O neo-realismo em 1944 era um movimento recente, mas
firmado já ao longo de mais dum lustro, com nomes e obras decisivas que marcavam
um novo rumo estético que reagia às correntes anteriores, todas marcadas pelo esteticismo
modernista. Mário Dionísio publicava poemas e textos teóricos desde 1938; o romance
Gaibéus de Alves Redol datava de 1939.
Manuel da Fonseca estreava-se em 1940 com o livro de poemas Rosa dos Ventos e Soeiro Pereira Gomes dava
à estampa no ano seguinte o romance Esteiros.
Do ano de 1941 é o aparecimento em Coimbra da coleção “Novo Cancioneiro”, que se
iniciou com a publicação do livro de versos Terra
de Fernando Namora. Esta coleção será pouco depois seguida em Coimbra por uma outra,
a dos “Novos Prosadores”, onde Carlos de Oliveira publica em 1943 o romance Casa na Duna.
Ora o neo-realismo desta nova geração lisboeta saída
da Escola António Arroio e dum café das suas imediações, o Café Herminius, que ficava
na Avenida Almirante Reis, ao pé da Praça do Chile, e que era frequentado pelo grupo
desde 1943, tinha todas as condições para, embora aderindo com entusiasmo às novas
ideias que se procuravam impor desde o final da década anterior, se mostrar distinto
daquele que estava já consagrado. O grupo tinha uma tradição urbana muito diferente
da experiência rural dum Alves Redol e da vivência operária dum Soeiro Pereira Gomes
e estava também muito longe do meio académico coimbrão dum Joaquim Namorado, dum
Cochofel e dum Carlos de Oliveira, pelo qual não sentia qualquer atracção. Nenhum
membro do grupo lisboeta foi para Coimbra estudar e foram raros os que prosseguiram
estudos superiores.
***
A primeira manifestação do grupo de Lisboa, sinalizando a sua adesão ao neo-realismo,
mas também as suas diferenças para com o neo-realismo existente, foi organizar e
manter um suplemento cultural num vespertino do Porto. À cabeça surgia Júlio Pomar,
então na capital do Norte, mas sempre em contacto com o restante grupo de Lisboa.
Coube-lhe dirigir a folha, “Arte”, que se começou a publicar aos sábados no início
de Junho de 1945, integrada no jornal A Tarde,
quando acabavam de ter lugar em Lisboa e um pouco por todo o país as manifestações
populares de regozijo pela capitulação incondicional da Alemanha. Dos colaboradores,
Júlio Pomar era o único que havia já comparecido nas páginas do jornal. A maioria
– Pomar, Vespeira, Azevedo, Cesariny, Oom, Fernando José Francisco, José Leonel
– saiu do círculo que se reunia no Café da Almirante Reis e vinha dos bancos da
Escola António Arroio. A colaboração dada por Cesariny a este suplemento, sete textos
entre Junho de 1945 e Outubro do mesmo ano, é da maior importância – é ele o teórico
do grupo mais em evidência – embora os textos, sendo a sua estreia em letra redonda
de tipografia, sejam ainda incipientes e pouco característicos.
O primeiro linguado de Cesariny surgiu a 30-6-45, no
quarto número do suplemento, e a sua presença manteve-se a partir daí regular até
ao final da folha. O derradeiro, o sétimo, surgiu quatro meses depois, a 20-10-45,
no vigésimo suplemento “Arte”, fechando o jornal seis dias mais tarde, numa sexta-feira,
talvez por insolvência. Durou 290 números. Com excepção do último texto, “Nota sobre
3 músicos”, consagrado à música soviética, aquela que Fernando Lopes Graça lhe dava
a conhecer nas salas da Academia dos Amadores de Música, todos incidem sobre pintura,
embora muitas considerações feitas possam ser aplicadas à arte em geral. Percebe-se
que Cesariny tinha então uma formação exigente e possuía um rico e variado chaveiro
que lhe dava acesso à compreensão universal dos fenómenos artísticos, o que não
significa que estes textos não apareçam manchados por afectações e insuficiências,
que levarão a que o seu autor mais tarde os arrume como “bastante maus” (“Tábua”,
Mário Cesariny, 1977).
Os seis artigos sobre pintura obedecem a uma lógica
interna, a um fio pré-estabelecido, e vão-se sucedendo como peças autónomas duma
construção que só no final completa o seu sentido. Cada um deles é só um ponto do
conjunto mais geral.
Em resumo dizem o seguinte: a arte do presente é individualista
e está divorciada do público, que lhe voltou costas (“O Artista e o Público”, 30-6-45);
é preciso conhecer os movimentos artísticos do século XX, como o cubismo e o futurismo,
que fizeram uma revolução estritamente formal, no campo técnico, sem mexer nas ideias,
para se perceber como se chegou à actual situação (“Futurismo e Cubismo” I e II,
21-7-45 e 29-7-45); há que descobrir a realidade, “as verdades do tempo”, abandonando
a excessiva preocupação técnica para humanizar a arte e reconciliá-la assim com
o público (“Aprendizagem na Arte”, 18-8-45); a obra plástica do mexicano José Clemente
Orozco (1883-1949) é para o jovem crítico exemplo duma pintura evoluída, em que
as aquisições formais inovadoras vão a par duma interpretação firme da realidade
histórica, contribuindo para a libertação da humanidade e para a morte das tiranias
divinas e humanas (“Orozco”, 15-9-45); a pintura nova é pois uma realização técnica
inovadora que não deixa de lado o carácter humano da realidade – esta pintura nova
está já a ser realizada em Portugal por “um neo-realista de Lisboa” (“Carácter duma
pintura nova”, 6-10-45).
