e que levou Otto Lara Rezende
a declarar que “só Machado de Assis terá tido no Brasil do passado uma presença
tão intensa quanto foi, nesse século, a de Carlos Drummond de Andrade”.[34]
Ainda mais valiosa a abordagem de Luciana Stegagno-Picchio ao referir-se a ele como
um dos maiores poetas do Brasil: sem a inturgescência de Castro Alves, quotidiano
como [Manuel] Bandeira mas sem o seu desprendimento sorridente, pessimista mas participante,
esquivo mas humaníssimo; e com uma habilidade verbal, com uma sabedoria e criatividade
poética só encontráveis contemporaneamente em poetas como João Cabral ou Murilo
Mendes.[35]
É fato que o poeta tornou-se
paradigmático em muitas instâncias, não deixando de fora as injúrias relativas ao
seu pessimismo, ao comportamento reservado, o que resultou em inúmeras críticas
claramente oportunistas, quase que da mesma ordem dos elogios de ocasião. Paralelo
a tudo isto, decorrências naturais na vida de um criador da importância de Drummond,
crescia um prestígio internacional, verificado nas traduções, já nos anos 60, para
idiomas como o alemão, o sueco, o inglês e o tcheco. Uma década antes o poeta já
era traduzido para o espanhol, em antologias – coletivas e individuais – que circulavam
em países como Argentina, Espanha, Bolívia e Chile. O cubano Helio Orovio, ao organizar
e traduzir uma antologia da poesia brasileira do século XX, destacou:
Carlos Drummond de Andrade crea una poesía personalísima,
que lo sitúa entre los más altos cultivadores del verso de este siglo, a escala
mundial. Desde la aparición, en 1930, de su libro Alguma poesia, ha ido dando
un testimonio admirable de su ser en el tiempo y el espacio, con evidentes referencias
autobiográficas, en estilo desenfadado, y con inigualable energía verbal.[36]
De regresso a esta zona
de tensão entre épico e lírico – Fábio Lucas observa que, “para quem lê toda a obra
de Drummond, sente nela um misto de canto épico com acento lírico”[37]
–, me parece interessante evocar algumas vozes na poesia hispano-americana em que
se verifique o mesmo aspecto, e neste caso é oportuna a lembrança de nomes como
Humberto Díaz-Casanueva (Chile, 1907-1992), Pablo Antonio Cuadra (Nicarágua, 1912-2002),
e César Dávila Andrade (Equador, 1918-1967), todos eles, assim como o brasileiro,
vozes fundamentais no descortinar e desdobrar-se do grande momento histórico das
vanguardas no século XX. A exemplo de muitos de seus pares, e em consequência da
própria época, estes poetas absorveram amplamente as tendências com que se expressava
a vanguarda – Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo etc. –, cada um particularizando
tal absorção sem submeter-se ao programa de nenhuma delas. É possível apontar preferências,
afinidades, variações entre o declarado e o oculto, porém nunca sujeitar-lhes a
obra a nenhum dos movimentos ou escolas. Menos cauteloso que Drummond na manifestação
de suas identificações, o chileno Humberto Díaz-Casanueva jamais esquivou-se da
revelação do impacto que lhe provocou, por exemplo, o Surrealismo. Sobre este poeta diria Fernand Verhesen:
Toda la poesía de Díaz-Casanueva oscila entre un
desmantelamiento trágico, un impulso irresistible hacia la Nada […] y al mismo tiempo,
una creación constante del Ser. El poema es continuamente ruptura, dislocación,
caída vertiginosa, sondeo de los orígenes, y ascención súbita, discontinua pero
afirmativa, de la realidade del Ser, del devenir.[38]
Seria certamente valioso
um paralelo entre estes dois poetas a partir da interferência do biográfico na obra
de cada um, o embate entre um subjetivismo extenuante e a busca da otridad,
de uma voz comum a todos que possa expressar o drama humano, cuja resultante dá
a ambos aquilo que Ana María del Re constata em relação à poesia do chileno: “hay
que admitir sin reservas la complejidad formal y semántica de esta escritura, como
también su densidad, rigor y trascendencia”.[39]
Igual tensão destaca Guillermo Sucre, referindo-se apenas a Díaz-Casanueva, ao situar
“un continuo debate entre el poeta de la duda y la desolación […] y el poeta de
la fe”[40]
– ainda que no caso de Drummond a fé tenha se mostrado sempre de forma retorcida.
O lamentável é que não se disponha até o presente de estudos comparativos que avaliem
a voltagem dialética vertiginosa nos dois poetas.
Dentro de um mesmo ambiente
de absorção das experiências e derivações das vanguardas, mencionei o nicaraguense
Pablo Antonio Cuadra e o equatoriano César Dávila Andrade, dois poetas imensamente
distintos entre si, considerando que o primeiro encontrou forças interiores para
resistir a todas as adversidades, enquanto que o segundo suicidou-se aos 49 anos
de idade. Importa aqui, destacadamente, a maneira como lidaram com o mito, dentro
dessa percussão constante de espectros de ordem lírica e épica. Seguindo as pistas
deixadas por Platão, em Fedon o del alma, de que o poeta deve “inventar mitos”,
ambos se embrenharam no imaginário indígena que era a base da cultura de seus países.
Sem discordar deles ou de Platão, Drummond tratou de mergulhar não em uma mitologia
indígena mas sim no abismo profundamente indigesto da relação do homem com seu tempo,
avançando em tal abismo a ponto de desmitificá-lo.
