sábado, 22 de novembro de 2014

THOMAS RAIN CROWE | New Native Press: marginalizando o senso comum






Em 1979, fui-me embora do norte da Califórnia, onde adquiri minha experiência literária como editor/publisher das revistas Beatitude e Beatitude Press(uma das primeiras revistas a publicar os poetas Beat nos anos 1950), e voltei para as montanhas da Carolina do Norte dos meus tempos de garoto com a ideia de começar algo sobre a tradição literária biorregional aqui, numa região que era geralmente considerada “o fim do mundo” da paisagem literária americana. Tendo, na Califórnia, estado no epicentro da um movimento de crescimento rápido Biorregional/Verdes enquanto na companhia de alguns de seus fundadores, como Gary Snyder, Peter Berg, Lawrence Ferlinghetti e Michael McClure, parecia apenas natural que a marca de meu primeiro empreendimento de publicação deveria ser “Imprensa Neonativa” [New Native Press] – um amálgama de biorregionalismo e os Beats.
De acordo com a visão re-habitatória, localmente específica, e não centrista de biorregionalismo, as primeiras coisas impressas sob a marca New Native Press foram edições limitadas em formato de jornal de finas artes feitas por poetas e artistas visuais daqui das montanhas Appalachians do sul. Esses jornais foram feitos conforme o tempo e o dinheiro disponíveis o permitiram, até que, vários anos mais tarde, eu me vi trabalhando como jornalista para uma pequena firma local de jornalismo e gráfica. Eu consegui estabelecer um acordo com o gerente da gráfica, permitindo-me usar as impressoras, papel, e outros maquinários a preço de custo para imprimir meu próprio trabalho, paralelamente ao meu trabalho principal. Eu comecei desenhando, diagramando, imprimindo e encadernando livretos de poesia nesse período – que foi no final dos anos 1980. Eu era, literalmente, uma operação de impressão e publicação de um homem só, executando todas as fases e aspectos do processo de publicação, da seleção e edição de manuscritos à encadernação e distribuição dos livros acabados. Olhando em retrospecto, agora, eu diria que aquilo foi a minha realização como publisher, já que eu adorava fazer, fisicamente, todos os aspectos da confecção de livros, de A a Z.
Naqueles dias, eu publicava não só escritores locais e regionais, mas traduções de poetas do exterior – dando à New Native Press uma identidade “pense global e atue localmente” que, se nada mais fosse, era única. Mas após alguns anos imprimindo e publicando pequenos livros de qualidade costurados à mão, e depois de ter sido despedido do meu emprego na firma de jornalismo e gráfica, decidi fazer a incursão decisiva no mundo do mercado dos livros perfeitamente confeccionados, de massa. Aquela pareceu a coisa certa a fazer, com toda a minha experiência anterior em publicação e livros e revistas. Mas eu iria ficar muito chocado quando iniciei um estudo de mercado e demográfico para a indústria editorial aqui nos EUA, quando rapidamente descobri que não havia realmente nenhum mercado substancial ou autossustentável para absorver livros de poesia. Eu acho que os números da época indicavam haver um público-alvo potencial de apenas cerca de 16.000 pessoas. Gente que de fato regularmente compra livros de poesia. Este é um porcentual muito pequeno do total do público comprador e leitor – menos de um décimo de um por cento. Nenhum grande alvo para quem tentava viver de uma pequena operação de impressão de livros de versos. Mas, apesar dos contras, eu estava decidido, e segui então adiante em minha empreitada de estabelecer a New Native Press como uma editora confiável, de poesia não acadêmica de qualidade, genuína.
Trinta anos depois, ainda estou nela. Só Deus sabe como eu consegui me manter à tona no altamente competitivo mercado aqui dos EUA, mas a providência e a persistência são o que move esta imprensa, e o que gerou o sucesso de livros como Against Information, um livro poético levemente satírico sobre a chamada Superautoestrada da Informação, e Writing the Wind – uma antologia de poetas contemporâneos de língua celta.
New Directions, de James Laughlin, foi sempre um modelo de publicação para mim, e eu sempre estive interessado nos aspectos internacionais do mundo literário. Quando fui editor de Beatitude, em São Francisco, os números que eu editei continham muitas traduções – russo, espanhol, francês, alemão, italiano… Então, isto está presente em minha obra como publisher. Até hoje, a New Native Press publicou trabalhos de autores da França, Hungria, Irlanda, Escócia, País de Gales e Índia, além dos americanos. Todo esse interesse pela literatura contemporânea internacional culminou na publicação, em 1998, da antologia em linguagem celta Writing The Wind: A Celtic Resurgence (The New Celtic Poetry) – um livro que levou mais de três anos para ser concluído, tempo durante o qual eu conheci vários dos poetas que figurariam no livro, e por isso minhas ligações com o mundo da literatura celta e suas várias tradições se deram não só no âmbito da informação, mas também da intimidade. Eu passei a enxergar o rico conteúdo de talento e tradições daqueles escritores tão desconhecidos do mundo, assim como os tipos de lutas e dificuldades que esse tipo de isolamento apresentava, artisticamente, bem como psicológica e culturalmente. E foi, provavelmente, durante conversas com tais poetas ativistas linguísticos como Bobi Jones, em Aberystwyth, no País de Gales, e Aonghus MacNeacail na Ilha de Skye, na Escócia, e Michael Davitt, em Dublin, na Irlanda – todos os quais eu conheci em duas viagens que fiz ao Reino Unido e Irlanda durante os anos em que eu estava trabalhando no livro – que as sementes da minha decisão final de tornar a New Native Press uma editora exclusiva do trabalho de escritores que escrevem em línguas marginalizadas ou ameaçadas foram plantadas. Estes poetas não só me ensinaram sobre a riqueza de suas respectivas e duradouras tradições literárias, mas me fascinaram com seus talentos individuais – aumentando meu entusiasmo e a ideia de que era absolutamente essencial que um tal abrangente livro multilíngue seja criado para preencher um enorme vazio no cânone literário internacional.