Acrescente-se que nem surrealismo nem André Breton eram
ignorados do jovem crítico, embora o conhecimento que então mostra dum e doutro
seja apenas de superfície. No segundo texto dedicado ao cubismo e ao futurismo,
alinha outros movimentos artísticos que enfileiram no mesmo erro dos dois – arte
formal, sem dimensão humana e lição histórica. Neles comparece o surrealismo, então
chamado nas alusões que lhe são feitas em Portugal, raras e de ocasião, “sobre-realismo”,
nome que o jovem crítico d’ A Tarde adopta.
Também Pedro Oom, em texto publicado na mesma época
e no mesmo lugar (“Nota sobre o neo-realismo nas artes plásticas em Portugal”, 25-8-45)
alude ao surrealismo. De resto, Mário Cesariny conhecia desde 1943 António Pedro
(carta a Cruzeiro Seixas, 1-12-43), que desde 1940 fazia uma pintura de semelhança
surrealista, com uma exposição em 1940, na Casa Répe, ao Chiado, com António Dacosta
e Pamela Boden, e que parte do grupo da escola do bairro da Estefânia terá conhecido
e até visitado. Demais, o décimo primeiro número do suplemento “Arte” (18-8-45)
tem na cimalha frase de André Breton – “Trata-se, no entanto, sempre da vida e da
morte, do amor e da razão, da justiça e do crime. A partida não é desinteressada!”
–, escolhida e traduzida por certo pelo coordenador. Mostra, todavia, que o nome
do fundador do surrealismo era dito e ouvido no círculo do Café da Almirante Reis.
Outro ponto que merece atenção nos primeiros textos
de Mário Cesariny é a referência a “um neo-realista de Lisboa”. Sucede isso no texto
sobre a “nova pintura”, o sexto, em que se define o sentido geral do conjunto, se
deixarmos de lado aquele derradeiro sobre os três músicos soviéticos. Não interessa
tanto saber quem se escondia sob essa designação capciosa de “neo-realista de Lisboa”
– é certo tratar-se de Fernando José Francisco – como perceber que se estava então
a desenhar uma escola distinta da de Coimbra dentro do neo-realismo e que a teorização
de Mário Cesariny era como que a sua voz pública, o seu primeiro sinal. Isto mostra
a consciência que o grupo tinha da individualidade e da diferença dos seus contributos
dentro do novo movimento. A folha portuense pode ser vista como o ponto de arranque
de artistas como Pomar, Vespeira, Azevedo, Domingues, Moniz Pereira e Fernando José
Francisco. É nela que publicam os primeiros textos e dão a ver ao público as primeiras
reproduções dos seus trabalhos, antecipando aqueles que exporão na 2.ª Exposição
Geral de Artes Plásticas (1947), que marcou a afirmação do neo-realismo pictórico
em Portugal.
Ao tempo do suplemento “Arte”, o que existia da escola
neo-realista estava acantonado na alta de Coimbra e no sector das letras, com uma
colecção de poesia e outra de prosa. Em termos pictóricos e plásticos, o que podia
ser inserido dentro da corrente eram só talvez os trabalhos a cor de Manuel Ribeiro
de Pavia, vizinhos das velhas gravuras da literatura de cordel, a que se juntavam
alguns desenhos de Álvaro Cunhal, que pareciam retomar alguma da estética do Stuart
que colaborara no jornal A Batalha com
caricaturas sociais. Estava ainda por forjar de forma inequívoca a expressão plástica
do novo movimento, que só surgirá em força à luz do dia com a exposição atrás indicada.
Mário Cesariny não veio então à liça como pintor ou
artista plástico – não há uma só obra sua reproduzida nas páginas do suplemento,
embora se saiba que desenhou e pintou vários quadros, um deles, “Quando o pintor
é um caso à parte”, perdido e reconstituído em 1970 – mas como o teórico das realizações
do grupo que se arregimentava no suplemento. É ele que publica os textos mais densos
e consequentes deste novo colectivo. E fá-lo como se viu com um sentido geral da
construção, em que cada peça marca um ponto de avanço sobre a anterior. Escusa-se
a ser directo – não fala uma única vez em neo-realismo – e a impressão que temos
é que não é tanto a censura exterior e oficial que assim o determina, mas a linha
interior do seu pensar. Depois deste primeiro esforço, centrado nas artes plásticas,
que são o lado mais formal da experiência humana em arte, não é de estranhar que
o jovem crítico tenha procurado desenvolver o seu labor de teorização, abalançando-se
a tomar a literatura por reflexão. Era na literatura que o novo realismo se manifestara
até aí de forma mais evidente e ruidosa, com a publicação de versos e de romances
em prosa e com o surgimento de nomes que pediam atenção, desejosos de se consagrarem.
Era ainda no fio da literatura que o jovem crítico se encadeava e debatia com os
versos que lia e escrevia desde pelo menos 1941.
***
A sua nova reflexão apareceu organizada em sete notas, que deu a lume numa
revista efémera (“Notas sobre o neo-realismo português”, Aqui e Além, nº 3 e nº 4, Dezembro 1945; Abril 1946). É um texto do
maior significado para se perceber o ponto de arranque em literatura de Mário Cesariny.