Em entrevista que fiz
a Pablo Antonio Cuadra ele se refere em dois momentos a Drummond, inicialmente quando
lhe indaguei acerca das razões que levaram não somente a sua obra mas praticamente
de toda uma geração na Nicarágua a escapar a la fiebre política, al cáncer de
un patriotismo rancio, de un didactismo sutil e inexpresivo, quando então me
responde o poeta:
Creo que el hecho de coincidir la necesidad de
crear una literatura nacional con la irresistible atracción cosmopolita de las vanguardias
nos permitió un equilibrio entre la tentación de la caverna y la lontananza. Añadiría
otro gran peso en la balanza: a pesar de nuestros ataques, éramos herederos de Darío,
de su lección antiprovinciana de universalidad. Y otra importante ayuda: la ironía,
ese alejamiento del poeta del poema que permite el humor. No en balde nuestra generación
tuvo un genial maestro que cantó por todos nosotros, Drummond de Andrade: ¡Carlitos
Chaplin![41]
Ao final desta mesma entrevista, Pablo Antonio Cuadra destaca a importância
da obra de Drummond e indaga: “¿cuántas ediciones de su obra hay en español?” Por sua vez, porém igualmente em uma entrevista, Drummond menciona conversa
que teve com Chico Buarque de Holanda e o então embaixador da Nicarágua no Brasil,
onde este diplomata questionava o teor de uma crônica do poeta brasileiro, acusando-o
de desconhecimento do que se passava naquele país centro-americano. Diz então Drummond:
Ah, tenha paciência! Eu tenho noção do que escrevo, compreendeu? Não sou
partidário dos Estados Unidos, longe disso, acho a agressão à Nicarágua uma coisa
estúpida. Mas não se pode negar que a Nicarágua é uma ditadura. Eles fecharam o
La Prensa, onde tenho amigo, o poeta Pablo Antonio Cuadra.[42]
Mencionei aqui três importantes
poetas hispano-americanos cuja obra foi cercada e provocada pelas múltiplas manifestações
da vanguarda, atentando para o fato de que neles – e não somente neles, cabe acentuar
– se verifica uma tensão instigante entre o épico e o lírico. Evidente que há efusões
românticas, simbolistas, o falso brilho de algumas utopias, pretextos de toda ordem
aproximam e afastam poéticas expressivas deste mesmo ambiente de vanguardas. Creio
que inesgotáveis as possibilidades de leituras comparadas entre inúmeras vozes fundamentais
deste momento. A referência de Carlos Drummond de Andrade ao nicaraguense foi praticamente
a única que ele fez a algum poeta hispano-americano. Houve um incidente desprezível
protagonizado pelo chileno Pablo Neruda (1904-1973)[43]
e a tentativa de encontro buscada pelo mexicano Octavio Paz (1914-1998), ao qual
Drummond se esquivou. Resistiu ainda às insistências de seu genro, argentino, por
propiciar um encontro seu com Jorge Luis Borges (1899-1986), por ocasião de algumas
viagens de Drummond a Buenos Aires.
Se por um lado o nicaraguense
está certo em indagar quantas edições em espanhol existem da poesia de Drummond,
por outro lado podemos nós, brasileiros, indagar quantas edições existem, em brasileiro,
da obra dos três poetas aqui referidos: Humberto Díaz-Casanueva, César Dávila Andrade
e Pablo Antonio Cuadra. Esta ausência de diálogo é o aspecto mais preocupante e
que seguramente hoje dificulta – ou quase impossibilita – uma relação mais amiga
entre Brasil e América Hispânica em um momento político-econômico em que seguramente
o destino dessas nações seria outro caso esta familiaridade cultural estivesse bem
sedimentada.
São relativamente poucas
as traduções de Carlos Drummond de Andrade para o idioma espanhol. Não mais do que
20 antologias foram publicadas nos 19 países de fala hispânica do continente, o
que é irrisório diante de quatro livros seus traduzidos para o holandês ou cinco
para o sueco. Reflete sobretudo o abismo cultural que separa os nossos países, aspecto
que sempre constituiu uma grande festa para os sucessivos governos estadunidenses
que tão bem souberam – e seguem fazendo – explorar tamanho desatino cultural. Há
antologias de Drummond em países como México, Cuba, Argentina, Peru, Bolívia, Venezuela,
praticamente todas esgotadas, considerando época e tiragem. Mesmo avaliando e tratando
de corrigir falhas de atualização bibliográfica, é ínfima a presença de Drummond
no mundo referencial da literatura na América Hispânica, sendo ainda mais precária
a presença de poetas hispano-americanos em um âmbito brasileiro.
Um de seus tradutores,
o poeta argentino Rodolfo Alonso, gentilmente cedeu um testemunho crítico da poética
de Drummond para a presente edição:
Capaz de ser al mismo tiempo
absolutamente renovador y legítimamente nacional, en el mejor sentido, el modernismo
brasileño constituye una prueba evidente de la originalidad de las vanguardias latinoamericanas,
tantas veces acusadas de ser mero reflejo de recursos europeos. Y, con ser originalísima,
la obra de Carlos Drummond de Andrade se vuelve también significativa en ese contexto
modernista, del cual constituye muy probablemente el paradigma. Popular sin demagogia,
discreta sin pavoneos, distante pero cálida, precisa sin frialdad, incluso en sus
comienzos abiertamente comprometida pero con tal intensidad de vida y de lenguaje
que sus poemas de ese tipo continúan en vigencia y conmoviéndonos, el desarrollo
de la poesía de Drummond constituyó para nosotros, y especialmente para mí, una
experiencia enriquecedora. Donde lo estético y lo humano se daban como evidencia
viva, lograda, cabal, y al mismo tiempo temblorosamente inerme, transida, contagiosa.
