As origens do trovadorismo
O trovadorismo teria surgido
na Europa com a obra poética do cavaleiro Guilherme
IX, duque da Aquitânea (1071-1126). De Guilherme IX conhecemos os mais antigos
poemas no estilo – o primeiro trovador registrado, cujo trabalho teria
sobrevivido escrevendo em língua regional e vulgar – o ocitano.
Sabemos que o cavaleiro
Guilherme (William), conde de Poitiers, duque da Aquitânea apesar de suas conquistas
políticas e militares de importância histórica – ele um dos líderes da Cruzada de 1101 – ficou mais conhecido
como trovador, o primeiro trovador a enfrentar a temática do Amor na música e na poesia. Trovar
significando mesmo em ocitano compor. Entretanto, por sua temática muito variada
teria mais de uma vez chocado as autoridades religiosas do papado – sua temática
ligada ao Amor, às mulheres, suas proezas sexuais e literárias, até mesmo à política
feudal e à morte. Sabemos que onze de suas canções teriam
sobrevido, mas pela abordagem diferenciada nos temas, a atribuição a ele de alguns
poemas pareçe ainda duvidosa. (1)
O professor brasileiro e
reconhecido medievalista, Ricardo da Costa, em trabalho recente afirma:
qualquer que seja a interpretação
para a dualidade formal dos poemas de Guilherme da Aquitânia, uma coisa é incontestável:
foi ele o primeiro trovador, o primeiro a cantar o amor. A partir de então, o mundo
não seria mais o mesmo. (2)
Esta aparente dualidade
de Guilherme de Aquitânea quanto ao seu estilo – pois escreveu peças deselegantes,
grosseiras e cruas, outras líricas e suaves – talvez possa ser explicada pelas mais
antigas origens do trovadorismo, origens que sabemos ainda não foram completamente
esclarecidas, tarefa para a qual tentaremos contribuir. Pensamos que o estilo tenha
sofrido a influência do folclore da época, lembrando a figura do “jogral” na lírica
medieval, tido como vulgar e popular atuando nas praças, divertindo, cantando e
dançando no papel de bufão, acompanhado de canções satiricas, acrobacias e mesmo
mímica. (3)
Ao pesquisar com mais profundidade,
constamos realmente que alguns dos primeiros trovadores documentados e que participaram
de atividades nas cortes teriam surgido e se desenvolvido a partir dessas atividades
muito populares de jograis ou bufões, até mesmo voltando por circunstãncias a essa
vida de jograis itinerantes. Os conhecidos e talentosos Cercamon (4) e Marcabrun (5) constatamos se apresentaram nas cortes
do Limousin e Aquitânea, mas eram de origem popular, com práticas de aprendizado
que incluíam atividades de malabaristas. Homens simples cuja educação de corte os
tornou questionadores, talentosos e sublimados pelo amor – ainda que Cercamon demonstre
por seus versos ter sempre se mantido realista, e Marcabrun algo revoltado, alegando
nunca não ter sido amado.
Entretanto, desta primeira
fase do trovadoreismo Jaufre Rudel (Jaufré) no começo
do século 12 foi mesmo um príncipe (Princes de Blaia), que participou e faleceu
durante a Segunda Cruzada, mas que desenvolveu grande sublimação em seus versos
louvando seu amor à sua Dama, mesmo à distância. (6)
Sugerimos como fenômeno
importante para a formação do estilo trovadoresco, o fato de que século XI teriam
ocorrido grande modificações nos processos de notação musical, transformações e
modernizações a partir da introdução de novo sistema de registro musical por monges
cristãos – novo sistema de notação com linhas, permitindo prática musical mais complexa
e sofiscada. (7)
Em pesquisas literárias
mais recentes é afirmado ainda, mas de modo vago, que o trovadorismo teria sofrido
a influência e se originado no interior dos mosteiros do Limousin, na França, inspirado
pela música litúrgica – modelo para o canto do Amor, até mesmo o amor profano. A
relação entre o poeta e a amada a partir daí seguindo os padrões naturais da relação
feudal e de vassalagem – a dama e o cavaleiro – exigente na busca de perfeição formal.
Muito repetido em literatura que o estilo literário trovadoresco teria alcançando
sua verdadeira plenitude ao final do século XII na obra de três poetas, cavaleiros
e trovadores: Bertran de Born, Guiraut de Bornelh e Arnaud Daniel, que acabam por ecoar seus
trabalhos pelo resto da Europa. (8)
Em breve pesquisa procuramos
aprofundar, portanto, a origem destes trovadores e acabamos por comprovar realmente
que estes três poetas celebrados e citados acima foram comprovadamente provenientes
desta região do Limousin, região de tanta sensibilidade artística e mesmo de alta
religiosidade – região onde os puros religiosos cátaros teriam sido acolhidos pela nobreza e aí desenvolvido
suas atividades religiosas entre 1002 e 1020. (9)
Colaborando para a comprovação de que o trovadorismo
teria se originado no interior dos mosteiros do Limousin, além dos trovadores citados
logo acima, incluímos ainda neste grupo o trovador Bernard de Ventadour (1125-1200),
trovador também oriundo do Limousin – tido
um dos maiores músicos de seu tempo, ao final da vida tornado monge. (10)
Para comprovar essas nossas
afirmativas a respeito desta origem trovadoresca na região do Limousin detalhamos
as biografias dos trovadores expoentes citados e referimos os seus lugares de origem:
Bertran de Born (c. 1179-1233), chamado “o Filho”, senhor de
Hautefort, na França, cavaleiro e trovador do Limousin, um dos maiores trovadores
ocitanos do século XII. Como a região do Hautefort estava situado entre Limousin e o Périgord, Bertran
esteve envolvido nos conflitos dos filhos de Henrique II, Plantageneta. Também lutou pelo controle desta região do Hautefort. Escreveu
dois “sirventes”, canções satíricas e políticas, ainda três outros trabalhos
a ele atribuídos. É citado por Dante mais de uma vez na “Divina Comédia” como o
“semeador de cismas” – talvez pelos conflitos que manteve com seus próprios irmãos
(Inferno xxviii, 1118-1230).
Já Arnaut Daniel de Riberac
foi um trovador um pouco mais tardio, do
século XII-XIII cuja obra foi escrita em ocitano, especificamente no dialeto limosino. Originário provavelmente
de Excideuil (Charente ou Dordogna) ou Bourneix (Dordogna), vizinho a Limoges. Arnaut
Daniel pode-se dizer foi importante ascendente da escola literária posterior do
“stilo Nuovo” na poesia italiana no século XIII, estilo do qual o poeta e político
Guido Cavalcanti teria sido o expoente maior. Arnault Daniel é chamado por Dante
de “il miglior fabbro” (“o melhor criador”) e
considerado um dos principais representantes do “trobar clus“, estilo já complexo e
hermético da poesia trovadoresca apreciada pela elite. Foram conservadas 18 composições
suas. A admiração de Dante por Daniel é expressa em “De vulgari Eloquentia” e na
“Divina Comédia“ (Purgatório, Canto XXVI, v. 118-120
e 140-147) onde,
na oportunidade do encontro com este trovador o personagem, Dante não utiliza mais
a língua toscana, mas sim a língua do próprio Daniel – o ocitano. Dante em cena no Purgatório, canto XXVI, 120: demonstra
nítida preferência por Arnaud Daniel, “quel di Lemosì”, nos cerebrados versos:
“O frate”, disse, “questi ch’io ti cerno
col dito”, e additò un spirto innanzi,
“fu miglior fabbro del parlar materno. (12)
Proveniente desta mesma
região do Limousin foi o trovador Bernard de Ventadour (1125-1200) (13), trovador
com caracteristicas muito peculiares que provocaram nossa curiosidade a seu respeito
– pois ele foi criado na corte de Ventadour, no Limousin, em Corrèze – tornado famoso
no século – grande amante, monge ao fim da vida. Leonor
da Aquitânea
(1122-1204), sua patrona.
Sua biografia teria sido
escrita meio século mais tarde por Uc de Saint-Circ, igualmente um trovador (1213-1257).
Uc (Hugues) de Saint-Circ sugere Vendadour de pouca nobreza, filho de um homem de
armas do castelo de Ventadour – corte onde foi reconhecido por seus patronos como
trovador de talento, talvez precoce, tendo deixado marcada sua sensualidade em formas
de grande beleza.
Bernard de Ventadour parece
ter sido adotado por nesta corte de linhagem tradicional de trovadores – talvez
os próprios antecessores de Guilherm IX da Aquitânea que até mesmo buscávamos.
Eble II (Ebolus), visconde
de Ventadour (Corrèze, França), nascido antes de 1086, data da morte de seu pai,
e falecido segundo fonte genealógica em 1155, é citado como o primeiro trovador
provençal, tido como de grande talento, antecessor e mesmo influente sobre a poesia
de Guilherme IX da Aquitânia (1071-1126) e do próprio Bernart de Ventadorn (1125-1200).