Os textos anteriores, publicados entre Junho e Outubro de 1945, têm alguma certeza
de construção – mas têm também o peso dum sistema de ideias na insistente afirmação
do humanismo e não da forma ou da técnica como bitola de avaliação em arte. Há neles
uma reacção anti-formal muito consciente, depreciando os movimentos de vanguarda
do início do século XX, que se lhes dá novidade numa cena artística que vivia desde
o final do século XIX saturada de esteticismo, também lhes retira largueza de compreensão.
Mesmo com todas as condescendências, é aqui que pela
primeira vez se desenha com clareza um neo-realismo contra o neo-realismo, quer
dizer, um neo-realismo desenvolto e adulto contra um neo-realismo embrionário e
visto como insuficiente. Daí a classificação que ele usa para definir essas obras
de transição – o “populismo”. Eis o ponto mais complexo deste primeiro Mário Cesariny.
Desenvolvê-lo-á na criação poética a que se entregou nesta época e com uma largueza
de meios que faz figura inesperada em meio tão acanhado como o do “novo humanismo”
– eufemismo para as linhas de orientação que vinham de Moscovo. Nos textos publicados
no Porto começa-se a desenhar uma escola de Lisboa por contraste com a de Coimbra,
mais limitada. Como quer que seja, essa nova escola não é de todo explícita nos
textos publicados no Porto, ao passo que a situação dum neo-realismo mais avançado
que o então existente é o nó crucial deste conjunto vindo a lume na revista Aqui e Além.
Não custa tomar estas notas de Mário Cesariny como vizinhas
daqueles textos críticos com que Fernando Pessoa se estreou na revista A Águia (1912) – e que pela mão de Álvaro
Ribeiro acabavam de ser republicados em livro, A nova poesia portuguesa (1942), opúsculo que o jovem crítico de 1945
decerto leu e meditou. O papel mediador que ele quis então ter junto da literatura
neo-realista parece coincidir com aqueloutro que o autor de Mensagem pretendera rasgar no seio da nova
poesia saudosista – quer dizer, uma posição ambivalente, de adesão e de afastamento
a um só tempo. Adesão porque assumia declaradamente o neo-realismo como o movimento
que interessava então construir; afastamento, já que se distanciava conscientemente
de tudo o que até aí dera expressão ao movimento entre nós, insistindo em que as
verdadeiras obras neo-realistas estavam ainda por criar e que o que até então surgira
no domínio das artes plásticas, do romance e da poesia não merecia o nome de neo-realismo.
Enquanto presencistas como José Régio e Gaspar Simões
criticavam desde o final da década de 30 o neo-realismo por força da inconsistência
estética das suas obras, Mário Cesariny afastava-se dele, neo-realismo, porque o
entendia não como uma questão de observação, quer dizer, de real estatuído e estático,
mas como “a expressão e a conquista duma realidade mais geral”. Está aqui um ponto
que tanto nos leva a pensar que o destino dum tal realismo só podia ser o surrealismo,
já que só esse movimento propunha a descoberta dum novo real, o surreal, como nos
pode levar a pensar que só na teorização de Cesariny o novo realismo em Portugal
ganhava uma complexidade e uma riqueza reflexiva que retirava o real dos lugares
estáticos em que até aí vivera, desde a Geração de 70 até Ferreira de Castro, Alves
Redol e Soeiro Pereira Gomes. O entendimento do real do jovem crítico é distinto
de tudo aquilo que antes existia. Nele o real não é uma questão de representação,
mas de criação. Está aí porventura o salto dialético que a teorização neo-realista
deu em Portugal na década de 1940.
***
Observe-se agora a criação poética de Cesariny neste período. O que se conhece
só mais tarde veio a lume, pois na época nada transpareceu, quer no domínio plástico
quer no da poesia. O autor afirmou-se como crítico de arte e como crítico literário,
mas não como criador – embora sem lhe dar publicidade desenhasse, pintasse, escrevesse
versos e prosa. Sobretudo a sua produção em verso deste período é muito extensa
e nada desprezível. Tanto assim, que o seu autor, embora posteriormente se afastasse
de muitos dos postulados que então subscreveu, nunca esqueceu a sua criação poética
dessa época, dando-lhe mais tarde publicidade. Alguns dos seus poemas mais conhecidos
e representativos são mesmo desse período, o que nos obriga a olhar para ele como
altamente significativo e não apenas como uma fase de passagem que nenhum rasto
deixou, uma espécie de juvenília despicienda e que só raramente paga a pena citar.
Essa criação apareceu pela primeira vez, mas só em parte,
no livro Nobilíssima visão (1959) e no
volume antológico Poesia – 1944-1955 (1961)
– quer dizer foram precisos muitos anos, cerca de 15, para o seu autor a dar a conhecer.
No volume antológico apareceu sob o título genérico de “Poesia Civil” – civil pelo
compromisso que então teve com as indicações da III Internacional e civil pela adesão
ao neo-realismo, que era uma estética de pronta decisão cívica, e daí o tópico anti-formal.
A “Poesia Civil”, como surgiu em 1961, era constituída por quatro livros: “Políptica
de Maria Klopas, dita Mãe dos homens”, “Nicolau Cansado escritor”, “Um Auto para
Jerusalém” e “Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos”. Ao conjunto destes quatro
livros é preciso juntar os poemas de “Nobilíssima visão”, surgidos dois anos antes,
e “Romance da praia de Moledo”, este em cruzamento com “Loas a um rio”, vindos a
lume numa colectânea posterior, Burlescas,
teóricas e sentimentais (1972), título que foi usado para cobrir parte da “poesia
civil” (“Loas a um rio”, “Romance da praia de Moledo” e “Políptica de Maria Klopas”).