Si pudo ofrecernos, en Procura da poesia, una lúcida, ejemplar arte
poética, de luminosa inteligencia y contagiosa sensibilidad, capaz de precavernos
contra toda demagogia, y que cada día cobra más justificadas dimensiones (especialmente
en estos tiempos de ácida banalización y consiguiente aridez del lenguaje, inclusive
cotidiano, asolado por los medios audiovisuales globalizados), ¿no es llamativo
que haya logrado hacerlo después de su tocante Consideração do poema, humanísima abertura con la que abre, en los duros
y crueles años que fueron de 1943 a 1945, en plena lucha mundial contra el fascismo,
nada menos que un libro que quiso llamar A rosa do povo?
Es la misma temblorosa precisión
con que, como el torero a la hora de la verdad, en un golpe de gracia, culmina allí
mismo ese otro poema imborrable: Passagem
do ano, como si quisiera dar una demostración definitiva a aquel lúcido aserto
de Huidobro (“el adjetivo, cuando no da vida, mata”), con estas palabras indelebles:
“A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-repticia.” No sólo calidad literaria, ni mucho
menos habilidad retórica, como se ve, sino precisamente lenguaje encarnado, belleza-verdad
hecha voz, inflexión y sentido. Porque, como él mismo dijo, no se trata apenas de
escribir bien, de tener buenos sentimientos o buenas razones sino de “ser hombre
en el poema”, apenas, nada menos. Después de todo, aunque con sobria dignidad él
haya aludido “razones de conciencia”, ¿no habrá sido asimismo por razones estéticas
que, en 1975, Drummond rechazó el bien dotado Premio de Literatura de Brasília que
celebraba el aniversario de la dictadura militar?[44]
Rodolfo Alonso foi um
dos integrantes do grupo Poesía-Buenos Aires, cuja revista homônima circulou por
30 números, de 1950 a 1960. Carlos Drummond de Andrade não somente esteve ali presente
por duas vezes como também viu publicada uma breve mostra de sua poesia na coleção
“Poetas del Siglo XX”, na tradução de Ramiro de Casasbellas, e emprestou o título
de um de seus livros, Sentimento do mundo, para uma outra coleção da mesma
editora. Em uma das aparições na revista, inclui-se uma nota de Edgar Bayley – também
como Alonso, um dos companheiros do grupo que contava ainda com a presença de Jorge
Enrique Móbili, Nicolas Espiro, Wolf Roitman e a figura central de Raúl Gustavo
Aguirre –, em que o poeta argentino observa:
Drummond de Andrade ha sido conciente del proceso
a que ha estado sometida la palabra en los últimos tiempos. Pero esa conciencia
no ha sido en él un mero modo de estar à la page o de mostrarse falsamente
avanzado. Ha constituido, por lo contrario, una forma de honda honestidad consigo
mismo y con los demás, un deseo de evitar cualquier trampa o fraude, de verificar
por sí mismo la calidad del vino antes de darlo a beber a los otros. Su búsqueda
en las formas más densas y contemporáneas del verso es, antes que una renuncia a
sí mismo y a la comunicación, una voluntad personalísima de expresión creadora.
Recordemos de paso una vez más que el esfuerzo del poeta por renovar las formas
expresivas sólo es válido en la medida en que logra organizar la materia verbal
para ponerla en función de su experiencia humana. Es el grado y la trascendencia
de su temblor, y no esta o aquella fórmula retórica lo que hace, en suma,
su calidad y, por ende, su novedad.[45]
Carlos Drummond de Andrade
manteve durante toda a vida um vínculo intensamente estreito com a imprensa, não
somente considerando o largo período em que atuou como cronista e mesmo na direção
de redação de alguns jornais, mas tendo igualmente em conta um aspecto salientado
por Fábio Lucas, de que praticamente a totalidade de sua obra “passou primeiramente
pelo teste do periódico, somente se consolidando em livro posteriormente”.[46]
Apesar disto, criou-se um mito de rejeição de Drummond a dar entrevistas, um mito
em grande parte alimentado pela frustração de quantos buscaram em vão entrevistá-lo.
Para muitos ostentar uma entrevista com o poeta assume o caráter de um prêmio, e
há registro de um caso extremo, um livro em que se menciona a existência de uma
entrevista com Drummond quando na verdade o que se apresenta é uma brevíssima conversa
por telefone em que o poeta gentilmente se declara proibido pela médica de qualquer
esforço intelectual e até sugere à pretendente que entreviste um outro poeta, indicando-lhe
o nome de Dante Milano (1899-1991).
Na penúltima década do
século passado surgiram então inúmeras entrevistas com o poeta, e não por outra
razão que a exigida pela Editora Record contratualmente, de que o mais novo escritor
integrado à casa tivesse participação ativa na difusão da própria obra. Durante
um curtíssimo período que vai de 1984 a 1987 – ano da morte do poeta – Drummond
se expôs como uma figura pública sem reservas, embora salientasse o desconforto
diante de situação que defendia como desnecessária, uma vez que sempre emitira opinião
– através da crônica, do artigo e essencialmente da poesia – sobre o que julgava
relevante, imperativo. Foi de uma generosidade impecável, diante do pouco consistente
ideário de perguntas que lhe era destinado.