Do visconde Eble II, entretanto, nada restou infelizmente registrado. Talvez este
visconde e agradável cantor, referido na tradição como “Ebolus Cantator” seja a
fonte que buscávamos na origem do trovadorismo, anterior ou mesmo contemporâneo
de Guilheme IX (14). Constatamos também que nesta mesma corte de Ventadorn, mas
em geração posterior, ainda atuou a trovadora. Maria Ventadorn, casada com Eble
V (falecido depois de 1236) (15).
Como a poesia de “Ebolus
Cantator” não foi registrada, o elo aparentemente perdido desta corte de Ventradorn
na criação do trovadorismo, apenas citamos uma canção
de Bernad de Ventadour em geração seguinte. Muito sensível Bernard ainda que oriundo
de pouca nobreza, afirma que “cantar é amar, sofrer, morrer e renascer”. Uma de
suas mais famosas canções, “Can vei la lauzeta mover”, onde expressa o sentimento
do amante por um amor não correspondido, tornando-o triste e melancólico”.
Can vei la lauzeta mover
De joi sas alas contra·l rai
Que s’oblida e·s laissa chazer
Per la doussor c’al cor li vai
Ai! Tan grans enveya m’en ve
De cui qu’eu veya jauzion!
Meravilhas ai, car desse
Lo cor de dezirer no·m fon (16)
Nossa tradução adaptada:
Quando vejo a cotovia bater
de alegria as asas contra o sol
se esquecendo de voar e se deixando caçar
pela doçura que isso provoca ao coração
Ai! grande inveja vem a mim
daqueles que vejo cheios de felicidade!
Maravilhado fico que meu coração
não se derreta logo de desejo.
Se estas nossas pesquisas
confirmam – o trovadorismo originado no interior místico dos mosteiros da região
do Limousin – indagamos também se a religiosa Hildegarda de Bingen (1098-1179),
mulher de elite que viveu nos mosteiros do alto Reno não teria influenciado e colaborado
para o surgimento desta poesia amorosa e trovadoresca. Ela monja beneditina, teóloga, compositora, poeta, dramaturga nascida em 1098 em Bingen
(atual distrito de Mainz-Bingen, estado da Renânia-Palatinado) falecida no ano de 1179
em mosteiro por ela mesmo criado em Bingen in Rein – antiga região habitada por
celtas, não muito longe da rota francesa. Hildegarda de Bingen especialmente pertenceu
à mesma geração do acima citado grande trovador, Guilherme IX da Aquitânia (1071-1126).
Conhecida como a “Sibila
do Reno” Hildegarda de Bingen foi mestra neste Mosteiro de Rupertsberg, em Bingen am Rhein, na Alemanha, tendo sido
bem mais tarde mais tarde santificada pela Igreja (17). Hildegarda no século
XII foi exímia compositora de musica litúrgica e religiosa – música que chega ao
transborde amoroso e ao êxtase – ela própria representante deste feminino divinizado,
a ser invocado liricamente pelos cavaleiros trovadores.
Hildegarda havia chegado a pedir orientação a Bernardo de Claraval, um dos principais formuladores das regras da ordem dos Cavaleiros Templários, para orientá-la na realização desta sua obra feminina. Bernardo de Claraval (ou Bernard de Clairvaux), O. Cist, abade francês foi o principal reformador da Ordem de Cister, também o fundador da Abadia de Claraval (Clairvaux) na Diocese de Langres. Em 1128 Bernardo atuou no Concílio de Troyes onde foi delineada a regra monástica que guiaria os Cavaleiros Templários. As regras introduzidas por Claraval após 1128 rapidamente haviam se tornado o ideal de comportamento da nobreza no mundo cristão. Em 1141 Bernard, antagonizou-se com o filosofo Abelardo, celebre amante da religiosa Heloisa. Bernard foi o autor do “Tratado do Amor de Deus”, dos “Comentários ao Cântico dos Cânticos”, compositor ou redator do hino “Ave Maris Stella” e da invocação “Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria” da oração “Salve Rainha”.
Hildegarde de Bingen teria escrito os esboços de
seu “Liber scivias Domini”. Entretanto, hesitante, em 1147 Hildegarde procurou Bernardo de Claraval já então famoso em busca
de orientação e conselhos. Escreveu-lhe uma carta onde expunha suas dúvidas e pedia
uma confirmação para seu dom. A resposta do celebrado religioso foi inicialmente
circunspecta e talvez evasiva. Não quis provavelmente assumir a responsabilidade
por sua atividade, mas encorajou-a a confiar no seu próprio julgamento e através
dele atender ao chamado que recebera. Logo adiante Claraval, entretanto, passou
a apoiá-la efetivamente, persuadindo o papa Eugênio III a ler alguns de seus escritos
iniciais diante do sínodo reunido na cidade de Trier em 1147-1148.
Já críticos literários contemporâneos afirmam que
o estilo trovadoresco, como escola literária, não teria durado dois séculos se não
tivesse sido fundado sobre uma ascese surgida no terreno da própria Igreja, em contraposição
ao pensamento crítico dos cátaros – e de volta enriquecido pela espiritualidade
monástica de Bernard de Calairvaux e o delicado culto de Nossa Senhora. (18)
Outras delicadas presenças
femininas, a exemplo de Hildegard de Bingen, mulheres da elite neste período histórico
também tiveram acesso à alta cultura, também capazes de colaborar na realização
desta atividade cultural muito elevada para a época.
Lembramos – a corte onde
nascera Leonor da Aquitânea (1122-1204), neta do duque e trovador citado Guilherme
IX foi das mais cultas do seu tempo – ela mãe de Ricardo Coração de Leão, consorte
dos reis da França e da Inglaterra e teria sido a patrona
do citado trovador Bernad de Ventadorn (19).
Seu avô, o duque Guilherme IX (1071-1126), precursor de poemas trovadorescos e homem ilustrado teria transmitiudo seus gostos pela erudição
ao seu herdeiro Guilherme X, que tudo indica proporciounou uma educação esmerada
às suas duas filhas – Leonor e Petronilha. As moças aprendido cerca de oito línguas,
matemática, astronomia e com doutores da Igreja, filosofia. Leonor liderou exércitos
várias vezes durante sua vida e foi um dos líderes da Segunda Cruzada. (20)
Sabemos que a corte de Leonor
da Aquitânea constitue, portanto, exemplo
da valorização feminina – corte onde foi estimulada e praticada esta mais elevada
e sofisticada manifestação da poesia no sec. XII. Na côrte de Leonor da Aquitânea as trobairitz
– feminino de trovador em occitano – certamente também teriam se apresentado.
Outras
cortes europeias desenvolveram também o estilo trovadoresco na temática e na ótica
feminina.
Referidas dentre as mais importantes trobairitz, poetisas nobres que se apresentavam
em sua cortes (apresentadas em nota): Alamanda de Castelnau, Almucs de Castelnòu,
N’Iseut de Capio (“N’, contração de “Na”, um termo honorífico occitano referente
a “Senhora”, “Dona”. Oprimeiro nome, Iseuz, é a forma occitana de Isolda), ainda
Azalaís de Porcairagues (Azalaïs
ou Alasais – 1095-1209), que foi Senhora de Roquemartine e trovadora em occitano,
que também escreveu uma homenagem pela morte do trovador acima referido, Raimbeau
d’Orange. Sua filha casada nesta corte dos Orange. (21)
A trobaritz Maria de Ventadorn fora casada já na corte do visconde Eble V de
Ventadour (em Corrèze, França), neto de Eble III, o patrono do importante trovador
precoce Bernart de Ventadorn e bisneto de Eble le Chanteur – que acreditamos precurssor
e mesmo criador do gênero, ainda que sem registro documental. Possivelmente Maria
também atuou na corte dos Ussel, seus parentes. (22)
Ainda como exemplo de cortes em que houve a valorização feminina ressaltamos
especialmente a corte do
já referido trovador provençal Raimbaut de Orange (c. 1147-1173), senhor
de Orange e Aumelas, do Castelo de Courthézon, coração da Provence – onde sua irmã
Tiburge II, princesa de Orange, ficou conhecida como Tibors de Sarenom – poetisa
e trovadora, ela também herdeira e senhora de um castelo que lhe chega pela família
em Blacatz, chamado Sarenom. (23) Dela apenas se guardou
um único trecho, um poema de discreta sensualidade feminina que aqui reproduzimos:
Bels dous amics, bem como você pode ver dir
Que an non fo qu’ieu estes
ses desir
pos você convocar que.us tene
per fin aman;
ni anc no fo qu’ieu não agues talan,
bels dous amics, qu’ieu soven
no.us vezes;
ni anc no fo sazons que m’en
pentis,
ni anc no fo, se vos n’anes
iratz,
qu’ieu agues joi tro que fosetz tornatz;
ni [anc]… (24)
tradução da autora:
Belo doce amigo,
posso dizer-te em verdade
que eu nunca deixei de desejar-te,
desde que te agrade
que eu o tenha como cortês amante;
nem chegou a hora, querido belo amigo
que eu não quizesse ver-te com frequência;
nem nunca me arrependi,
nem chegou a acontecer se ficaste irado,
pois senti alegria que tivesse voltado;
nem [nunca]…
Referimos ainda em nota
as conhecidas trobaritz: Na Lombarda, Na Castelloza, a
Condessa Garsenda de Proença a Condessa de Diá. (25)
Como afirmamos anteriormente, o trovadorismo surgira registrado e documentado
com a obra do duque Guilherme IX, mas o estilo só teria alcançado sua forma mais
aperfeiçoada na obra de cavalheiros trovadores Bertran de Born, Arnaud Daniel e Guiraut de Bornelh, Bernard de Ventadour (1125-1200)
– que não coincidentemente, observamos, tinham sido da mesma
região do Limosin – região onde os religiosos monges com sua música litúrgica teriam
fornecido o modelo para o canto de amor profano, alimentado de espiritualidade cristã
– a relação entre o poeta e a amada seguindo padrões típicos da dominância feudal
e cristã de vassalagem, uma relação entre a senhora e o seu vassalo cavaleiro, neste
caso o trovador.