Nos arranjos finais da sua obra, já na editora Assírio & Alvim, Cesariny distribuiu
a “poesia civil” e as primitivas “Burlescas, teóricas e sentimentais”, que na primeira
metade da década de 1940 se terão chamado segundo Pedro Oom “Líricas, bucólicas
e sentimentais”, por dois livros, Nobilíssima
visão (1991) e Manual de prestidigitação
(1981; 2005) – o primeiro contendo os poemas de “Nobilíssima visão” propriamente
dita, de “Nicolau Cansado escritor” e ainda “Louvor e Simplificação de Álvaro de
Campos e “Um auto para Jerusalém” e o segundo “Romance da praia de Moledo” e “Visualizações”,
onde estão as “Loas a um rio” e poemas dispersos, alguns aparecidos na primeira
edição de Nobilíssima visão (1959).
Todo este conjunto foi orquestrado entre 1942 e o final
de 1946. Há pois duas fases distintas neste primeiro período da criação poética
de Cesariny. Um primeiro que vai de 1942 a 44 e onde se incluem “Loas a um rio”,
“Romance da praia de Moledo” e “Políptica de Maria Klopas”; e um segundo, de 1944
a 46, onde se incluem os restantes poemas, o último dos quais, “Louvor e simplificação
de Álvaro de Campos” é já do final do ano de 1946. O primeiro subconjunto é o que
segundo Pedro Oom se chamou de “Líricas, bucólicas e sentimentais” e foi segundo
testemunho do mesmo Oom e de Luiz Pacheco apresentado a João Gaspar Simões para
leitura, sem que daí resultasse nada de conclusivo. É anterior à adesão ao neo-realismo
e à entrada no Partido Comunista – corresponde ao período final da escola das artes
decorativas António Arroio e à fase do Café da Almirante Reis. São poemas em que
as palavras giram em órbitas regulares à volta da sua estrela e a forma tende à
estabilização. É o período em que o jovem Cesariny aceita o clássico, talvez por
influência dalguns dos seus professores da Escola António Arroio, como supremo ideal
estético. Isso não se fez porém senão em contradição com a experiência mais funda
e pessoal do criador. Por isso, poemas, como “Arte poética” e “Corneta”, integrados
no “Romance da praia de Moledo”, e aceitando que os poemas são de feito desse período
inicial como tudo leva a crer, pouco têm a ver com a beleza, com a forma lapidada
e fria do clássico. Não há neles nenhuma concepção de harmonia regulada e estável.
É antes a crueza mas também a inocência da transgressão, aquilo que se poderá chamar
a agressão contra a harmonia e a laceração da forma, que os motiva. A primeira parte
do poema “Arte poética”, com subtítulo de “métrica”, é uma paráfrase ritmada, inspirada
talvez nas lengalengas infantis de origem popular, duma oração cristã, o Padre-Nosso,
cujo ingénuo efeito musical, fruto dum ouvido treinadíssimo pelo solfejo, não esconde,
antes espicaça, um burlesco de infracção, que se ajusta na perfeição ao propósito
do poema – restituir o som e o sentido da poética. Leia-se a estonteante abertura
(2017): creio em deus pá’/ um dois três quá’/
tod’ poderô’/ um dois dois três (…).
O mesmo se deve dizer para “Políptica de Maria Klopas”,
um conjunto de dez poemas, que representa o momento de passagem para a fase da “poesia
civil”, pois terá sido já composto em 1944, numa fase vizinha, se não coincidente,
com a adesão ao neo-realismo. Este painel de Maria Klopas, uma figura bíblica, citada
num versículo do Evangelho de João, surge como o primeiro sinal da capacidade construtiva
do poeta. Fizera até aí pequenas composições singulares, com notações lírico-jocosas,
mas sem finalidade dramática. Com estes dez poemas cria um primeiro conjunto narrativo,
que recria poeticamente um nódulo histórico-bíblico, a mãe de Jesus e a sua ligação
a Eva, de que Maria Klopas (ou Maria Klophas) é no poema a dupla hipóstase. Nas
várias versões que se conhecem do conjunto – o painel apareceu pela primeira vez
na antologia de 1961, foi depois republicado na antologia de 1972 e finalmente integrado
nas edições finais de Manual de prestidigitação
(1981; 2005) – percebe-se uma linha de evolução no sentido duma maior dramatização
do conjunto, com a introdução de didascálias de cenografia musical e a atribuição
dos poemas a vozes distintas. O conjunto tem alguma coisa dum auto de Natal invertido,
primeiro na nudez das suas queixas mudas duma mulher que se vê projectada para um
destino que não foi por si escolhido e depois no esquecimento com que o mundo a
amortalha. A ideia dum auto natalício às avessas, carnavalesco, acentua-se nas versões
finais com “as estridências monocórdicas” da orquestra final e o apêndice burlesco
da “Cantiga de São João”, cuja missão é dinamitar a seriedade do mundo num momento
de assumida loucura ao mesmo tempo que subverte em direcções inusitadas a quadra
popular.
Atente-se agora no segundo conjunto desta primeira fase
da sua poesia, aquele que com toda a propriedade corresponde à ideia duma “poesia
civil”. Fazem dele parte os seguintes livros, todos escritos já depois da adesão
ao neo-realismo e contemporâneos da publicação dos textos críticos no jornal A Tarde (1945) e na revista Aqui e Além (1945-46) que o leitor já conhece:
“Nicolau Cansado escritor”, “Nobilíssima visão”, “Um auto para Jerusalém” e “Louvor
e simplificação de Álvaro de Campos”. Peças maiores na criação do autor, merecem
uma observação de pormenor. Esses livros são afinal a expressão prática do neo-realismo
evoluído em que o seu autor pensava quando deixou em aberto nas suas notas críticas
do final de 1945 o surgimento próximo duma escola neo-realista larga e madura, capaz
de superar as limitações do embrião mais populista que neo-realista que então existia
em Coimbra.
