É perigoso e é remédio santo, haja
a coragem de nos lançarmos inteiros ao mar e inteiros nos afundarmos, a coragem
de conduzir uma máquina do tempo para fora e para dentro do tempo, solavanco aqui,
solavanco ali, das giocondas ao Pudim Flan, de Heliogábalo à Virgem Maria. Já lá
vamos.
Primeiro o mar. “Os poetas com
o mar/ não têm fundo”, escreveste, e tanto que tu tens de mar para nos dar, tu,
poeta-náufrago, nós, necessitados de naufrágio. Na cartografia da tua poesia, o
mar não é só o teu “reflexo”, é a folha de papel por inteiro. Tudo o resto é engolido
ou vomitado por ele. Depois, entre a imensidão desse mar, surge o veio de um rio
que conduz à cidade. Tu também nos queres mostrar a cidade e, não raramente, a falência
da cidade. Finalmente, a partir da linha do mar ou das ruas da cidade, erguem-se
montanhas, “montanhas grávidas”, “montanhas que nos cercam”, “infinitas/ sobre os
nossos corpos nus”. E parece completar-se um triângulo recorrente: a montanha, a
cidade, o mar.
A montanha é, claro, um símbolo.
Será o “Himalaia que devora o silêncio” e que te “devora/ em sonhos”, será África, teu “corpo distante”, um
“corpo de imensa liberdade”, onde “caminha/ enquanto fecha o sol num envelope/ um
homem igual”; será o Olimpo, com as suas “flores frescas […]/ que são o pão necessário
dos eternamente desempregados” (VSG); ou será a “pátria subterrânea” que ecoa as
canções dos deuses (OGF); serão as “pedras da Atlântida/ feitas de espaço”; ou ainda,
roubado ao mar, será “um corpo/ escuro opaco encoberto mitológico”. A tua montanha
representa, parece-me, o naufrágio, em ascensão ou em submersão, tanto dá – afinal,
as mesmas pernas que se fletem para um salto, fletem-se para um mergulho. Representa
ainda um apelo para que nos descasquemos, um comprimido de coragem para arrancar
a pele e “não recear as quedas/ nem as asas”, pois “é afogando-nos/ que sentimos
a altitude”. Afoguemo-nos, então, seguindo o mesmo impulso que te atirava à água
sem saberes nadar (ACR).
Leio: “O meu céu/ é o fundo mais
fundo/ do mar”. Eis o encontro recorrente entre o mar e a montanha (aqui na figura
do céu), ambos em espelho, elementos de um mesmo edifício: “Oh céus digo/ oh mar
profundíssimo/ abóbada de que tu és sustentáculo”. A tua poesia mistura um e outro,
viaja de um para o outro, mostra-nos a necessidade que um tem do outro, “como aquele
céu lá no mais alto/ que afinal precisa do mar/ para se saber azul”. Esta é uma
viagem de entremeio e de entre-sonho em que “pássaros de oiro com mãos de marfim/
transplantam as árvores transparentes/ para o ponto mais fundo do mar”, pássaros
vindos certamente de uma “nuvem com árvores erectas” ou de uma qualquer constelação
existente no firmamento, a mesma “constelação existente/ no fundo do mar”.
Mar e montanha, pois, em espelho,
ou emoldurando um espelho, cujo vidro, neste caso, é muitas vezes a cidade, prisioneira
entre eles: “Fazer as pazes comigo/ e depois atravessar Lisboa a pé/ como um navio
até Marte”. Da cidade ao mar, do mar à montanha, receita perfeita de mergulho ou
ascensão. Quantas são as vezes em que o náufrago deambula pelas cidades da tua poesia
à procura do mar ou da montanha: “Em fila as estátuas/ dirigem-se/ para o cais”?
Náufragos-autómatos, bem visto, todos nós, “com longas asas e fechaduras” que um
dia, “espera-se/ proclamem enfim a sua liberdade”. Quantas vezes ainda, meu caro
amigo Cruzeiro, nos fazes sentir que existem “cidades como tempestades olhando o
navio” ou que “há eternamente a voz singela do sino/ chamando o mar”?
Da cidade ao cais, ao rio, ao mar,
à montanha, aqui está a aventura existencial que partilhas connosco, um rasgão da
vida em sonho e em desejo, esse “desejo de voar sem asas”, desejo de nos refazermos:
Oh meu amor
traz todas as lanternas do mundo
e o sol também
para ajudar a fazer de novo
a lua perdida
e o mar naufragado.
