Jack Hirschman nasceu em New York City, em
1933. Desde 1973 ele tem vivido no bairro de North Beach,
em San Francisco. Ele é um dos melhores poetas americanos. É também pintor,
tradutor e ativista político a favor dos pobres, dos sem-tetos, dos
marginalizados e dos culturalmente desprovidos. Ele já publicou mais de cem
livros de poemas, ensaios e traduções de nove línguas (Artaud, Maiakovski,
Pasolini, Neruda, Scottellaro, Dalton, Celan, Mallarmé, Depestre, Laraque,
Brugnaro, dentre muitos outros) com publishers tais como
Trigram Press (Londres), City Lights Books, Curbstone, Sun & Moon (Geiem
Integer), Multimedia Edizioni (Itália), e muitos outros. Demitido da
Universidade da Califórnia (UCLA), onde ele lecionava, por causa de sua ativa
oposição à Guerra do Vietnam, ele se tornou um membro do Partido Trabalhista
Comunista e de suas sucessivas transformações. Ele escreve para o People’s
Tribune e é um editor associado da revistaLeft Curve. Em 2006
foi declarado o novo Poeta Laureado da cidade de San Francisco.
“Jack Hirschman é, em minha opinião, o poeta mais desafiante e
cabeça-aberta desde Whitman,” diz o poeta/escritor David Meltzer. “Ele é o
contínuo fantasma da ópera da revolução sem intervalos, um sonhador poeta
radical, uma força lírica.” Seu Arcanes, um livro de 1000 páginas e
126 poemas, publicado no inverno de 2006 na Itália pela editora Multimedia
Edizione, e elogiado à exaustão como uma dos principais realizações poéticas da
poesia americana, tem sido comparado a obras magnas de estimados poetas e
escritores, tais como Walt Whitman, Charles Olson, William Carlos Williams,
Ezra Pound, James Joyce, Hart Crane, H. D. e Antonin Artaud. “Não há nenhuma
obra como esta”, continua David Meltzer em seu prefácio ao livro. “Os Arcanes são
a continua história interior - uma meta-história - de nossos tempos. Está
profundamente envolvido na cultura poética modernista, ainda que, ao mesmo
tempo, queira colocá-la de cabeça para baixo, para desestabilizar essas
instituições que ele se tornou. É tanto um gesto radical quanto uma necessidade
revolucionária. É para todos, não para poucos.”
Como alguém que passou os últimos trinta anos nas ruas e cafés de San
Francisco e da Europa como uma pedra de toque e professor para dúzias, se não
centenas, de jovens poetas e artistas, a vida de Jack Hirschman é algo como um
livro aberto. Uma metáfora apropriada como ele fala intimamente, aqui, sobre
seu trabalho mais recente, The Arcanes, e sobre suas ideias e
atitudes (ou, eu deveria dizer, sua Beatitude) no que concerne uma vida de
escritor e as responsabilidades inerentes ao trabalho, para si mesmo, e para o
maior bem-estar humano.
TRC Pessoas têm usado certas palavras para
descrever o teu Arcanes, como “opus” e “época”. O que você
pode me dizer sobre o “arco” desta coletânea - desde o primeiro poema de 1974,
“The St. Germain Arcane”, até o ultimo de 2006, “The Olson Arcane”? Quando você
olha para este volume robusto e olha para trás para a tua vida e obra, você
pode ver como tua obra e tua voz mudaram neste curto período de trinta anos?
JH Os poemas em Arcanes abarcam
uma geração, de 1972 até o presente. Eles foram iniciados no terceiro ano da
instalação do microchip e da ulterior intensificação da produção e destruição
neocapitalistas, na Guerra em que os Estados Unidos tentavam destruir a criação
do socialismo no Vietnam. O período do livro termina com o Império dos Estados
Unidos - agora a única superpotência no mundo - nos estágios ameaçadores de sua
queda e reprimenda merecida aos olhos e corações dos povos do mundo. Porém
“termina” não é realmente a palavra correta porque The Arcanes continuam.
