Escrito em 1987, Aorigem Diágora ficou vinte e
cinco anos em silêncio, até ser publicada em 2012. Primeiro livro de poesia escrito
por Jota Medeiros, corrobora a visão de uma poesia mais próxima das artes plásticas
e da música do que da literatura. No entanto, é importante destacar que o poeta
não se vale da proposição de uma poesia sem versos, como se poderia esperar de um
artista adepto da Poesia-Visual. Ao contrário, a concepção de uma estrutura fragmentada
que caracteriza esse livro/poema – mesmo valorizando uma organização metamórfica
da matéria poética –, não dispensará para sua realização o valor encantatório das
palavras.
Uma das primeiras
questões importantes que saltam aos olhos do leitor é a relação íntima e profunda
entre forma e conteúdo, significante e significado, corpo e alma do poema. E se
é verdade que podemos dizer isso de todo e qualquer bom texto poético, é certo que
com maior ênfase dizemos de alguns. Também relevante é a dialética que percorre
todo o poema, colocando toda forma e todo sentido possível num movimento análogo
ao da respiração. Todo o poema revela um movimento de contração e expansão, imanência
e transcendência.
Jota Medeiros
cria uma sintaxe que extrapola o uso discursivo e avança pelo espaço das páginas
valorizando o vazio, atomizando o texto e, mais que isso, as próprias palavras,
criando imagens fragmentadas, ora dobradas, ora desdobradas. As palavras
estão em movimento contínuo: partem-se, misturam-se, multiplicam-se, cruzam-se em
todo o poema, e assim deixam de ser simples palavras para converterem-se em verdadeiras
constelações semânticas.
Se é necessário dizer que na obra se desdobram as imagens
em uma espécie de estado de delírio poético (êxtase), mais importante é perceber
que o poeta não se entrega passivamente a essa inspiração, sobretudo por equacionar
bem sua intuição com um labor artesanal de altíssima consciência estética. Segundo
o próprio Jota Medeiros, o texto foi-lhe ditado por seu outro EU, num processo
intuitivo e espontâneo, realizado através de uma matemática inspirada, termo
caro ao poeta Ezra Pound.
Na composição
da obra, o poeta se utiliza dos recursos mais diversos, com isso permitindo que
o leitor tenha experiências também as mais diversas. Além dos efeitos verbovocovisuais
e das relações simbólicas que trataremos de maneira sucinta nesta leitura, é interessante
notar que o poeta faz uso das mais variadas ferramentas verbais da linguagem poética,
tais como: o ritmo dissonante, as figuras de efeito sonoro, o enjambement,
o paralelismo, etc. Tudo isso utilizado de maneira notadamente exemplar. O poema
dispõe ainda de um amplo diálogo intertextual com as mais diversas vozes poéticas
(Homero, a Bíblia, Mallarmé, Huidobro, Khlebnikov, Joyce, Drummond, entre outros).
Sem contar com as personalidades artísticas mencionadas ou lembradas (Martinu, Mishima,
Glauber Rocha, etc.).
Das várias experiências
que a obra proporciona, comecemos pelo deleite visual. Um simples passeio pelas
folhas do livro, por exemplo, sem que se leia ainda o que está escrito, proporciona
a visualização de formas como colunas, retas, cruzes, círculos, triângulos, linhas,
pontos, tudo se erguendo, ora despencando. Essas formas se espelham e se redobram
no texto. Assim, a estrutura do poema lembra, em sua autossimilaridade e fragmentação,
formas fractais, que se caracterizam pela repetição de determinados padrões e se
ordenam a partir de procedimentos simples, desenvolvendo-se em formas mais complexas.
Quando partimos para a leitura, percebemos que os mesmos processos de fragmentação
e autossimilaridade acontecem no texto e seus múltiplos sentidos.