Já se sabe que todo o desejo crepita
em frenesim e por isso o mar, a cidade e a montanha que anoto na cartografia da
tua poesia não são estanques. Revelam-se em metamorfoses constantes, numa espécie
de ir e vir e ir e vir, em múltiplas viagens-onda. Só das viagens inconstantes,
daquelas em mergulho-voo por esses três vértices, em olhos gerados pela “aliança
de um pássaro e de um peixe” ou em peitos onde “acasalam peixes e aranhas”, pode
nascer o novo mito. O regresso a um mito original, talvez? Talvez o despertar de
“uma realidade/ que fosse realmente mítica”. Nada de religiões aqui, entenda-se,
já que “as religiões todas não ensinam mais do que a confeitaria”. Este regresso
é a reinvenção do mito anterior, e interior, existente em nós por inteiros, um mito
que troveja em corações espicaçados, que lança ao mesmo tempo o Homem para a sua
dimensão ulterior, quiçá o germinar da semente do “mythe nouveau”, que Breton
e companheiros disseminaram em Rupture
Inaugurale (CRI). Novo mito,
novo mundo, desde que “todo em chamas”.
Esqueçamos, por ora, se existe
mito ou se encontraste na tua África (uma das tuas montanhas) o teu mito. Talvez
mais prudente seja desmistificá-lo. Esqueçamos ainda se o mar, a cidade e a montanha
serão os três eixos que, tantas vezes, encontro nas tuas pinturas a suportar meta-corpos
nus, luas e pedras. É belo, por si só, apreciar o geómetra que és, a unir vértices
num só ponto, numa só vaga de pensamento, numa cidade-mar-montanha-mar-cidade-montanha.
É desta forma que compreendo o fulano que “passeava pela trela um peixe” e o outro
que “dormia com uma nuvem”; que compreendo, meu caro Cruzeiro, essa aventura existencial
que traças e ofereces, tão bem sintetizada no excerto seguinte:
Armado para passar fronteiras
nu como um herói antigo
seguido pelo movimento dos olhos das estátuas
possuído à meia-noite pelo Acaso
e na madrugada pela sua própria sombra
partiu da nuvem a fingir de cais
entre a navalha próxima e a ascese do voo
nas engrenagens das águias
onde tudo o mais se confunde no silêncio
com o rastrejar da serpente.
As estátuas ficaram a cantar “o
seu eterno cocorocó” (OGF), tu quiseste “comer lava/ todos os dias/ em vez de pão”.
O que te afastava dos comuns mortais? A tua espécie rara de vida, é evidente, e
a falta de dinheiro, como já o disseste (UVS). Por ventura, digo eu, terá sido a
tua visão. Lembrando-te: “o que separa o fundo do mar/ da extensa muralha ameada;/
é esta luz que devoramos de garfo e faca/ e que afinal nos devora”. De facto, muitos
de nós permanecem hipnotizados pela face reluzente dos utensílios e das máquinas
“desta cidade imaginária onde circula o nosso sangue,/ lento como o indescritível
que nos separa/ do mar que somos”, essas “máquinas imitando o mar osso a osso”,
máquinas que, portanto, nos separam da “parte de mar/ que afinal/ cada um tem em
si”. Tu, “satélite/ fora das muralhas”, viste além: “À transparência da cidade vejo
o mar”, e assim embarcaste, pois tinhas barcos encalhados na carne. Melhor, e assim
naufragaste, como veementemente nos indicas: “Falo-vos eu em NAUFRÁGIO” – e que
naufrágio! Falemos dele.
Logo aos cinco anos, afogaram-te
na lógica de um doutor que não te vaticinava mais do que duas novas primaveras,
mas essa mesma sombra da morte empurrou-te para o areal da alma, para junto do mar,
dado que só perto dele te curarias (ALL). Vai daí, “tantas vezes quantas o mar entrou
na minha cama”, recordas “a lua/ desde sempre pendurada no meu quarto”, “um quarto
vazio à espera do mar”. Esta tua travessia, bêbado do mar e da lua (montanha simbólica,
desejo de evasão), teve tanto de milagre como de surrealidade e terá sido, então,
o teu primeiro naufrágio – no sentido da descoberta, no sentido do fundo do mar,
qual “suicídio do Titanic”. O mar foi-te uma outra alma mater: “bate o meu coração ao ritmo das marés/ do teu ventre azul/
Mãe”. E é carregado com esta experiência que nos fazes saber ser a “única salvação”
aquela que nos chega da “mão do mar eternamente/ na nossa fronte”. Só o mar, deveras,
com toda a sua extensibilidade e mistério, poderia acalentar uma alma que albergava
sentimentos como este: “Foi em mim/ Guernica e Hiroshima”, e assim se entenderá
eventualmente também que “uma lágrima uma lágrima/ eu te digo/ é todo o mar salgado”.
Ah, como tu estavas predestinado a navegar nas águas deste planeta! Desde logo,
porque carregas cruzeiro no nome e porque, em face deste episódio de vida, foste
capaz de agarrar a tua cruz (uma cruz que tudo cruza) e fazer com ela o milagre
do mar que te foi inundando, até, enfim, poderes afirmar: “Sei que o lado maior
de mim é mar”. E quando o mar te faltava, a urgência de tê-lo:
I
Leva este cântaro,
enche-o de água
salgada,
traz para este lago
todo o tamanho do céu.
