sexta-feira, 5 de novembro de 2021

SHEYLA CASTRO DINIZ | A sonoridade harmônica da Bossa Nova: comentários sobre quatro canções



Canção surgida no final dos anos de 1950, a Bossa Nova ainda hoje suscita discussões. A maioria das polêmicas que envolveu o seu surgimento esbarra na questão do nacionalismo. Para uns, a Bossa Nova não passava de uma canção ao mesmo tempo ingênua e “entreguista”, pois, aparentemente concebida aos moldes jazzistas, estaria desassociada da tradição musical brasileira. Para outros, ela representaria o ápice da modernidade musical, revolucionado os padrões estéticos vigentes e acertado os ponteiros da música popular feita no Brasil. Músicos e críticos defensores da autenticidade da Bossa Nova como música brasileira detectaram nela uma continuidade (modificada) em relação à tradição.

 

Se uma modalidade de samba era extrovertida, adequada para a prática musical de massa e de rua, outra visava a uma versão musical introvertida, apropriada para a intimidade de pequenos recintos, versão camerística, portanto, sem que a presença de uma implicasse a negação da outra (Júlio Medaglia. In: CAMPOS, 1978).

 

Para Júlio Medaglia, samba e Bossa Nova, ainda que musicalidades distintas, ocupavam a mesma importância na música popular brasileira, sendo complementares e não excludentes. Em seu entendimento, a Bossa Nova estaria mais vinculada à herança do samba popular do que ao jazz; justamente por isso, em seu texto, há poucos comentários sobre o que o jazz teria influenciado na nova sonoridade. Noutro extremo, um crítico ferrenho e de primeira hora da Bossa Nova como José Ramos Tinhorão enxergou nessa canção uma ruptura definitiva

 

[…] com a herança do samba popular, modificando o que lhe restava de original, ou seja, o próprio ritmo. Tal acontecimento, resultante da incapacidade dos moços desligados dos segredos da percussão popular de sentirem na própria pele os impulsos do ritmo negro, seria representado pela substituição da intuição rítmica de caráter improvisativo, por um esquema rígido: o da multiplicação das síncopas, acompanhada de uma descontinuidade entre o acento rítmico da melodia e do acompanhamento (TINHORÃO, 1978. Grifo do autor).

 

Para Tinhorão, a Bossa Nova seria produto de uma classe média branca da Zona Sul do Rio de Janeiro, responsável por deturpar a música “genuinamente” brasileira, uma vez que em seus procedimentos harmônico-rítmicos haveria correspondências com o jazz estadunidense, sobretudo o cool jazz. Além do mais, os “moços” incapazes “de sentirem na própria pele os impulsos do ritmo negro” estariam alienados dos verdadeiros problemas sociais do país, haja vista as letras que abordavam realidades distanciadas do “morro”, com o qual o músico Carlos Lyra tentaria uma aproximação. Em 1963, já integrante do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lyra, ao lado da musa da Bossa Nova, Nara Leão, liderou um projeto de “subida ao morro”, visando a encurtar a distância entre compositores da Bossa Nova e compositores populares de samba. A iniciativa não passou incólume às críticas de Tinhorão.

 

Ao empunhar o violão juntamente com os dois compositores realmente populares, Carlos Lyra descobriu que, apesar de todo o seu desejo de colaboração, eles não falavam a mesma linguagem musical. Os acordes compactos, à base de dissonâncias, do violão bossa nova, não se casavam com a baixaria do violão de Cartola, e muito menos com a quase percussão do Nélson Cavaquinho, que beliscava as cordas numa acentuação rítmica das tônicas absolutamente pessoal (TINHORÃO, 1991).

 

Para além dessas e outras polêmicas travadas fervorosamente durante os anos de 1960, e que estão entrelaçadas num debate maior sobre o nacional-populismo em vigor na época (ver PARANHOS, 1990), fontes memorialísticas e historiográficas indicam que a Bossa Nova não se restringiu à iniciativa de um grupo de jovens abastados e brancos da Zona Sul carioca. Em terras paulistanas, por exemplo, a Bossa Nova foi inicialmente mais bem recebida do que no Rio de Janeiro, como prova o sucesso alcançado pelo LP seminal de João Gilberto Chega de Saudade (1959). O culto à Bossa Nova em São Paulo encontrou até os seus templos (como o Teatro Paramount, o “templo da Bossa”) e se disseminou por casas noturnas e por ambientes universitários (MEDAGLIA, 1988). Em outro canto do Brasil, Santa Catarina, o músico Luiz Henrique Rosa também enveredou pelos “caminhos das síncopes bossa-novistas” antes de se radicar nos Estados Unidos (ver CORRÊA, 2015). E, longe das praias cariocas, a capital de Minas Gerais (Belo Horizonte), também compartilhou, entre o final dos anos de 1950 e o início da década seguinte, dos ímpetos criadores da Bossa Nova. Analisada por mim noutras ocasiões (DINIZ, 2008; 2010), a Bossa Nova em Minas Gerais teve como principais figuras Pacífico Mascarenhas e Roberto Guimarães, este último compositor da canção “Amor certinho”, gravada por João Gilberto no LP O amor, o sorriso e a flor (1960).

