quinta-feira, 3 de agosto de 2017

AGULHA REVISTA DE CULTURA # 100 | Julho de 2017 | Editorial

●  100 números e a dinâmica imóvel do cotidiano

Sempre que mencionamos os limites da humanidade, pensamos mais no que destruímos do que naquilo que construímos, à exceção de quando nos referimos às construções destrutivas. O avanço das três graças – Arte, Religião, Ciência – tem sido repleto de contradições, de modo que não cabe fazer o balanço apenas de seus aspectos negativos.
Ao final de 1999 me foi possível criar a Agulha Revista de Cultura, uma bênção do acaso em face do impedimento de levar adiante outro projeto editorial. De uma aventura impressa, com distribuição em bancas, fui de certo modo levado à outra margem, a experiência virtual. Percorrendo as páginas dos 100 números até aqui publicados é possível encontrar a cartografia mágica de nosso orgulho editorial. A substância perene de nossas apostas temáticas. Ao longo de 18 anos alcançamos uma entranhável expansão no que diz respeito a países de circulação e altíssimo nível de colaboradores, não apenas aqueles que escrevem matérias para nós ou cedem material já publicado em outras instâncias, de menor vulto, como também outro tipo de cumplicidade, amigos e editores de outras revistas, que ajudam a ampliar o universo de difusão de nosso trabalho. Os agradecimentos jamais poderiam ser diretamente nominados, por sua imensidão solidária.
Este número 100 se apresenta em formato duplo, e possui algumas singularidades que gostaríamos de destacar. Começando pelo primeiro capítulo de um extenso volume de ensaios de Harold Alvarado Tenorio – Ajuste de cuentas. La poesía colombiana del siglo XX – originalmente publicado em 2014, que será integralmente publicado nas próximas edições. Seu autor, nascido colombiano em 1945, foi um de nossos primeiros parceiros. Outra singularidade que julgamos expressiva é a realização de uma extensa enquete sobre Erotismo e Sexualidade, aqui apresentada em três partes. Também quero mencionar a presença do artista plástico Valdir Rocha, que assina o ensaio fotográfico referente às obras de nossa artista convidada, Felícia Leirner (1904-1996), ressaltando não somente a fundamental relevância da obra da escultora brasileira, como também a importância do Museu Felícia Leirner, a céu aberto, em Campos do Jordão, São Paulo. Reproduzo aqui um comentário de Valdir Rocha acerca de nossa artista convidada:

VALDIR ROCHA | Mais ou menos a cada dois anos, eu gosto de passar alguns dias em Campos do Jordão. Lá tenho sempre um programa obrigatório: visitar o Museu Felícia Leirner, constituído por grande conjunto de esculturas da artista, dispostas em amplíssimo e belo terreno de milhares de metros quadrados, em local onde as araucárias e o sinuoso gramado enchem os olhos de todos. Ali mais de 100 esculturas encontram o melhor lugar em que poderiam ter sido instaladas.
As esculturas de Felícia Leirner, especialmente as realizadas em cimento branco armado, destacam-se do verde e chamam as pessoas a se locomoverem e, sempre que possível, contorná-las, em terreno acidentado, pleno de elevações e caminhos. Além de tudo, as visitas são provocadoras de lúdico caminhar. Não conheço conjunto de esculturas de um mesmo artista que atraia tanto os visitantes quanto o do Museu Felícia Leirner. Trata-se de generosa doação feita pela artista em 1978.
Felícia Leirner nasceu em Varsóvia, em 1904. Veio para o Brasil com 23 anos de idade e só depois dos 40 anos incursionou pela escultura, iniciando-se na técnica com Victor Brecheret, de quem foi a única aluna. Participou de diversas edições da Bienal de São Paulo e nestas contatou com muitos escultores. Poderá ter, sim, sofrido a influência de muitos deles, mas é certo que alcançou voo próprio e singular. No início, mesmo que livres é natural que os iniciantes sofram alguma espécie de influência; por isso, as obras iniciais quase sempre só têm importância como demarcação de um percurso. No caso de Felícia Leirner, o que conta para mim são especialmente suas obras de plena maturidade artística – cruzes, estruturações, habitáculos e portais. E estas dizem muito, porque as vejo como sóbrias e originais; falam-me de uma espécie particular de manifestação arrebatadora, que me fazem querer sempre fotografá-las.
Como escultor, minhas incursões pela técnica são muito diversas das de Felícia. Mas atento aos valores dos diferentes, manifesto minha admiração pela obra de Felícia, fotografando-a e difundindo-a.