Recuemos um pouco no tempo,
uma vez mais recorrendo à série de entrevistas radiofônicas que Carlos Drummond
de Andrade concedeu, em 1955, à jornalista Lya Cavalcanti, aqui destacando uma passagem
em que o poeta nos diz:
O jornalismo é escola de formação e de aperfeiçoamento para o escritor, isto
é, para o indivíduo que sinta a compulsão de ser escritor. Ele ensina a concisão,
a escolha das palavras, dá a noção do tamanho do texto, que não pode ser nem muito
curto nem muito espichado. Em suma, o jornalismo é uma escola de clareza de linguagem,
que exige antes clareza de pensamento. E proporciona o treino diário, a aprendizagem
continuamente verificada. Não admite preguiça, que é o mal do literato entregue
a si mesmo. O texto precisa saltar do papel, não pode ser um texto qualquer. Há
páginas de jornal que são dos mais belos textos literários. E o escritor dificilmente
faria se não tivesse a obrigação jornalística.[47]
Inevitável a concordância
com ele, ao mesmo tempo em que não se pode deixar de lamentar que a literatura não
exerça igual influência sobre o jornalismo. Dentre as variadas entrevistas – mas
quase sempre a mesma, graça à natureza das perguntas – que concedeu Carlos Drummond
de Andrade, cumpre destacar aquelas que souberam extrair a clareza necessária sobre
certos assuntos, a contundência cabal do pensamento do poeta, o envolvimento sem
restrições no tratamento de alguns aspectos polêmicos. A primeira delas que merece
destaque foi concedida a Zuenir Ventura e logo de início o poeta trata de desfazer
a falsa ideia de que seja uma pessoa inacessível, recorrendo à sua atuação jornalística:
Tenho uma coluna onde, quando quero emitir uma opinião, omito. Ou uma conversa
lírica ou um devaneio. Sou cronista de segundo caderno mas, em meio às amenidades,
me permito reclamar contra o excesso de generais que comandam o Brasil com o título
de presidente da República, assim como me permito satirizar o Congresso quando,
em vez de trabalhar e de reivindicar suas próprias prerrogativas, se torna um instrumento
dócil ao governo.[48]
Esta é uma entrevista
em que a exterioridade conta mais do que os meandros da criação poética, não restando
ao entrevistado senão ceder a seus caprichos. O cenário nacional estava então inteiramente
a reboque da crise política, a passagem de um prolongado regime de exceção para
um novo percurso civil sendo de forma quando menos extravagante arregimentada pelas
forças armadas. Em momento algum o entrevistado se recusou a dizer o que pensa,
destacando:
Não perdi a capacidade de indignação, mas ela está misturada com o ceticismo
de quem não vê perspectiva de melhora nesses próximos tempos. Há um entusiasmo da
mocidade, há desejo de fazer alguma coisa, mas a mocidade foi tão sacrificada nesses
anos de revolução, os melhores foram destruídos: ou ficaram aterrorizados para o
resto da vida, ou morreram fisicamente ou desapareceram. Houve um hiato na formação
social do Brasil, houve uma geração que não pôde dizer a sua realidade.[49]
Caberá a Edmilson Caminha
realizar uma contundente entrevista com Carlos Drummond de Andrade em que aspectos,
tanto no biográfico quanto de matiz estético, são tratados de forma apurada. O entrevistado
revê assuntos imperativos em sua formação intelectual, discute a popularidade que
lhe é conferida, traça abordagem forçosamente intransigente das condicionantes da
crítica e da poesia que se praticava no Brasil, esclarece alguns tópicos controversos
e já anotados em diário etc. Drummond sabia muito bem identificar oportunismos de
toda ordem. Ao fazer uma leitura dos desdobramentos poéticos não via senão uma repetição
já sem força alguma de atrito da influência dos “tiques do vanguardismo”, tema para
o qual chamou a atenção sempre que possível, o que lhe rendeu antipatias e frustradas
tentativas de cooptação, e que encontramos anotado em diário desde 1957, quando
ali já observa com restrição a simpatia de Manuel Bandeira pelo Concretismo:
Nunca vi tanto esforço de teoria para justificar essa nova forma de primitivismo,
transformando pobreza imaginativa em rigor de criação. Consideram-se esgotadas as
possibilidades da poesia, tal como esta foi realizada até agora, quando infinitos
são os recursos da linguagem à disposição do verso, e um criador como Guimarães
Rosa efetua, paralelamente, a reinvenção contínua do vocabulário português. Por
que os poetas não tentam um esforço nesse rumo?[50]
No diálogo com Edmilson
Caminha, Drummond discorre acerca de influências de maneira clara e despida de qualquer
pudor, a começar pela referência direta a Machado de Assis (1839-1908):
Acho que devo a minha formação a Machado. Até hoje: quanto mais o leio, mais
fico impressionado. Resolvo mesmo não ler Machado de Assis, leio quando me dá uma
tentação. Mal e começo a ler Machado e fico com a tendência de escrever o que ele
escreveu, de imitá-lo… Quantas vezes, na minha crônica – que é esvoaçante, escrita
sem nenhuma preparação, porque aquilo tem de ser entregue duas horas depois –, me
surpreendo com tiques de linguagem, com jogos verbais de Machado… Ao lado disso
tive influências variadas: li Flaubert, Fialho de Almeida, António Nobre, Cesário
Verde… Gostei muito de Eça de Queiroz, adoro Eça. Acho que, na língua portuguesa,
são os dois que mais me agradam, Machado e Eça. Outra influência minha foi Anatole
France. Anatole era considerado um deus naquela época; depois passou de moda e agora
ouço dizer que está sendo redescoberto. Mas Mário de Andrade me proibiu de ler Anatole,
dizia nas cartas: “Deixa de ler esse sujeito, é um sacana!”.[51]
Se por um lado considerava-se
um profissional da crônica, era bem distinta a relação que mantinha com a poesia,
e reflete prazerosamente sobre ela, anos depois, em diálogo com Gilberto Mansur:
Para mim, ela foi necessária e ainda é necessária, porque é uma atividade
da minha vida, praticada por mim, sem interferência de ninguém. Ela não obedece
a nenhuma interferência: eu não sou um profissional da poesia, eu convivo com ela
por uma necessidade de expressão, até mesmo para fins terapêuticos, digamos: conflitos
psicológicos, problemas, inquietações, dúvidas que eu tive… Então, eu acho que,
na minha vida, a poesia foi uma espécie de terapia, porque eu tive uma infância
mais ou menos insegura e uma mocidade também inquieta, e a resposta que eu procurei
achar para os meus problemas foi esta: manifestar-me em versos, com a liberdade
que o Modernismo estava assegurando. Porque, quando eu comecei, o Modernismo já
tinha se manifestado. Então, eu tive assim uma certa liberdade, uma certa ausência
de disciplina, que permitia me manifestar em verso de uma maneira não formal, uma
maneira que não era a oficial existente no Brasil. Com isso, então, eu senti que
à media em que eu ia escrevendo, eu me sentia, não digo com os problemas resolvidos,
mas me sentia um pouco aliviado.