Mas, para ficar apenas na capital fluminense, músicos da Zona Norte do Rio de Janeiro como Paulo Moura e Johnny Alf, ambos negros, e também o acriano João Donato, todos participantes, no fim dos anos de 1940, do Sinatra-Farney Fã-Clube (CASTRO, 1990, cap. 1), seriam posteriormente reconhecidos como nomes ligados à Bossa Nova. Não obstante as suas atuações musicais versáteis, eles contribuíram para a consolidação da canção bossa-novista.

A propósito, a canção “Rapaz de bem”, de Johnny Alf, gravada em seu LP homônimo de 1955, é geralmente identificada como pré-Bossa Nova, embora ela se aproxime muito mais do jazz ritmicamente, exibindo no piano um esquema rítmico um tanto livre e improvisações rentes ao jazz bebop. O canto de Johnny Alf se difere daquele consagrado por João Gilberto, pois é mais aberto (não contido), com finais de frase alongados e maneirismos vocais. Porém, há diálogos quando consideramos o elo imbricado entre melodia e harmonia, sem falar que as letras bossa-novistas comungam da mesma jovialidade, espontaneidade e despojamento. Além disso, uma canção como “Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, explora, nas duas primeiras frases – “Se você disser que eu desafino, amor/ Saiba que isso em mim provoca imensa dor…” –, mais ou menos as mesmas regiões harmônicas e intervalos melódicos que se ouvem no início de “Rapaz de bem” – “Você bem sabe, eu sou rapaz de bem/ E a minha onda é do vai e vem…”.


Sobre a já tão debatida influência jazzística, Walter Garcia enfatiza que a Bossa Nova, mas, principalmente, João Gilberto, investiu numa relação dialética entre elementos do jazz e a tradição do samba.

 

A batida do violão de João Gilberto, apontada como sua principal influência pelos companheiros de Bossa Nova, organiza-se articulando ritmicamente a regularidade do baixo e a não-regularidade dos acordes. A contribuição do jazz é claramente notada no princípio e na forma do primeiro elemento, em concordância, todavia, com o baixo tradicional do samba-canção; já sobre o segundo, sua ascendência, embora grande, é apenas de superfície: são ensinamentos jazzistas a simplificação dos desenhos e a antecipação em síncope dos acordes, mas ambos se submetem, na bossa, a um princípio herdado do samba, estando a serviço da criação e da variação de uma base que deriva do padrão alterado desse ritmo (GARCIA, 1999).

 

João Gilberto, além disso, coloca em evidência o chamado “canto-falado”, marcado pela contenção, intimismo e sutileza de detalhes. Críticos arraigados à tradição das grandes vozes, como as de Chico Alves e Vicente Celestino, afirmavam categoricamente que João Gilberto não era cantor. Já outros defendiam que a sua maneira de cantar não negava a tradição da música popular brasileira, pois seria uma retomada do estilo de Mário Reis (cantor de samba das décadas de 1930/40). Sobre a relação entre texto escrito e cantado, Augusto de Campos (1978) detectou, na Bossa Nova, procedimentos isofórmicos, à semelhança da poesia concreta. Em complemento, Affonso Romano de Sant’Anna salientou a presença constante de metalinguagens, isto é, “uma linguagem comentando outra linguagem, tomando como assunto da composição a própria composição e não os temas naturais e sentimentais”, até mesmo porque a Bossa Nova, dando vazão a uma espécie de poesia não-poética, renunciou ao lirismo exagerado e narrativo, típico, por exemplo, dos sambas-canções, para privilegiar a “música de situação”, ligada às cenas triviais, ao prosaico e corriqueiro (SANT’ANNA, 2004).