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Para não ser demasiado extensivo, destacamos ainda os seguintes números que compõem nossas séries especiais, com publicação confirmada para os meses de agosto e setembro: Belchior, Jacob Klintowitz, Friederich Nietzsche, Hermeto Pascoal, Margarita Lazo e Augusto Meyer.
Em conversa com alguns de nossos colaboradores – os poetas Zuca Sardan e Claudio Willer, os jornalistas José Anderson Sandes e Lúcio Carvalho, o compositor Graco Braz Peixoto e o crítico de artes Jacob Klintowitz –, propusemos um tema para reflexão, assim exposto: Qual o diagnóstico possível para a atual condição de credibilidade da mídia em seus diversos segmentos (jornais, revistas, televisões – abertas e fechadas –, Internet, rádios)? Que papel invasivo joga no sistema midiático os mecanismos ideológicos e publicitários? Mercado e política corromperam toda a mecânica da comunicação? As respostas:

CLAUDIO WILLER | Não. Já se publicou tanta coisa boa em jornais e revistas. Problemas que você aponta são mais da formação, inclusive formal, educacional. Problema que eu vejo é a mídia mais formal ou tradicional estar tão pobrezinha, esquálida. Em 1988/89 perfazia algum saldo bancário através de colaborações para meia dúzia de mídias impressas – revistas e jornais. Gosto de muita cosia que publiquei nos extintos JB e JT – e havia leitores. Hoje, quase todos não existem mais ou definharam e não publicam quase nada. Claro que meio digital é importante, novas publicações com relação às quais tanto o Jornal de Poesia quanto Agulha Revista de Cultura são pioneiras e referenciais desempenharam um grande – ia dizer papel, qual será o termo equivalente para o que não vem mais sobre papel? Enfim, acho algumas das críticas à mídia – inclusive por gente do calibre de Marcuse e Adorno, e não só dos esbirros das bandas sectárias – maniqueístas. Problemas estão mais do lado de cá da mídia e não do lado de lá, ou seja, em seu interior.

GRACO BRAZ PEIXOTO | Acredito que o diagnóstico é o mesmo, desde que a Comunicação se tornou uma decisiva forma de negócios e instrumento de ideologia. É só vermos as formas como regimes autoritários e regimes liberais fazem uso da Comunicação, neste caso na forma de propaganda. Claro, estou simplificando, mas se trata de um argumento irrefutável. Podemos comparar, por exemplo, os outdoors no trajeto do aeroporto para o hotel em cidades como Havana e New York. Já se tornou lugar comum apelar para o fato de que poucas famílias detêm esse poder, tanto aqui como nos EUA etc. Antes de diagnóstico, lá atrás vem a questão da Ética, determinante para o comportamento das rádios AM, FM, dos grupos editoriais de jornais e revistas, das TVs, que aqui no Brasil também monopolizam os canais a cabo, do Google, Youtube e Facebook… Não fosse assim, nossos heróis modernos não seriam Edward Snowden e Julian Assange! A forma como os países reagiram às suas divulgações de documentos do Kremlin, Pentágono, Casa Branca, Palácio do Planalto etc., etc., deixa a evidência de que toda comunicação no campo da política é filtrada, arranjada segundo as diretrizes de determinado governo. No outro extremo está a grande possibilidade de um Quinto Poder, a voz do cidadão via redes sociais. Ainda é muito cedo para dar crédito a esse canal da verdadeira Vox Populi, mas há situações em que a movimentação via redes sociais já demonstrou ser efetiva contra o Quarto Poder, a Mídia. O diagnóstico é a medida da Ética, não a possível porque não existe Ética possível.
Quanto ao papel invasivo, é o que conhecemos, o dirigismo político. Podemos exercitar nossa imaginação criando um canal de TV estatal para a Coréia do Norte. Como seria? Como se comporta a TV para os coreanos? O papel é maquiavélico, mas não posso deixar de falar, também, do alto grau de liberdade e da presença de certa democracia do esclarecimento na imprensa. Podemos citar New York Times, Le Monde, El País etc. Todos esses veículos contribuem para fazer a divulgação de fatos que são do interesse do país e do mundo. Temos que ver também o grande benefício de se colocar um governo em cheque e de melhorar a gestão dos recursos e problemas de um país por meio da comunicação. Mais uma vez a Ética antes de tudo.
Por último, as relações entre mercado, política e comunicação. Acredito que há casos e casos. Como dito acima. Novamente podemos procurar exceções. Imagine uma potência como a China, econômica e cultural, mantida sob a rédea curta pelo único partido. Deve haver muita corrupção, onde há poder… Hoje sabemos que há uma casta de grandes homens de negócios surgidos da geração que tomou o poder com a Revolução Cultural. A Comunicação está em tudo, antes de qualquer coisa ela é a base da vida, dos relacionamentos, portanto ela é uma extensão de qualquer atividade. Não digo que corromperam, aí seria ver tudo com lentes negras, mas creio que mercado e política usam suas armas e o poder de comunicação, de persuasão talvez seja a maior arma.