Não tenho nenhuma intenção de parar o processo de escrever este tipo de
resposta e desafia pessoais/políticos orquestrados que são a essência dos Arcanes.
A capa e contracapa do livro, isto é, simplesmente representam um incremento -
neste caso uma geração de anos em tempo cronológico - que é mais como um dote
às próximas séries de Arcanes.
Como toda entrevista contém um elemento de autopropaganda, deixe-me
dizer que este livro de mais de 950 páginas de poesia tem a aparência e a
sensação de uma bíblia, porque, de fato é a bíblia de uma consciência humana
uma era de consumismo e fascismo tecnológico; ele responde ao caos e à
violência criados por tais condições, tanto num aspecto pessoal quanto num
político. Sua linguagem é naturalmente provocativa, isto é, nasce de um furor e
até mesmo de um delírio contra a indignidade capitalista. E as formas de
arcanos individuais buscam prover a alma humana com um senso de estrutura no
meio de tal caos e permanentes violências e guerras - para recuperar forças
para as lutas futuras pelo socialismo mundial. Esse é o cerne do significado
deste livro.
O arcano de abertura, e o único escrito em Los Angeles - todo o
restante foi composto principalmente em San Francisco, mas alguns também na
Inglaterra, França e Itália - usa a persona do Comte de St.
Germain, um poeta e místico do século 18 que pressagiou a Revolução Francesa,
mas cuja importância para mim repousa no fato de que, subsequentemente, e então
por extensão retroativa no passado, ele é visto como um tipo de força de
reencarnação, reaparecendo em momentos cruciais através dos séculos. Como meu
instinto original - a ideia de uma série de Arcanos não se tinha ainda
totalmente desenvolvido - era escrever uma composição transformando materiais
místicos/poéticos em textos sociopolíticos baseados em sua obra
esotérica, The Most Holy Trinosophia, o aspecto ressuscitativo do
Comte estava me chamando.
Descrevo aqui um procedimento básico dos The Arcanes.
Embora eu tivesse que me livrar da persona de St. Germain quando vim para
Francisco, idéias relacionadas a cabala (o âmago poético oculto do judaísmo
linguístico e visionário) permaneciam comigo e seriam uma parte integral da
composição das obras. Com “The Compound Arcane” (1975), inspirado pela vida de
Steve Biko, o revolucionário africano, comecei a perceber que eu poderia
escrever estes poemas mais longos como um meio de usar materiais amplamente
diversos num tipo de forma-livre estruturada da afirmação revelatória.
Uns dois anos mais tarde eu comecei a aderir ao Partido
Trabalhista Comunista como um assistente cultural. Todos os arcanos depois
disso, todas as mudanças de forma e conteúdo devem ser entendidos em relação ao
furor para revelar o impacto dos fascismos em intensificação e em
desenvolvimento sobre um homem da esquerda que estava ao mesmo tempo ativamente
envolvido no Marxismo-Leninismo.
Mesmo depois que o PTC se dissolveu, em 1992, e que seu desenvolvimento
não-partidário, como a Liga de Revolucionários por uma Nova América (LRNA),
emergiu dois anos mais tarde - um grupo de guerrilhas revolucionárias de
educação às quais pertenço até hoje -, minha poesia é fundamental e
essencialmente instruída pelo que aprendi neste período moderno clássico da
minha vida, isto é, filosoficamente proletário, tão oposto ao meu período
classe-média acadêmico. E mesmo onde - em alguns dos arcanos mais recentes -
emprego a filosofia de Heidegger com respeito à tecnologia, e sou forçado a
confrontar a contradição aterradora de que o mais profundo filósofo da poesia e
ser do século 20 era um nazista, é à ação de poetas e filósofos que ativamente
combatem por provocação pela liberação dos pobres e desprovidos que os Arcanos aderem.
