terça-feira, 23 de novembro de 2021

BRUNO SILVA RODRIGUES | Notas para uma cartografia da poesia de Cruzeiro Seixas

 


Ler a tua poesia, meu caro Cruzeiro Seixas, é perigoso para a saúde.

É perigoso e é remédio santo, haja a coragem de nos lançarmos inteiros ao mar e inteiros nos afundarmos, a coragem de conduzir uma máquina do tempo para fora e para dentro do tempo, solavanco aqui, solavanco ali, das giocondas ao Pudim Flan, de Heliogábalo à Virgem Maria. Já lá vamos.

Primeiro o mar. “Os poetas com o mar/ não têm fundo”, escreveste, e tanto que tu tens de mar para nos dar, tu, poeta-náufrago, nós, necessitados de naufrágio. Na cartografia da tua poesia, o mar não é só o teu “reflexo”, é a folha de papel por inteiro. Tudo o resto é engolido ou vomitado por ele. Depois, entre a imensidão desse mar, surge o veio de um rio que conduz à cidade. Tu também nos queres mostrar a cidade e, não raramente, a falência da cidade. Finalmente, a partir da linha do mar ou das ruas da cidade, erguem-se montanhas, “montanhas grávidas”, “montanhas que nos cercam”, “infinitas/ sobre os nossos corpos nus”. E parece completar-se um triângulo recorrente: a montanha, a cidade, o mar.

A montanha é, claro, um símbolo. Será o “Himalaia que devora o silêncio” e que te “devora/ em sonhos”, será África, teu “corpo distante”, um “corpo de imensa liberdade”, onde “caminha/ enquanto fecha o sol num envelope/ um homem igual”; será o Olimpo, com as suas “flores frescas […]/ que são o pão necessário dos eternamente desempregados” (VSG); ou será a “pátria subterrânea” que ecoa as canções dos deuses (OGF); serão as “pedras da Atlântida/ feitas de espaço”; ou ainda, roubado ao mar, será “um corpo/ escuro opaco encoberto mitológico”. A tua montanha representa, parece-me, o naufrágio, em ascensão ou em submersão, tanto dá – afinal, as mesmas pernas que se fletem para um salto, fletem-se para um mergulho. Representa ainda um apelo para que nos descasquemos, um comprimido de coragem para arrancar a pele e “não recear as quedas/ nem as asas”, pois “é afogando-nos/ que sentimos a altitude”. Afoguemo-nos, então, seguindo o mesmo impulso que te atirava à água sem saberes nadar (ACR).

Leio: “O meu céu/ é o fundo mais fundo/ do mar”. Eis o encontro recorrente entre o mar e a montanha (aqui na figura do céu), ambos em espelho, elementos de um mesmo edifício: “Oh céus digo/ oh mar profundíssimo/ abóbada de que tu és sustentáculo”. A tua poesia mistura um e outro, viaja de um para o outro, mostra-nos a necessidade que um tem do outro, “como aquele céu lá no mais alto/ que afinal precisa do mar/ para se saber azul”. Esta é uma viagem de entremeio e de entre-sonho em que “pássaros de oiro com mãos de marfim/ transplantam as árvores transparentes/ para o ponto mais fundo do mar”, pássaros vindos certamente de uma “nuvem com árvores erectas” ou de uma qualquer constelação existente no firmamento, a mesma “constelação existente/ no fundo do mar”.

Mar e montanha, pois, em espelho, ou emoldurando um espelho, cujo vidro, neste caso, é muitas vezes a cidade, prisioneira entre eles: “Fazer as pazes comigo/ e depois atravessar Lisboa a pé/ como um navio até Marte”. Da cidade ao mar, do mar à montanha, receita perfeita de mergulho ou ascensão. Quantas são as vezes em que o náufrago deambula pelas cidades da tua poesia à procura do mar ou da montanha: “Em fila as estátuas/ dirigem-se/ para o cais”? Náufragos-autómatos, bem visto, todos nós, “com longas asas e fechaduras” que um dia, “espera-se/ proclamem enfim a sua liberdade”. Quantas vezes ainda, meu caro amigo Cruzeiro, nos fazes sentir que existem “cidades como tempestades olhando o navio” ou que “há eternamente a voz singela do sino/ chamando o mar”?

Da cidade ao cais, ao rio, ao mar, à montanha, aqui está a aventura existencial que partilhas connosco, um rasgão da vida em sonho e em desejo, esse “desejo de voar sem asas”, desejo de nos refazermos:

 

Oh meu amor

traz todas as lanternas do mundo

e o sol também

para ajudar a fazer de novo

a lua perdida

e o mar naufragado.