Nasceram assim, na transição de 1944 para 1945, por
um processo de saturação extrema, os poemas e as prosas de “Nicolau Cansado escritor”.
Vieram a público pela primeira vez na antologia de 1961, para em parte voltarem
a ser republicados na antologia de 1972, integrando mais tarde, com algumas alterações,
embora insignificantes, as duas edições finais de Nobilíssima visão (1976; 1991). Tal como apareceu na primeira edição
o conjunto é composto por duas notas iniciais, “Nota do fiel depositário” e “Em
torno da poesia de Cansado”, assinadas respectivamente pelo “fiel depositário” e
por Marília Palhinha, e por nove poemas da autoria de Nicolau Cansado.
Quem é este Cansado? Autor e personagem textual criada
por Cesariny – na edição de 1976, fica-se a saber que tem por nome completo Nicolau
Rosendo Gastendo Cansado –, de quem a biografia em verso jâmbico da autoria de Papuça
de Arrebol se perdeu em 1944. É o “fiel depositário” – a partir da edição de 1976
chamar-se-á Araruta Província – que nos dá esta informação na nota inicial, ao mesmo
tempo que informa que a obra em prosa de Cansado, superior à obra em verso, se perdeu
também. Sobraram apenas os poemas que se dão à estampa, havendo suspeita de existir
um outro conjunto de versos, “um feixe de ditirambos ao ‘pobre Federico’”, datado
do Verão de 1943 e cujo paradeiro se desconhece (a partir da edição de 1976 este
conjunto ganha o nome de “Ditirambos hispanos”). Segue-se o estudo de Marília Palhinha,
que o prefaciador apresenta como “incansável polígrafa e companheira do poeta, D.
Marília Palhinha” e que passará a partir de 1976 a “incansável polígrafa e amiga
do poeta, Professora Doutora Marília Palhinha”. Surgem por fim os poemas conhecidos
de Cansado, que se manterão ao longo das edições do livro (1961; 1976; 1991) com
pequenas alterações, em que sobressaem a introdução de dois novos poemas – um dado
por perdido, “Fantasia gramática e fuga (com eco)”, e outro, classificado por Palhinha
em 1970 como “belíssimo”, “Poema bão”, restituído por Francisco José Tenreiro pouco
antes da sua morte, ocorrida em 1963.
Estamos diante duma grande construção narrativa, com
uma personagem central, Nicolau Cansado, a que se associam duas outras não menos
cruciais, Araruta Província – primeiro só “fiel depositário” – e a polígrafa Marília
Palhinha, depois “Professora Doutora”. As estas, ainda se juntam Papuça de Arrebol,
biógrafa de Cansado, e Crocodilo, “pseudónimo literário do Ex.º Sr. Luís de Oliveira
Guimarães”, em cujas mãos estiveram os “Ditirambos hispanos”. É por meio das três
personagens principais – Cansado, Araruta e Palhinha – que Cesariny irá por um lado
parodiar os poemas do Novo Cancioneiro, assim se aproximando e afastando deles,
e a inanidade dos discursos académicos e críticos. É todo o sistema literário da
época, sem excepção, do coração das academias e das editoras até às margens onde
o neo-realismo se esforçava por se fazer notado, que assim aparece teatralizado.
Se atendermos às dedicatórias dos poemas que uma segunda nota de Marília Palhinha
acrescentou à edição de 1976, temos como destinatários Joaquim Namorado, Francisco
José Tenreiro, Fernando Namora e Mário Dionísio, quer dizer, alguns dos principais
nomes do Novo Cancioneiro, a que se juntam Casais Monteiro e Ruy Cinatti, poetas
anteriores, um da revista Presença e outro
dos Cadernos de Poesia, cujos processos e formas os coimbrões pareciam querer repetir
sem renovação.
A paródia verbal é a duplicação dum discurso; não existe
sem imitação do estilo dum autor ou duma obra. Na paródia há sempre duas realidades
discursivas, a original e a glosa que imita. Mas a paródia nunca é só uma duplicação
intertextual; é uma duplicação com uma finalidade: produzir o riso, agindo como
dissolvente e revelador químico. Para que o riso se instale é preciso que o contraste
entre os dois discursos ponha a nu o que há de farsa e de burla, primeiro na glosa
e depois, por um efeito de mata-borrão ou de contaminação, no discurso de origem.
Toda a paródia é séria até ao momento em que se detecta o seu burlesco. E todo o
discurso de origem perde a sua seriedade e a sua inocência a partir do momento em
que se detecta a farsa da sua glosa. Nesse sentido os poemas de Nicolau Cansado
têm um efeito arrasador. Basta pensar na glosa que é feita ao livro Terra, de Fernando Namora, para se medir
a dose letal de veneno que o poeta injectou nos seus versos. Terra fora o livro de abertura do Novo Cancioneiro
e tinha só por isso um alto valor simbólico. Leiam-se alguns versos de Nicolau Cansado
no poema “Rural” (2017): Como chove Cacilda!