JACOB KLINTOWITZ | A credibilidade é, em minha opinião, cada vez mais baixa. A mídia perdeu muito de sua relevância por seu caráter tendencioso. Ficou claro para a maioria das pessoas que a mídia tem um papel fundamental no estabelecimento do poder político e econômico. Isto está denunciado à exaustão. As vozes independentes, os chamados jornalistas de opinião, perderam parte de sua influência. Primeiro, por evidente deficiência cultural. Em segundo lugar, por ter se tornado também evidente que estão, em boa parte, a soldo do poder politico e do poder econômico. Em terceiro lugar, à diferença de algumas décadas atrás, os grandes nomes desapareceram do jornalismo e estão trabalhando na literatura, nas universidades, na publicidade, na advocacia. E, em quarto lugar, o deslumbramento com o universo das celebridades tornou a mídia ridícula, a busca desesperada por captar parte do público que tem fixação em ídolos ou em celebridades que são só celebridades… E, por fim, como se trata de dar opiniões engajadas ou meramente fisiológicas, hoje os meios de comunicação possibilitam que qualquer um faça isto de sua própria casa. A mídia tende à irrelevância. Os mecanismos ideológicos são determinantes na atuação da mídia contemporânea. Comportamento é a base da discussão. E “vanguarda” é a chave da definição das personalidades totais. É uma espécie de ficção. Todos se acham vanguarda. Infelizmente é um termo que vem do exército e da função de um grupo que se encarrega de informar e de destruir. Isto diz muito do desejo de hegemonia dos grupos que se pretendem vanguarda e do ataque sistemático e violento aos que não partilham a sua ideologia. A vanguarda ignora a alteridade. E despreza a ética. E curiosamente a vanguarda se apropria do título, se autodenomina vanguarda e, a partir disto, pretende deter e manipular o poder. É uma sociedade de aparências. Mercado e política corromperam toda a mecânica da comunicação? Quase que inteiramente. Principalmente se entendermos “mercado” no seu sentido mais amplo, de venda de comportamentos, ideias, modos de ser.