Lembramos que a muito bem
preparada cavalaria franca tinha sido na Idade Media o manto protetor da Europa
contra povos e etnias bárbaras ao redor, ainda contra os invasores árabes aguerridos,
mantendo-se no possível dentro das regras religiosas cristãs. Ainda a partir do
século XII a Ordem dos Templários bem preparada para proteger o caminho dos peregrinos
e defender a Terra Santa.
Repetimos, portanto, a muita
conhecida frase de Jean Frappier ao afirmar que a cavalaria e a noção de cortezia
“répresente, indissolublement liés, un fait social et un fait littéraire”. (28)
Entretanto,
se os trovadores
da primeira fase do estilo tinham apresentado temáticas de caráter delicadamente
erótico e de encantamento com sua senhora, esta teria tomado uma forma mais distante
e inacessível com as mudanças do tempo, culminando na “coita” galego-portuguesa:
As alterações políticas que têm do século XIII no Sul de França
(a sua conquista pelos “franceses” do Norte, concluída em 1244, e a cruzada paralela
contra a heresia cátara, com o estabelecimento do tribunal da Inquisição) vão levar
a uma mudança substancial no canto trovadoresco provençal mais tardio, que gradualmente
se vai centrando na expressão do desejo insatisfeito e do sofrimento (o que será
a “coita” galego-portuguesa) do servidor de uma senhora cada vez mais distante,
inacessível e abstracta. Essas alterações políticas, que têm início em princípios
do século XIII, conduzem, ao mesmo tempo, à gradual destruição das brilhantes cortes
dos poderosos senhores provençais (os grifos são nossos). (29)
Do
que foi observado acima notamos que a crítica literária contemporânea acaba por
confirmar a aproximação entre trovadores, fiéis cátaros e mesmo a Ordem religiosa
dos Cavaleiros Templários já nos meados do seculo XIII (30). Assim sendo, pouco a pouco,
com o avançar do tempo e das mudanças políticas o trovadorismo vai tomando novas
formas, talvez o Amor sendo encarado agora com ainda maiores e elevadas sutilezas,
e até mesmo profundidade filosófica.
O “Stilonuovo” na poesia
Em trabalhos anteriores
haviamos comprovado que o celebre poeta Guido Cavalcanti considerado o lider do
grupo de poetas formadores do “stilonuovo”
sofreu muito cedo a influência política e literária do notável trovador lombardo
Sordelo da Goitto – trovador que manifestara na fase mais tardia do trovadorismo
sua insatisfação com o rigor papal à repressão cátara e aos principes prepotentes.
(31)
Na
juventude Guido teria pertencido em Florença a um grupo leigo da Ordem dos Templários
– ao grupo dos “Fideis d`Amore” – grupo leigo da Ordem, tidos como herdeiros do
amor cortez e do erotismo cavaleresco, e que apresentava também uma temática contra
a ganância dos governantes.
Deste
grupo leigo da Ordem Templária teriam participado também Brunetto Latini, Dante Alighieri, Gino de Pistoia,
Lapo Gianni, Forese Donati, nem todos estilonovistas. (32)
Havíamos
nesta ocasião já referido um artigo de esoterista José Maria Ibañez, “Enigmas e
Mistérios”. (33) Mesmo sem citar suas fontes, Ibañez afirmava serem a “Fede Santa”
(provavelmente depois os Rosa Cruz), os “Fideis d’Amore” e os franciscanos ramos
distintos da Ordem Terciária dos Templários – ordem laica ou secular. E o grupo
dos ‘Fideis d’Amore” o núcleo do chamado “Dolce Stilo Nuovo” em literatura. Afirma
o ilustrado autor, e deixamos esta informação sob questionamento, que Dante teria
sido mesmo introduzido por Brunetto Latini em 1290 e se tornado grão-mestre da “Fede
Santa”, cujos fiéis se chamavam “Fideis d`Amore’.
A moderna
estudiosa acadêmica de Cambridge, Bárbara Reynolds, tranquilamente já admite e aceita
a participação de Guido Cavalcanti, e também de Dante, neste grupo dos “Fideis d’Amore”.
(34)
Lembramos
que no começo do século passado o estudioso de religiões e simbologia francês René
Guénon (1886-1951) havia referido o trabalho de Luigi Valli sobre os Fideli d’amore,
no livro “Il linguajo secreto di Dante e
dei Fideli d’Amore”. (35) Valli havia desenvolvido com muitos argumentos que desde
Guido Cavalcanti, seu amigo Dante Alighieri, contemporâneos até Boccaccio e Petrarca,
a “Dama” como objeto de entusiasmo e devoção seria um simbolismo, e representaria
na verdade a Inteligência transcendente – a Sabedoria Divina. (36)
Recentemente no LXXIX “Congresso
Internazionale della societa Dante Alighieri” acontecido em Bolzano e Merano em
setembro de 2009 foi citado o próprio René Guénon como referência destas colocações.
René Guénon em seu L’ésoterisme
de Dante (Galimard, Paris, 1957) afirma que Dante teria conhecido, a partir de fontes profanas, a
obra de Ibn ‘Arabi (1165-1240), sufi místico e filósofo andaluz, e certamente ocultava
este fato, principalmente porque não via inconveniente em citar outros filósofos
islâmicos como Avicena e Averrois. (37) René Guénon também percebe os vínculos que
existiram entre a Ordem do Templo e a seita islâmita [ismaelita] dos “Haschischin”
– termo em geral traduzido equivocadamente por “assassinos” ou por “gente do Haschischin”.
Para Guénon a palavra “Haschischin” só poderia se traduzir como “Guardiões da Terra
Santa” – a mesma designação que os Templários davam à sua própria Ordem.
O fato teria sido assinalado
também por J.H. Pronst-Biraben, em “Os Mistérios dos Templários” [s/ed.]. E neste
caso as semelhanças entre as organizações iriam mais longe, passando por suas estruturas
hierárquicas, inclusive pela adoção das mesmas cores – branca e vermelha.
Em fontes menos seguras
encontramos que os criadores do “Dolce Stil Nuovo” na literatura estariam inspirados
num livro da mística xiita intitulado “Jardim dos Fiéis do Amor” ao criar sua irmandade
secreta dos “Fideis D’Amore”. Guido e Dante ligados aos “Fideis d’Amore” por influência
de Bruno Latini.
Fonte insistente, o esotérico
Dr. Carlos Raitzin afirma que grandes figuras da literatura italiana teriam passado
pelos “Fedeli d’Amore”: Bocaccio, Petrarca, Andreas Cappelanus, o Cardeal Francesco
da Barberino, Dino Compagni, também Bruno Latini. E que os “Fedeli d’ Amore” possuíam
uma doutrinária própria – à primeira vista de origem Templária, mas de fato ismaelita
(Ordem dos Haschischin) – portanto, uma doutrina iniciática. (38)
Confirmamos que a obra célebre
do poeta florentino Guido Cavalcanti em seu início fez parte desta tradição trovadoresca
já do ultimo período, advinda especialmente de Sordello Da Goitto, mas também influenciado
pelo referido grupo dos “Fideli d’Amore”.
Entretanto, Guido Cavalcanti
na maturidade rompeu com a tradição poética medieval de sua juventude, de que Dante
seu amigo também fizera parte, ao fazer sua escolha preferencial pela obra filosófica
ligada a Aristóteles, ao materialismo, ao sensível – obra introduzida na Europa
da época pelos filósofos árabes Avicena e Averrois. Especialmente a obra de Averrois.
(39)
Muito sublimado como homem,
é possível que Cavalcanti tivesse escrito sua obra prima da maturidade, “Donna me
prega” – poema em que filosoficamente procura definir o Amor em termos de sensibilidade
física, porém já trabalhando em um duplo sentido – a “Dama”
podendo ainda ser interpretada ainda no sentido Templário como simbolismo da Filosofia
– e indiretamente de Sabedoria. (40)
Na medida em que percebemos
Guido Cavalcanti rompendo padrões medievais e dando um salto para a modernidade,
acreditamos que Guido Guinizelli (1230-1276), jurisconsulto, político e poeta de
família “guibelina” bolonhesa seja o elo que havia estabelecido o vínculo entre
o trovadorismo e o gracioso e doce “stilonuovo’ em poesia, a quem Dante também reverencia
como o precursor de sua arte.