O “arco” dos The Arcanes termina com “The Olson
Arcane.” Considero Olson como o criador de alguns dos mais monumentalmente
importantes poemas dos anos pós Segunda Guerra Mundial. E embora meu próprio
furor poético esteja mais perto da de Baraka, ou da de Neruda, ou da de
Ginsberg, o modo como ela emerge sobre a linha é geralmente profundamente em
dívida com as ideias de Olson sobre forma e expressão. Mas não há nenhuma razão
especial para o livro terminar com “The Olson Arcane”, exceto, talvez, porque
Olson esteja entre os primeiros a usar a palavra “pós-moderno”, para sugerir
que todo o livro atravessa os anos da pós-modernidade.
TRC Vejo certas linhas políticas, culturais e
espirituais atravessando The Arcanes. Fico imaginando quais motivos
recorrentes você vê ao olhar para trás por toda a paisagem deste livro?
JH Os principais leitmotivs por
todo o livro são: a profusão da Morte no mundo e na vida pessoal, em nossa era
tecnológica; a caçada da alma humana pelo período nazista e suas muitas
ramificações mortas-vivas; o ressonante e constantemente simultâneo drama do
pensamento materialista-dialético e ser/não-ser, revelar/ocultar e a dialética
cabalística da luz e escuridão - tudo interagindo na concentração de cada
arcano particular. Há, é claro, muitos outros motivos - eróticos, sociais,
tecnológicos - que dão textura aos poemas, e os temas pessoais/políticos estão
ancorados em elegias sobre as mortes do meu filho, da minha mãe, do meu pai, e
de poetas companheiros como Bob Kaufman, Allen Ginsberg, Pasolini e Olson, e da
cantora Tina Meltzer.
TRC Após uma rápida leitura, imagino The
Arcanes como um poético Guerra e Paz. Com suas sensibilidades
russas e inclinações políticas marxistas, ele parece ser conduzido, amplamente,
por assuntos de sexo e violência. Seria isto, você acha, uma clara contribuição
desta coletânea?
JH Uma rápida leitura não basta. Há, sim, muita
referência sexual, até mesmo explícita e alguém poderia dizer que há elementos
pornográficos em alguns arcanos. E há violência também - há, apesar de tudo,
Arcanos sobre a Guerra do Golfo, a Guerra na Bósnia, a Guerra tanto com o
Afeganistão quanto com o Iraque, bem como há Arcanos envolvendo brutalidade
policial e a violência pratica contra os sem-tetos nas ruas e os amantes em
suas camas. Estou escrevendo o que significa viver na sociedade mais
capitalista do mundo sob um sistema que é degenerado e trágico com drogas; que
é administrado por um fascismo de bancos e corporações em modos diferentes dos
anos 1930, mas cuja tolerância e hedonismos gerais obrigam homem e mulher
comuns a viverem contra si mesmos; e, além do mais, a suportar o que está
determinado a destruí-los. Os Arcanes são conduzidos por um
furor para tanto revelar tal fascismo, quanto para afirmar esses aspectos de
nós mesmos que ainda são “corpo-mente”, que lembram valores e seres humanos em
suas mais altas dignidades, e lutam pela monumentalidade dos mais magníficos
momentos revolucionários de ser/estar e ser/estar juntos.
JH Como um marxista (e para muitos dos arcanos
um Marxista-Leninista) ataco o degradante capitalismo em o que quer que ele
tome parte. E nestes poemas, revelo o fascismo da esquerda também; e, porque
isto é um resultado perverso da era tecnológica e consumista em que vivemos,
luto para fornecer as armas para a liberação. Uma destas armas é o próprio
poema cívico. Quero dizer por “cívico” o que Moravia queria dizer quando chamou
Pier Paolo Pasolini de o mais magnífico poeta “civil” da Itália: alguém que
emprega os temas sociais e políticos do seu tempo. Prefiro “cívico” como o nome
para uma tal poesia, que expressa os anseios e a luta da nova classe de pobres
que está sendo criada hoje e que será obrigada no futuro a derrubar o sistema
capitalista por um mundo mais cooperativo.
TRC Um visível, se não projetável, elemento em
tua escritura é o uso de dialetos e gírias das ruas. Em “The Ibbur Arcane”, por
exemplo, a linguagem da rua é a voz dominante. Qual é a tua intenção ao usar
isto como um dispositivo poético?