Como vem aí o inverno, Cacilda!/ Como tu estás,
Cacilda!// Da janela da choça o verde é um prato/Que deve ser lavado, Cacilda!/
E o boi, Cacilda!/ E o ancinho, Cacilda!! E o arroz, a batata, o agrião, Cacilda!/
Já cozeste?// Eu logo passo outra vez,/ Em prosa provavelmente.
Quem era Cacilda? A personagem central do longo poema
Terra de Fernando Namora, que, em 24 fragmentos
numerados sem título, se arvora em gesta dos seres que se sacrificam pela gleba
e não vêem compensado o seu esforço. É um dos brotos que enfia no fado frustrado
dessa primeira figura arquetípica do neo-realismo português, Manuel da Bouça, que
a podão grosso Ferreira de Castro esculpira no romance Emigrantes (1928). Ora o modo como Cesariny reduz a personagem a um
vocativo monótono, triste e enfadonho, Cacilda, e a forma como anula, por meio do
mesquinho aburguesar dos indicadores rurais e caseiros, qualquer saída de grandeza
épica à história, ridiculariza de forma fatídica a personagem e o discurso que Namora
tecera em volta dela. A duplicação discursiva, óbvia a partir do segundo fragmento,
o do “Badalão! Badalão!”, cumpre com eficiência a finalidade de contaminar de burlesco
o texto primitivo. A réplica expõe as insuficiências ridículas do original e transforma
em beco sem saída o caminho por ele aberto em 1941, mesmo que a sem saída deste
beco só muito mais tarde se tenha visto, já que o poema só viu a luz em 1961. Esta
mesma eficácia se depara nas restantes composições atribuídas a Cansado, todas magistrais
e arrasadoras no uso da intertextualização paródica.
Observem-se agora os poemas de “Nobilíssima visão”,
escritos logo de seguida aos de Nicolau Cansado, se é que não em simultâneo, no
momento em que dava à estampa as notações sobre o neo-realismo na revista Aqui e Além, e que acabaram por baptizar
um livro, Nobilíssima visão, que teve
três edições (1959, 1976 e 1991), além da escolha que integrou a antologia de 1972.
Cesariny juntou neste livro, a partir da edição de 1976, a parte mais substancial
da sua criação do final da adolescência – os poemas de “Nobilíssima visão”, os de
Nicolau Cansado e respectivas notas de Araruta e Marília Palhinha, “Um auto para
Jerusalém” e “Louvor e simplificação de Álvaro de Campos”. A edição assim estabelecida,
em 1976, apresenta uma nota introdutória que confirma a elaboração dos poemas em
1945/46 e os reduz a quinze. Daí alguns dos poemas que surgiram na primeira edição
do livro, a de 1959, terem sido deslocados para uma secção inicial das edições finais
de Manual de prestidigitação (1981; 2005),
“Visualizações”, que recolhe composições do tempo do “Romance da praia de Modelo”
e de “Políptica de Maria Klopas”.
Com estes quinze poemas, que acabarão na edição final
de 1991 por se reduzir a treze, tocamos no coração da poética de Cesariny. É provável
que lhe bastassem estes poemas, ou até alguns deles, para ter direito a um lugar
arejado e vistoso na poética portuguesa do século XX. Embora os tenha criado em
fase temporã da sua evolução, nem sequer fizera ainda 23 anos, idade boa para titubear
frases escritas, alguns, como “Pastelaria”, “Rua da Academia das Ciências” ou “Tocando
para a Rua Basílio Teles”, acabarão por se tornar na divisa de marca do poeta, fazendo
mais pela sua lenda que muito do que se lhe seguiu. Ainda hoje há quem conheça Cesariny
como poeta pelos versos de “Pastelaria” e não há recital seu que não os inclua.
O mistério nunca esgotado deste poema vem daquela arte poética tão musical como
provocadora em que ele logo de início dera provas de mestria com a paráfrase destemida
da oração chamada Padre-Nosso. Que dizer de versos assim (2017): Afinal o que importa não é ser novo e galante/
– ele há tanta maneira de compor uma estante. E destes: Afinal o que importa
é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício/ e cair verticalmente no vício.
Que são assustadores? Que enfrentam destemidamente o escuro? Até as palavras dos
dois primeiros versos parecem tremer de medo do poeta, tanta a firmeza da sua voz
e da ousadia em compor com o disparate uma imagem que não podia ser mais certeira.
Como é que um poeta que tinha a coragem de
chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:/ Gerente! Este leite está
azedo podia querer fazer das letras e das palavras uma carreira certa?! Estava
antes disposto a partir a loiça – ou a corromper o alfabeto. Niilismo? Não, já que
o niilismo não sabe rir; é só um repelão sério de desespero. Este poeta tem revolta
e grita bem alto que não, e até que nunca nem ninguém, mas ri muito. Que são as
paródias de Nicolau Cansado senão comédia e riso?! Por isso fechou a porta da sua
“Pastelaria” com aquele riso admirável de
quem sabe e gosta/ ter lavados e muitos dentes brancos à mostra. “Rir de tudo”
foi a receita que ele entregou ao mundo. Ora pintar o sete, expressão acertada para
o que há de feliz no carnaval, é como dizer que no fim da estrada está guardado
muito oiro para aquele que o não procurar.