II
Leva,
enche
e traz
os olhos secos,
com água pura
escorrendo no musgo
até formar um mar.
III
Leva este cântaro,
enche-o,
traz água
até submergir
esta paisagem.
Falemos mais do teu mar-amor, teu
mar-desejo. Não se revelou igualmente junto ao mar o vislumbre de um primeiro corpo
nu, para sempre tatuado nos teus olhos (APA)? O mesmo corpo, creio, do marinheiro
que recordas “atravessando a nado/ as montanhas infinitas/ dos meus sonhos, um corpo-náufrago,
corpo-guia. Quem era ele sendo tu? Um Rimbaud “subindo sempre,/ sem asas”, um Lautréamont,
um Jarry, um Leonardo da Vinci, quem sabe um Sade, “verdadeiro espelho do homem
completo”? Ou simplesmente um Alfredo, teu “cúmplice”, um António, um José, um Carlos,
ou mesmo um Manuel Moscardo, velho pescador, que te cozinhou uma gaivota? Estes
são alguns dos homens a que aludes nos teus versos, autênticos faróis e inspiração,
como farol e inspiração terá sido o marinheiro que virias a levar, já adulto, para
o teu atelier em Lisboa e lá o (re)via a despir-se (APA). Confessas, a propósito,
que “cada poema/ cada desenho/ são os marinheiros que navegaram na minha cama”,
e a pensar neles, neles e no mar, terás ainda escrito: “Oh meu amor/ corpo de búzio
onde escuto o mar distante/ as quentes calças azuis frementes”.
O mar-mãe-marinheiro, para mim,
é a tua alquimia do amor, o teu “amor azul”. Quis chegar a esta fórmula de amor
para traçar no teu mapa um outro naufrágio, um mergulho profundo pelo rio adiante,
entre o amor do mar e aquele das paredes da grande cidade. Uma viagem-vaga, enfim,
através do rio Tejo, veia transbordante do teu corpo, tinta da tua escrita.
Sabes que em toda a tua poesia
tu evocas mais o Tejo do que Deus (e tantas vezes escreves a palavra Deus) e do
que a tua África? Se, por um lado, te questionas e te respondes: “Deus existe?/
Deus não existe?/ Ambas as coisas são verdade/ ao mesmo tempo”, por outro, o teu
Tejo esteve “sempre presente”. O Tejo foi o teu Deus, um Deus à tua maneira. É nele
que se afundam catedrais, nele onde, na “profundidade da sua profundidade”, se derramam
“cintilações” e paisagens. Se o teu caminho teve um cúmplice nos sapatos que reencontras
“olhando o Tejo”, então o Tejo foi-te destino e olhar, encontro e desencontro. É
sob o peso do Tejo que assassinas a tua obra, mas também onde a crias, “na superfície
da água”. Onde, no fundo, “ainda é belo ver voar […]/ um peixe podre”. Se “todas
as coisas nos olham/ mas nada nos reconhece”, o Tejo terá sido uma excepção, uma
fonte de sonhos, oriunda, porque não, daquele país onde “todas as nascentes/ partiam/
ao encontro de Lautréamont”, ao teu querido Lautréamont, que leste “furiosamente”
e que também tinha um “velho oceano” que só ele compreendia e diante do qual se
prostrava (CM).
O teu Tejo é, também, o dos cacilheiros
em que te metias com o Cesariny e a Isabel Meyrelles para mergulharem nus no mar
das praias da Caparica (APA). Quais “búzios recusando o sono”, sabiam com certeza
que “nus naufragamos na terra” e que “por toda a parte há sonhos/ a empurrar outros
sonhos/ para o abismo” (VSG). E tal como o mar e a terra, que “constantemente/ trocam
os sexos entre si”, também vocês só seriam possíveis de existir nus e náufragos,
amantes e viajantes, da cidade ao Tejo, do Tejo ao vasto mar e nele na senda da
montanha, porque “só os náufragos/ se agarram às palavras que parecem flutuar/ à
fosca claridade da lua”. O Tejo foi-te, pois, também sonho, também amor, também
liberdade. Lembro-te: “sabermos amarmo-nos uns aos outros isso é realmente uma maneira
muito bonita de caminhar para a liberdade” (UVS) – a liberdade do náufrago? Certamente
a liberdade de um abraço, ou de um abarcamento, o gesto que falta para inverter
as vidas sem sonho, o gesto, novamente, esboçado numa viagem entre os três vértices
da tua poesia:
A ideia de abraço
desponta no horizonte
e persistentemente invertidas inventam
um céu sem azul
povoado de cidades onde um homem
parado a toda a velocidade
sonha
ser um mar
entre os mares.