JOSÉ ANDERSON SANDES | Os mitos da objetividade e, em consequência, credibilidade, sempre foram o calcanhar de Aquiles da mídia – seja no passado, no presente ou no futuro. A notícia é um negócio e tem que existir um pacto entre o leitor e o jornal. Não existe jornal sem leitor, como não existe também literatura. Se olharmos a linha histórica da mídia brasileira no Século XX sempre existiu contaminação entre jornais e poder público. Por isso vejo a mídia, como uma instância de poder institucional. Para o bem ou para o mal. Veja como foi formado o império Chateaubriand. Ou o império Marinho. Ou como se deram as relações dos governos entre os jornais das famílias Mesquita e Frias. A questão é mais complexa do que se imagina e está, sem dúvidas, na nossa origem autoritária. Sempre essas duas esferas – mídia e poder – estiveram de mãos dadas. Ora o pêndulo puxando para um lado; ora para outro. De Getúlio a Lula. Lógico que não era para ser dessa maneira. Mas se pensarmos melhor, não foi apenas a mídia. Reflita sobre a SUDENE e as grandes fortunas do Nordeste (só para ficar na nossa região). Hoje vivemos, como nos anos 1930, com a quebra da bolsa, uma nova quebra de paradigmas no campo. Sem falar no avanço das novas tecnologias. Mas a Internet ainda é terra de ninguém. Invasões bárbaras. O homem não vive sem informações desde a sua origem. O jornal surgiu com as cidades e o fortalecimento do liberalismo. O homem precisa de notícias para viver num mundo sempre caótico. Alguns estudiosos assinalam que a mídia coloca ordem no caos da nossa irrealidade cotidiana. Penso muito nesse conceito. Hoje o Brasil está despedaçado. Corações despedaçados. Mas não culpo apenas a mídia. Ela é apenas um ator. Como nas crises passadas. Ao final dessa tormenta, teremos com certeza um jornalismo com responsabilidade social e cidadão. As crises vêm para isso. E não contem com o fim do jornal. Nem do jornalismo. Nem do livro. São como a roda.
A mídia tem um lado – o liberalismo –, independente dos atores do xadrez político. Capitalista até a medula, sempre vai apoiar esse sistema. Nem mercado, nem política corrompem o sistema de comunicação. E sim os homens. Não sou defensor do livre mercado. Pelo contrário. Mas também não defendo sistemas não democráticos, nem populistas. Quanto mais democracia, melhor a mídia. Ao mesmo tempo em que você tem uma publicação reacionária de direita; você pode ler uma de esquerda, também tão reacionária quanto a primeira. Fiz minha universidade ao final da ditadura militar. Tempo do pensamento único. A imbecilidade da censura. Líamos avidamente jornais alternativos para buscarmos uma luz no final do túnel – Pasquim, Em Tempo, Movimento. Bem, com 60 anos, vejo o mundo com uma lente de aumento. As ideologias são necessárias como os sonhos. Idealizar, sempre. Como o personagem Setembrini, de A Montanha Mágica. Ou Nafta, do mesmo romance de Mann. Um mundo sem fim através da palavra. Ou do tempo. Muitas respostas para essa vida, amigo, estão na literatura. Ou no jornalismo. No drama no fim de cada ato. Reitero: não contem com o fim do livro. Nem do jornalismo.

LÚCIO CARVALHO | Eu penso que as pessoas cada vez mais criam seus próprios itinerários informativos. Nestes, a preponderância dos veículos nunca esteve tanto em dúvida, já que a possibilidade de buscar informações e versões alternativas é inesgotável. Ainda assim, acredito que há vórtices importantes, tanto na mídia convencional quanto na desorganização da internet. E, o melhor de tudo, a possibilidade de contestar estes vórtices, horizontalizando mais o processo comunicativo.

ZUCA SARDAN | A mídia aceita a visão liberal iluminista globalizada que domina o planeta. E a população mundial, empacotada na globalização aprova plenamente a ideologia de tal visão e quem estiver fora é desinformado ou… terrorista. As variadas igrejas, esvaziadas, já começaram a aceitar a globalização ideológica, e procuram se encaixar, harmonizando seus dogmas com as ideias iluministas do Globo liberal; e o Globo, benevolente, acolhe em seus fofos gomos as variadas igrejas. A própria China, oficialmente de credo marxista-taoísta, já discretamente aderiu e… está faturando bilhões. Quem estiver fora do Globo é mal visto, e… é alienação!! Seja no setor político, seja no econômico-financeiro, na filosofia, ética, e também, agora, na arte… que está sendo devidamente inserida na pós-modernidade. Seja quem for, de direita ou de esquerda, tanto faz… deverá ser absorvido pelos fofos gomos envolventes do Globo benevolente, pacificador, progressista, tranquilizador, e… adesivo.


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Finalizando este extenso editorial de aniversário, recordamos uma postagem nossa no Facebook, há quatro anos, reproduzida há pouco, considerando a atualidade da mesma e acrescentando comentário do músico Roberto Kalili (Paraná, 1964).