 

Já se sabe que todo o desejo crepita em frenesim e por isso o mar, a cidade e a montanha que anoto na cartografia da tua poesia não são estanques. Revelam-se em metamorfoses constantes, numa espécie de ir e vir e ir e vir, em múltiplas viagens-onda. Só das viagens inconstantes, daquelas em mergulho-voo por esses três vértices, em olhos gerados pela “aliança de um pássaro e de um peixe” ou em peitos onde “acasalam peixes e aranhas”, pode nascer o novo mito. O regresso a um mito original, talvez? Talvez o despertar de “uma realidade/ que fosse realmente mítica”. Nada de religiões aqui, entenda-se, já que “as religiões todas não ensinam mais do que a confeitaria”. Este regresso é a reinvenção do mito anterior, e interior, existente em nós por inteiros, um mito que troveja em corações espicaçados, que lança ao mesmo tempo o Homem para a sua dimensão ulterior, quiçá o germinar da semente do “mythe nouveau”, que Breton e companheiros disseminaram em Rupture Inaugurale (CRI). Novo mito, novo mundo, desde que “todo em chamas”.

Esqueçamos, por ora, se existe mito ou se encontraste na tua África (uma das tuas montanhas) o teu mito. Talvez mais prudente seja desmistificá-lo. Esqueçamos ainda se o mar, a cidade e a montanha serão os três eixos que, tantas vezes, encontro nas tuas pinturas a suportar meta-corpos nus, luas e pedras. É belo, por si só, apreciar o geómetra que és, a unir vértices num só ponto, numa só vaga de pensamento, numa cidade-mar-montanha-mar-cidade-montanha. É desta forma que compreendo o fulano que “passeava pela trela um peixe” e o outro que “dormia com uma nuvem”; que compreendo, meu caro Cruzeiro, essa aventura existencial que traças e ofereces, tão bem sintetizada no excerto seguinte:

 

Armado para passar fronteiras

nu como um herói antigo

seguido pelo movimento dos olhos das estátuas

possuído à meia-noite pelo Acaso

e na madrugada pela sua própria sombra

partiu da nuvem a fingir de cais

entre a navalha próxima e a ascese do voo

nas engrenagens das águias

onde tudo o mais se confunde no silêncio

com o rastrejar da serpente.

 

As estátuas ficaram a cantar “o seu eterno cocorocó” (OGF), tu quiseste “comer lava/ todos os dias/ em vez de pão”. O que te afastava dos comuns mortais? A tua espécie rara de vida, é evidente, e a falta de dinheiro, como já o disseste (UVS). Por ventura, digo eu, terá sido a tua visão. Lembrando-te: “o que separa o fundo do mar/ da extensa muralha ameada;/ é esta luz que devoramos de garfo e faca/ e que afinal nos devora”. De facto, muitos de nós permanecem hipnotizados pela face reluzente dos utensílios e das máquinas “desta cidade imaginária onde circula o nosso sangue,/ lento como o indescritível que nos separa/ do mar que somos”, essas “máquinas imitando o mar osso a osso”, máquinas que, portanto, nos separam da “parte de mar/ que afinal/ cada um tem em si”. Tu, “satélite/ fora das muralhas”, viste além: “À transparência da cidade vejo o mar”, e assim embarcaste, pois tinhas barcos encalhados na carne. Melhor, e assim naufragaste, como veementemente nos indicas: “Falo-vos eu em NAUFRÁGIO” – e que naufrágio! Falemos dele.

Logo aos cinco anos, afogaram-te na lógica de um doutor que não te vaticinava mais do que duas novas primaveras, mas essa mesma sombra da morte empurrou-te para o areal da alma, para junto do mar, dado que só perto dele te curarias (ALL). Vai daí, “tantas vezes quantas o mar entrou na minha cama”, recordas “a lua/ desde sempre pendurada no meu quarto”, “um quarto vazio à espera do mar”. Esta tua travessia, bêbado do mar e da lua (montanha simbólica, desejo de evasão), teve tanto de milagre como de surrealidade e terá sido, então, o teu primeiro naufrágio – no sentido da descoberta, no sentido do fundo do mar, qual “suicídio do Titanic”. O mar foi-te uma outra alma mater: “bate o meu coração ao ritmo das marés/ do teu ventre azul/ Mãe”. E é carregado com esta experiência que nos fazes saber ser a “única salvação” aquela que nos chega da “mão do mar eternamente/ na nossa fronte”. Só o mar, deveras, com toda a sua extensibilidade e mistério, poderia acalentar uma alma que albergava sentimentos como este: “Foi em mim/ Guernica e Hiroshima”, e assim se entenderá eventualmente também que “uma lágrima uma lágrima/ eu te digo/ é todo o mar salgado”. Ah, como tu estavas predestinado a navegar nas águas deste planeta! Desde logo, porque carregas cruzeiro no nome e porque, em face deste episódio de vida, foste capaz de agarrar a tua cruz (uma cruz que tudo cruza) e fazer com ela o milagre do mar que te foi inundando, até, enfim, poderes afirmar: “Sei que o lado maior de mim é mar”. E quando o mar te faltava, a urgência de tê-lo:

 

I

Leva este cântaro,

enche-o de água

salgada,

traz para este lago

todo o tamanho do céu.

 

II

Leva,

enche

e traz

os olhos secos,

com água pura

escorrendo no musgo

até formar um mar.