[…]
Devo dizer que eu não tinha, realmente, preocupação literária, no sentido
estrito de fazer uma obra literária, de ser um poeta com livro publicado. Tanto
assim que eu só publiquei o meu primeiro livro com 20 anos de idade, não tive pressa
disso. Eu acho que há uma diferença entre o literato, o escritor propriamente dito,
que planeja uma obra escrita, que trabalha para ela, que se documenta, que se informa,
que pesquisa para realizar determinados trabalhos, e a figura do poeta que eu fiquei
sento, uma pessoa que se manifesta em versos, mas sem um programa.[52]
Drummond dará valiosa
sequência ao tema, três anos depois, em diálogo com Luiz Fernando Emediato:
A minha obra literária foi determinada pela circunstância de eu ser mineiro.
Mineiro do interior de Minas, uma região de mineração, onde a dificuldade de comunicação
era maior do que em outras zonas do Estado. Nós vivíamos ilhados. Éramos fechados
por necessidade e por contingência.
[…]
Uma grande parte da cultura que a pessoa absorve para uma carreira literária
é para não ser consumida, é só para servir de pano de fundo. Na realidade, a gente
obedece a um impulso interior, à capacidade de imaginação que nós temos. Porque,
se fôssemos nos prender àquilo que lemos ou aprendemos não escreveríamos nada. Todas
as obras-primas já foram escritas. O contemporâneo não conta, a meu ver.
[…]
Eu sou inteiramente partidário da ideia da inspiração. Seja banal, antiquado,
mas sem inspiração não se faz nem se escreve nada. A pessoa adquire a técnica de
se comunicar e tem facilidade, como eu tenho, de escrever coisas. Mas aquela coisa
profunda que vem das entranhas da gente, isto é inspiração.
[…]
Quando eu estou criando um poema eu sinto uma certa exaltação física, um
certo ardor. (pausa) Não, não exageremos; também não é um estado de transe, de levitação.
Mas sinto uma espécie de emoção particular que me impele a escrever. E isso me surge
até em horas imprevistas, diante de um espetáculo, de uma criança dormindo na rua,
um cachorro mexendo o rabo, uma moça. Qualquer destas coisas pode provocar na gente
um estado poético. Ao lado disso, há o lado crítico, depois.[53]
Por último, observando
cronologicamente aquelas entrevistas mais relevantes, há o longo diálogo com Geneton
Moraes Neto, que viria, ao lado de outros documentos fundamentais, a constituir
um livro de indiscutível contribuição do jornalista ao conhecimento da obra e sobretudo
do cidadão Carlos Drummond de Andrade. A entrevista foi dada poucos dias antes de
sua morte. Nela vêm à tona os mesmos temas, reafirmados, e o poeta inclusive rememora
a gênese do poema “No meio do caminho”, que tanta polêmica havia causado à época:
Minha intenção era fazer apenas um poema monótono – sobretudo monótono –
e com poucas palavras. Um poema repetitivo. Um poema chato mesmo. Uma brincadeira.
Não tinha intenção nem de fazer uma coisa que agredisse o gosto literário nem também
uma coisa que permitisse uma revolução estilística. Muito menos tinha uma intenção
filosófica aludindo a dificuldade que a vida pode oferecer à pessoa. Nada disso!
Apenas o seguinte: fazer um poema com poucas palavras repetidas e bastante chato,
bastante árido, bastante pedregoso. Uma brincadeira! Eu tinha vinte e poucos anos
e nenhuma pretensão de fazer nada que pudesse irritar os outros. Era uma brincadeira,
como a gente costuma fazer quando moço.[54]
O essencial neste poema
é a confirmação – melhor seria dizer antevisão, considerando que foi um de seus
primeiros poemas – de que o humor é um dos traços mais altos da poética de Carlos
Drummond de Andrade. A maneira como ironia e humor se mesclam com niilismo e ceticismo
aponta na direção de uma linguagem corrosiva e de um caráter conflitante. A reflexão
do poeta acerca da realidade à sua volta era arrancada do próprio convívio, em grande
parte relutante, com esta mesma realidade – imagem que se dilata tanto na monotonia
de uma “pedra no meio do caminho” quanto os versos com que abre um dos últimos poemas:
Sofrer é outro nome
do ato de viver.