Tudo isso pode ser vislumbrado em canções célebres e fundadoras da Bossa Nova como “Desafinado”, “Samba de uma nota só” (ambas de Tom Jobim e Newton Mendonça), “Bim-bom” e “Hô-bá-lá-lá” (ambas de João Gilberto). Comento brevemente na sequência as quatro canções, especialmente alguns aspectos harmônicos, recorrendo, para isso, às transcrições dos Songbooks Bossa Nova de Almir Chediak (1990; 1994), que, apesar da arbitrariedade presente em qualquer notação gráfica de música popular, continua sendo um recurso e fonte confiável para músicos e estudiosos (GOMES, 2017). Cabe frisar que harmonia não diz respeito única e exclusivamente a “blocos verticais” de acordes. A melodia (entoada pela voz, na canção), as linhas de arranjo e as melodias secundárias geradas pelos movimentos horizontais dos acordes auxiliam, dentre outros elementos, na compreensão harmônica, sendo, portanto, integrantes da harmonia. Ou, como ressalta Flô Menezes, “harmonia não significa estritamente ‘existência de acordes’”, já que “todo fenômeno musical é harmônico” (MENEZES, 2002).

Gravada no LP de João Gilberto Chega de saudade (1959), “Desafinado” é uma canção exemplar dos procedimentos isofórmicos de metalinguagem característicos da Bossa Nova. O intérprete finge estar ressentido e inconformado com as críticas estéticas que recebe da pessoa amada. Isso, entretanto, mostra-se uma tática de resposta aos que rotulavam os bossa-novistas de desafinados e “antimusicais”. A harmonia desenvolve caminhos propositalmente estranhos diante do que era considerado convencional, gerando a sensação de desafinação em momentos cruciais da letra, como na palavra “desafino”.

Entoada sobre a nota Fá – a sétima menor do acorde G7(b5) –, a sílaba tônica da palavra “desafino” (“fi”) soa como se estivesse fora do lugar. Isso decorre das relações intervalares imediatamente precedente e posterior: uma terça menor ascendente (Ré-Fá) e uma terça maior descendente (Fá-Réb). O primeiro intervalo traz a sexta (Ré) e a fundamental (Fá) do acorde de Tônica [F6(9)], notas previstas na cifra. Já o segundo traz a sétima menor (Fá) da tétrade G7(b5) e uma tensão proposital (Réb), que aqui é a décima-primeira aumentada, cifrada como sendo sua enarmonia, isto é, a quinta diminuta (b5) – tensão apenas disponível em escalas não diatônicas, como o modo mixolídio com quarta aumentada, a escala dominante diminuta e a escala alterada (modo do sétimo grau da diatônica menor melódica). É essa sonoridade não esperada que faz o cantor “desafinar”.

A correspondência entre letra e notas cantadas ganha ainda mais relevância em “Samba de uma nota só”, canção gravada por João Gilberto no LP O amor, o sorriso e a flor (1960). A dinâmica do ritmo harmônico, na Seção A, não só contrabalanceia a proposital monotonia da melodia como também dá a ela o sentido harmônico.


Na primeira frase musical (“Eis aqui este sambinha/ feito numa nota só/ outras notas vão entrar/ mas a base é uma só”), a melodia, que se escora numa única nota (Ré), adquire “funções” diferentes a cada mudança de acorde: em Bm7, o Ré é a terça menor; em Bb7(13) é a terça maior; em Am7(11) é a décima-primeira; em Ab7(#11) é décima-primeira aumentada. O salto melódico ascendente de quarta justa (dois tons e meio – nota Sol) ocorre e perdura quando ouvimos “Esta outra é consequência/ do que acabo de dizer”. No acorde Dm7, o Sol é décima-primeira; e em Db7(9), é décima-primeira aumentada, tensões que, não previstas na cifra, são adicionadas, portanto, pela linha melódica. Em C7M(9), o Sol é quinta justa e será a nona no acorde de F7(13), configurando-se, assim, outra tensão incorporada pela melodia. A continuação – “Como eu sou a consequência inevitável de você” – escora-se novamente na nota Ré, terminando com a fundamental (Sol) do acorde G6 na sílaba “cê”.

Percebe-se que, mesmo “imóvel”, a linha melódica entoada pela voz do cantor oferece distintas peculiaridades e “coloridos” harmônicos. Na Seção B, a melodia realiza uma série de “acrobacias”, mantendo o diálogo fiel com a letra: “Tanta gente existe por aí/ que fala tanto e não diz nada/ ou quase nada/ Já me utilizei de toda a escala/ e no final não sobrou nada/ não deu em nada”. Ou seja, temos aqui mais um procedimento isofórmico de metalinguagem, cuja crítica implícita é certamente destinada aos incomodados com a economia de elementos na Bossa Nova. Depois disso, o intérprete voltará para a sua nota (Ré), na letra e na melodia, e – claro – também voltará para a pessoa amada, uma personagem impessoal e coadjuvante da temática principal, que é a própria música.