Após publicar Writing the Wind, eu me afastei por alguns anos da publicação de livros para trabalhar em minha própria escrita e viajar um pouco. Durante este período, eu tive a oportunidade de me permitir outras correspondências, mas extensas, com esses poetas ativistas linguísticos, e outros, e de realmente pensar profundamente a respeito das implicações do que deve significar escrever em culturas nas quais a quantidade de leitores está caindo drasticamente, e onde a língua, para o mundo exterior, é considerada “morta.” Durante este período, eu fui, por acaso, recebendo manuscritos de todo o mundo, inclusive de um poeta Americano nativo do Alasca e de um tradutor de poesia na língua Marathi, em Bombaim, Índia. Foi então que a ideia de que a NEW NATIVE PRESS deveria se tornar um veículo, embora pequeno, para a voz dos escritores sem franquia de qualquer parte do mundo se cristalizou para mim.
Tornando-me um campeão para escritores de idiomas marginalizados, eu também acabei por descobrir um nicho exclusivo para a imprensa – um feito nada desprezível quando a indústria estava enfrentando uma enorme redução de leitores de livros, e especialmente de literatura refinada. Com esta epifania, eu comecei a contatar os diretórios de escritores e publishers que haviam veiculado anúncios descritivos para a New Native Press, e mudei a cláusula de propósitos para ficar de acordo com a nova agenda – tornando-me, instantaneamente, a única editora de que se tinha notícia dedicada exclusivamente à publicação, em tradução, de escritores que escreviam em línguas marginais de suas próprias culturas. O objetivo da editora, com essa mudança de direção, tornou-se duplo: apresentar aos leitores, em idioma inglês, interessantes vozes internacionais e dar aos chamados escritores “marginalizados” (e, especialmente, aos escritores ativistas linguísticos) uma tribuna maior para seu discurso e uma plateia muito mais diversificada.
Quando perguntado, atualmente, sobre o apelido da editora e como ele se refere a ser um editor exclusivo de escritores em risco de extinção, eu respondo dizendo que eu apenas tive a noção do que significa ser um “novo nativo” projetada em um universo maior. Como editor, eu abranjo o planeta todo como minha “biorregião”, identificando muitas línguas marginalizadas e culturas como sendo tão importantes, em diversidade, quanto as línguas e culturas mais proeminentes, mundialmente. Portanto, nesse sentido, minha visão como organizador do local em que vivo não mudou na essência, apenas em escala.
Até agora, a New Native Press trabalhou com um poeta índio nativo Americano do Alasca que está, sozinho, tentando salvar a linguagem Ahtna de seu povo; poetas que escrevem na língua celta: galês, bretão, Manx (da Ilha de Man), Cornish (de Cornwall), escocês, gaélico e irlandês; um poeta geórdio nativo da região de Newcastle-on-Tyne, no norte da Inglaterra; e um tradutor de Bombaim que traduziu a obra dos poetas mais proeminentes daqueles países no século passado, que escreve na língua Marathi. Este início é indicativo da natureza diversa, bem como da escala de visão da imprensa, pois eu acredito que o mundo no qual vivemos hoje é, na verdade, uma aldeia global, e nós devemos ter ciência dos apuros e perigos que correm aqueles que estão muito distantes de nós, já que o que fazemos localmente tem implicações globais. Ideologias e práticas culturais, ambientais, industriais e políticas não existem mais como vácuos idealizados como acontecia cem, ou mesmo cinquenta anos atrás.
A “biorregião” da New Native Press é, agora, planetária. Alguém que cuida de todas as línguas e culturas, não importa quão marginalizadas ou remotas, pois eu acredito que o mundo, e a vida vivida neste mundo, é tão rica quanto a quantidade de diversidade que há nele. Ajudar a preservação de línguas e culturas é, reconhecidamente, algo egoísta de minha parte, já que eu pessoalmente não quero vive nem em um mundo que se tornou monocultural, desequilibrado e míope, como eu não desejo viver em um mundo em que não haja baleias e elefantes. Esta, então, é a minha crença quando eu trabalho regionalmente, aqui na minha cidade natal na Carolina do Norte pela preservação do dialeto Southern Mountain que era falado pelos meus ancestrais escoceses-irlandeses, e pela preservação da língua “Tsalagi” falada aqui durante séculos pelos meus vizinhos índios Cherokee. Nesse sentido a declaração de propósitos da New Native Press é política no sentido de que eu acredito que a linguagem de alguém é sua política primária. Como o idioma está no coração de qualquer cultura, para a cultura na qual vivemos, também deve estar a sua linguagem. Os poetas ativistas linguísticos publicados pela New Native Press amam seus idiomas e sua herança cultural. Empregando seu ou sua linguagem indígena como primeiro idioma, em vez de escrever na língua de seus colonizadores, cada um desses escritores está fazendo uma forte declaração pública.