Dante refere Guinizelli
na Divina Comédia (Purgatório, XXVI 97-98):
…quand’ io odo nomar sé stesso il padre
mio e de li altri miei miglior che mai
rime d’amor usar dolci e leggiadre… (41)
Tradução livre da autora:
…quando ouço nomear meu próprio
pai
e outros meus, melhores do que eu
no uso de rimas de amor doces e graciosas …
Acreditamos que Dante além
da admiração por Guinizelli espressasse nestes versos – “e outros meus, melhores
do que eu” – em entrelinhas e de modo muito sutil (envergonhado?) sua grande admiração
por seu mentor, Guido Cavalcanti.
A nosso ver, Guido Guinizelli
representa este ideal de amor cavalheiresco de “rimas doces e graciosas” que chegará
na Toscana aos “stilonovistas’ – amor que não procura mais a recompensa carnal,
mas que é cantado quando realmente surge – ideais que Dante, como um verdadeiro
membro dos “fideli dámore” até o final da vida dará prosseguimento em sua obra de
vulto.
Guido
Guinizelli em especial trás consigo as novas técnicas metrificadas da poesia da
corte siciliana e, junto com os trovadores, se torna o verdadeiro vínculo entre a poesia siciliana
e a poesia toscana do Doce Stil Nuovo. (42)
Para Guinizelli no ânimo
do homem se abrigaria a “virtù” – a palavra “virtù” identificando gentileza associada
à nobreza de ânimo. Assim Guinizelli tentou harmonizar o amor divino e o terreno
em sua poesia-manifesto “Al cuore gentil” quando refere o Amor afirmando que o coração
gentil não se identifica necessariamente com o homem de classe aristocrática, e
não estaria ligado ao sangue azul – mas pertence a qualquer homem que mostrasse
respeito, devoção total e incondicional à sua Senhora, porque ela seria a emulação
direta da vontade de Deus, a intermediária entre o homem e Deus, e teria o poder
de elevar e aperfeiçoar o ânimo do seu cavaleiro. (42)
Guinizzeli teria inspirado
de maneira definitiva os “stilonovistas’ do grupo dos “Fideli dÁmore” com este seu
poema – “Al cor gentil rempaira sempre amore”:
Al cor gentil rempaira sempre
amore
come l’ausello in selva a la
verdura;
né fe’ amor anti che gentil
core,
négentil core anti ch’amor, natura (43)
Em nossa tradução livre:
Ao coração gentil retorna
sempre o amor
como pássaro ao ramo da
verdura;
a natureza não fez o amor
antes do coração gentil
nem o coração gentil antes
qu’ o amor.
NOTAS
(1) A canção de Cuilherme
IX numerada tradicionalmente como a oitava (Farai chansoneta nueva) é de estilo
e linguagem bem diferente. E a canção 5 (Farai un vers, pos mi sonelh) teria duas
versões em diferentes manuscritos, segundo fonte enciclopédica inglêsa muito completa
e baseada em obras de Merwin (2002), Pasero (1973), Bond (1982), canções atribuídas
a ele sob o título de Conde de Poitou (lo coms de Peitieus, Poiteirs) A personalidade
de Guilherme IX de Aquitãnea já foi abordada ligeiramente pela autora no artigo
“Guido Cavalcanti: cavaleiro, político e poeta do sec. XIII – Suas maiores influências
culturais”, artigo publicado na revista Incomunidade do Porto,
ed. 36 de julho de 2015, e também em seu livro “Vida e obra do poeta Guido
Cavalcanti”, ainda no prelo. Bibliografia sobre Guilherme IX:
Biografias de trovadores,
ed. J. Boutière, A.-H. Schutz (Paris: Nizet, 1964).
Bond,
Gerald A., ed., Trad. introdução. “A Poesia de Guilherme VII, Conde de Poitier,
IX Duque de Aquitânia”, Garland Publishing Co.: Nova York, 1982.
Duisit,
Brice. Las Cansos do Coms de Peitieus (CD), Alpha 505, 2003
Harvey, Ruth E.” As esposas
do “primeiro trovador”, duque William IX da Aquitânia” (Journal of Medieval History),
1993.
Meade, Marion. Eleanor da
Aquitânia, 1991
Merwin, WS Sir Gawain e
o Cavaleiro Verde, 2002. Nova Iorque: Alfred A. Knopf.
Owen, DDR Eleanor da Aquitânia:
Rainha e lenda
Parsons, John Carmi. Eleonora
da Aquitânia: Senhor e Senhora, 2002.
Pasero, Nicolò, ed.: Guglielmo
IX d’Aquitânia, Poesie. 1973
Verdon,
J. La chronique de Saint Maixent, 1979.
Waddell, Helen. Os estudiosos
errantes: a vida e a arte dos poetas líricos da Idade Média Latina, 1955
(2) Costa, Ricardo da, e
outros – “Um tributo à arte de ouvir – O amor cortês nas cançons de Berenguer de
Palou (c. 1160-1209)”, artigo apresentado em simpósio neste ano de 2019. O autor
acrescenta, citando suas fontes originais “Com o amor cortês como tema, para as
mulheres Guilherme escreveu peças deselegantes, grosseiras, cruas, mas também outras,
delicadas, líricas, suaves. Como seus poemas não têm datação, a interpretação de
que ele teria evoluído de modos rudes para corteses à medida que compunha é inverossímil.
Mais provável é que os dois tipos de discurso (e de postura) não fossem excludentes,
mas partes de um todo conceitual, ambíguo, paradoxal”. Suas fontes – NELLI, René.
Trovadores y troveros. Palma de Mallorca: Medievalia, 2000, p. 109. BLOCH, R. Howard.
Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental. São Paulo: Editora
34, 1995.
(3) Jogral, palavra do provençal ‘joglar”, substantivação do adjetivo latino ”jocularis” – divertido, burlesco, risível. Texto enciclopédico
resume o estilo do jogral até o século X : “era o artista profissional
de origem popular – um vilão, ou seja, não pertencente
à nobreza – que tanto atuava nas praças públicas, divertindo o público, assim como
nos palácios senhoriais, neste caso assumindo o papel de bufão, com suas sátiras, mágicas, acrobacias, mímica etc. … Os jograis podem
ser equiparados aos comediantes latinos (mimi, histriones, scurrae,
thymelici) e aos scopas germânicos, isto é, aedos, que, viajando de palácio em palácio, cantavam, como autores
ou meros executantes, as gestas da nobreza bárbara”… “jograis
eram todos aqueles que ganhavam a vida atuando perante um público, para recreá-lo
com a música, com a literatura, com charlatanices ou com prestidigitações, acrobacias
e mímicas.”.
O estilo popular chamado
goiardesco, com a participação de clérigos pobres e já ilustrados só teria sido
definido muito mais tarde, por volta de 1230, na obra coletiva “Carmina Burana”
(Canções de Beuern), publicado na cidade de Benediktbeuern, município situado na Baviera e descoberto no ano de
1803. Pela época mais tardia não poderia ter determinado as origens do trovadorismo.
Os goiardos seriam no sec. XIII indivíduos ou clérigos pobres, mas ilustrados, egressos
das recém-criadas universidades européias. Críticos e desamparados pela Igreja,
tornavam-se itinerantes (clerici vagantes), vagabundos, religiosos de espírito transgressivo
e provocador em relação à própria Igreja, situação social que se reflete nos seus
trabalhos e temas. O goiardo Gautier de Chatillon escreveu sua obra entre 1160 e
1182 e Cecco Angiiolieri, nascido em Siena, falecido em 1312, marca sua presença
já no “stilonuovo” toscano do sec. XIII.
(4) Cercamon teria sido
um dos primeiros trovadores, sua atividade poética situada entre 1135 e 1152 na
corte de Poitiers, na Aquitãnea. Ele era aparentemente um bobo de corte, nascido
na Gasconha e que passou a maior parte de sua carreira nas cortes de William X da
Aquitânia, filho de Guilherme IX, e provavelmente também na corte de Eble III (falecido
1170) de Ventadorn (texto abaixo e notas 5, 14,15 e 23). Cercamon foi o inventor
do “planh” (lamento), do “tenso” (uma espécie de debate rimado em que dois poetas
escrevem uma estrofe cada) e talvez dos “sirventes” (canções satíricas e políticas).
Alguns de seus contemporâneos atribuem a ele o papel de mentor do trovador Marcabru,
e algumas evidências circunstanciais indicam que teria morrido na cruzada como seguidor
de Luís VII da França. Cerca de sete de suas letras sobrevive, mas não uma única
melodia; infelizmente, seus trabalhos que mais contribuíram para sua fama entre
seus contemporâneos, as pastoretas ou “pastourelles”, estão perdidos. Cercamon significa
simplesmente “pesquisador do mundo” em occitano medieval. Ele teria retomado os
temas colocados na moda por Guilherme IX e por Marcabru: critica os enganadores
(fourbes), as mulheres e maridos adúlteros. Idealiza o amor ideal, mas permanece
realista. Como exemplo o seu verso: “É cortês o que d’Amor desespera.”
Referências citadas:
Alfred Jeanroy (1966). Les
Poésies de Cercamon. Paris: Libraire Honoré Champion.