E neste “a-mar”, nesse libertar,
da cidade ao mar à montanha, levou-te o Tejo à foz e de lá a vários cantos do mundo,
incluindo África, tua musa, pela qual te apaixonastes e a qual adicionaria mais
cores à paleta da tua alma, tornando-te “branco por fora e negro por dentro”. Seria
aí, sobretudo em Angola, inspirado, estou em crer, pelas tuas odisseias entre Luanda
e o Catete, passando por Cassoalala, Zenza do Itombe, Golungo Alto ou por Cariamba,
que libertarias o teu sémen verbal e visual, poético sempre, talvez porque “na Europa
falta sempre algo/ em África/ há sempre algo/ excessivo”. No entanto, o teu Tejo
é também o caminho para a eterna cidade que te é origem, a cidade que, tal como
“a mosca com o seu enorme violino”, te afagou (e afogou?), essa “Lisboa das sete
colinas e dos sete anões/ oh cidade dos sete olhos vesgos/ onde o vidro substitui
o ouvido”.
Na cartografia da tua poesia, meu
caro Cruzeiro, é inevitável realçar que ambos, Tejo e Lisboa, se estenderam à tua
permanência em terras africanas e à tua expressão poética, que me parece, por isso,
conter também a expressão da saudade. Lisboa está lá por inteiro, mapa detalhado
de um corpo, o teu corpo, ou um teu corpo outro, percorrido vezes sem conta: do
Cais do Sodré à Ribeira das Naus, que nos oferece o desembarque de um “unicórnio
deslumbrado”; do Cais das Colunas ao Terreiro do Paço submergido; das “galinhas
debicando no Rossio” (VSG) ao Chiado “em chamas”; da “porta sem cor da livraria
Corti” e daí até ao lugar de onde vemos os “magníficos navios [que] sobem a Avenida
da Liberdade”, ou onde sentimos as “vísceras/ saltando do eléctrico na Graça”; ou
ainda da Feira da Ladra aos Jerónimos e ao “rinoceronte que nos espreita/ naquele
ângulo da Torre de Belém”, uma “Torre de Belém/ com dores de dentes”. Lisboa, por
outro lado, é a Lisboa do terremoto de 1755, que “nos separa uns dos outros ainda
hoje”. E eis a falência da cidade que tu nos fazes sentir: “Um cataclismo ainda
criança/ sem palavras/ destruiu toda uma cidade”. As cidades na tua poesia são revoltosas,
revoltadas e, não raramente, condenadas: há a “cidade em chamas”; gritas que “toda
a cidade é um púbis incendiado!”; que “a cidade é uma catarata/ caindo de grande
altura”. E a tua “Lisboa dos naufrágios”, portanto, não escapa ao “vento por sobre
os mares/ arrasando cidades” e acaba, também ela, devorada por “feras”. Interessam-te
eventos transformadores como estes, inéditos, inusitados, destruidores, se necessário
for, que tragam convulsão à vida e sublinhem a perplexidade das linhas tortas perante
a conformidade mesquinha da existência linear. Interessam-te as cidades “construída[s]
nas asas de uma gaivota” ou sustentadas nos ramos “das árvores que desfilam em chamas”.
Lisboa é a polis central do teu atlas, mas terá sido
ela o único ponto térreo que a tua poesia nos convida a visitar? Longe disso. Foram
tantos os ápices erigidos por povos e gente corajosa, gente naufragada que rumou
à loucura, à tragédia, à arte, à montanha, ao acaso, ou lá perto; tantos locais de excelência
que os teus olhos viram ou imaginaram nos “cinco continentes
que em nós existem” e que depois a tua mão traçou, para os quais – ou para a tua peculiar
percepção dos quais –, somos empurrados. Assim, solavanco aqui, solavanco ali, esse
empurrão leva-nos “ao mar que não existe/ em Port Lligat”; aos “óculos dissimulados
a cada canto do Parténon”; à “arte egípcia de se assoar em Assuão”; à Versailles
construída por Ulisses; às “paredes de Lascaux”, ao “Mistério Mistério Mistério…”
do Convento dos Capuchos em Sintra. Mais, erguem-se também na cartografia da tua
poesia: a Pirâmide de Qeops e a Muralha da China; a Estátua da Liberdade e o Empire
State Building; a Praça de S. Marcos e a de S. Pedro; a Catedral de Chartres e a
de Oviedo; a “janela manuelina de Tomar” nascida
de um génesis muito peculiar; uma Moscovo que atesta “talheres dalinianos”;
uma “Nova Iorque/ a cada passo/ tropeçando nos seus próprios cabelos”; uma “datcha
na Ucrânia [que] cresce/ como um corpo nu e disforme”; as “preciosas rendas de Veneza/
confundindo-se com o vinho derramado/ quando da solenidade do baptismo”; ou uma
“estrada trémula até Paris”.