JH Em muitos Arcanos, Eu estou “livre do todo” [cut
loose].” De fato, a linguagem me escreve. A linguagem, de fato, escreve
todos os meus poemas, mas em “The Ibbur Arcane”, saindo de um desespero como
para onde o movimento comunista estava indo, ou não, estou preocupado com
empregar todos os hedonismos, urdiduras, as instantâneas
satisfações/insatisfações de mim mesmo e dos outros, e assim a linguagem surge
cheia de gírias, de trocadilhos, lançada em queda livre, e esperançosamente com
um tipo humor desesperado que é o caminho através dos culs-de-sacs [becos-sem-saída
em francês] políticos.
A esse respeito, meu interesse pela cabala entra em cena. Algumas
influências são meditadas sobre o porquê elas são grandes catalisadoras para o
“começo”. Charles Olson é um que começa um poema a partir de uma determinada
altitude de pensamento e sentimento. Martin Heidegger é um filósofo que se
aventura a questionar, e este é o seu grande legado porque ele está
continuamente apontando na direção das mais profundas simplicidades da
existência e, nisso, inspirar o começo como resposta. A forma do haiku [ou
haikai] (muitos Arcanos foram começados como “sementes” de haiku) demanda uma
concentração que claramente leva ao começo por causa do drama de silêncio e
elocução implícito neles. E com a cabala, cujas letras-raiz KBL em hebraico
significam “recepção”, uma concentração sobre os elementos de luz/escuridão,
ser/não-ser, o equilíbrio dos sexos, e muitos outros elementos da sua dialética
foram me inspirando - especialmente com respeito ao jogo permutativo verbal do
poeta cabalista Abraham Abulafia, o pensamento revolucionário de Isaac Luria e
as ações revolucionárias no século 17 de Sabbatai Tzvi. A cabala e suas idéias
e visões poéticas são especialmente evidentes em muitos dos Arcanos escritos no
início dos anos 1990.
TRC Você escreve em um dos Arcanos: “I was born
in a cauldron of puns” [Nasci num caldeirão de trocadilhos]. Penso aqui
em James Joyce, em particular Finnegans Wake, e seu jogo de
palavras multidimensional. Por toda a coletânea The Arcanes você
joga com palavras - até mesmo cria algumas, como “metaphysick", [1] e transforma nomes em verbos como em
“zionize” [sionizar]. Havia alguma influência joyceana na tua escritura
destes poemas?
JH Sim. Finnegans Wake é também
uma influência, mesmo num sentido cabalístico com respeito à invenção verbal.
Mas deveria ser enfatizado que o furor-raiz dos Arcanos é
revelar a destrutividade degradante da sociedade neocapitalista, pessoal e
civicamente. Estou interessado pela poesia, não pela literatura. Associo
literatura com instituições, instituições com corporações, e, por fim, com um
dos muitos tipos de morte aos quais as pessoas têm sido obrigadas a se submeter
em nossa era em sua luta para sobreviver. Associo o ato de escrever um poema,
por outro lado, como a coisa mais poderosa no mundo precisamente porque ele
desafia o poder, toda forma de poder, ao dar corpo à igualdade e à dignidade
que, enfim, é o amor.
TRC Você está dizendo que todos os poemas são
poemas de amor?
JH Sim, mesmo o poema mais negativa e
expressamente polêmico é um poema de amor, porque as negações implicam o seu
oposto, porque a presença das imagens contém a ausência salvadora - o não-dito
- dentro do poder do silêncio que enraíza todos os poemas em sua origem, que é
a urgência para a canção; porque todos os poemas, não importam a sua extensão,
são canção, e canção é existência (Rilke estava sublimemente correto), e
existência em sua mais alta expressão de dignidade é a igualdade que é o amor.
TRC Em sua Introdução aos The Arcanes,
Sergio Iagulli usa o título “Poesia como Participação”. O que exatamente você
acha que ele quer dizer com isso no contexto da tua obra nesta coletânea?