Tudo parece apontar
para o caos, mas aponta para uma ordem anterior. Nesse sentido, logo surgem imagens
sutis de elementos familiares à linguagem esotérica, tais como: a árvore da vida,
a luz azul e a lilás, a rosa, o sol e a lua, o silêncio. Ainda nessa perspectiva,
parece haver como fundamento de tudo uma espécie de existência negativa, sugerida
tanto pela busca do silêncio, como, cabalisticamente falando, pelos reflexos da
criação, fragmentados como o poema. O poeta evoca um princípio, uma luz, um infinito
movimento primordial, o silêncio. E se os encontra, não é menos verdade que encontra
também a inquietude da mente, as inquietações do artista, de âmbito cósmico e espiritual.
Indagar qual
o sentido de Aorigem Diágora não será demais, caso o leitor não espere encontrar
uma resposta única e definitiva: a alta poesia é sempre plurissignificativa e enigmática.
Portanto, sua compreensão lógica é certamente o que menos importa. Assim, à medida
que indagamos seus sentidos, nos deparamos com múltiplos caminhos que podemos traçar
na(s) leitura(s). O poema em si não conduz o leitor a lugares definidos, mas sugere
um passeio pelo mar aberto da linguagem, com visitas a pequenas ilhas mágicas (ilhas
de palavras e de letras), nas quais nunca conse poeta mostra não como voltar ao
centro, mas que não há centro, há uma elipse, um eterno retorno – nunca o mesmo
em sua essência.
O título do livro
já nos põe em um oscilante ambiente semântico, pois se aorigem quer dizer
o obvio a origem, diz mais se lermos o a junto à palavraorigem,
não como artigo, mas como prefixo de negação, ou seja: não-origem. Esta,
ao remeter-nos a uma existência negativa, curiosamente nos leva a
pensar que, se o verbo é a origem, o princípio – ao menos no imaginário ocidental
cristão –, o silêncio deva ser, portanto, o estado anterior ao princípio, ao verbo,
à palavra. Nesse caso, paradoxalmente, pode-se pensar o silêncio como princípio
gerador: o silêncio é o ventre do verbo. E, ainda nas raízes do imaginário ocidental,
podemos nos aproximar da origem para os gregos, o caos – o vasto abismo insondável
–, e aplicando o mesmo raciocínio da negação prefixada ao substantivo, nos deparamos
com o não-caos, ou uma ordem anterior a tudo.
Completando o
título do livro, Diágora remete à praça grega (ágora) – espaço público por
excelência, símbolo da polis e da democracia – ou simplesmente a preposição
e o advérbio: de agora. Levando a pensar tanto na origem, como na
não-origem de agora ou de Ágora. O ímpeto inicial do poema é a vogal
aberta a, que aparece com tonalidade clara, porém, crepuscular, azul,
lilás. O Alfa, o princípio, mas também a negativa desse princípio,
e a negativa do caos, de onde tudo surgirá. O poema segue com o segmento aor
isolado no centro da página, fazendo lembrar aur, que na cabala é a “luz
sem limites”, e ainda, segundo Papus, em seu Tratado de Ciências Ocultas, é também
a primeira sílaba de uma variante de origem hebraica do nome de Orfeu - Aurofe
(aur = luz / rofe = aquele que ensina).
Em seguida, o
texto completa a palavra inicial [aorigem], uma das chaves do poema, com as partes
separadas, cada uma em uma página – i e gem. O poeta já indica ao
leitor que o movimento será em um ambiente fraturado, e que o silêncio e os espaços
vazios são de suma importância. No fragmento seguinte, surge uma ideia de
infinito no movimento da luz e na luz do movimento, e no eco da última letra da
própria palavra infinito. Por outro lado, o poema parece se dissolver e encerrar-se
justamente como esse eco. Mas, segue pela luzazul espelhada no palíndromo
da página seguinte.