SAGA DOS EDITORES BRASILEIROS, PARÁGRAFO ÚNICO | Hoje fui surpreendido pela resposta informal de uma editora brasileira, frente à oferta que lhe fiz de um livro meu. O livro é um estudo sobre o Surrealismo no continente americano, a rigor um documento inexistente à beira do centenário do surgimento do Surrealismo. Um dos coeditores me escreveu nos seguintes termos: "Seu livro é maravilhoso, talvez um dos mais completos livros sobre o surrealismo já escritos. O valor não está apenas na pesquisa, mas principalmente na articulação das ideias, dos textos, dos autores, dos pensadores e teóricos. Abarca as origens, a trajetória, chega até o presente. Mas, como você pode ver em nosso catálogo, nossas linhas ainda estão muito distantes do foco de seu livro. Nós, que circulamos de carrinhos modestos, nos vimos diante de um carrão, sofisticado e possante. / Então, Floriano, não dá para nós. Poderíamos ter dito isso muito antes, mas não só fiquei lendo com tanto prazer o livro como tentei algumas vezes sugerir à diretoria algum incremento em nossas linhas editoriais. Infelizmente, ela não topou, até porque somos apenas um braço de um grupo fortemente focado no comércio pesado dos livros. Tenho saudades dos tempos em que me encontrava na Ática ou na velha Nova Fronteira. Nessas duas editoras, o livro já estaria, sem dúvida nenhuma aprovado e já programado para ser lançado correndo. Hoje, até mesmo essas duas empresas parecem ter mudado muito.” Algo que não mudou é que em meados dos anos 1980 ofereci a outra grande editora brasileira o projeto de uma antologia da poesia hispano-americana, ausência inexplicável em nosso catálogo editorial em português. A resposta do editor – até hoje conservo a carta manuscrita – se parece muito com esta. A tomar em sério a palavra dos dois editores, o mercado – entidade que sempre me pareceu uma abstração, pois afinal é regulada por alguém de carne & osso e satisfeita conta bancária – impõe uma contradição entre o valor intrínseco e o valor de carga, a transitoriedade permanente de uma estética de conveniência. Fica melhor assim, não? Tudo bem explicado. Ao invés da retórica de uma subordinação contratual – dos editores contratados – em discordância com suas preferências, até mesmo dentro do entendimento – aí sim, dá-lhe abstração – do que seja vendável. Quem ainda não teve oportunidade de ver, sugiro o documentário Mamonas para sempre (2011), de Claudio Khans. Há editoras no Brasil que destinaram uma coleção à poesia internacional. Deram boa contribuição trazendo para o leitor brasileiro alguns poetas essenciais na tradição lírica de outros países. Um desses selos chegou a faturar tanto em outras áreas que ao menos por delicadeza poética poderia ter mantido a coleção de poemas. Não o fez e culpou o mercado. Quem lida com o balcão cotidiano na burocracia brasileira sabe muito bem que a culpa de toda inoperância recai sobre o sistema. Pura estratégia religiosa. Eu já fiquei retido em uma fronteira na América Central por conta de uma falta de energia. Adoro essas entidades fantasmais. Deus é uma delas, não? Quando inventaremos um mundo em que alguém assuma a responsabilidade de suas decisões. Confesso que ficaria muito mais feliz ao receber a carta de um editor dizendo que, por alguma razão, especificada ou não, aceitável ou não, ele mesmo – e ninguém mais, muito menos o mercado – tenha decidido não editar meu livro. Autores se encontram nas mãos de uma dupla fornada que se multiplica: a voracidade mercantil e a retórica medrosa de uns meros soldados, funcionários de casa editorial, que estão ali apenas para dar as más notícias de uma forma imbecilmente reconfortante. Jamais entenderei como um volume de 600 páginas dedicado à compreensão e apresentação do mais importante movimento artístico do século XX, sua atuação revolucionária em todo o continente americano, um livro que reúne ensaios, documentos, enquetes, depoimentos, iconografia, mostra poética, entrevistas, enfim, como um livro assim pode ser desinteressante até mesmo para o mercado editorial. Não nos esqueçamos que ninguém necessita vestir a roupinha justa de pitonisa para anunciar que em 2024 o Surrealismo cumprirá seu centenário. O mercado estará de portas e janelas abertas, evidente, porém desde já me preocupo com a natureza do que será reportado em nome do Surrealismo. Temos levado a vida, no Brasil, a corrigir coisas. Esta tem sido a realidade de toda uma sociedade: remendar disparidades, livrar-se de baixarias, reiluminar o chão batido. Editores brasileiros deveriam assumir claramente sua opção por um mercantilismo vulgar. Nenhuma Junta Comercial rejeitaria sua opção. O que verdadeiramente decepciona é que transfiram para a alçada burocrática ou a ingerência fazendária a sua ausência de escrúpulo, a sua conivência com o rebaixamento cada vez mais violento do ambiente cultural de um país. Eu tenho 56 anos e a carta de recusa de um editor não move uma palha em meu espírito. Porém essas cartas se multiplicam encaminhadas a gente de toda toada. A conivência entre autores e mercado, o silêncio, o elogio velado, a domesticação de uns possíveis controversos. A agenda editorial é feita disto. Tudo em nome da literatura.