Mas não jorram apenas monumentos da tua poesia
de naufrágio. Escapam-se igualmente rezas de amor, um amor por vezes
retumbante, que “faria levitar ratos/ provocaria o orgasmo da Via Láctea”; um amor
para com os teus companheiros de arte e de vida, esses outros “entre montanhas que
vão de Rimbaud a Lautréamont”, que conseguiram ter “a estatura devida as pernas
suficientemente musculadas”. Outros como tu, portanto, como um Bosh, “que se masturbava
na sombra de um avião”, ou um “infinitamente distante” Bach, com quem falas “num
infinito silêncio”. Tantos outros, no campo da arte e da música, como Alphonse Cytère,
Miguel Ângelo, Chirico, Beethoven, Brueghel, Brauner, Mozart, Delacroix, Facteur Cheval,
Gaudí, Mantegna, António Dacosta, Claude Lorrain, Maeterlinck, Magritte, Prokofiev, Max
Ernst, Peter Weiss,
Matthias Grünewald, Botticelli, Nuno Gonçalves, Kandinsky, Cézane ou Goya.
Outros tantos, no campo das letras, como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Oscar
Wilde, Shakespeare, D. Dinis, Nerval, António Nobre, Dante, William Blake, Camilo
Pessanha, Baudelaire, Camões, Dostoiévski ou Mariana Alcoforado, e outros, tantos outros.
E há ainda, espreitando-nos da tua poesia, toda uma panóplia
de personagens e lugares católicos, como não podia deixar de ser, já que se trata
de figuras com traços transcendentais: Adão e Eva, Abel e Caim, apóstolos, profetas,
virgens marias, cristos, anjos “em poses as mais eróticas”, um papa reformado que
“quer ser cosmonauta”, juízos finais, paraísos e reis magos. Enfim, citando-te,
diria que não ficaste “indiferente ao ménage à trois/ do Pai do Filho e do Espírito
Santo”. Também visitas, sem surpresa, a tradição deítica grega e logo a roubas para
as tuas metamorfoses, e assim nos fazes pensar no “ovo posto por Vénus”, e assim
te imaginamos a falar “tu cá tu lá com as Parcas”. Este plano mitológico-religioso
da tua poesia parece-me ter sido desenhado a pensar na lógica do tal mito novo,
que na “cadeira de rodas do espaço nos apresenta Deus/ levantando na mão o seu copo
de whisky”, “um Deus sentado sobre a sua reforma” que depois se estatela “pálido/
na planície”. E suportando, ou pairando sobre tudo isto, encontramos ainda a expressão
de uma natureza também ela metamorfoseada, rica em fabulosos espécimes de fauna
e de flora, derivados estes, seja de uma “loucura vegetal/ que se forma/ do sangue
de milhões de árvores/ e de pedras”, caso da “ameixoeira triste” com planetas nos
olhos, seja de um horizonte em que “correm animais líquidos, pelas planícies”, como
os “caracóis a jacto”, o “gato-peixe/ ladrando ao luar” ou a águia
que nos “sobrevoa/ agitando lâmpadas em vez de penas”.
Enquanto anoto este teu atlas do
tempo, do espaço e da vida, dessa vida vincada no teu corpo, um corpo onde
tudo e todos existem, ou se imagina que existam, ou estão por dizer
que existem, pergunto-me, meu caro Cruzeiro, para quem te despes
tu?
Certo que, munido de um espírito
sarcástico e crítico, o teu destinatário somos nós, “cabeleiras secretíssimas que
invadem toda a cidade”. E tu, porta-estandarte da libertação pela transcendentalidade
da vida (que se encontra, precisamente, na estranheza da própria vida), avejão atento
ao teu tempo, queres alertar-nos para o mundo que se conhece ou desconhece (para
as tais coisas e pessoas que existem ou não existem ou estão por dizer que existem).
Um mundo que mantém “o índio na América/ em tristes campos de concentração”, onde
encontras os “lambe botas dos Rockefeller” e onde “o Czar de todas as rússias/ […]
passou de cadillac”. Um mundo tão real e possível que enfrenta o desafio “do aquecimento
universal fazer subir águas” e onde “o ar tinha sido vendido/ a quem por ele pagou
mais caro”; e tão surreal e impossível como eram “impossíveis as bombas atómicas/
que deixámos florir sobre Hiroxima/ – por amor”, ou a construção de um “muro de
Berlim mascarado de jardim/ coberto de açúcar”. Um mundo que te levou, como escreveste,
a “esta África portuguesa/ de onde falo/ com a consciência gelada”, cujos negros,
na voz dos comerciantes brancos, “‘são animais verdadeiros animais’”, e na tua,
“por fora são animais/ tanto quanto tu és/ animal por dentro/ rico comerciante branco”.