 

III

Leva este cântaro,

enche-o,

traz água

até submergir

esta paisagem.

 


O mar, esse confessado “mar/ que tento exprimir/ desde o tempo mais recuado/ da infância”, não foi, portanto, somente o pano de fundo da tua expressão, foi também a tua ablução, o teu amor, um amor de mãe, amor correspondido: “O mar afinal pensa em mim/ mas sei-o agora/ ama-me como ama os seus náufragos”.

Falemos mais do teu mar-amor, teu mar-desejo. Não se revelou igualmente junto ao mar o vislumbre de um primeiro corpo nu, para sempre tatuado nos teus olhos (APA)? O mesmo corpo, creio, do marinheiro que recordas “atravessando a nado/ as montanhas infinitas/ dos meus sonhos, um corpo-náufrago, corpo-guia. Quem era ele sendo tu? Um Rimbaud “subindo sempre,/ sem asas”, um Lautréamont, um Jarry, um Leonardo da Vinci, quem sabe um Sade, “verdadeiro espelho do homem completo”? Ou simplesmente um Alfredo, teu “cúmplice”, um António, um José, um Carlos, ou mesmo um Manuel Moscardo, velho pescador, que te cozinhou uma gaivota? Estes são alguns dos homens a que aludes nos teus versos, autênticos faróis e inspiração, como farol e inspiração terá sido o marinheiro que virias a levar, já adulto, para o teu atelier em Lisboa e lá o (re)via a despir-se (APA). Confessas, a propósito, que “cada poema/ cada desenho/ são os marinheiros que navegaram na minha cama”, e a pensar neles, neles e no mar, terás ainda escrito: “Oh meu amor/ corpo de búzio onde escuto o mar distante/ as quentes calças azuis frementes”.

O mar-mãe-marinheiro, para mim, é a tua alquimia do amor, o teu “amor azul”. Quis chegar a esta fórmula de amor para traçar no teu mapa um outro naufrágio, um mergulho profundo pelo rio adiante, entre o amor do mar e aquele das paredes da grande cidade. Uma viagem-vaga, enfim, através do rio Tejo, veia transbordante do teu corpo, tinta da tua escrita.

Sabes que em toda a tua poesia tu evocas mais o Tejo do que Deus (e tantas vezes escreves a palavra Deus) e do que a tua África? Se, por um lado, te questionas e te respondes: “Deus existe?/ Deus não existe?/ Ambas as coisas são verdade/ ao mesmo tempo”, por outro, o teu Tejo esteve “sempre presente”. O Tejo foi o teu Deus, um Deus à tua maneira. É nele que se afundam catedrais, nele onde, na “profundidade da sua profundidade”, se derramam “cintilações” e paisagens. Se o teu caminho teve um cúmplice nos sapatos que reencontras “olhando o Tejo”, então o Tejo foi-te destino e olhar, encontro e desencontro. É sob o peso do Tejo que assassinas a tua obra, mas também onde a crias, “na superfície da água”. Onde, no fundo, “ainda é belo ver voar […]/ um peixe podre”. Se “todas as coisas nos olham/ mas nada nos reconhece”, o Tejo terá sido uma excepção, uma fonte de sonhos, oriunda, porque não, daquele país onde “todas as nascentes/ partiam/ ao encontro de Lautréamont”, ao teu querido Lautréamont, que leste “furiosamente” e que também tinha um “velho oceano” que só ele compreendia e diante do qual se prostrava (CM).

O teu Tejo é, também, o dos cacilheiros em que te metias com o Cesariny e a Isabel Meyrelles para mergulharem nus no mar das praias da Caparica (APA). Quais “búzios recusando o sono”, sabiam com certeza que “nus naufragamos na terra” e que “por toda a parte há sonhos/ a empurrar outros sonhos/ para o abismo” (VSG). E tal como o mar e a terra, que “constantemente/ trocam os sexos entre si”, também vocês só seriam possíveis de existir nus e náufragos, amantes e viajantes, da cidade ao Tejo, do Tejo ao vasto mar e nele na senda da montanha, porque “só os náufragos/ se agarram às palavras que parecem flutuar/ à fosca claridade da lua”. O Tejo foi-te, pois, também sonho, também amor, também liberdade. Lembro-te: “sabermos amarmo-nos uns aos outros isso é realmente uma maneira muito bonita de caminhar para a liberdade” (UVS) – a liberdade do náufrago? Certamente a liberdade de um abraço, ou de um abarcamento, o gesto que falta para inverter as vidas sem sonho, o gesto, novamente, esboçado numa viagem entre os três vértices da tua poesia:

 

A ideia de abraço

desponta no horizonte

e persistentemente invertidas inventam

um céu sem azul

povoado de cidades onde um homem

parado a toda a velocidade

sonha

ser um mar

entre os mares.