JH A palavra “partecipazione” no original
italiano no qual Sergio Iagulli escreveu sua introdução a minha obra significa
também: anúncio, notificação, bem como participação. Os Arcanes anunciam
ao leitor e o notificam das condições da nossa era com uma chamada implícita
para ele ou ela tomar parte ou participar num entendimento delas e
esperançosamente ser ativados por elas de um modo revolucionário.
TRC Lendo os Arcanes, peguei a mim
mesmo pesando em Maiakovski e em seu poema “No topo da minha voz” e, também,
em Electric Iron, tua coletânea de traduções. Há alguma conexão
aqui?
JH Maiakovski é um dos meus mestres reais,
porque ele levou o seu futurismo por todo o caminho a um revolucionário e
entusiástico salto de identidade com trabalhadores e camponeses, e com a
Revolução Bolchevique como um poeta e um artista agit-prop. Isto é o que está
faltando hoje na arte de milhares de poetas neste país, que estão satisfeitos
em ser indivíduos estupefatos e atomizados de sensitiva autoexpressão, mas que
desligam os ouvidos de suas mentes quando ouvem vindo os gritos dos pobres e
desprovidos, ao invés de sacudir as correntes da contaminação classe-média e
ajudar a derrubar um sistema de ganância que oprime pelo dólar. Maiakovski foi
o primeiro poeta de rua do século 20 e o primeiro a mostrar coragem realmente
revolucionária.
TRC Fale-me sobre a importância da poesia para
pessoas da classe operária do mundo. Qual tem sido a tua experiência em relação
a isto em outros países (Itália, França, Inglaterra, e outros…) bem como dentro
dos Estados Unidos.
JH As pessoas do mundo trabalham mais arduamente
e ainda assim são mais pobres, ou não podem encontrar trabalho algum e são
criminalizadas. Nós somos uma nova classe de pessoas, cujo inimigo são os
imundos bilionários que incorporam fascismo e capitalismo especulativo,
financiam guerras para aumentar os lucros imundos, tudo sobre os corpos da
mesma nova classe de pobres que morrem em ambos os lados da linha em nome do
petróleo e grilagem. Poesia pode ser uma arma central de ataque nestes tempos.
Poetas podem e deveriam concentrar seus trabalhos em completamente minar o
fascismo já em andamento e se exibindo como uma democracia neoliberal que é uma
mentira vergonhosa.
TRC Você é também pintor. O teu trabalho como
pintor é, de alguma maneira, similar ao teu processo de escrever poemas? Penso
em tuas figuras caligráficas em “The Cool Boyetz Arcane”, “The Graffiti
Arcane”, e em “The Tsunami Arcane”, especificamente, bem como na capa do livro
e nos poemas-pinturas e na obra agit-prop que você vem realizando durante todo
esse tempo.
JH Entre 1976 e 1987, como parte de minhas
atividades como assistente cultural, fiz mais de 100,000 folhetos agit-prop
verbo-visuais, cada um diferente do outro, cada um com palavras nas línguas
russa e inglesa, com slogans, solidariedades, poemas e presentes.
Eu os distribuía - eles são obras de arte - em eventos públicos de todos os
tipos. Desde aquele tempo, tenho feito algumas exposições de pinturas maiores.
Os Arcanes, todavia, representam eventos em concentração estendida,
estendida no sentido de que minhas preocupações filosóficas estão em primeiro
lugar, mesmo se elas não são tão conduzidas pelo pensamento, mas, como poeta,
conduzidas pelo ritmo. E porque sempre amei as linguagens glíficas, usei
palavras asiáticas u caracteres em dois dos arcanos. Mas é filosofia e ação que
sublinham as estruturas dos Arcanos, e ação não exatamente numa maneira de
pintor. Sergio Iagulli sugeriu que, com a publicação do livro, eu tornasse
disponíveis obras de arte individuais, que estão inseridas no livro para
aqueles que as quiserem. Ele estava, creio, nostálgico daqueles dias de
agit-prop, embora de fato as obras de arte sejam expressionistas abstratas e
não tenham palavras russas.
TRC Fui tocado por “The Grit Arcane” e por teu
uso do forte “I” neste poema. Você também escreve, “I have been a traveler” [Fui
um viajante]. Quão biográfico é este poema? E o que ele reflete sobre tuas
“viagens” literárias?