Não há literatura
que dome a onça escura.[55]
Esta intensidade do viver,
refletida no poema tanto no risco da linguagem – a maneira como se fundem verso
livre e verso medido – quanto na infiltração do biográfico – um biográfico sem artifício,
cabe destacar – leva Mário de Andrade a observar, quando da publicação de Alguma
poesia (1930) que Drummond parecia estar
apenas a dois passos do sobrerrealismo, ou pelo menos daquele lirismo alucinante,
livre da inteligência, em que palavras e frases vivem duma vida sem dicionário quase,
por assim dizer ininteligível, mas profunda, do mais íntimo do nosso ser, penetrando
por assim dizer o impenetrável, a subconsciência, ou a inconsciência duma vez.[56]
A percepção de um “lirismo
alucinante” é deflagradora, naquele momento, de toda uma poética de Carlos Drummond
de Andrade, e revela a ambiguidade em que mergulha – ou pela qual se vê acossado
– o poeta na modernidade. Não à toa, um outro poeta, Mário Chamie, quando da publicação
de Claro enigma (1962), observa que Drummond
está fora da disputa entre o inteligível e o sensível. O seu mundo é a ambiguidade
direta das coisas e dos acontecimentos. A sua linguagem desenvolve a lição desses
acontecimentos e dessas coisas.[57]
A consciência de uma ambiguidade
contagiava o poeta de certa tragicidade, ao ponto do Mário de Andrade lhe escrever
o apontando como “o mais trágico dos nossos poetas, o único que me dá com toda a
sua violência, a sensação e o sentimento do trágico”. Evidente que o sentido de
trágico não dá à poesia de Drummond uma conotação dramática, grandiosa ou funesta.
É trágica na medida em que aborda um conflito, uma impossibilidade de relação entre
ser e tempo, porém sem exaltação, despida tanto do espetacular quanto da confiança
na redenção da espécie humana por algum sistema filosófico. Em uma conversa com
Lygia Fernandes diz que “a vida é bastante caótica, bastante imprevisível para ser
regida por um princípio filosófico, por mais alto e perfeito que seja”, e conclui:
Havia um humorista brasileiro, aliás, secundário, mas que durante um certo
tempo alcançou sucesso no Brasil. chamava-se Mendes Fradique. Era o autor de uma
História do Brasil pelo Método Confuso. Tenho a impressão que um mundo confuso pede
um método confuso. Talvez as pessoas se entendam melhor aderindo todas à confusão.[58]
O humor em Carlos Drummond
de Andrade foi ficando mais negro, mais implacável, na medida em que se intensificava
o diálogo com o mundo, em que se opunham experiências vitais, em que se decepcionava
com aspectos que interferiam tanto no biográfico quanto na visão de mundo. Ao publicar
Sentimento do mundo (1940), é novamente Mário de Andrade que lhe faz observação
valiosa:
O poeta não mudou, é o mesmo, mas as vicissitudes de sua vida, novos contatos
e contágios, novas experiências, lhe acrescentaram ao ser agressivo, revoltado,
acuado em seu individualismo irredutível, uma grandeza nova, o sofrimento pelos
homens, o sentimento do mundo.[59]
Uma vez mais a presença
da ambiguidade, onde mesmo a sátira ou a zombaria relutam em descrer completamente
no homem. Esta ambiguidade não pode ser jamais entendida como um sofisma, considerando
a blague típica do Modernismo. A obra de Drummond não se subordina em momento algum
aos tópicos manifestos do Modernismo, antes se apropria de alguns desses traços,
por sincera identificação, e lhes dá uma dimensão outra. Mário de Andrade foi seguramente
seu melhor leitor, embora o tenha acompanhado por bem pouco – morreu no mesmo ano
da publicação de A rosa do povo (1945) –, ao perceber que o dilema fundamental
de Drummond é que não conseguia transcender a si mesmo. Esta impossibilidade é a
raiz de uma das poéticas mais contundentes do século XX.
A obra de Carlos Drummond
de Andrade foi estraçalhada em fases com a única tentativa de melhor retê-la, uma
débil prerrogativa da crítica acadêmica em sua impossibilidade de compreender o
mundo em sua totalidade. Apontava-se um poeta ideólogo, outro de aprimorada artesania,
um com inclinação memorialística, o devotado a um Eros isolado do mundo etc. Tipificar
assim uma poética é como mostrar-se inapto a dialogar com ela, com os meandros da
escrita, incluindo os interlúdios e contradições que também a definem. Há uma parcela
da crítica que compartilha esse desdobrar em fases do poeta que não atenta para
o fato de que o biográfico evolui. No caso de Drummond, evolui trazendo consigo
a voragem de uma época bastante conturbada e as restrições do poeta a inúmeros aspectos,
dentre eles, na medida que o tempo avança, a rejeição à figuração que lhe queriam
impor, o que deixa claro ao dizer que
a maioria das pessoas que me consideram o maior poeta brasileiro não leu
o que escrevi! Ouviu falar. Como acham que fulano de tal é o maior craque do futebol,
o outro fulano é o maior compositor, o outro é o maior pintor, eu fiquei sento o
maior poeta por um julgamento que não é um julgamento literário: é uma opinião transmitida
socialmente, mas sem nenhuma ponderação crítica. Nunca me julguei nem julgo, e digo
mais: não sei qual é o maior poeta brasileiro de hoje nem de ontem. Para mim, não
há maiores poetas. Há poetas. E cada poeta é diferente dos outros. Se não for diferente
e se não transmitir uma forma particular e uma maneira especial de sentir, ver e
manifestar poesia, ele não é poeta.[60]
Talvez se pudesse pensar
em um sistema de fases abertas no tocante à poesia de Drummond, o emprego de um
conceito que não faz parte da crítica literária, mas sim da físico-química, onde
pormenores de fronteira dão passagem a outras investigações, experiências etc. Mesmo
assim, este seria um expediente científico, em violento contraste com um poeta que
esteve acima das vicissitudes de ocasião. Mesmo considerando pormenores temáticos
e estilísticos acrescentados a cada livro, não eram pontos excludentes que lhe antecediam
mas antes uma ampliação, o que é bastante comum em qualquer grande criador. Uma
vez mais frisar este aspecto é reflexo unicamente do um vício de estima da poesia
de Carlos Drummond de Andrade no Brasil, repetido à exaustão.