 

E neste “a-mar”, nesse libertar, da cidade ao mar à montanha, levou-te o Tejo à foz e de lá a vários cantos do mundo, incluindo África, tua musa, pela qual te apaixonastes e a qual adicionaria mais cores à paleta da tua alma, tornando-te “branco por fora e negro por dentro”. Seria aí, sobretudo em Angola, inspirado, estou em crer, pelas tuas odisseias entre Luanda e o Catete, passando por Cassoalala, Zenza do Itombe, Golungo Alto ou por Cariamba, que libertarias o teu sémen verbal e visual, poético sempre, talvez porque “na Europa falta sempre algo/ em África/ há sempre algo/ excessivo”. No entanto, o teu Tejo é também o caminho para a eterna cidade que te é origem, a cidade que, tal como “a mosca com o seu enorme violino”, te afagou (e afogou?), essa “Lisboa das sete colinas e dos sete anões/ oh cidade dos sete olhos vesgos/ onde o vidro substitui o ouvido”.

Na cartografia da tua poesia, meu caro Cruzeiro, é inevitável realçar que ambos, Tejo e Lisboa, se estenderam à tua permanência em terras africanas e à tua expressão poética, que me parece, por isso, conter também a expressão da saudade. Lisboa está lá por inteiro, mapa detalhado de um corpo, o teu corpo, ou um teu corpo outro, percorrido vezes sem conta: do Cais do Sodré à Ribeira das Naus, que nos oferece o desembarque de um “unicórnio deslumbrado”; do Cais das Colunas ao Terreiro do Paço submergido; das “galinhas debicando no Rossio” (VSG) ao Chiado “em chamas”; da “porta sem cor da livraria Corti” e daí até ao lugar de onde vemos os “magníficos navios [que] sobem a Avenida da Liberdade”, ou onde sentimos as “vísceras/ saltando do eléctrico na Graça”; ou ainda da Feira da Ladra aos Jerónimos e ao “rinoceronte que nos espreita/ naquele ângulo da Torre de Belém”, uma “Torre de Belém/ com dores de dentes”. Lisboa, por outro lado, é a Lisboa do terremoto de 1755, que “nos separa uns dos outros ainda hoje”. E eis a falência da cidade que tu nos fazes sentir: “Um cataclismo ainda criança/ sem palavras/ destruiu toda uma cidade”. As cidades na tua poesia são revoltosas, revoltadas e, não raramente, condenadas: há a “cidade em chamas”; gritas que “toda a cidade é um púbis incendiado!”; que “a cidade é uma catarata/ caindo de grande altura”. E a tua “Lisboa dos naufrágios”, portanto, não escapa ao “vento por sobre os mares/ arrasando cidades” e acaba, também ela, devorada por “feras”. Interessam-te eventos transformadores como estes, inéditos, inusitados, destruidores, se necessário for, que tragam convulsão à vida e sublinhem a perplexidade das linhas tortas perante a conformidade mesquinha da existência linear. Interessam-te as cidades “construída[s] nas asas de uma gaivota” ou sustentadas nos ramos “das árvores que desfilam em chamas”.

Lisboa é a polis central do teu atlas, mas terá sido ela o único ponto térreo que a tua poesia nos convida a visitar? Longe disso. Foram tantos os ápices erigidos por povos e gente corajosa, gente naufragada que rumou à loucura, à tragédia, à arte, à montanha, ao acaso, ou lá perto; tantos locais de excelência que os teus olhos viram ou imaginaram nos “cinco continentes que em nós existem” e que depois a tua mão traçou, para os quais – ou para a tua peculiar percepção dos quais –, somos empurrados. Assim, solavanco aqui, solavanco ali, esse empurrão leva-nos “ao mar que não existe/ em Port Lligat”; aos “óculos dissimulados a cada canto do Parténon”; à “arte egípcia de se assoar em Assuão”; à Versailles construída por Ulisses; às “paredes de Lascaux”, ao “Mistério Mistério Mistério…” do Convento dos Capuchos em Sintra. Mais, erguem-se também na cartografia da tua poesia: a Pirâmide de Qeops e a Muralha da China; a Estátua da Liberdade e o Empire State Building; a Praça de S. Marcos e a de S. Pedro; a Catedral de Chartres e a de Oviedo; a janela manuelina de Tomar” nascida de um génesis muito peculiar; uma Moscovo que atesta “talheres dalinianos”; uma “Nova Iorque/ a cada passo/ tropeçando nos seus próprios cabelos”; uma “datcha na Ucrânia [que] cresce/ como um corpo nu e disforme”; as “preciosas rendas de Veneza/ confundindo-se com o vinho derramado/ quando da solenidade do baptismo”; ou uma “estrada trémula até Paris”.