Interessante
perceber que, assim como no título, em todo o poema se perfaz um dinamismo de forças
complementares, dialéticas, em disposições aparentemente caóticas, como por exemplo,
nas cores do xadrez fragmentado, equivalentes yin e yang, que são mediados por rosas.
a o r d e m
a o r
d e m
a
o r
d e
m
a r
m
o
r e
x d z
e
r
o
s
a
s
Mais ainda, percebemos
no fragmento acima a relação entre o verbal, o visual e o sonoro. Neste último aspecto,
Aorigem Diágora não é para ser lida apenas em silêncio, e poderá seguir o
texto como uma partitura. Com a liberdade de interpretar, partindo de uma leitura
que reúna os segmentos, ou mantendo a fragmentação. No segundo caso – que preferimos
e reconhecemos a dificuldade –, ao final da leitura surge o fonema /S / sugerindo
uma das buscas desta Aorigem: o silêncio. Já a espacialização diagramática
desse fragmento se assemelha à imagem da árvore cabalística da vida. Enquanto os
sentidos podem ser buscados numa interpretação simbólica das palavras. Assim, o
poema parece partir de um estado anterior à ordem: uma não-ordem, em seguida
aponta para uma luz (aur). Depois, desorganiza os elementos e, como fora dito no
parágrafo anterior, sugere forças complementares mediadas por rosas que,
simbolicamente falando, representam o coração e, entre outras coisas, o renascimento
místico. Em certos ritos de iniciação, o neófito passa por uma espécie de portal,
no qual cada lado representa uma das forças opostas da vida. O poeta, iniciado,
atravessa, abraça e concilia essas forças.
Salientando ainda
as relações entre o que o poema diz e como diz, temos no excerto transcrito
abaixo, o sol em linha vertical e a luna no horizonte, lembrando uma
cruz que, entre outras coisas, é símbolo da forma.
o
sol
verti
cal
alunano
rizon
tis
Permeado por
uma mística subjetiva e antropofágica, esse livro de Jota Medeiros condensa conteúdos
de diversas instâncias do conhecimento. O poeta cria um cosmo, e como uma espécie
de demiurgo, fá-lo dançar em movimentos inesperados, anunciando, entre outras coisas,
a noite na luz:
[…] night
sea
é ter blues
in the light
la lunadormecida
nasce,
sob o signo
do
tropos, […]
Há mesmo um processo
de justaposição e condensação no poema. Inclusive, ao misturar diversos idiomas,
Jota Medeiros instala em sua obra não uma Babel, porém um não-espaço onde as línguas
e culturas se comunicam.
Em Aorigem
Diágora as palavras perdem o sentido comum, e junto dessa perda, dá-se um novo
contato com as coisas. Surge assim um sabor de relações desconhecidas, através de
uma linguagem-outra, capaz de também fazer surgir o silêncio que está no
fundamento de tudo. No poema há diversos temas e o leitor deve acompanhar os deslocamentos
temáticos como umbrevinauta, preparado para um caminho labiríntico. Dos temas mais relevantes, um que se destaca,
conforme viemos dizendo, é certamente o silêncio. Nesse sentido, é importante perceber
as relações que a obra estabelece com o pensamento da tradição oriental (tais como
Upanishads, Vedas, Zen) que tem a busca do silêncio como prática essencial.
Sendo assim,
com os ouvidos atentos escutaremos os movimentos de um canto ora mântrico, ora dissonante,
através do qual o poeta revela, ao mesmo tempo em que vela, algo como esse estado
anterior à linguagem: o silêncio. O antes das coisas, mas embrião do mundo. Esse
silêncio que não é o de quem nada tem a dizer, mas ao contrário, manifesta-se com
o desdobramento do artista que, inquieto, talha, esmerila, pule a tagarelice do
seu tempo, comunicando o incognoscível.
o
s ‘ l
^
n
s
‘
____________________
l
A apresentação
do silêncio acontece em um lance mallarmeano. O jogo de dados que o artista
propõe é, ao menos em certa medida, não um lance de um prestidigitador, mas um lance
de bruxo ou de um mago das palavras. O lance sutil é o próprio silêncio, ou nele
está contido:
s
u
til
an ce
____________________
u
m
l a n c e
s u b t i
l
É também o silêncio
profético das sibilas, metamorfoseadas em ilhas. Sibilhas que não são apenas
apolíneas, mas, sobretudo, são também aqui dionisíacas. A profecia sibilina é como
uma voz na América, esse novo mundo que nasceu com a chegada da morte, com
o crepúsculo dos índios. Um mundo de horror, um oásis de horror. Em Aorigem
Diágora transparecem nuances históricas que revelam a falência do projeto humano
de civilização. Uma humanidade amarga e amargurada, sórdida,
que não vê Hermes – deus da fertilidade, dos rebanhos, da magia, da divinação –
pois ele foi roído pelos vermes:
[…]
carcomidos
por
vermis
ermi
s
´
O silêncio como
busca do poeta – busca paradoxal por natureza –, em uma humanidade fadada à tagarelice,
que tem como histórico psicológico uma insondável diáspora interior. Silêncio de
poeta a ver que as pedras que atravessam nosso caminho, não estão
nessa existência, mas em uma anterior, e fez-nos perder a unidade, lançando-nos
numa vida de erros. Essa pedra era um fruto e estava no meio do caminho.