“Um Auto para Jerusalém” é uma das criações mais atípicas
de Mário Cesariny. Foi a sua única peça escrita para teatro, se é que se pode chamar
teatro à apresentação dum olhar. A peça teve por berço um teatro e só isso é já
o bastante para marcar um destino. No Outono de 1946 surgiu em Lisboa uma colectânea
de poesia, conto e teatro, Bloco, coordenada
por Luiz Pacheco e Jaime Salazar Sampaio. Era mais uma das iniciativas da jovem
geração lisboeta que acabara de fazer 20 anos no final da guerra e festejara estrondosamente
a queda do nazi-fascismo. A colectânea, logo embolsada pela polícia política, fechava
com uma densa narrativa de Luiz Pacheco, então aluno da Faculdade de Letras, na
Rua da Academia das Ciências, chamada “História antiga e conhecida” e rebaptizada
depois “Os doutores, a salvação e o Menino”. Tratava-se dum ardil efabulador, ou
duma alegoria cheia de malícia moral, sobre a situação política portuguesa. A chave
da salvação, que deitaria pela borda fora o velho tirano Herodes de quem todos se
queriam livrar sem que ninguém soubesse como, estava na inocência da geração nova,
não na doutrina dos doutos e dos sensatos, que falavam a medo e não se dispunham
a perder privilégios. Passada num recanto da Palestina antiga com Romanos e Judeus,
a história era afinal uma parábola bem conhecida dos portugueses do presente.
Nada podia agradar mais ao poeta que estava a escrever
os versos de “Nobilíssima visão” e que tinha um conflito edipiano com a autoridade
do pai e do chefe e para quem a finalidade última da vida era a brancura admirável
do sorriso. “Rua Primeiro de Dezembro”, um poema desse seu livro, tem um conciliábulo
de pássaros no Café Portugal que parece a versão zoológica que um poeta era capaz
de dar da sensatez. Dois pica-paus picam com entusiasmo na “dita dura dura que não
dura” e nós ouvimos nesses versos o picar inane do bico no pau; um senhor avestruz
engole uma pratada de ovos, enquanto um pássaro cantor diz que tem pena, o que até
era verdade duas vezes. Tudo era escusado para estas aves simbólicas, salvo bicar
entre dentes, lastimar-se e comer – como sucedia afinal com os doutores de Luiz
Pacheco. Cesariny dedicava-se nesse tempo ao círculo coral de Fernando Lopes Graça,
então rebaptizado “Amizade”, e que logo ao fechar da guerra, com a fundação do M.U.D.,
ganhara grande projecção, fazendo actuações em salas associativas de Lisboa e arredores.
Foi numa dessas actuações que Cesariny conheceu, nos primeiros dias da criação do
M.U.D., no Verão de 1945, Alexandre O’Neill, nascido em 1924, e que frequentava
uma roda de rapazes estudantes e empregados que se juntava num Café da Avenida da
República, A Cubana, e que logo confraternizou com o grupo do Café Herminius.
Um dos pontos, até pela localização, onde o grupo coral
de Lopes Graça cantava com regularidade era a sala do Grupo Dramático Lisbonense,
que tinha sede na Rua Marcos Portugal, não longe do Jardim do Príncipe Real e estava
também ligado aos círculos mudistas. A ligação entre os dois grupos tornou-se tão
estreita que o grupo coral de Lopes Graça se tornou o Coro do Grupo Dramático Lisbonense.
Conhece-se carta de Cesariny para Cruzeiro Seixas (8[18]-9-1946) marcando-lhe encontro, para “sarau”, na sala do grupo cénico.
Ora foi nesta sala, pouco depois da saída de Bloco, que Mário Cesariny conheceu Luiz Pacheco. Corria nessa noite
uma peça em um acto de Pedro Serôdio, pseudónimo de Avelino Cunhal, pai de Álvaro
Cunhal, “Naquele banco”, escrita em Março de 1944 e pouco depois vinda a lume na
revista Vértice (n.º 48, Julho, 1947).
Um dos intérpretes era António Domingues, o mesmo que andava no grupo do Herminius
e vinha da escola de artes decorativas. Cesariny estava presente e Luiz Pacheco
também. No final da representação, Cesariny abordou o jovem editor de Bloco e disse-lhe que lera o seu conto do
Menino Jesus e que gostara, se revira nele. Sabendo que a colectânea Bloco fora apreendida pela polícia política,
começara então a escrever uma peça teatral tirada do conto.
“Um auto para Jerusalém” nasceu assim à sombra dum teatrinho,
o do Grupo Dramático Lisbonense, e duma pecita de alfaiataria neo-realista, a do
velho Avelino Cunhal. Atendendo a que um dos seus amigos próximos, António Domingues,
deu corpo a um dos protagonistas do diálogo, é de crer que Cesariny tenha tido algum
papel na música que acompanhou a representação. Não é ainda de excluir – a imprensa
da época não deu notícia do evento – a intervenção do coro do grupo cénico no espectáculo.
Todavia, a peça do jovem Cesariny nada tem a ver com o teatro de Pedro Serôdio e
Romeu Correia, exemplos da influência neo-realista, ao menos desse que Cesariny
chamava “populismo”, na literatura dramática da época. É até possível que aquilo
que tenha agradado ao autor do “Auto” na fábula que fechava Bloco fosse a soberana indiferença, que nada
perdia de irreverência afirmativa, com que tratava os tópicos da narrativa neo-realista,
então em plena afirmação com a colecção coimbrã Novos Prosadores. A trama de Luiz
Pacheco, que cruzava uma inteligência simbólica rara com uma atitude de impertinência
nada espalhafatosa, era para quem acabara de escrever os poemas de Nicolau Cansado
uma atracção irresistível. Ligado por laços de sangue a um grupo teatral no activo,
não surpreende que Cesariny tenha então farejado um instinto cénico fatal ao fio
da narrativa, porventura na esperança duma representação próxima.