As tuas “palavras naufragadas”, as palavras do mar e da montanha em espelho, aquelas
palavras “como constelações/ levadas nas quedas de água”, que nos envias como boias,
veiculam também o teu testemunho da história através de uma máquina do tempo que
possui uma selecção de paragens obrigatórias pré-programadas, extraídas da tua astuta
sensibilidade que, concordo, “um Gulbenkian qualquer/ pode muito logicamente subsidiar”.
Um testemunho que coloca à nossa disposição e espanto diálogos infinitos com os
interlocutores menos (in)esperados. Desta forma, mais solavanco aqui, mais solavanco
ali, de repente “Heliogábalo/ desce/ como uma flor/ agitada pelo vento”, ou damos
por nós a imaginar “optimisticamente/ […] triliões de
Churchills” e outros triliões de gente famosa, “todos felizes felizes/ a comer o
mesmo biscoito”, e mais adiante encontramo-nos com Krisnamurti, Lady Mountbatten, Napoleão,
Paracelso, Gilgamesh, Damião de Góis, ou com o Califa de Badgad,
“não esquecendo nem por um minuto o charuto de/ Fidel Castro/ perdido em ondas de
nevoeiro sebastianista”.
Poesia de partilha com todos nós,
ela é também uma poesia de cumplicidade com aqueles, amantes e amados, cujas tatuagens
emocionais nunca pararam de brilhar na pele que o tempo te foi esfoliando. E neste
caso, existe uma espécie de garrafa lançada ao teu mar-amor, um acto de transformação
da palavra poética numa navegação com dois sentidos. Porque embora o poeta confesse
“ser eu ainda/ um oceano desconhecido”, ele sabe “que sem os outros/ não seria movimento”,
pois “ao movimento de um corpo/ podemos comparar o movimento do mar”. E assim encontramos
como passageiros dos teus “barcos de amorosos/ aportados às nuvens”, o António Maria
Lisboa, cúmplice de aventuras no papel, cujo “tinteiro era o mar” – ele que “tinha
uma mão do avesso” e que era “ao mesmo tempo muito mais pássaro/ do que homem/ excepto
às sextas-feiras/ em que era muitíssimo mais homem do que pássaro”, e o Eurico da Costa, invisível
algures “no coração do Alentejo”. E encontramos, claro, o teu Cesariny,
ex-libris de liberdade, sempre ominipresente em ti, com quem dizias “merda” e era
tudo o que o amor podia ser, tudo o que dele poderias dizer. É certo que, de forma
directa, só de passagem o referes na tua poesia, mas poderia ter sido com ele que
“sentados alta noite no Cais das Colunas/ deixámos a maré subir por nós acima”,
ou a pensar nele que terás escrito o belo “Pequeno Poema” e, suspeito eu, muitas
outras linhas, como estas: “A liberdade é o que nos exalta dizes/ mas nesse tempo
eu era um rio sem margens/ […] o que te exalta agora é a beleza só a beleza./ Dessa
viagem meu amor/ nenhum barco jamais regressou com voz”.
A propósito de beleza, a sensibilidade
estética da tua poesia vai-se desabrochando aos nossos olhos precisamente por intermédio
desse acto de escrita dialogante entre ti e o teu objecto de desejo. Aí, o belo
dá forma a imagens de amor ou a viagens pelo sonho, duas chamas da mesma fogueira;
imagens de uma profunda cumplicidade: “Amor, amor/ dizer amanhã é tão difícil!”;
ou verdadeiramente oníricas e, por isso, transformadoras: “O sonho que me permite
voar sem ti/ este sonho marítimo que me penetra,/ quando estás ausente/ não fica/
vai/ fiel à sua loucura”. Viagens que passam muitas vezes pelo mar, já que “o sonho
desperto/ arrasta-nos para o subterrâneo azul” e porque é de lá que “viriam as grandes
asas em forma de velas/ cheias. Assim iríamos para muito longe,/ através dos mares”.
O belo, portanto, enforma o teu “a-mar”, esse teu acto de geómetra que converge
amor e desejo no sonho do mar e da montanha: “Em dado momento o teu céu encontra
o meu mar/ e a linha do horizonte/ é a escrita cursiva do teu rosto profundo”; e
acrescenta especial dramatismo às tuas palavras quando o teu objecto de desejo é
revelado num corpo oceânico: “Sou a majestade de um barco/ julgo-me um mundo outro/
com o teu corpo/ a navegar ao longe como uma flecha/ trespassando os meus braços”.
Desta forma, contrariamente à sua função habitual, ou habituada, o belo, num certo
tipo do teu “a-mar”, naufraga o corpo desejado:
Na noite de pedra
a mão submersa
como um rio em chamas
eu via aí
absoluto o teu corpo de água
sem um grito
lenta lentamente
naufragando.