Wolf, George e Rosenstein,
Roy (1983). A poesia de Cercamon e Jaufre Rudel. Londres: Garland Publishing, Inc.
Biografias
de trovadores, ed. J. Boutière, A.-H. Schutz (Paris: Nizet, 1964).
Cercamon,
Œuvre poétique, Édition critique bilingue avec introduction, notes et glossaire
par Luciano Rossi. Éditions Honoré Champion, 2009.
Robert
Sabatier, Histoire de la poésie française, Poésie du Moyen Âge, Albin Michel, 1975
(5) Marcabru ou Marcabrun,
nascido cerca de 1110 em Auvillar, Ocitania, Gasconha, falecido cerca de 1150 –
escritor e trovador cujo pseudônimo, por ele mesmo escolhido, significaria no alemão
original “luz sobre magnífico cristal”, segundo a estudiosa Barbara Spaggiari. (Notamos
que o trovador Bernard de La Font, não identificado, tem poema que curiosamente
lembra este pseudônimo com um verso “eu ilumino as palavras para o som”). Marcabru
também teria sido conhecido pela alcunha de “Pan-perdu” – pão perdido. Talvez por
ter perdido seu bom emprego de corte?
Marcabru teria sido deixado
na porta do rico senhor Aldrich de Villar, em Auvillar, que dele se ocupou (Auvillar,
Altivillare na Idade Média, na região Occitanie, situada na borda da região de Lomagne,
nas margens do rio Garonne). Mas Cercamon foi quem lhe teria ensinado música e a
arte de compor versos. Sabemos que esteve ativo nos anos 1130 na corte de Guilherme
x da Aquitânea. Em 1137, o rei da França, Luís VII, o Jovem, casa-se com Leonor
d’Aquitaine, a pequena filha desse primeiro trovador conhecido, Guillaume IX d’Aquitaine.
Marcabru teria seguido Eleanor de Aquitânia à corte de Paris, mas teria sido perseguido
pelo seu esposo que não apreciava as adeclarações cantadas à sua dama. Assim é provável
que Marcabru tenha sido obrigado a se exilar e voltar a viver de sua arte itinerante,
pois seus rastros seriam ainda encontrados em Castilha. Já Cercamon teria seguido
Luís VII nas Cruzadas. Marcabru é, portanto, um dos primeiros trovadores e dele
restam 43 poèmes. Além de malabarista era um poeta muito dotado. Autor da mais antiga
“pastourelle” conhecida: “L’autrier, a l’issida d’abriu”. Sua poesia notável. É
um dos dos precursores do “trobar clus” (poesia fechada e hermética) que se opõe
ao “trobar leu” (poesia ligeira, fácil de comprender). Utiliza complexos metafóricos,
joga com rimas raras e utiliza os recursos prosódicos do ocitano. Seu caracter teria
sido difícil, como se demonstra nos seguintes versos (tradução para o francês por
Ribemont-Dessaignes):
“Macabrun,
fils de Marcabrune
Fut
engendré sous telle lune
Qu’il
sait d’amour sous toute coutume
Écoutez
!
Jamais
il n’en aima aucune
Jamais aucune ne l’aima”.
(6) Jaufre Rudel (Jaufré)
príncipe de Blaye (Blaia, localizada na parte alta, estuário do rio Gironde) foi
um trovador do início do século 12, que provavelmente morreu durante a Segunda Cruzada,
cerca de 1147. Ele é conhecido por desenvolver o tema de “amor de longe” (amor de
lonh ou amour de loin) em suas canções. Sete dos poemas de Rudel sobreviveram até
hoje, quatro deles com música. Sua composição “Lanquan li jorn” é conhecida modernamente.
Durante a vida do seu pai, a suserania de Blaye foi disputada entre os Condes de
Poitou e os Condes de Angoulême. Blaye foi tomada por Wulgrin II de Angoulême, que
provavelmente investiu Jaufre logo após a sucessão de Guilherme VIII de Poitou,
que o herdou de seu pai. Segundo uma hipótese, baseada em evidências frágeis, Wulgrin
seria o pai de Jaufre. Segundo nossas pesquisas esses Wulgrino de Angouléme deixaram
também herdeiros legítimos na Toscana – os da familia Guiningo.
(7) Ao monje e músico Guido de Arezzo (992-1050) é atribuído
o sistema de notação musical que originou a atual pauta musical. Acreditamos que
pesquisa musical específica deve ser desenvolvida.
(8). Assunto já apresentado
no nosso trabalho “Guido Cavalcanti: cavaleiro, político e poeta do sec. XIII. Suas
maiores influências culturais” publicado na revista InComunidade citada na nota
4.
(9) As afirmações a respeito
da presença dos cátaros no Limousin entre 1002 e 1020 nos chegam por fonte segura,
ainda que referidas sem fontes. A heresia cátara, também chamada heresia albigense
– constituiu-se prática religiosa que teria surgido em 1143 em Colônia,
e cujas ideias apresentam semelhanças com o gnosticismo do início da nossa era. A formação do sisma a partir da expansão das crenças
dos
bogomilos (reino búlgaro) e dos paulicianos (Oriente Médio). Teriam sido apoiados no Limousin por Guilherme da Aquitânea e parte da nobreza
ocitana que aparentemente já fariam criticas aos religiosos da época. Preconizariam
um dualismo gnóstico, no
qual o verdadeiro Deus distingue-se absolutamente do criador do mundo físico. No
mundo terreno de corrupção e trevas, as centelhas de luz pertencentes ao verdadeiro
reino divino estariam perdidas, exiladas e precisariam ser resgatadas. Assim sendo,
os sacerdotes deveriam afastar-se da corrupção do mundo, com vidas simples e castas.
Deveriam abster-se de alimenta-se de carnes, de atividades sexuais e violência,
não devendo possuir nenhum bem material. Os cátaros rejeitavam os sacramentos católicos,
mas admitiam uma espécie de batismo com água e sal – conhecido como “Consolamentum”. A perseguição à heresia, a cruzada do papa contra os
cátaros no Languedoc e na cidade de Albi começa em 1208/1209 – chamada cruzada albigense e durará cerca de 35 anos. Luís VIII de França também participou desta Cruzada. Iniciada
com a invasão de Languedoc ela só teve fim após diversas batalhas (onde se destacam
a de Muret, em 1213, e a de Toulouse, em 1218), realizado logo após o Tratado de
Meaux (1229). Na verdade, a fortaleza de Montségur permaneceu até 1244 como um dos
últimos pontos de resistência cátara.
(10) Bernard de Ventadour
ou Bernat de Ventadorn (1125-1200) – um occitano criado no castelo e da corte de
Ventadorn na região de Limousin em Corrèse; dos melhores músicos de seu tempo, também
ele grande poeta do Amor. Sobre ele especificamente ver texto e ainda comentários
nas notas abaixo 14, 15 e 23
(11) Raimbaut de Orange foi senhor de Orange e Aumelas,
coração da Provence – senhor do château de Courthézon. Foi também um trovador tardio
entre 1160 e 1173 com a criação de um estilo trobar ric ou articulado. Cerca de
quarenta de suas obras sobrevive, com a utilização de rimas raras e forma poética
complexa. Sua morte em 1173 é lamentada por este “planh” (lamento) de Giraut de
Bornelh, e também pelo único poema sobrevivente da trovaritz Azalais de Porcairagues
(fonte A. Sakari, ‘Azalais de Porcairagues, le “Joglar” de Raimbaut d’Orange’ in
Neuphilologische Mitteilungen vol. 50 (1949). Raimbaut (talvez equivocadamente?)
foi colocado na primeira geração de trovadores, depois de Guilherme IX da Aquitânea,
ainda os citados pela crítica literária já referidos Cercamon, Jauffrée Rudel e
Marcabrut. Entretanto, com Raimbaut de Orange se iniciaria segundo críticos literários
mais modernos um período de experiências novas, novos caminhos para os torvadores
ocitanos. Sua irmã trobaritz será referida adiante no texto.
(12) O poeta
Guido Guinizelli é apresentado por Dante na Comédia na companhia do trovador Arnaut
Daniel como pais dos “stilonovistas” – escola na qual Guido Cavalcanti também deve
ser incluído (Reynolds, Bárbara – Dante, Rio de Janeiro, Record, 2011). Ver a respeito
o texto abaixo. Consultar ainda nosso artigo “Influências culturais do Guido Cavalcanti”,
publicado na revista do Porto Incomunidade, ed. 36, de julho de 2015.
(13) Comentário
enciclopédico baseado em uma boa bibliografia afirma ser a poesia de Bernart de
Ventadour, do Limousin, idealista e apaixonada e “mais do que apenas referências
a um amor platônico, como era comum na época, Bernart usou passagens de clara sensualidade,
ora descrevendo o corpo de sua dama, ora demonstrando o desejo que ela lhe causava.
São constantes em sua obra referências à mitologia greco-romana, metáforas bem estruturadas
e métrica perfeita. As melodias que sobreviveram para suas canções são de grande
beleza.
Ainda que Ventadour tenha já alguma bibliografia,
sugerimos o aprofundamento da sua obra e sobre as influências da corte onde atuou
possa ter provocado na formação do trovadorismo, mas também levantar suas possíveis
ligações e influências com a posterior poesia “stilonuovista” da Toscana.