No momento, e em grande parte como resultado da antologia celta, a New Native Press tem distribuidores em cinco países, além dos inúmeros vendedores que lidam como os livros da editora aqui nos EUA. Isso tudo deu a New Native Press maior visibilidade e o reconhecimento de seu nome, aqui e no exterior, que, nós esperamos, irá beneficiar nossos livros de “línguas marginalizadas” e os poetas e tradutores que eles representam. Nós também esperamos que novos leitores sejam atraídos para nossos livros e nossa agenda, e que o interesse seja passado boca a boca.
E o futuro? Por ora, meu maior desafio é sobreviver em um mercado em crise. Estar por aí daqui a dez ou vinte anos, quando a poesia voltar à moda, e tiver conquistado um verdadeiro público leitor. A forma como estou fazendo isto é cada dia, cada livro de uma vez. Com entusiasmo e estilo. Foram anos emocionantes e atarefados vivendo e trabalhando na aldeia global. Mas, sendo tempos às vezes desafiadores e financeiramente assustadores, acredito que tenha valido muito a pena, e que nós escolhemos o caminho certo.

Thomas Rain Crowe (Estados Unidos, 1949). Poeta, tradutor e editor-chefe da New Native Press: www.newnativepress.com. Nos anos 70 do século passado foi diretor do Festival Internacional de Poesia de San Francisco e da revista e editora Beatitude. Autor de livros como Water From The Moon (1995), The Laugharne Poems (1997), e Poems From Zoro’s Field (2005). Atualmente organiza, juntamente com Floriano Martins, uma antologia de poetas vivos dos Estados Unidos, para La Cabra Ediciones, do México. Contato: newnativepress@hotmail.com. Tradução de Luiz Leitão da Cunha. Contato: luizmleitao@hotmail.com. Página ilustrada com obras de Kurt Seligmann (Suíça), artista convidado desta edição de ARC.



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