Mas não jorram apenas monumentos da tua poesia de naufrágio. Escapam-se igualmente rezas de amor, um amor por vezes retumbante, que “faria levitar ratos/ provocaria o orgasmo da Via Láctea”; um amor para com os teus companheiros de arte e de vida, esses outros “entre montanhas que vão de Rimbaud a Lautréamont”, que conseguiram ter “a estatura devida as pernas suficientemente musculadas”. Outros como tu, portanto, como um Bosh, “que se masturbava na sombra de um avião”, ou um “infinitamente distante” Bach, com quem falas “num infinito silêncio”. Tantos outros, no campo da arte e da música, como Alphonse Cytère, Miguel Ângelo, Chirico, Beethoven, Brueghel, Brauner, Mozart, Delacroix, Facteur Cheval, Gaudí, Mantegna, António Dacosta, Claude Lorrain, Maeterlinck, Magritte, Prokofiev, Max Ernst, Peter Weiss, Matthias Grünewald, Botticelli, Nuno Gonçalves, Kandinsky, Cézane ou Goya. Outros tantos, no campo das letras, como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Oscar Wilde, Shakespeare, D. Dinis, Nerval, António Nobre, Dante, William Blake, Camilo Pessanha, Baudelaire, Camões, Dostoiévski ou Mariana Alcoforado, e outros, tantos outros. E há ainda, espreitando-nos da tua poesia, toda uma panóplia de personagens e lugares católicos, como não podia deixar de ser, já que se trata de figuras com traços transcendentais: Adão e Eva, Abel e Caim, apóstolos, profetas, virgens marias, cristos, anjos “em poses as mais eróticas”, um papa reformado que “quer ser cosmonauta”, juízos finais, paraísos e reis magos. Enfim, citando-te, diria que não ficaste “indiferente ao ménage à trois/ do Pai do Filho e do Espírito Santo”. Também visitas, sem surpresa, a tradição deítica grega e logo a roubas para as tuas metamorfoses, e assim nos fazes pensar no “ovo posto por Vénus”, e assim te imaginamos a falar “tu cá tu lá com as Parcas”. Este plano mitológico-religioso da tua poesia parece-me ter sido desenhado a pensar na lógica do tal mito novo, que na “cadeira de rodas do espaço nos apresenta Deus/ levantando na mão o seu copo de whisky”, “um Deus sentado sobre a sua reforma” que depois se estatela “pálido/ na planície”. E suportando, ou pairando sobre tudo isto, encontramos ainda a expressão de uma natureza também ela metamorfoseada, rica em fabulosos espécimes de fauna e de flora, derivados estes, seja de uma “loucura vegetal/ que se forma/ do sangue de milhões de árvores/ e de pedras”, caso da “ameixoeira triste” com planetas nos olhos, seja de um horizonte em que “correm animais líquidos, pelas planícies”, como os “caracóis a jacto”, o “gato-peixe/ ladrando ao luar” ou a águia que nos “sobrevoa/ agitando lâmpadas em vez de penas”.


É uma volta e uma reviravolta ao “universo múltiplo” da tua vertigem, um universo necessariamente superlativo, feito tanto de carne, como de pedra, como de nada, e que contém ainda uma outra galáxia feita de imaginação sobre o que já fora imaginado. Nesta, podemos descobrir extáticos a “biblioteca-bicicleta de Apolo/ pairando sobre a ilha de Páscoa”, apreciar “Giocondas sorrindo de perfil/ obstinadamente/ abraçadas à felicidade sem asas”, surpreender-nos com o elefante Celebes “segredando algo a Rimbaud”, seguir o “ritmo cambaleante de Alice/ perdida nas infindáveis estradas/ do País da [sic] Maravilhas”, ou ouvir “a história de Pedro/ mas este sem lobo”. Locais reais e imaginários (qual é qual?), que o Homem fez de tão extraordinários, ou pensamentos que constroem realidades convulsas, não menos extraordinárias, em que não podiam faltar os pudins flans, em que espelhos refletem “gilette nos dentes/ ‘Colgates’ nos cabelos” e em que há gentes que guardam “um resto de DDT/ para fazer uma excelente sopa”, “como se a vida fosse apenas um despertador barato/ alimentado a creme chantilly”.

Enquanto anoto este teu atlas do tempo, do espaço e da vida, dessa vida vincada no teu corpo, um corpo onde tudo e todos existem, ou se imagina que existam, ou estão por dizer que existem, pergunto-me, meu caro Cruzeiro, para quem te despes tu?