Mas o poema não se entrega a explicações tão evidentes e confunde o leitor ao apresentar
tal pedra, tal fruto do erro e do pecado como coisa sã, assim revelando a
natureza dúbia do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal:
[…]
uma
s
ã
num
eio
d
‘
cam
i
nho
Logo percebemos
que tudo no poema está em metamorfose, não é diferente com o silêncio que, em um
novo lance, pode saltar do ambiente trágico ou obscuro e tornar-se o silêncio
de quem se lança em um jogo sutil, irônico, desconcertante:
[…]
si não
dar mais pra rir
do
sil
do
si
LANCE…
Conquistado o
silêncio, ou degustado o silêncio, o poema caminha para o uso de ruídos sutis.
O silêncio é vertido em vertigem, devaneio aparentemente caótico, que mistura contemplações
de paisagens interiores densas e superpostas como esta:
a
névoa
voa
no
vór
ti
cís
mi
co
[…]
O poeta conduzirá
o leitor, por todo o poema, nesse ambiente em perpétuo movimento. O poema canta
e dança simultaneamente:
[…]
pelo sismo,
ver
ti GEM
var GEM
vinACRE
ventosopram
os ares
[…]
Os versos acima
parecem ter sido abalados por um sismo provocador de vertigens e anunciador de dissabores.
Confirma-se aqui que o corpo do texto poético revela seu espírito. Corpoespírito,
complementares, assim como o espaçotempo.
As paisagens
vão mudando. E passam de paisagens contemplativas a momentos fragmentados de amarguras
e absurdos irremediáveis da existência. Abrem-se fissuras em abismos para logo se
juntarem em um movimento contínuo de ir e vir.
Há também passagens
em que o indivíduo perde-se, e tende a evadir-se de si mesmo para fundir-se com
o outro: “temencontrei só”; “voceu”; “time perseguem”. Aqui lembramos a experiência
mística e poética de se reconhecer outro. Como o “Eu é um outro” de
Rimbaud, ou os outros de Pessoa, por exemplo.
Agora, se uma
origem não é mais possível, ou nunca foi possível, para o poeta o não-lugar e
a não-origem são seu espaçotempo. Nesse espaçotempo a metamorfose é fenômeno
constante e princípio básico da existência. Exemplo disso no poema é o percurso
cíclico da ave que se transforma em árvore, representação da criação e da vida,
e que em seguida passa a ser ninho e o próprio ovo. Veja-se ainda que a força vital
que perpassa ciclicamente a vida ergue-se também em coluna, viril e ereta, representando
a força erótica:
a
ave
vér
teb
r’a
ver
ă
rvo
re´
rót
ica
mi’
nhã
u
n
inh
o
A progressão
estética de Aorigem Diágora se dá como o relâmpago cabalístico, que visualmente
falando, ora ziguezagueia, ora ergue-se como coluna, ora voa como alas abertas num
movimento em cruz. Aqui, Medeiros sonda o verso, a palavra, a letra. É assim que
parece buscar essências em tempos de superficialidade e simulacro. Mas essas essências
aparecem como feixes de luz que mudam suas cores, ou simplesmente como névoas. A
controversa origem do Ser dá-se em uma não-origem (aorigem), e não apenas
em um lugar, mas em lugares superpostos, simultâneos. A Ágora está na veloz cidade
que é Ítaca, migmar, Paris, El Doirado? Todas e nenhuma, mas certamente em
outro lado.