Recordemos, por último,
uma deliciosa ponderação de Drummond acerca do poema longo, de que foi um dos máximos
cultores no Brasil:
Confesso a você que tenho um certo fraco pelos poemas longos. Dizem – e eu
acredito – que o poema deve ser curto. A música deve ser curta, tudo deve ser curto
em arte para nos causar um impacto – e ficar a ressonância desse impacto na sensibilidade.
Por outro lado, o poema longo tem um aspecto tentador para um poeta: sustentar a
nota lírica ou a nota dramática por muito tempo. Você sabe que as tensões são rápidas,
as grandes emoções são profundas e velozes; depois, ficam o cansaço, a tristeza,
a melancolia, aquele fogo da paixão desapareceu. O poema longo oferece todas essas
dificuldades, a ponto de alguns dos meus poemas longos serem divididos em partes,
em blocos, porque a continuidade deles importaria uma certa monotonia. Eu subdivido
o poema.[61]
Parece aceitável extrapolar
e inferir que o poeta igualmente subdividiu a própria existência, inserindo o biográfico
na mesma e intensa relação de ressonância que separa o poema curto do longo. Para
ele, o grande desafio não foi propriamente viver ou escrever, mas sim sustentar
a nota – fusão plena do lírico com o dramático – de um eu retorcido, um eu sinceramente
comovido e que, no dizer de Paulo Rónai, “carregava consigo uma sentença de origem
desconhecida, que o condenava ao mesmo tempo à estranheza e a viver entre os homens”.[62]
*****
FLORIANO MARTINS (Brasil). Poeta
e ensaísta. Página ilustrada com obras de Vicente do Rego Monteiro (Brasil), artista
convidado desta edição.
*****
Agulha Revista de
Cultura
Número 106 | Janeiro
de 2018
editor geral | FLORIANO
MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente
| MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design
| FLORIANO MARTINS
revisão de textos
& difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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os artigos assinados
não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não
se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
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[1] Houaiss, Antonio.
“Introdução”. Prólogo de Reunião – 10 livros de poesia, Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1969.
[2] “O sobrevivente”,
de Alguma poesia (1930).
[3] Houaiss, Antonio. Ob. cit.
[4] Martins, Wilson. A literatura brasileira, vol. VI – O
modernismo, 3ª edição, atualizada. São Paulo: Cultrix, 1969.
[5] Junqueira, Ivan.
O signo e a sibila. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
[6] Junqueira, Ivan.
Ob. cit.
[7] Martins, Wilson. Ob. cit.
[8] Houaiss, Antonio. Ob. cit.
[9] Cançado, José
Maria. Os sapatos de Orfeu. Biografia de Carlos Drummond de Andrade. São
Paulo: Editora Página Aberta Ltda., 1993.
[10] Anotação de 12
de abril de 1945.
[11] Nesta mesma anotação
do diário diria: “Nunca pertencerei a um partido, isto eu já decidi. Resta o problema
da ação política em bases individualistas, como pretende a minha natureza.”
[12] Andrade, Carlos
Drummond de. Tempo vida poesia – confissões na rádio, 2ª edição. Rio de Janeiro:
Record, 1987. Nesta edição se reproduz a série de oito programas dominicais da PRA-2,
Rádio Ministério da Educação e Cultura, gravados em 1955. [CDA – TVP]
[13] Andrade, Carlos Drummond de. Ob. cit.
[14] Cervantes, Francisco. “Una conciencia a la busca de la vida pasada en limpio”, prólogo de Poemas.
México:
Premià, 1982.
[15] Lucas, Fábio.
O poeta e a mídia. CDA e João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Editora SENAC,
2003.
[16] Arrigucci Jr.,
Davi. “As pedras de Drummond”. Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar. Rascunho
# 30. Curitiba, outubro de 2002.
[17] Arrigucci Jr.,
Davi. Ob. cit
[18] Lucas, Fábio.
Ob. cit.
[19] Moraes Neto, Geneton.
O dossiê Drummond. São Paulo: Globo, 1994.
[20] Lucas, Fábio.
Ob. cit.
[21] Andrade, Carlos
Drummond de. “Apontamentos literários”. In: Passeios na ilha. Rio de Janeiro:
Ed. Simões, 1952. [CDA – PI]
[22] CDA – PI. Ob.
cit.
[23] CDA – PI. Ob.
cit.
[24] CDA – PI. Ob.
cit.
[25] Moura, Emílio.
“Cinquentenário do poeta CDA. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 26/10/52.
[26] Sampaio, Albino
Forjaz de. Palavras cínicas. Lisboa: Editores Santos & Vieira, 1916.
[27] Ferro, António.
Leviana. Lisboa: s/d, 1921.
[28] Andrade, Carlos
Drummond de. “Claros enigmas”. Entrevista concedida a Luiz Fernando Emediato. Caderno
2, de O Estado de S. Paulo. São Paulo, 15/08/87.
[29] Andrade, Carlos
Drummond de. “Satie”. In: A Revista # 3. Tipografia do Diário de Minas.
Belo Horizonte, janeiro de 1926.
[30] Andrade, Mário
de. Correspondência datada de 28/11/1928. In: A lição do amigo – Cartas de Mário
de Andrade a CDA. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.
[31] Andrade, Mário
de. Ob. cit.
[32] Houaiss, Antonio.
Ob. cit.
[33] Houaiss, Antonio.
Ob. cit. A referência feita por este crítico às “duas violas-de-bolso diz respeito
a dois dos livros que Drummond não incluiu em Reunião, volume que espelha
todo um programa poético ao concentrar 10 de seus livros publicados até então, e
cujo prefácio é do próprio Houaiss. Drummont então deixou de fora Viola de bolso
(1952), Viola de bolso novamente encordoada (1955), Versiprosa (1967)
e Boitempo & A falta que ama – estes dois editados conjuntamente em 1968.