Certo que, munido de um espírito sarcástico e crítico, o teu destinatário somos nós, “cabeleiras secretíssimas que invadem toda a cidade”. E tu, porta-estandarte da libertação pela transcendentalidade da vida (que se encontra, precisamente, na estranheza da própria vida), avejão atento ao teu tempo, queres alertar-nos para o mundo que se conhece ou desconhece (para as tais coisas e pessoas que existem ou não existem ou estão por dizer que existem). Um mundo que mantém “o índio na América/ em tristes campos de concentração”, onde encontras os “lambe botas dos Rockefeller” e onde “o Czar de todas as rússias/ […] passou de cadillac”. Um mundo tão real e possível que enfrenta o desafio “do aquecimento universal fazer subir águas” e onde “o ar tinha sido vendido/ a quem por ele pagou mais caro”; e tão surreal e impossível como eram “impossíveis as bombas atómicas/ que deixámos florir sobre Hiroxima/ – por amor”, ou a construção de um “muro de Berlim mascarado de jardim/ coberto de açúcar”. Um mundo que te levou, como escreveste, a “esta África portuguesa/ de onde falo/ com a consciência gelada”, cujos negros, na voz dos comerciantes brancos, “‘são animais verdadeiros animais’”, e na tua, “por fora são animais/ tanto quanto tu és/ animal por dentro/ rico comerciante branco”. As tuas “palavras naufragadas”, as palavras do mar e da montanha em espelho, aquelas palavras “como constelações/ levadas nas quedas de água”, que nos envias como boias, veiculam também o teu testemunho da história através de uma máquina do tempo que possui uma selecção de paragens obrigatórias pré-programadas, extraídas da tua astuta sensibilidade que, concordo, “um Gulbenkian qualquer/ pode muito logicamente subsidiar”. Um testemunho que coloca à nossa disposição e espanto diálogos infinitos com os interlocutores menos (in)esperados. Desta forma, mais solavanco aqui, mais solavanco ali, de repente “Heliogábalo/ desce/ como uma flor/ agitada pelo vento”, ou damos por nós a imaginar “optimisticamente/ […] triliões de Churchills” e outros triliões de gente famosa, “todos felizes felizes/ a comer o mesmo biscoito”, e mais adiante encontramo-nos com Krisnamurti, Lady Mountbatten, Napoleão, Paracelso, Gilgamesh, Damião de Góis, ou com o Califa de Badgad, “não esquecendo nem por um minuto o charuto de/ Fidel Castro/ perdido em ondas de nevoeiro sebastianista”.

Poesia de partilha com todos nós, ela é também uma poesia de cumplicidade com aqueles, amantes e amados, cujas tatuagens emocionais nunca pararam de brilhar na pele que o tempo te foi esfoliando. E neste caso, existe uma espécie de garrafa lançada ao teu mar-amor, um acto de transformação da palavra poética numa navegação com dois sentidos. Porque embora o poeta confesse “ser eu ainda/ um oceano desconhecido”, ele sabe “que sem os outros/ não seria movimento”, pois “ao movimento de um corpo/ podemos comparar o movimento do mar”. E assim encontramos como passageiros dos teus “barcos de amorosos/ aportados às nuvens”, o António Maria Lisboa, cúmplice de aventuras no papel, cujo “tinteiro era o mar” – ele que “tinha uma mão do avesso” e que era “ao mesmo tempo muito mais pássaro/ do que homem/ excepto às sextas-feiras/ em que era muitíssimo mais homem do que pássaro”, e o Eurico da Costa, invisível algures “no coração do Alentejo”. E encontramos, claro, o teu Cesariny, ex-libris de liberdade, sempre ominipresente em ti, com quem dizias “merda” e era tudo o que o amor podia ser, tudo o que dele poderias dizer. É certo que, de forma directa, só de passagem o referes na tua poesia, mas poderia ter sido com ele que “sentados alta noite no Cais das Colunas/ deixámos a maré subir por nós acima”, ou a pensar nele que terás escrito o belo “Pequeno Poema” e, suspeito eu, muitas outras linhas, como estas: “A liberdade é o que nos exalta dizes/ mas nesse tempo eu era um rio sem margens/ […] o que te exalta agora é a beleza só a beleza./ Dessa viagem meu amor/ nenhum barco jamais regressou com voz”.

A propósito de beleza, a sensibilidade estética da tua poesia vai-se desabrochando aos nossos olhos precisamente por intermédio desse acto de escrita dialogante entre ti e o teu objecto de desejo. Aí, o belo dá forma a imagens de amor ou a viagens pelo sonho, duas chamas da mesma fogueira; imagens de uma profunda cumplicidade: “Amor, amor/ dizer amanhã é tão difícil!”; ou verdadeiramente oníricas e, por isso, transformadoras: “O sonho que me permite voar sem ti/ este sonho marítimo que me penetra,/ quando estás ausente/ não fica/ vai/ fiel à sua loucura”. Viagens que passam muitas vezes pelo mar, já que “o sonho desperto/ arrasta-nos para o subterrâneo azul” e porque é de lá que “viriam as grandes asas em forma de velas/ cheias. Assim iríamos para muito longe,/ através dos mares”. O belo, portanto, enforma o teu “a-mar”, esse teu acto de geómetra que converge amor e desejo no sonho do mar e da montanha: “Em dado momento o teu céu encontra o meu mar/ e a linha do horizonte/ é a escrita cursiva do teu rosto profundo”; e acrescenta especial dramatismo às tuas palavras quando o teu objecto de desejo é revelado num corpo oceânico: “Sou a majestade de um barco/ julgo-me um mundo outro/ com o teu corpo/ a navegar ao longe como uma flecha/ trespassando os meus braços”. Desta forma, contrariamente à sua função habitual, ou habituada, o belo, num certo tipo do teu “a-mar”, naufraga o corpo desejado:

 

Na noite de pedra

a mão submersa

como um rio em chamas

eu via aí

absoluto o teu corpo de água

sem um grito

lenta lentamente

naufragando.