Não deixa de ser verdade que os
teus poemas são sobretudo fragmentos, como escreveu a Isabel Meyrelles, e que a
sua leitura tem um sabor de incompletude. No entanto, “há coisas cosidas a coisas/
com requintes de agulha e dedal”, e pedaço a pedaço, essa fragmentação convida ao
desprendimento, à fruição e ao amor, e abre espaço para que a nossa visão imaginativa
flua e se furte. Convida, creio, a deixar crescer um “peixe com festivas asas de
borboleta” da eterna crisálida em que vivemos, porque a liberdade é uma transformação
e “é para isto que as mães lá longe longe/ trocam cabeças por olhos/ mãos por púbis/
lágrimas por morangos/ leite por luas/ até que da tua nudez/ jorre enfim todo o
mar”. Assim, a tua poesia não será aconselhada a cardíacos, ou é remédio santo precisamente
para os mais cardíacos, sendo que terá muito mais a ver com as vísceras do que com
o coração. É que só com a tal coragem das vísceras pode haver mergulho e o mergulho
leva ao coração:
Um cão
é isto de sermos gente.
Se temos só duas pernas
temos em contrapartida
uma complicação escura
dentro do peito.
Qualquer coisa como
os fundos desconhecidos
da água
só conhecidos
dos náufragos.
Além
disso, “de tudo/ só interessa o que não tem sentido”, porque “tudo vem do nada/
tudo vai e vem entre o que existe/ e o que não existe”, ou o que é inventado, está
muito claro. Isto ajuda a compreender o local e as datas simbólicas que surgem a
etiquetar todos os teus poemas, ou a tua suposta escrita automática que, afinal,
não é tão automática quanto isso, como é fácil de comprovar dada a publicação (por
engano ou enganadora?) de poemas com versões diferentes. Claro que revisitaste e
retocaste o teu atlas! Não mudam de leito os rios, não se expande e contrai o mar?
Acrescente-se a isto que “o caminho aberto ao homem/ é o do erro/ a mentira a deturpação
o sub-reptício”. E não foste tu que disseste que é preciso uma percentagem muito
grande de loucura para se viver, senão nasce-se morto (UVS)?
Lembro-me
agora que, para Cesariny, metade do teu cérebro era luz, mas a outra metade, contudo,
não me parece ser, como ele escreveu, “uma confusão total” (ACR). É outra forma
de luz, é a luminescência da água do mar, vislumbre alucinogénico de qualquer náufrago.
Tu dirás que não, que toda a tua cabeça é uma “desarrumação completa” (UVS). O que
diz a tua poesia? – “É cedo é cedo ainda/ para saber o que esconde/ e nos revela/
a luz/ pois que é louca”. Seja como for, é num acto de loucura que nos dirigimos
a essa luz, que seremos essa luz, através do tal mergulho-voo, percurso de sonho
e de atrevimento, que encontro excepcionalmente retratado na seguinte micronarrativa
ascensional:
O rapaz estendeu uma escada de corda
E subiu
subiu
subiu.
Por fim
a sua própria cabeça
era sol.
Ora aqui ficam, bem ou mal, as minhas
notas para a cartografia da tua poesia, para um atlas das tuas “pesadas
passadas/ através deste mundo”, através do teu amor e da tua história, do mar ao
Tejo, à cidade, à montanha, ao acaso, ou lá perto.
Repara que tudo isto que escrevo não
é mais do que o espelho da dúvida, afinal, “como posso
saber se o que vejo desta janela/ é de facto a paisagem que vejo?”. Não é mais,
portanto, do que a expressão de uma ingénua curiosidade, cujo resultado, muito provavelmente,
configura um “esplendoroso mapa poluidor”, porém
versado em respeito profundo pelo teu voto, o “voto maior/ de que não escrevam ou
esculpam/ palavras académicas/ sobre esta prosa que imprudentemente deixo”. Um voto
que deixas também como ameaça: “De lá de onde estiver/ vos apedrejarei/ e assim
provocarei os mais sinistros naufrágios”. Ora lá está! Ao mesmo tempo que nos queres
afastar, também nos queres empurrar para o naufrágio que tão necessário é, um naufrágio
que pode começar pela força da poesia, em que “a palavra é um barco/ sempre em risco
de naufragar”. E mesmo que haja “afinal/ tantas palavras encalhadas para sempre/
tantas/ para sempre sem sentido”, “a palavra é [também] um rio adormecido”, e os
rios, como sabemos, despejam no mar tantas gotas quanto sentidos.