Pois observamos
que seu biográfo Uc (Hugues) de Saint–Circ teria estado na Lombardia e no Veneto,
na corte de Alberico e Ezzelino da Romano, parentes da conhecida Cunizza da Romano
(c.1198- depois de 1279) – esta personagem feminina muito ligada ao “stilonuovo”. Cunizza
da Romano é elogiada por Dante como grande amorosa em sua obra e foi amante do trovador
lombardo Sordelo da Goitto, cujo trabalho ela apresentou ao ainda muito jovem Guido
Cavalcanti. Mais a seu respeito consultar nosso trabalhos sobre o poeta Guido Cavalcanti
do sec. XIII; sobre a família materna de Cunizza fonte local “Rocca de Cerbaia”
– Erio Rosetti; Luca Valenti, L’Altra Toscana. Guida ai luoghi
d’art e natura poco conosciuti. Firenze, Le Lettere, 2003. Sobre a ferocidade de
seu irmão Ezzelino III, lider militar, várias são as fontes a consultar. Sobre a própria Cunizza
da Romano mais informações em Makin, Peter – Provence and Pound, University of Cambridge
Press, 1978, e o capitulo “Sordello, Cunizza e a cultura provençal na Itália”;
Sobre a escola literária siciliana ver texto abaixo
e nota relativa 40.
(14) Sobre
Eble II (Eboulus) de Ventadorn, fonte enciclopédica inglesa comenta: (em tradução)
“era visconde de Ventadour (Corrèze, França), nasceu em alguma data depois de 1086,
filho de Eble I (falecido em 1096) e de Almodis de Montberon. Eble II teria sido
o “Ebolus cantator” (um cantor chamado Eble, Eble Le chanteur) que de acordo com
um historiador contemporâneo, Geoffroy de Vigeois, “erat gratiosus valde em cantilenis”
– “dera grande prazer por suas canções”. Nenhum dos poemas de Eble II sobreviveu,
ou talvez nenhum deles tenha sido mesmo escrito. É freqüentemente citado como o
primeiro trovador provençal, antecessor e influência imediata sobre Guilherme IX
da Aquitânia e Bernart de Ventadorn. Eble II casou-se com Alix ou Agnes, filha de
Guillaume de Montluçon. Tiveram três filhos, Eble (III), Guillaume e Archambaud.
Guillaume tornou-se senhor de Ussel e, aparentemente, o fundador de uma família
que incluía quatro trovadores- Eble [IV], Peire, Gui e Elias d’Ussel. Eble II de
Ventadorn morreu em 1155 em Montecassino, Itália”.
Ainda sobre “Eboulus Catator” ver texto e notas
13, 15 e 23
(15) Ver comentário sobre a trobaritz Maria de
Ventadorm casada com o bisneto de “Ebolus cantador”, Eble V, ainda na nota 23. A
dinastia e corte dos seus descendentes estabelecida em Ussel, que era também próximo
de Corrèse, no Limousin.
(16) Endereço dos versos
citados de Bernard Ventadour: www.youtube.com/watch?v=I9gzaauL67s.
(17) Em 1584 o papa Gregório
XIII autorizou a inclusão do nome de Hildegarda de Bingen no Martirológio Romano,
como santa. Temos conhecimento que possui hoje já vasta bibliografia, facilmente
encontrada.
(18) Texto literário em pdf [sem referência
identificada] cita Bernard de Claivaux e comenta: “Il nos semble qu’um simple école
litteraire ou artistique n’aurait jamais duré comme celle-ci deux siécles – plus
qu’ancun autre au monde! – si elle n’avait fondée sur um ascese de cette intensité.
Et l’on comprend comme elle a jailli du terrreau même de l’Eglise, comme un sorte
de gourmand, um plongemente de la spiritulite johanique et en antinomie totale avec
la dérealization cathare, comment elle a enrechi en retour la spiritualité monasstique,
particularment celle de Bernard de Clairvaux du “Cantique de Cantique”, l’erotisme
philosofique du couple Abélard-Heloïse, contribué à faire s’eponouir le delicat
culte marial au XIII siècle et simultaneament inquiete l’Eglise par as radicalité
et ce qu’elle portait em germe de pulsions integristes”.
(19) Ver texto acima sobre Bernad de Ventadorn ,ainda notas 13, 14 e 15
(20)
Em fonte enciclopédica temos em resumo: “Leonor da Aquitânia (1122 — 1204) foi uma
das mulheres mais ricas e poderosas da Idade Média, tendo sido Duquesa da Aquitânia
e Condessa de Poitiers (1137-1204) por seu próprio direito (suo jure). Ela foi ainda
rainha consorte da França (1137-1152) como esposa de Luís VII, e depois da Inglaterra
(1154-1189) como esposa de Henrique II; matriarca da dinastia Plantageneta que governou
a Inglaterra entre 1154 e 1485. Era a filha mais velha de Guilherme X da Aquitânia,
a quem sucedeu em 1137 e de Aenor de Châtellerault. Leonor foi patrona de figuras
literárias importantes como Bernart de Ventadour [trovador], Wacee Benoît de Sainte-Maure [poeta historiador], assim como de várias ordens e congregações religiosas católicas, como a Abadia de Fontevraud “. Leonor
participou como Rainha da França da Segunda Cruzada, viajando até à Palestina à frente do exército da Aquitânia e do Poitou contra as forças do Islã.
(21) Alamanda
de Castelnau (cerca 1160-1223) foi uma trobairitz cuja única obra sobrevivente é
um “duelo” com o trovador Giraut de Bornelh chamado “S’ie.us qier conseill”. (Duelo
– quando se encontram dois grandes trovadores para uma troca de idéias). Alamanda
é mencionada por três outros trovadores, incluindo a trobairitz Na Lombarda. Trabalhou
como poeta apenas por um curto período, durante sua juventude na corte de Raymond
V de Toulouse, que ela deixará para se casar com Guilhem de Castelnou e mais tarde
se tornará canoness de Saint-Étienne em Toulouse. Fonte Bruckner, Matilda Tomaryn;
Shepard, Laurie; e White, Sarah- Canções das Mulheres Trovadores. New York: Garland.
Almucs de
Castelnau, o Castelnou (Almuc, Amucs, Almois, Almurs, o Almirs, (1140 circa-1184), é trobairitz originaria das proximidades
de Avignone, na Provença. A única obra sobrevivente
de Almucs é uma troca poética com a também trovadora
Iseut de Capio, sua música é apresentada
hoje em songbooks junto com um longo ”razó“ (texto em prosa curta
explicando as circunstâncias em que foi escrita uma certa poesia).
(23) Maria de Ventador atuou na corte de
Ventadour e de Ussel. Ver texto e notas referentes 14 e 15.
(24) A corte de Raimbaut de Orange, em Orange e Aumelas, feudos
no coração da Provence – senhor do Castelo de Courthézon. Tibors de Sarenom poetisa e trovadora
sua irmã senhora de um castelo em Blacatz chamado Sarenom – que lhe teria chagado
também pela sua própria familia, provavelmente
em Sérignan-du-Comtat na Provença ou talvez Sérignan, no Roussillon.
(25) Tradução literal da poesia de Tibors de Sarenom
Doce lindo amigo, posso
dizer-lhe verdadeiramente
que eu nunca estive sem
desejo
desde que lhe agrade que
eu tenha você como meu amante cortês;
nem chegou a hora, querido
amigo lindo,
quando eu não queria te
ver com frequência;
nem nunca me arrependi,
nem chegou a acontecer,
se você ficou com raiva,
que senti alegria até você
voltar;
nem [nunca]…
Tradução
inglesa (Bogin, Meg (1976). The Women Troubadours. Scarborough:
Paddington.
Sweet handsome friend, I can tell you truly
that I’ve never been without desire
since it pleased you that I have you as my courtly lover;
nor did a time ever arrive, sweet handsome friend,
when I didn’t want to see you often;
nor did I ever feel regret,
nor did it ever come to pass, if you went off angry,
that I felt joy until you had come back;
nor [ever].
(26) – Na Lombarda, (c 1190 –…), trobairitz ativa no início do século 13, de origem em Toulouse entre 1217-1262
– conhecida apenas pela sua vida e um duelo curto. Embora seu nome fosse visto como
uma indicação de sua origem lombarda, ele indica a origem de uma família de banqueiros
ou mercadores, já que o termo “lombardo” era usado em toda a Europa Ocidental nesse
sentido. Outros estudiosos sugeriram, devido à sua ligação com um cavalheiro de
Armagnac, que ela era da Gasconha. Lombarda escreveu no estilo “trobar clus”- uma
das poucas mulheres a fazê-lo. Seu único trabalho restante está ligado à sua vida
e a um “razó”. De acordo com sua vida, ela era nobre, bonita, e culta, capaz de
compor músicas sobre os fin’amors. O adjetivo “nobre” e o honorífico Na (dama) anexado
ao seu nome implica que ela era casada (provavelmente em seus vinte anos) no momento
de sua atividade poética.