 


A tua poesia, meu caro Cruzeiro, o teu “leito-mar” (VSG), esse “leito-mapa-múndi”, ou os “diversos leitos” que tens, em que te deitaste e sonhaste, apontam caminhos para uma vida tão fantasiosa quanto real, porque tudo é a imaginação do Homem. Ou, se quiseres, as tuas palavras trazem-nos inúmeras rebentações de teu eu-mar em centenas de novos eus. Uma rebentação que é (ainda) uma revolução, pois espraia-se em centenas de mitos novos, estranhos e insólitos na sua imagética, como se exige a toda a verdadeira novidade.

Não deixa de ser verdade que os teus poemas são sobretudo fragmentos, como escreveu a Isabel Meyrelles, e que a sua leitura tem um sabor de incompletude. No entanto, “há coisas cosidas a coisas/ com requintes de agulha e dedal”, e pedaço a pedaço, essa fragmentação convida ao desprendimento, à fruição e ao amor, e abre espaço para que a nossa visão imaginativa flua e se furte. Convida, creio, a deixar crescer um “peixe com festivas asas de borboleta” da eterna crisálida em que vivemos, porque a liberdade é uma transformação e “é para isto que as mães lá longe longe/ trocam cabeças por olhos/ mãos por púbis/ lágrimas por morangos/ leite por luas/ até que da tua nudez/ jorre enfim todo o mar”. Assim, a tua poesia não será aconselhada a cardíacos, ou é remédio santo precisamente para os mais cardíacos, sendo que terá muito mais a ver com as vísceras do que com o coração. É que só com a tal coragem das vísceras pode haver mergulho e o mergulho leva ao coração:

 

Um cão

é isto de sermos gente.

 

Se temos só duas pernas

temos em contrapartida

uma complicação escura

dentro do peito.

 

Qualquer coisa como

os fundos desconhecidos

da água

só conhecidos

dos náufragos.

 

Além disso, “de tudo/ só interessa o que não tem sentido”, porque “tudo vem do nada/ tudo vai e vem entre o que existe/ e o que não existe”, ou o que é inventado, está muito claro. Isto ajuda a compreender o local e as datas simbólicas que surgem a etiquetar todos os teus poemas, ou a tua suposta escrita automática que, afinal, não é tão automática quanto isso, como é fácil de comprovar dada a publicação (por engano ou enganadora?) de poemas com versões diferentes. Claro que revisitaste e retocaste o teu atlas! Não mudam de leito os rios, não se expande e contrai o mar? Acrescente-se a isto que “o caminho aberto ao homem/ é o do erro/ a mentira a deturpação o sub-reptício”. E não foste tu que disseste que é preciso uma percentagem muito grande de loucura para se viver, senão nasce-se morto (UVS)?

Lembro-me agora que, para Cesariny, metade do teu cérebro era luz, mas a outra metade, contudo, não me parece ser, como ele escreveu, “uma confusão total” (ACR). É outra forma de luz, é a luminescência da água do mar, vislumbre alucinogénico de qualquer náufrago. Tu dirás que não, que toda a tua cabeça é uma “desarrumação completa” (UVS). O que diz a tua poesia? – “É cedo é cedo ainda/ para saber o que esconde/ e nos revela/ a luz/ pois que é louca”. Seja como for, é num acto de loucura que nos dirigimos a essa luz, que seremos essa luz, através do tal mergulho-voo, percurso de sonho e de atrevimento, que encontro excepcionalmente retratado na seguinte micronarrativa ascensional:

 

O rapaz estendeu uma escada de corda

E subiu

subiu

subiu.

 

Por fim

a sua própria cabeça

era sol.

 

Ora aqui ficam, bem ou mal, as minhas notas para a cartografia da tua poesia, para um atlas das tuas “pesadas passadas/ através deste mundo”, através do teu amor e da tua história, do mar ao Tejo, à cidade, à montanha, ao acaso, ou lá perto.

Repara que tudo isto que escrevo não é mais do que o espelho da dúvida, afinal, “como posso saber se o que vejo desta janela/ é de facto a paisagem que vejo?”. Não é mais, portanto, do que a expressão de uma ingénua curiosidade, cujo resultado, muito provavelmente, configura um “esplendoroso mapa poluidor”, porém versado em respeito profundo pelo teu voto, o “voto maior/ de que não escrevam ou esculpam/ palavras académicas/ sobre esta prosa que imprudentemente deixo”. Um voto que deixas também como ameaça: “De lá de onde estiver/ vos apedrejarei/ e assim provocarei os mais sinistros naufrágios”. Ora lá está! Ao mesmo tempo que nos queres afastar, também nos queres empurrar para o naufrágio que tão necessário é, um naufrágio que pode começar pela força da poesia, em que “a palavra é um barco/ sempre em risco de naufragar”. E mesmo que haja “afinal/ tantas palavras encalhadas para sempre/ tantas/ para sempre sem sentido”, “a palavra é [também] um rio adormecido”, e os rios, como sabemos, despejam no mar tantas gotas quanto sentidos.

