A tragédia da guerra civil espanhola
está fortemente presente em sua obra literária e, de certa forma, sua vocação de
dramaturgo e escritor se alimenta dos transtornos sociológicos, do sistema totalitário,
o desaparecimento de seu pai e as relações difíceis no seio de sua própria família.
Aos 10 anos de idade, começa a escrever e ao participar de um concurso de matemática
recebe o Prêmio nacional de “superdotado”.
Arrabal
é um admirador de Goya, Valle-Inclán e Buñuel, e algumas
de suas peças caminham em direção ao barroco: uma magia, uma festa suntuosa, uma
abundância de gestos, de gritos e de cores, destinados a violentar, a “chocar” o
espectador.
Mas o aspecto barroco na obra de Arrabal, como um “realismo da confusão”, é uma nova maneira que ele encontra para liberar seus transtornos na medida em que os transfigura, impondo-lhes um tipo de ordem e, de alguma forma, reencontrando o sentido primeiro do seu teatro de magia, onde são tênues as fronteiras que a separam de sua vida. E, compreendendo e aceitando a condição de que as estruturas do diálogo, da ação teatral e do universo têm a mesma forma, para Arrabal, o teatro não se resume ao palco, mas ele é tudo isso que advém, onde a ação – por ser a imagem refletida do mundo – não deve ser uma mera demonstração de alegorias e maneirismos cênicos.
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Ao conceber a dramaturgia, Arrabal parte de suas inquietudes políticas e existenciais,
faz da história o espaço cênico e o principal fundamento da elaboração de sua criação
teatral. Sua dramaturgia não se limita à pretensão de criar um novo texto, mas elabora
um tipo de carpintaria teatral que, apesar da aparente ingenuidade e da exploração
do nonsense, parece ter um rigor científico
do ritual. A ideia de um “rigor científico do ritual” trata-se de uma alusão ao
fato de que, apesar do aparente inusitado do transe, há uma lógica interna no ritual,
onde se rompe a fronteira entre atores e espectadores, considerando que de alguma
forma todos participam. Num determinado sentido, coloca em questão a ideia do público
como uma entidade, ao mesmo tempo em que referenda o fenômeno de algo que se torna
público, no momento em que é “publicado”. Para tanto, provoca uma espécie de necessidade
de romper com o mero conceito de “representação”. Levando em conta que sua produção
tem sido reconhecida como Teatro do Absurdo, juntamente com Beckett, Ionesco, Adamov
e tantos outros.
Para ele, o teatro é “sobretudo uma
cerimônia, uma festa, que tem do sacrílego e do sagrado, do erotismo e do misticismo,
da colocação da morte e da exaltação da vida. Eu sonho um teatro onde humor e poesia,
fascinação e pânico não fariam mais que um. O rito teatral se transformaria então
em ‘operamundi’, como os fantasmas de Dom Quixote, os pesadelos de Alice no país
das maravilhas, o delírio de K., até os sonhos humanoides que frequentavam as noites
de uma máquina IBM.”
Mesmo
tendo se reunido com os surrealistas e Breton e, ainda, ter sido nomeado Sátrapa,
uma espécie de Prêmio Nobel do Colégio de Patafísica de Paris, seu lugar de destaque
está no pânico. Em 1962, juntamente com seus amigos, o desenhista Roland Topor,
o escritor Sternberg e o encenador Alexandro Jodorowsky, apaixonado pelo “happening”,
Arrabal funda o Movimento Pânico – designação que vem etimologicamente do deus grego
Pan, da totalidade, momento em que abandona um pouco suas parábolas “infantis” para
explorar a veia do fantástico e do ritual. De certa maneira, o seu reencontro com
os surrealistas faz com que ele desenvolva e leve adiante a crueldade colocando
em prática algumas das ideias preconizadas Antonin Artaud.
A obra de Arrabal é formada de duas dezenas de romances, 800 livros
de poesia, três epístolas, mais de uma centena de peças de teatro, sete filmes em
longa-metragem e diversos curtas, outra centena de livros de arte e técnica de xadrez,
seis livros destinados ao fracasso, uma centena de telas pintadas, muitos milhares
de fotografias, um milhar de artigos para a imprensa internacional, muitas centenas
de conferências nas universidades mais prestigiadas do mundo.
Sua criatividade múltipla está também
manifestada nas artes plásticas, que ele explorou numa abundância de esculturas,
pinturas, colagens, desenhos, e que fazem o objeto de numerosas exposições e retrospectivas
em galerias e museus de diversos países.
Ele tem recebido um grande número de
honrarias e prêmios internacionais. Sua obra está traduzida na maioria das línguas
e seu teatro entre os mais encenados do mundo.
Enfim, Fernando Arrabal, o Transcendente
Sátrapa do Colégio de Patafísica de Paris que conviveu com Dali, Picasso, Sartre,
Duchamp, Ionèsco, Cioran, Beckett, Dario Fo, Umberto Eco, Breton, Boris Vian, Man
Ray, Andy Warhol, Tristan Tzara, Genet e tantos outros, é considerado como o único
sobrevivente dos “quatro avatares da modernidade”, a saber, o Surrealismo, o Postismo,
a Patafísica e o Pânico.
Tendo nascido no continente africano e vivendo em Paris desde 1955, como uma espécie de autoexilado, ele se diz natural da “Desterrolância” e, ainda, insiste em afirmar que não tem raízes, mas – sim – asas.
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Agulha
Revista de Cultura
UMA
AGULHA NO MUNDO INTEIRO
Número
157 | Setembro de 2020
Artista
convidado: Fernando Arrabal [dibujos] (Espanha, 1932)
editor
geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor
assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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