JH “The Grit Arcane” foi escrito em Yorkshire,
Inglaterra, e está infundido com a voz do grande bardo de Albion, Taliesin,
cujo panteísmo reencarnativo - pelo qual quero dizer que ele alcança uma
atitude de reflexão sobre todos os objetos do mundo e afirma sua adesão a eles
como objetos do seu próprio passado, mas com uma forte sugestão de que eles
vivem novamente quando ele os nomeia - sempre foi muito importante para mim.
Não é a minha biografia que está registrada, digamos, na segunda seção do
poema, mas, antes, a biografia das Ilhas Britânicas desde o seu início, no caldeirão
gaulês, por assim dizer. E a seção final é realmente uma tomada xamanística
sobre o poeta, qualquer poeta, qualquer um, onde a referência do “viajante” é
parte da textura britânica da obra. É interessante que você tenha pensado que a
obra era autobiográfica. Ela é, é claro, mas porque eu a escrevi fisicamente
fora dos Estados unidos, talvez haja uma maior objetificação de mim mesmo no
poema. O que é simplesmente o resultado natural do viajar.
TRC Amo “The Cool Boyetz Arcane”. Ele tem elementos do Oriente (caligrafia chinesa) e Ocidente (futurismo
russo). Como você vê o enredamento das sensibilidades chinesa e russa neste
poema, e na moderna cultura americana?
JH Quando Maiakovski foi perguntado perto do fim
de sua vida sobre poema como “Uma nuvem de calças” ou “A flauta espinha” do seu
período futurista, ele zombou deles como exemplos do seu inicial romantismo. Eu
diria o mesmo de “The Cool Boyetz Arcane”, que foi escrito em 1974 em North
Beach, com respeito ao fim da guerra com o Vietnam. Há um tipo de grão de
detrito futurista e uma loucura de vida da rua que era muito evidente naqueles
dias. Os elementos chineses e cirílicos no poema são parte de um “mix” de
diferentes elementos e pessoas que viviam nos simplórios hotéis de North Beach
e de Chinatown, e, de fato, dada a abertura do poema, uma referência ao
livro Hotel Wentley Poems, de John Wiener, há o que eu chamaria
melhor de sentimento negro irlandês que domina a obra. Há também um paralelo
entre estes simplórios dias boêmios em San Francisco - as reuniões em mesa de
café e sons dos poetas - e a interface tanto com os dias Beat quanto,
nas primeiras duas décadas do século 20, os futuristas russos. Mas até onde me
interesso, há certamente pouco nas “imersões” deste Arcano que se assemelha aos
Arcanos de dez ou vinte anos antes, onde há um suporte filosófico e dialético
que é muito mais clássico em sua abordagem, tanto com o lirismo quanto com a
afirmação revolucionária; porque The Arcanes representa a
progressão de um processo de maturação tanto interiormente quanto exteriormente
de uma consciência humana, especialmente quando o Tempo e as muitas abordagens
da Morte demandam confronto transformação por meio dessa consciência.
NOTA
1. Palavra
formado por “metaphysics” [metafísica] e “sick” (doente). [N.T.]
*****
Aline Daka é artista visual,
ilustradora e quadrinista. Formada em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da
UFRGS com passagem pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em
Portugal. É ilustradora da (n.t.) Revista
Literária em Tradução, curadora do Suplemento
de Arte e atualmente publica em parceria com Vicente Pietroforte a HQ Eunice mora no penúltimo andar na página
web da Pararraios Comics.
*****
Organização a cargo de
Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado |
Aline Daka
Tradução ao português
por Eclair Antonio Almeida Filho
Imagens © Acervo Resto
do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries
especiais da Agulha Revista de
Cultura, assim estruturado:
S1 | PRIMEIRA ANTOLOGIA
ARC FASE I (1999-2009)
S2 | VIAGENS DO
SURREALISMO
S3 | O RIO DA MEMÓRIA
A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a
coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido
hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente
ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a
coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto
original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio
Simões.
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