- Na Castelloza (início do século 13) nobre e trobairitz de Auvergne. Castelloza seria a esposa
de Turc de Mairona, provavelmente o senhor de Meyronne. Os antepassados de seu marido teriam participado de uma Cruzada por volta de 1210 ou 1220, que foi a origem de seu nome. Conhecida por ter sido
apaixonada por Arman de Brion, membro da casa de Bréon de maior posição social do
que ela, sobre quem escreveu várias canções. Registrado como sendo “muito alegre”,
“muito instruída” e “muito bonita”. Apenas três – talvez quatro de suas canções
(cansos) sobreviveram, sem música. Este fato a torna a segunda mais prolífica de trobairitz
em termos de trabalhos sobreviventes. Apenas Beatriz de Dia certamente tem mais, com quatro cansos em seu nome. ”O assunto de todos os
seus poemas é o amor
cortês. Comparado com Beatriz
de Dia, Castelloza é um poeta conservadora. Sua persona ao longo de seus trabalhos
é consistente e, embora ela aumente a tensão entre o amor incondicional e condicional,
ela sempre permanece comprometida com a fidelidade absoluta. Um estudioso, Peter Dronke, viu as canções de Castelloza formando um ciclo lírico“.
- Gersenda de Proença ou
Garsinda ou Garsenda de Sabran (c. 1180-c. 1242/1257) condessa de Forcalquier e condessa da Provença
por casamento, patrocinadora da literatura occitana, considerada também uma trobairitz.
- Condessa Beatriz de Dia
ou Condessa de Dia do final do século XII – meados do século XIII, foi uma trovadora provençal filha do Conde Isoardo
II de Die, cidade junto ao rio Drôme, condado de Provença. Casada
com Guillem de Poitiers, conde de Viennois. Sua canção ”A chantar
m’er de so qu’eu no volria”, única peça de autoria feminina cuja música sobreviveu
perfeitamente.
A fonte
enciclopédica utilizada refere boa bibliografia de mulheres trovadoras que recolhemos
e recomendamos para aprofundamento de suas temáticas:
“Les Trobairitz”. Occitanica – Mediatèca Enciclopedica Occitana / Médiathèque encyclopédique
occitane.
Deplagne – Luciana
Eleonora de Freitas Calado. Gênero em desafio:
das trobairitz provençais às repentistas nordestinas. Por
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº 35. Brasília, janeiro-junho de
2010.
Schulman, Jana K. (2002). The Rise of the Medieval World 500–1300. Westport,
Conn: Greenwood Publishing Group.
Bruckner, Matilda
Tomaryn; et al. (1995). Songs of the Women Troubadours. New York: Garland Publishing,
Inc.
Paden, William D.
(1989). The Voice of the Trobairitz: Perspectives on the Women Troubadours. Philadelphia:
University of Pennsylvania Press.
Kibler, William
W. (1995). Medieval France: An Encyclopedia. New York: Garland Publishing Inc.
Bruckner, Matilda Tomaryn (outubro de 1992). «Fictions of the Female Voice: The Women Troubadours».
Medieval Academy of America. Speculum.
Ainda:
Bogin, Meg (1976). The Women Troubadours.
Scarborough: Paddington.
Bruckner, M. T.; Shepard, L.; and White, S. (1995). Songs of the Women Troubadours.
New York: Garland Publishing.
Egan, Margarita (1984). The Vidas of
the Troubadours. New York: Garland Publishing.
Schutz, Alexander Herman (1972 [1950]).
Biographies des troubadours. Ayer Publishing. (25) Tradução literal da
poesia de Tibors de Sarenom.
(26) O influente e crítico trovador lombardo Sordello
da Goitto, nascido ao começo do seculo XII próximo de Mântua já foi longamente apresentado
por nós em artigos sobre o poeta Guido Cavalcanti, artigos que recomendamos. Ver
sobre ele ainda referências na nota acima 13 no texto abaixo e nota 31.
(27)
– Na Gormonda de Monpeslier (1226-1229) segundo fonte enciclopédica bem balizada
(fontes abaixo) foi trobairitz em Montpellier no Languedoc e escreveu uma resposta
às famosas “sirventes” antipapais do trovador Guilhem Figueira, seguindo o poema
do trovador em metro e rima por cerca de vinte estrofes, ‘Greu m’es a durar” . Ela
justifica a Cruzada contra os hereges em sua região, alegando que a heresia era
mais perigosa do que o Islã, aparentando desses modo simpatia pelo clero ortodoxo
do sul da França, simpatia pelo papado e pela monarquia francesa. Possivelmente
fosse dominicana.
Ainda poetas politicamente críticos de fase tardia
- Guillem ou Guilhem Figueira ou Figera era um “jongleur‘ do Languedoc e trovador de Toulouse ativo na corte do imperador Frederico
II em 1230. Filho de um alfaiate. Como resultado da Cruzada
Albigense exilou-se na Lombardia, chegando
aassim à corte de Frederico II. Foi popular em suas severas criticas e mesmo censurado pelo papado. Era colaborador
próximo de Aimery de Pégulhan cuja maioria de trabalhos eram “cansos” e alguns “tensos”
com Sordello da Goitto e Albertet de Sestaro, trovador provençal ativo entre 1194-1221.
- Guillem Augier Novella foi um trovador de Viena no Dauphinois,
que também pela Cruzada Albigense viveu a maior parte de sua idade adulta exilado
na Lombardia, ativo como um menestrel no início ou meados do século XIII. Como os
exilados que continuaram a usar o ocitano, Augier também escrevia em ocitano e teria
estado na corte do imperador Frederico II . Lá foi associado a figuras como Guilhem
Figueira e Aimery de Pégulhan até 1230. Ao fim escreveu “descarts’ e “sirvantes” na forma
dos menestréis, elogiando uns e culpando outros. Augier e Almery, seu companheiro de exílio na Itália, auxiliaram a fundar a
tradição do trovador de “lamentação” pelos dias de ouro das pré-cruzadas albigenses.
O principal objetivo dos sirventes pode ser o de lamentar a cultura perdida do Languedoc antes da Cruzada Albigense e
o “senhor” é provavelmente um estereótipo destinado a representar essa cultura.
Pode, portanto, ser visto como representante de um gênero de verso anti-cruzada
prevalente nas tradições trovatore da Itália na época.
Bibliografia específica sobre Gormonda de Monpeslier e sobre
o trovadorismo em sua fase final:
Bruckner, Matilda Tomaryn
– “Ficções da voz feminina:
as mulheres trovadores”. Espéculo, vol. 67, n ° 4. (outubro
de 1992).
Chambers, Frank M.
– “Imitação de Forma no Velho Lyric Provençal”. Filologia Românica, 6 (1952/1953).
Städtler, Katharina
– ”Os Sirventes de Gormonda de Monpeslier.” A voz do trobairitz: perspectivas sobre
as mulheres trovadore . William D. Paden, ed. Filadélfia: University of Pennsylvania
Press, 1989.
Throop, Palmer A –
“Crítica da Política
da Cruzada Papal em francês antigo e provençal”. Espéculo
, vol. 13, n ° 4, outubro de 1938.
(28) Fernandes, Raúl Cesar Gouveia – artigo
“Amor e Cortesia na Literatura Medieval”, http://www.hottopos.com, citando Frappier, Jean “Vues sur la Conception Courtoise dans les Littératures
d’Oc et d’Oïl au XIIe. Siècle”,
1959, in: Cahiers de Civilisation Médiévale, II.
(29) Lopes – Graça Videira, “Poesia dos trovadores
Provençais” FCSH Traduções e nota final. Em
www.fcsh.unl.pt/docentes/gvideiralopes/index_ficheiros/proven%C3%A7ais.pdf.
- A dor da “coita” amorosa
– a dor de não poder alcançar o amor de sua amada, por vezes pelas diferenças sociais
algo rígidas na sociedade da época. O trovadorismo na Península Ibérica apresentou-se
mais tardio, do sec. XII ao XIV, e espressou-se em língua galaico-portuguesa. É
representado entre muitos outros por Martim Codax (sec. XIII-início do XIV), de
origem um jogral de que restaram sete cantigas de amigo; pelo rei D. Dinis (1261-1325)
e seu filho Afonso Sanches (12861329); ainda pelo Rei de Leão e Castela, Afonso
X, o trovador Pero Garcia Burgales de Burgo, que freqüentou esta corte de Castela;
já Berenguer de Palou (c. 1160-1209) dos mais antigos, oriundo da Catalunha, mas
do condado de Rossilhão, referido e já traduzido do provençal para o português no
citado trabalho do professor Ricardo da Costa – Costa, Ricardo da, e outros – “Um
tributo à arte de ouvir – O amor cortês nas cançons de Berenguer de Palou (c. 1160-1209)”,
artigo apresentado em simpósio neste ano de 2019.
(30) No LXXIX
“Congresso Internazionale della societa Dante Alighieri”, acontecido em Bolzano
e Merano em setembro de 2009 foi mesmo citado René Guénon, estudioso de religiões
e simbologia francês, como fonte de referências. Ver texto adiante.
(31) As relações de influência entre trovador e poeta mantuano Sordello da Goitto,
nascido no começo dos anos 1200, e o poeta Guido Cavalcanti já foram longamente
apresentadas por nós em artigos sobre Guido Cavalcanti que recomendamos para aprofundamento.