Assim, não obstante o teu aviso:
“Procura tu o sexo dos mapas procura/ que ninguém sabe para onde foi arrastado pelas
marés”, aventurei-me a fazer as malas, “porque é dentro delas/ que o mar não tem
fundo” e porque, como um dia afirmaste, “a poesia é talvez a única chave possível,
para uma fechadura que não há” (OSS). E mergulhei. Mergulhei sabendo, ou na ilusão
de saber, que talvez fosses aquele “que perseguido pelas suas próprias mãos/ desembarcou/
numa espécie de museu de pulmões/ no fundo do mar”; sabendo que, novamente, o teu
“universo múltiplo/ é a única chave de todas as portas” e que essa chave seria “uma
chave feita de água”, embora existam muitas outras “chaves/ que se abrigaram/ no
fundo do mar”. E o que encontrei? A dúvida. E o que concluo? Que tu és o “inventeur pour qui la découverte n’est que le
moyen d’atteindre une nouvelle découverte”, como Benjamin Péret um dia escreveu
(LDP) ; tu, náufrago e mestre dos labirintos.
Meu caro mestre Cruzeiro, não deves
gostar que te chamem mestre, da mesma forma que não gostas que te chamem artista
(UVS). Mas só tu podes ser o mestre deste testemunho que humildemente bebi. Mesmo
sem quereres ser mestre, nem nós discípulos, não resistes a dizer-nos que “com a
consciência dilatada/ querido discípulo enfim/ poderás possuir-te pelo buraco da
fechadura”. Possuir-nos, possuindo-te no teu estilo, nas centenas de poemas como
balas de uma metralhadora semi-automática, pois neles, em resumo, te encontramos
submerso e à tona, nu, cartografado em amor e liberdade, nele encontramos, finalmente,
“esse que sou/ uma pedra solta/ à beira de um caminho”.
E não resisto, num último mergulho,
em extrair do teu rasto, do teu corpo, uma das muitas chaves para a fechadura que
não existe – a palavra, precisamente, mas não uma palavra qualquer:
Atravessem embora os namorados os aquedutos,
sejam ainda cinzentas as nuvens no ventre das águias
navios líquidos se reproduzirão
por toda a parte.
E por sobre as tempestades
navegarão
rumo ao porto mais distante
indestrutíveis palavras sem nexo.
És mestre, sim, de ti e de nada.
E como faz falta termos linhas mestras na vida, desde que, evidentemente, estas
linhas tenham a capacidade de se curvarem. É que, sabendo que “mentem os mapas que
apontam o labirinto submerso”, voltasse eu a tirar notas para traçar os triângulos
da tua poesia, a sua forma geométrica seria, seguramente, outra.
Bibliografia
ACR: Cláudia Rita Oliveira, As Cartas do Rei Artur, Documentário, 85 min., 2015.
ALL: Cruzeiro Seixas, José Jorge Letria, Cruzeiro Seixas: a liberdade livre (Lisboa:
Guerra e Paz, 2014).
APA: Susana Moreira Marques, “Artur do Cruzeiro Seixas:
a palavra amor é incendiária”, Público,
6 Agosto 2013 <https://www.publico.pt/2013/08/06/jornal/artur-do-cruzeiro-seixas-a-palavra-amor-e-incendiaria-26922444>
[acedido a 9 Março 2020].
CM: Isidore Ducasse Conde de Lautréamont, Cantos de Maldoror: seguidos de poesias,
trad. Pedro Tamen (Lisboa: Fenda, 2004).
CRI: Adolphe Acker, et al, Cause: Rupture Inaugurale (Paris: Éditions
Surréalistes, 1947).
LDP: Benjamim Péret, “Le Déshonneur
des poètes” précédé de “La parole est à Péret” (Paris: Jean-Jacques Pauvert,
1965 [1945]).
OGF: Cruzeiro Seixas, Onze gavetas forradas de espelho: poemas inéditos ([s.n.]: Edições Sem
Nome, 2018).
OSS: Cruzeiro Seixas, “O Surrealismo segundo Cruzeiro
Seixas”, Revista Matérika, 11 (2015) <http://revistamaterika.com/es_materika_11/cruzeiro_seixas.html>
[acedido a 19 Março 2020].
SEIXAS, Cruzeiro, Obra poética, 3 vols (Vila Nova de Famalição: Quasi; Fundação Cupertino
de Miranda, 2004).
UVS: Cruzeiro Seixas, Bernardo Mendonça, et al, “Cruzeiro Seixas, uma vida surrealista entre o céu e o inferno: ‘Fui mais reprimido como homossexual depois do 25 de Abril’”, áudio, 64 min., Expresso, 3 Fevereiro 2017 <https://expresso.pt/podcasts/a-beleza-das-pequenas-coisas/2017-02-03-Cruzeiro-Seixas-uma-vida-surrealista-entre-o-ceu-e-o-inferno-Fui-mais-reprimido-como-homossexual-depois-do-25-de-Abril-1> [acedido a 1 Abril 2020].
__________
Agradecimentos à revista Ideia (Portugal), pela cessão deste ensaio.
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UMA AGULHA NA MESA O MUNDO NO PRATO
Número 188 | novembro de 2021
Artista convidada: Ana Sabiá (Brasil, 1978)
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