Assim, não obstante o teu aviso: “Procura tu o sexo dos mapas procura/ que ninguém sabe para onde foi arrastado pelas marés”, aventurei-me a fazer as malas, “porque é dentro delas/ que o mar não tem fundo” e porque, como um dia afirmaste, “a poesia é talvez a única chave possível, para uma fechadura que não há” (OSS). E mergulhei. Mergulhei sabendo, ou na ilusão de saber, que talvez fosses aquele “que perseguido pelas suas próprias mãos/ desembarcou/ numa espécie de museu de pulmões/ no fundo do mar”; sabendo que, novamente, o teu “universo múltiplo/ é a única chave de todas as portas” e que essa chave seria “uma chave feita de água”, embora existam muitas outras “chaves/ que se abrigaram/ no fundo do mar”. E o que encontrei? A dúvida. E o que concluo? Que tu és o “inventeur pour qui la découverte n’est que le moyen d’atteindre une nouvelle découverte”, como Benjamin Péret um dia escreveu (LDP) ; tu, náufrago e mestre dos labirintos.

Meu caro mestre Cruzeiro, não deves gostar que te chamem mestre, da mesma forma que não gostas que te chamem artista (UVS). Mas só tu podes ser o mestre deste testemunho que humildemente bebi. Mesmo sem quereres ser mestre, nem nós discípulos, não resistes a dizer-nos que “com a consciência dilatada/ querido discípulo enfim/ poderás possuir-te pelo buraco da fechadura”. Possuir-nos, possuindo-te no teu estilo, nas centenas de poemas como balas de uma metralhadora semi-automática, pois neles, em resumo, te encontramos submerso e à tona, nu, cartografado em amor e liberdade, nele encontramos, finalmente, “esse que sou/ uma pedra solta/ à beira de um caminho”.

E não resisto, num último mergulho, em extrair do teu rasto, do teu corpo, uma das muitas chaves para a fechadura que não existe – a palavra, precisamente, mas não uma palavra qualquer:

 

Atravessem embora os namorados os aquedutos,

sejam ainda cinzentas as nuvens no ventre das águias

navios líquidos se reproduzirão

por toda a parte.

E por sobre as tempestades

navegarão

rumo ao porto mais distante

indestrutíveis palavras sem nexo.

 

És mestre, sim, de ti e de nada. E como faz falta termos linhas mestras na vida, desde que, evidentemente, estas linhas tenham a capacidade de se curvarem. É que, sabendo que “mentem os mapas que apontam o labirinto submerso”, voltasse eu a tirar notas para traçar os triângulos da tua poesia, a sua forma geométrica seria, seguramente, outra.

 

Bibliografia

ACR: Cláudia Rita Oliveira, As Cartas do Rei Artur, Documentário, 85 min., 2015.

ALL: Cruzeiro Seixas, José Jorge Letria, Cruzeiro Seixas: a liberdade livre (Lisboa: Guerra e Paz, 2014).

APA: Susana Moreira Marques, “Artur do Cruzeiro Seixas: a palavra amor é incendiária”, Público, 6 Agosto 2013 <https://www.publico.pt/2013/08/06/jornal/artur-do-cruzeiro-seixas-a-palavra-amor-e-incendiaria-26922444> [acedido a 9 Março 2020].

CM: Isidore Ducasse Conde de Lautréamont, Cantos de Maldoror: seguidos de poesias, trad. Pedro Tamen (Lisboa: Fenda, 2004).

CRI: Adolphe Acker, et al, Cause: Rupture Inaugurale (Paris: Éditions Surréalistes, 1947).

LDP: Benjamim Péret, “Le Déshonneur des poètes” précédé de “La parole est à Péret” (Paris: Jean-Jacques Pauvert, 1965 [1945]).

OGF: Cruzeiro Seixas, Onze gavetas forradas de espelho: poemas inéditos ([s.n.]: Edições Sem Nome, 2018).

OSS: Cruzeiro Seixas, “O Surrealismo segundo Cruzeiro Seixas”, Revista Matérika, 11 (2015) <http://revistamaterika.com/es_materika_11/cruzeiro_seixas.html> [acedido a 19 Março 2020].

SEIXAS, Cruzeiro, Obra poética, 3 vols (Vila Nova de Famalição: Quasi; Fundação Cupertino de Miranda, 2004).

UVS: Cruzeiro Seixas, Bernardo Mendonça, et al, “Cruzeiro Seixas, uma vida surrealista entre o céu e o inferno: ‘Fui mais reprimido como homossexual depois do 25 de Abril’”, áudio, 64 min., Expresso, 3 Fevereiro 2017 <https://expresso.pt/podcasts/a-beleza-das-pequenas-coisas/2017-02-03-Cruzeiro-Seixas-uma-vida-surrealista-entre-o-ceu-e-o-inferno-Fui-mais-reprimido-como-homossexual-depois-do-25-de-Abril-1> [acedido a 1 Abril 2020].


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Agradecimentos à revista Ideia (Portugal), pela cessão deste ensaio.




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[A partir de janeiro de 2022]
 

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Número 188 | novembro de 2021

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