Vale salientar
que essa leitura é uma ponta do iceberg do poema que se desdobra e não permite
uma interpretação única. Porquanto, caso
o leitor procure um entendimento profundo e metafísico, e já não o tenha em si,
provavelmente encontrará um efeito metasísifo, a comprovar os versos – depois
das mais astutas peripécias (até mesmo a de enganar a morte?) – despencando por
sobre si:
[…]
sede senlaçam
sob/re
os luares
metasísifos
destes
verbuns
Que o poeta seja
um demiurgo em tempos sem deuses! Que execute com sua força e criatividade um novo
cosmo, anárquico e autêntico: eis o grande desafio, sempre antagônico em relação
ao mundo comum – tão carente que é de autonomia individual. Esse mundo continua
sendo hostil à poesia. Por isso, é também como resistência e provocação que o poeta
– locomotiva descarrilhada em direção à luz – pronuncia seu canto dissonante, seu
mantra polifônico, filtrando o ruído do mundo, desenhando sua busca do silêncio:
trem’
luz
plum’
argemmm
mmmmmmm
mmmmmmmmmm
mmmmmmmmmmmmm
mmmmmmmmmmmmmmmm
mmmmmmmmmmmmmmmmmmm
mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm
[R.B.S.] Primavera
de 2013
ENTREVISTA COM JOTA MEDEIROS
Jota Medeiros é artista multimídia, poeta, compositor,
crítico de arte, curador, editor e coordenador do Museu Abraham Palatnik do NAC/UFRN.
Nascido em João Pessoa-PB em 1958, reside em Natal-RN desde 1967. Figura emblemática
da vanguarda potiguar, é um dos poetas visuais mais importantes do Brasil e atuou
intensamente no final da década de setenta e durante a década de oitenta como um
dos ícones da Arte-Postal. Autor dos livros Progressão (Stempelplates, 1978),
Geração Alternativa – Antilogia Poética Potiguar (Amarela edições, 1997),
Na tal Futurista – um breve panorama sincrônico das artes visuais norte-rio-grandenses
(Sebo vermelho, 2011), Jota Medeiros também escreveu os livros de poemas
Aorigem Diágora (Sol Negro, 2012),MarAlter (inédito) e Iubilate
Deo (Sol Negro, 2012). Na entrevista que segue, o artista nos contará
um pouco sobre seu livro Aorigem Diágora e sua Poesia Visual. (R. B.)
R. B.: Aorigem Diágora foi escrito em 1987. Nesse mesmo ano, ganhou
o 1º lugar no Prêmio Auta de Souza.
Por que esperou tanto tempo para publicá-lo?
J. M.: “Le silence
est d’or” (Saint Jean Crysostome). Pela falta de recursos e/ou de um editor… ou
até de iniciativa própria…
R. B.: Qual era o
clima poético do momento (em Natal-RN e fora)?
J. M.: O clima poético era efervescente. Havia “O
Galo”, jornal literário da Fundação José Augusto sob a editoria da poeta Marize
Castro, do qual eu fui assessor especial. Lá fora, publicações alternativas, suplementos
literários, zines e afins.
R. B.: Que leituras
você empreendia na época?
J. M.: As mais diversas: James
Joyce, poetas como Corbière, os provençais, Maiakovski, Mallarmé, Pound (re-leituras).
Cummings & etc. Relia também os concretos e os antropófagos; & Kilkerry,
Sousândrade, entre outros…
R. B.: Há no livro
relações com ocultismo? Em caso afirmativo, quais são elas?
J. M.: Há relações hieráticas, formais como a Cabala
(intuitivamente), com os Vedas, os Upanishads, o Tao e o Zen…
R. B. : Havia algum
interesse especial ao conceber Aorigem?
E ao publicá-lo?
J. M.: A concepção da cena d’aorigem foi automática
em sua origem e/ou percurso. A meu ver, foi ditada pelo meu OUTRO: EU, in(consciente)
psíquico plasmado, uma espécie de “matemática inspirada” no dizer de Pound.