ROBERTO KALILI | Bem escrito ao extremo, rebaixamento cultural, perfeito, pensa no trabalho de Padre Sepp, 350 anos antes ele tinha um país onde todos sabiam ler partituras e tocavam instrumentos, daí veio o Marquês de Pombal, esses caras aí são os herdeiros modernos do Pombal, te digo, componho para traverso, alaúde e viola da gamba, tenho esse problema o tempo todo, mesmo minha mãe me pede para escrever letras rimadas… Ninguém investe na melhoria da alma desse povo, rebaixamento, disse tudo!

Os Editores




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ÍNDICE

AGACÍ DIMITRUCA | Tiempos griego-españoles

ALFONSO PEÑA | Conversa con Claudio Willer

ANDREA OBERHUBER | O livro surrealista como espaço transfronteiriço: Lise Deharme e Gisèle Prassinos

ANTONIO CABALLERO | Harold Alvarado Tenorio y un libro a cuchilladas

DANIEL VERGINELLI GALANTIN | Eliane Robert Moraes: perversos, amantes e outros trágicos

ELVA PENICHE MONTFORT | Fotografía y surrealismo: fetiches de Kati Horna

ESTELLE IRIZARRY | Eugene Granell: correspondencias entre creación pictórica y literaria

ESTER FRIDMAN | A linguagem simbólica no Zaratustra de Nietzsche

FLORIANO MARTINS | Enquete sobre Erotismo e Sexualidade – Parte 1

FLORIANO MARTINS | Enquete sobre Erotismo e Sexualidade – Parte 2

FLORIANO MARTINS | Enquete sobre Erotismo e Sexualidade – Parte 3

HAROLD ALVARADO TENORIO | 100 años de poesía en Colombia

ISABEL BARRAGÁN DE TURNER | La isla mágica de Rogelio Sinán

JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Víctor Gaviria: El poeta y el cine

LUIS FERNANDO CUARTAS | La ilusión siniestra de los cuerpos y los engaños de la metamorfosis

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Herberto Helder, sigilosamente Herberto

NICOLAU SAIÃO | Recordando uma comunicação de Mário Cesariny

RICARDO ECHÁVARRI | El poeta Arthur Cravan em México


SUSANA WALD | En el espejo retrovisor

ULISES VARSOVIA | Esencia y excedencia de la poesía contemporánea


ARTISTA CONVIDADA | FELÍCIA LEIRNER | GISELDA LEIRNER | Felícia Leirner, minha mãe



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Página ilustrada com obras de Felícia Leirner (Brasil), artista convidada desta edição.

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Agulha Revista de Cultura
Número 100 | Julho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
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2 comentários:

  1. 18 anos de maturidade e qualidade cultural. Tarefa para raros homens. E você conseguiu e segue adiante! [Leila Ferraz]

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  2. Flor, parabéns pelos primeiros 100 números!! Agulha é o simbolo da poesia latinoa-mericana!! Abraxas, [Alfonso Peña]



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