 “Bim-bom” (LP Chega de saudade, 1959), de João Gilberto, canção-síntese do projeto bossa-novista de contenção e de economia de elementos, é relativamente convencional em sua estrutura harmônico-melódica, na qual há várias passagens com a cadência II-V (Dm7-G7). Celebrando uma “felicidade sem esforço”, a letra sucinta e um tanto nonsense recusa qualquer mensagem que afete o resultado sonoro; afinal, “É só isso o meu baião/ E não tem mais nada não/ O meu coração pediu assim/ Só bim-bom, bim-bom…”. A esse respeito, Luiz Tatit afirma que João Gilberto

 

[…] rejeita as mensagens cujo peso semântico possa se sobrepor à articulação da sonoridade. […] o texto ideal é levemente dessemantizado, quase um pretexto para se percorrer os contornos melódicos dizendo alguma coisa (afinal, a voz, por ser voz, deve sempre dizer alguma coisa). Daí sua predileção por canções lírico-amorosas sem tensividade passional, pelas canções quase infantis (O Pato, Lobo Bobo, Bolinha de Papel) e o modelo de suas raras composições (como as famosas Bim Bom e Hô-Bá-Lá-Lá), verdadeiro manifesto do despojamento do conteúdo (TATIT, 1996).


João Gilberto presa pela simplicidade sem perder a sofisticação. Lança mão da repetição sem ser repetitivo, imprimindo em suas interpretações alterações prosódico-sonoras sutis que modificam o todo musical. “Bim-bom”, no caso, só exprime sua essência quando, na melodia, é ritmicamente entoada, numa correspondência dialética com o ritmo da harmonia do violão. Em outras palavras, há uma síntese entre as contradições verificadas nas nuanças rítmicas do canto de João Gilberto e no ritmo harmônico de seu violão. São detalhes mínimos e refinados que ele altera e/ou adiciona no decorrer das canções que interpreta, e, por isso, imperceptíveis a um ouvinte desatento (ver GARCIA, 1999).

Também de João Gilberto, “Hô-bá-lá-lá” coloca o som/a música em primeiro plano haja vista a rarefação do texto cantado. A combinação silábica reiterada é a própria canção; quem a ouvir, “terá feliz o coração”. Arranjador do LP Chega de saudade (1959), Tom Jobim faz jus ao despojamento. Junto à constância do violão e da bateria (prato e caixa), o arranjo apresenta intervenções de flauta e trompete e arpejos ao piano entre as frases melódicas. O violino surge depois, adensando o coro de vozes masculinas que lembra o conjunto vocal (Garotos da Lua) do qual João Gilberto participava antes de se tornar autoridade em Bossa Nova. Ritmicamente um bolero, “Hô-bá-lá-lá” (dentre outras canções) atesta que a Bossa Nova, agregando gêneros e estilos musicais anteriores a ela, não se limitou à fixação de uma fórmula rítmica. Ora, para citar Carlos Lyra, a Bossa Nova seria uma espécie de “espírito da coisa” (apud PARANHOS, 1990), sobretudo quando passava pela abordagem meticulosa do saudoso João Gilberto.


Após a cadência usual II-V (Em7-A7) na introdução de “Hô-bá-lá-lá”, há o emprego de acordes diminutos com função de dominante (A#º e Fº), que, invertidos, são respectivamente A7/Bb – que prepara Bm7 (a relativa menor da Tônica, D) – e E7(b9) – que prepara A7, tendo o segundo grau (Em7) interpolado. A passagem e a preparação para a segunda frase melódica dessa Seção A (compassos 11 e 12) é marcada por um movimento oblíquo descendente entre os acordes D6/F#, Fº e Em7 – os baixos desses acordes e as suas respectivas quinta (Lá), terça (Láb) e terça (Sol) descem em cromatismos, enquanto que as outras notas continuam estáveis.

D6/F# é uma inversão da Tônica, D. Já Fº – ou E7(b9), conforme a sua inversão – é a dominante de A7, que surge mais adiante (compasso 14) após o Em7 interpolado. Na Seção B têm-se a impressão de uma polarização no terceiro grau abaixado de D (F7M), justificada pela cadência II-V [Gm7(9)-C7(#5)] que precede o acorde e que será repetida logo depois de outra maneira. A persistência dessa preparação nos faz pensar se esse seria um caso de empréstimo modal ou se já é uma modulação para o tom relativo do homônimo menor, isto é, a tonalidade de Fá, relativa maior de Ré menor.