Todos estes livros possuem um perfil “deliberadamente circunstancial”, embora não
estejam ausentes demais aspectos estilísticos e temáticos que definem a poética
de Carlos Drummond de Andrade. O poeta de Viola de bolso foi sempre avesso
à política literária com sua dieta de spots e declarações de conveniência,
e neste livro inclusive se declara “contra principalmente minha imagem” e, não sem
certa ironia, apela: “Não exijam prefácios e posfácios / ao ancião que mais fala
quando cala” (“Apelo aos meus dessemelhantes em favor da paz”).
[34] Resende, Otto
Lara. Depoimento prestado a Geneton Moraes Neto, em outubro de 1987, destinado ao
livro O dossiê Drummond. Ob. cit.
[35] Stegagno-Picchio,
Luciana. História da literatura brasileira, 2ª edição revista e ampliada.
Rio de Janeiro. Lacerda Editores/Academia Brasileira de Letras, 2004.
[36] Orovio, Helio.
Poesía brasileña siglo XX (antología). La Habana: Ediciones Casa de las Américas,
1986.
[37] Lucas, Fábio. Ob. cit.
[38] Verhesen, Fernando. Prólogo a Le chant de la conjuration.
Bélgica: Editions Le Cormier, 1972
[39] Re, Ana Maria del. Prólogo a Obra poética. Caracas:
Fundación Biblioteca Ayacucho, 1988.
[40] Sucre, Guillermo. La máscara, la transparencia.
Caracas: Monte Ávila Editores, 1975.
[41] Cuadra, Pablo Antonio. “El futuro de lo que viví o
soñé cuando escribía”. Entrevista concedida a Floriano Martins. In: Versos comunicantes
[org. José Ángel Leyva]. México: Ediciones Alforja, 2002.
[42] CDA. Ent. cit. [Luiz Fernando Emediato]
[43] Drummond recorda
este episódio em uma entrevista concedida a Edmilson Caminha, em 1984: “Neruda veio
ao Rio, por assim dizer, aos cuidados do Vinícius de Moraes, de quem eu gostava
muito. Almoçamos os três juntos, nós rimos, conversamos muito. Por sinal que o Neruda
não falava, o Neruda cochilava. Nesse calor do Rio ele ficava assim pesadão, gordo,
a gente falava, falava… Até então o jornal me havia poupado, tirara fotografias
minhas ao lado do Neruda e do Vinícius. Depois houve o rompimento formal e começaram
a me atacar, encheram a cabeça do Neruda de coisas, dizendo que eu era um terrível.
Foi então que Neruda deu uma entrevista altamente honrosa para mim, porque ele dizia
que a América tinha dois traidores: González Videla e Carlos Drummond de Andrade.”
[44] Alonso, Rodolfo.
Fragmento de um depoimento prestado ao organizador do presente volume. Buenos Aires,
junho de 2005.
[45] Bayley, Edgar.
Revista Poesía-Buenos Aires # 15. Ediciones Poesía-Buenos Aires, otoño de
1954.
[46] Lucas, Fábio.
Ob. cit.
[47] CDA – TVP. Ob.
cit.
[48] Andrade, Carlos
Drummond de. “Eu fui um homem qualquer”. Entrevista concedida a Zuenir Ventura.
Revista Veja. São Paulo, 19/11/80.
[49] CDA. Ent. cit.
[Zuenir Ventura]
[50] Andrade, Carlos
Drummond de. O observador no escritório. Rio de Janeiro: Record, 1985.
[51] Andrade, Carlos
Drummond de. Entrevista concedida a Edmilson Caminha. In: Palavra de escritor.
Brasília: Editora Thesaurus, 1995. [PE – 1984]
[52] Andrade, Carlos
Drummond de. Entrevista concedida a Gilberto Mansur. Revista Status # 120.
São Paulo, julho de 1984.
[53] CDA. Ent. cit.
[Luiz Fernando Emediato]
[54] CDA. Ent. cit. [Geneton Moraes Neto]
[55] “Verbos”, de Farewell
[obra póstuma]. Rio de Janeiro: Record, 2002.
[56] Andrade, Mário
de. Correspondência datada de 01/07/1930. Ob. cit. Era comum no Brasil tratar o
termo surrealismo por sobrerrealismo. É interessante a maneira como Mário
detecta um processo de “explosões sucessivas” nesta poesia: “Dentro de cada poema
as estrofes, às vezes os versos são explosões isoladas. A sensibilidade profunda,
o golpe de inteligência, a queda da timidez físico-psíquica (desculpe) se intersecionam,
aos pulos, às explosões.” Isto evidentemente não faz de Drummond um poeta surrealista,
de modo algum. O que se percebe é que não era alheio ao que se passava à sua volta,
a despeito do desinteresse apontado por João Cabral, e – sobretudo – que era possuidor
– um possuidor eternamente possuído – de uma voz própria desde um primeiro momento,
caso raro, jamais disposta a se submeter sequer a si mesma.
[57] Chamie, Mário.
“Ptyx”, ensaio incluído em A linguagem virtual. São Paulo: Quíron, 1976.
[58] Trecho de gravação
de diálogos entre CDA e Lygia Fernandes, gentilmente cedido por esta a Geneton Moraes
Neto. Ob. cit.
[59] Andrade, Mário
de. Correspondência datada de15/08/42. Ob. cit.
[60] CDA. Ent. cit.
[Geneton Moraes Neto]
[61] Diálogos CDA –
Lygia Fernandes. Ob. cit.
[62] Cançado, José
Maria. Ob. cit.
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