Sordello passara sua vida na Provençe e escrevera em provençal cerca de 40 poemas
que ainda subsistem, inclusive o mais famoso “O Lamento de Blacatz”, uma denuncia
dos principes da Europa que Dante parece querer imitar na Comedia. Consultar Reynolds, Bárbara – Dante,
L.B. Tauris, London, 2006, pgs.366-369. Ver sobre ele
ainda referências na nota acima 13 e 26.
(32) A respeito desse grupo citado consultar nossos vários trabalhos
sobre Guido Cavalcanti em nosso blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/ e na revista Incomunidade
. Ainda “O poeta Guido Cavalcanti e a Ordem Templária, editado na revista Athena.
pt do Porto em fev. de 2019.
As cores e
as insígnias das vestimentas dos cavaleiros Cavalcanti no confronto militar de Montperti,
em que o pai de Guido tomara parte em 1260 já haviam chamado nossa atenção: o vermelho
e branco, acompanhadas por brasão emblemado por cruzetas recruzetadas, cruzetas
muito semelhantes às da Ordem religiosa militar do Templários.
(33)
Es Ediciones, Madri, 2009, capitulo “Templo en homenage a la Divina Comedia”.
(34) Reynolds, Bárbara – Dante, L.B. Tauris, London, 2006,
cap. “Dante
and Guido Cavalcanti.”
(35) Valli Luigi – Il linguajo secreto di Dante e dei Fideli d’Amore”,
NA Roma, Biblioteca di Filosofia e Scienza, Casa Editrie Optima, 1928.
(36) Discussão
e aprofundamento do assunto Torres, Rosa Sampaio – nossos vários trabalhos já citados
sobre o poeta Guido Cavalcanti, ainda o inédito “Vida e obra do poeta Cavalcanti
no séc. XIII”, em finalização com todas as fontes, já aberto a pesquisas.
(37) É muito provável que Guido Cavalcanti tenha freqüentado
a Universidade de Bolonha e aí tenha sido introduzido nos trabalhos dos filósofos
árabes Avicena e Averrois (ver nota abaxo 39). Não sabemos se conheceu além dos
filósofos árabes também poetas árabes contemporâneos, como Ibn ‘Arabi, autor de
“Um jardim por entre as chamas”.
René Guénon em seu livro L’ésoterisme de Dante
(Galimard, Paris, 1957) afirma que Dante teria conhecido por fontes profanas a obra
de Ibn ‘Arabi (1165-1240), sufi místico e filósofo andaluz, e provavelmente ocultava
este fato – porque não via inconveniente em citar outros filósofos islâmicos como
Avicena e Averrois. O encobrimento de Dante, sugerimos, pode ter ocorrido por esse
conhecimento da poesia de Ibn Àrabi ser tido na época como herético, o que bem se
percebe no poema que reproduzimos abaixo.
O belo poema de Ibn ‘Arabi em recriação de Fabio
Malavoglia, sobre a tradução inglesa de Michael Sells:
Ó Maravilha,
um jardim por entre as chamas!
Meu coração pode agora
adotar todas as formas:
é pastagem das gazelas,
um claustro para monges.
Para os ídolos, chão sagrado,
a Ka’aba para o peregrino buscador,
as tábuas da Torah,
os pergaminhos do Santo Corão.
Eu sigo a Religião do Amor;
seja qual for a rota
que tome sua caravana:
esse é meu credo
e minha fé.
(38) Ismaelismo
ou Ismaili (séc. VIII) – ramo minoritário do xiismo, os opositores político-religioso
do sunismo. Chegaram a exercer força ideológica capaz de hegemonia, representados
pelos fatimistas no Egito e no Norte da África nos séculos X-XII. Fragmentados pelo
sunita Saladino no sec. XII. Os xiitas assim como os sunitas, assumem como o primeiro
Imã, Ali (Shia), primo de Maomé – cujo casamento se deu com Fátima. Entretanto,
os ismaelitas se têm como descendentes fatimitas do ramo de Ismaili (Ismail ibn
Ya’afar). Os ismaelitas teriam ficado notórios por destruir a igreja do Santo Sepulcro
em 1009, fato que teria provocado a primeira cruzada. Utilizavam práticas de punição
cruéis, como o enforcamento com corda e iniciações esotéricas.
(39) Sobre
as influências dos pensadores árabes Averrois e Avicena sobre Guido Cavalcanti,
consultar nossos trabalhos sobre o poeta já indicados.
Averrois (Ibn-Rosch), (1126-1198) foi filósofo
árabe que vivera no século anterior em Córdoba, comentarista e interprete de Aristóteles
utilizando antigas e extraviadas versões árabes. Reintroduzindo o materialismo de
Aristóteles na Europa religiosa, Averrois trazia de volta o interesse antigo pelo
realismo e o sensível. Averrois, trazia de volta a filosofia
antiga e afirmava a subordinação da religião à filosofia quando as argumentações
de ambas fossem conflitantes, considerando a religião como uma filosofia simbólica.
Assim sendo,
entendemos que o averroísmo não foi um pensamento religioso ou herético, mas apenas
um pensamento filosófico divergente para a época, bem como o próprio ateísmo questionador
característico do próprio pai de Guido, o cavaleiro Cavalcante Cavalcanti.
E Avicena autor de “Líber Canonis”,
um tratado de Medicina muito estudado na época, na Universidade de Bolonha, é até
hoje ainda muito respeitado por suas observações médicas.
(40) Sobre o conceito expresso pela palavra “Dama” na época
consultar nossos
diversos trabalhos sobre Guido Cavalcanti ainda o livro no prelo “Vida e Obra do
poeta Guido Cavalcanti”.
(41) Tradução
de Dante Alighieri – Fátima Marques em Reynolds Barbara– Dante, Ed. Record, 2011.
…para mim um genitor
e para todos os outros, melhores que eu,
nas doces rimas dos poemas de amor.
(42) Dante
na Comédia apresenta Guido Guinizelli na presença do trovador Arnaut Daniel, como
pais dos ‘estilonovistas” – escola na qual Guido Cavalcanti é sempre incluído, até
mesmo como líder (Reynolds, Bárbara – Dante, Rio de Janeiro, Record, 2011, pg. 418-419).
Notar que Guido Cavalcanti especialmente sofrera a influencia do trovador lombardo
e crítico, Sordello da Goitto, que ele apresentara ao seu jovem amigo Dante.
A influência da poesia siciliana
se fez sentir na Toscana atravez o importante papel alcançado pela corte de Frederico
II da Sicilia (1194-1250), membro da dinastia dos Hohenstaufen, culto e laico, que
nos meados do seculo recebeu exilados inelectuais árabes e judeus, além de trovadores
provençais refugiados das perseguições cátaras ou albigences. A poesia desenvolvida
nesta corte , de início eminentemente profana e fora do controle da Igreja, pela
influência dos poetas críticos provençais, dará primazia aos idiomas locais e aos
temas cavalherescos – adaptados agora a uma tecnica metrificada que desenvolve baladas,
canções e mesmo o soneto. Seus principais representantes são Andrea Capellano autor de “Del Amore” , escrito entre 1174 e 1204, e mais tarde
Pier delle Vigne, secretario de Federico II; os irmãos Guido e Oddo delle Colonne,
Giacomino Pugliese, Iacopo da Lentini.
(43) Mais
informações sobre Guido Guinizzelli, nas notas 40 e 111 do nosso futuro livro sobre
o poeta Guido Cavalcanti, já aberto para consulta.
(44) Referência:
https://citacoes.in/autores/guido-guinizelli/
ROSA
SAMPAIO TORRES.
Poeta e historiadora, apresenta artigos e ensaios históricos aos seus leitores brasileiros,
portugueses e italianos – artigos sempre baseados em documentos, vasta bibliografia,
todas as fontes indicadas em notas. Estes artigos estão disponíveis no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/ e/ou disponibilizados em
http://4shared.com/, bem como em revistas digitais do Porto. A autora
publicou artigos específicos sobre o poeta Guido Cavalcanti: “O poeta Guido Cavalcanti
e suas influências culturais”, pela revista Incomunidade.com,
na ed. 36 de julho de 2015;” O Capitulo X da Divina Comédia”, “O poeta Guido Cavalcanti
e a os Templários”, publicado na revista Athena do Porto em fev. de 2019. Ainda
tem no prelo o livro “Vida
e Obra do poeta Guido Cavalcanti”. Outros trabalhos específicos e medievais – “As
tradições de origem no centro franco da família Cavalcanti e Monaldeschi”, na revista
Incomunidade.com do Porto, ed. 57, junho de 2017, e “As famílias Cavalcanti, Monaldeschi
e Malavolti e suas origens no reino franco, Colônia, sec. VIII”, publicado na mesma
revista em 2017. Publicou ainda em seu blog artigos relativos às atividades republicanas
da família Cavalcanti no século XVI na Europa, e posteriormente no Brasil.
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UMA AGULHA NA MESA O MUNDO NO PRATO
Número 198 | dezembro de 2021
Artista convidada: Evelyne Axell (Bélgica, 1935-1972)
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