Os fragmentos “O amor encontrará…” e “Alguém compreenderá…” são melodicamente idênticos, mas se distinguem no trato harmônico: no segundo caso, ao invés do acorde C7(#5) aparece Gm6 que, invertido, é equivalente à C7(9). Desta vez, porém, a preparação não levará ao F7M, pois o F#m7 inicia outra preparação – a do segundo grau (Em7) –, já de volta ao tom de Ré Maior para retomar “Quem ouvir o Hô-bá-lá-lá…”.

Vê-se, portanto, que, apesar da letra singela e coloquial e do ritmo que remete à tradição musical da América Latina (bolero), “Hô-bá-lá-lá” revela na construção harmônico-melódica certa complexidade. Cadências invertidas, interpolações, modulações, empréstimos modais e movimentos cromáticos no interior dos acordes são características que podem ser encontradas com recorrência nas canções de Bossa Nova, cujo amplo repertório contribuiu para expandir a noção de campo harmônico e se constituiu como um rico laboratório para a experimentação das tensões – notas sobrepostas às tríades e tétrades que tendem a criar melodias secundárias e contracantos. Herdada, dentre outros gêneros, do samba, outra característica comum é o uso de acordes com função de dominante conhecidos como sub-V (substituto do quinto), obtidos a partir da inversão do trítono (intervalo entre a terça e a sétima menor) da dominante original.

Desenvolvendo e refinando esses e outros procedimentos harmônicos até então um tanto dispersos na música popular brasileira, e tecendo também diálogos com o jazz e com a música erudita contemporânea, as canções bossa-novistas, a exemplo das que aqui foram destacadas, puseram de lado dicotomias como jazz/samba, melodia/harmonia, letra/acompanhamento para evidenciar, então, um tipo de canção sofisticada em que letra e música, imprescindíveis uma à outra, se autocomentam.

 

Referências

Campos, Augusto de (org.). Balanço da Bossa e outras bossas. 3.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.

CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. 2.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CHEDIAK, Almir. Songbook Bossa Nova, v. 1. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1990.

___. Songbook Bossa Nova, v. 2. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994.

CORRÊA, Wellinton Carlos. “Vou andar por aí”: o balanço, a música e a Bossa de Luiz Henrique Rosa (1960-1975). Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado de Santa Catarina, 2015.

DINIZ, Sheyla Castro. “Entre o Rio e Minas: a Bossa Nova nas Geraes”, Urutágua, Revista acadêmica multidisciplinar, n.º 15, Maringá/PR, abr./jul., 2008, p. 67-81.

___. Para além da Zona Sul carioca: a Bossa Nova em Minas Gerais. Monografia de conclusão do curso de bacharelado em Ciências Sociais, UFU, Uberlândia, 2010.

GARCIA, Walter. Bim bom: a contradição sem conflitos de João Gilberto. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GOMES, Marcelo Silva. “Os Songbooks da editora Lumiar: pequena revisão crítica”. Anais do XXVII Congresso da Anppom, Unicamp, Campinas, 2017.

MEDAGLIA, Júlio. “Balando da bossa”. In: CAMPOS, Augusto de (org.). Balanço da Bossa e outras bossas. 3.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.

___. Música impopular. São Paulo: Global, 1988.

Menezes, Flo. Apoteose de Schoenberg. São Paulo: Ateliê, 2002.

PARANHOS, Adalberto. Novas bossas e velhos argumentos: tradição e contemporaneidade na MPB, História & Perspectivas, n.º 3, Uberlândia, UFU, jul./dez. 1990.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Música popular e moderna poesia brasileira. 3.ª ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

TATIT, Luiz. O cancionista: composições de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.

TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da modinha à canção de protesto. 3.ª ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

___. Pequena história da música popular: da modinha à lambada. 6.ª ed. São Paulo: Art Ed., 1991.

 

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SHEYLA CASTRO DINIZ (Brasil, 1985). Pós-doutoranda (bolsista FAPESP) e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É mestre e doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas, com estágio doutoral na Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines/França. É graduada em Ciências Sociais e em Música pela Universidade Federal de Uberlândia. Atua nas áreas de Sociologia da Cultura, Música Popular e História social da canção. É autora do livro: “… De tudo que a gente sonhou: amigos e canções do Clube da Esquina” (São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2017).




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[A partir de janeiro de 2022]

 

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