R. B.: Aorigem Diágora é poesia visual?
J. M.: Toda poesia é visual! “Aorigem” está no limiar
de uma perspectiva concreta-icônico-simbólica e/ou intersemiótica… “simplesmente
poesia como eu necessito”, como disse Cage.
R. B.: No livro Uma história da poesia brasileira, Alexei
Bueno não incluiu a poesia dos concretistas, afirmando que esta não é arte verbal,
mas arte visual. O que acha dessa perspectiva dada à Poesia Visual?
J. M.: Acho a concepção
de Alexei Bueno limitada, porém respeito como uma concepção pessoal. Hoje vivenciamos
uma poética intersemiótica, uma poesia “intersignos”.
R. B.: Podemos dizer
que há em Natal uma tradição inscrita como Poesia Visual? Ela se mantém?
J. M.: Há uma tradição no “Rio Noigandres
do Norte”, no dizer do poeta Jarbas Martins, de Poesia Visual em trânsito, por outro
lado, uma vocação futurista, desde o discurso premonitório de Manoel Dantas “Natal
daqui há cinquenta anos” conferência realizada em 21 de março de 1909, marco zero,
no mesmo ano de lançamento no Brasil do Manifesto Futurista de Marinetti, em Natal,
no Jornal “A República”. Em 1927, o performático poeta moderno Jorge Fernandes lança
o seu “Livro de Poemas”, onde a expressão “suspensa” configura caligramaticamente
uma rede no poema homônimo, perpassa o grupo Dés de poetas concretos, em 1966, e o lançamento da Poesia concreta no RN,
culminando com o movimento de Poesia Visual e Factual, o Poema-Processo, destacando
os nomes de Moacy Cirne, Falves Silva, Anchieta Fernandes e Dailor Varela, entre
outros, e nos anos 1970/1980 o movimento internacional de Arte-Correio do qual fiz
parte, juntamente com Falves Silva e Avelino Araújo.
R. B.: Na época da
publicação de Aorigem Diágora, o
que você estava produzindo nos outros campos da arte?
J. M.: Poesia Visual, pintura, desenho, arte gráfica,
textos…
R. B.: Como se deu
o processo criativo de Aorigem Diágora?
J. M.: O processo criativo parte de uma automação psíquica
e se desenvolve de forma trans/racional, ou seja, “O lance de dados…” semiológicos“…jamais
abolirá o acaso”.
R. B.: Diga-nos sobre
sua identificação e envolvimento com o Poema/Processo e com a Arte/Correio… sua
arte sempre manteve uma relação estreita com as vanguardas? Como se deu essa aproximação?
J. M. : Sempre na expectativa de
realizar algo novo, na perspectiva do “pós-tudo” do “mais novo novo”, como diria
Augusto de Campos.
R. B.: Parece possível
pensar na obra Aorigem Diágora como
uma manifestação entusiasta do acaso, como foi com os dadaístas e os surrealistas,
por exemplo. Por outro lado, é perceptivelmente significativa a preocupação com
a forma e a sonoridade, como nos poetas formalistas. Há uma síntese? Como vê essa
questão?
J. M.: Como uma “síntese”, diáspora… formal & tematicamente.
R. B.: Diante de
tudo que já foi feito no campo da arte poética, acha possível o surgimento de vozes
autênticas e inovadoras? Vivemos o tempo das infinitas combinações, e nisso consiste
o novo, ou o tempo das infinitas repetições, e com isso, há um desgaste do ‘fator
surpresa’ da arte poética e talvez das artes em geral? Ou…?
J. M.: “Tudo está em tudo”, já dizia o filósofo grego
Anaxágoras. Nos anos 1960 se falava de “nem bom nem ruim”, hoje podemos afirmar
bom ou ruim, porém “tudo está em tudo” & “não há nada
de novo sob o sol”, a cada segundo há uma revolução cibernético-anárquica do hoje
comunicacional informacional, ou como previra Andy Warhol, “no futuro todos serão
artistas por 15 minutos”.
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Agulha Revista de Cultura
Número 111 | Abril de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO
| FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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