Que similitudes e que diferenças se encontram no trabalho
de Cesariny e no de Luiz Pacheco? Ambos são um apelo velado mas muito perceptível
à luta contra a ditadura de Salazar em nome da verdade e da irreverência da inocência.
Daí a mediação que ambos fazem dum ponto da história bíblica, o confronto entre
Menino Jesus e doutores da lei. Querem os dois afirmar aí a força irrepetível da
juventude, que é pureza, acção, certeza e vitória. E ambas têm um segundo nível
de leitura: o psicanalítico. A luta contra o ditador é também a luta contra o pai
autoritário e o complexo de Édipo. A novidade está na introdução duma figura marcada
pela história recente e por uma carga simbólica iniludível – o Homem da Gestapo,
que surge como o representante da ordem patriarcal, substituindo na peça os meros
legionários romanos da narrativa de Luiz Pacheco. Outra novidade é a morte do Homem
da Gestapo em palco, varado em cheio pelo porteiro do “Académico-Clube dos sábios
de Jerusalém”. Essa é talvez a boa nova de Cesariny, já que na fábula de Pacheco
a resistência aos centuriões não surte efeito e acabam todos presos. A morte em
palco do representante da ordem patriarcal tem assim um efeito catártico e um sentido
afirmativo do valor da revolta – isto na versão primitiva, vinda a lume em 1964
(um fragmento, só com a abertura, saíra na antologia de 1961), calcula-se que em
forma muito vizinha da que foi escrita no Outono de 1946, sendo de imediato proibida
de circular pela censura. Nas reedições, em Nobilíssima
visão (1976; 1991), já ulteriores à primeira representação da peça pelo Grupo
Sete, com encenação de João d’Ávila, em Março de 1975, Cesariny embutiu uma cena
nova em que convoca Salomé, a sobrinha de Herodes Antipas, porventura a mais marcante
figura do imaginário decadentista, e introduziu algum cepticismo na questão da morte
do pai e da autoridade. Enquanto na versão de 1964, escrita no final de 1946, em
altura afirmativamente combativa, o Homem da Gestapo cai e não se levanta, em 1976
e 1991, ele cai para no final se erguer e abandonar o palco pelo seu pé ou, pior,
nele permanecer erguido, mostrando assim que está pronto para novo episódio. O novo
final é um sinal de descrédito na morte do pai autoritário e dos seus representantes.
Assinale-se por fim a presença duma instância dramática
inovadora, o Orador, que lá está desde os tempos em que o rapaz do coro de Lopes
Graça acompanhou a peça de Pedro Serôdio. É uma instância ambígua, que manobra em
momentos estrategicamente decisivos a acção em sentido inverso à intenção do autor,
criando um efeito de estupefacção e de simpatia no espectador, ao mesmo tempo que
deixa suspensa a ideia duma entidade dupla, não autoral, que participa na criação
poética. A manobra abre uma parte dos bastidores da construção da peça, que cria
assim a ilusão de estar a ser feita no momento em que está a ser representada. O
caso mais flagrante e eficaz é aquele em que ele, Orador, proíbe a ordem de prisão
que o Homem da Gestapo dá aos doutores, negando e contrariando as indicações e as
intenções do autor na peça. Nesse momento o Orador deixa de ser um mero e obediente
contra-regra que está dentro da peça enquanto personagem igual a todas as outras
para se tornar numa instância dialógica de comando das suas acções. O Orador acaba
aqui por funcionar como uma voz das intenções mais fundas do autor, mesmo que à
superfície o pareça contrariar. O estratagema desta oposição, autor contra autor,
é ainda uma forma de afirmar a força do improviso. A liberdade – o sentido libertário
da História contra a autoridade do pai e do tirano – está acima de qualquer guião
feito e a todo o momento pode irromper.
“Um auto para Jerusalém” marcou o início das relações
entre Mário Cesariny e Luiz Pacheco, relações que virão a ter importância crucial
nas duas décadas seguintes. Uma ligação que nasceu tão cativa da criação e tão promissora
de admiração mútua não podia senão dar uma grande paixão – ou ódio ou amor. Por
ora importa dizer que o melhor fruto dessa relação, a reactivação do abjeccionismo
no início da década de 60, tem talvez aqui, no conto e na sua interpretação dramática
que puxa ao extremo o sentido anti-patriarcal do original, a sua mais vetusta raiz.
Nada há de melhor para perceber as erupções do abjeccionismo na segunda metade do
século XX português que o lema contraditório mas eficaz sob o qual Cesariny então
trabalha – o neo-realismo contra o neo-realismo. E com ele alinha todo uma geração
lisboense, a da Escola António Arroio, a que se junta depois a do Bloco, que aceita os supostos gerais do neo-realismo,
antes de mais a denúncia humana, mas se mostra desagradada dos caminhos estéticos
que estão a ser traçados e trilhados pela geração já anterior – a do Novo Cancioneiro
e a dos Novos Prosadores, firmada na primeira metade da década de 1940.
“Despedida da teorética neo-realista” disse dele o autor,
juntando que “em realidade abjecta, não há nada para reabilitar, sendo a única estrada
de fortuna a da vagabundagem social, moral e política” (idem, 1977). Se é que um
tal adeus ao neo-realismo é possível no caso de alguém que esteve sempre sem estar,
ou estando contra, esse adeus é também um dar costas ao futurismo e ao que neste
havia de exaltação do dinamismo moderno e do movimento urbano. O poema é ou começa
por ser um registo do acordar urbano, mas vazio e desprezível, não merecendo qualquer
entusiasmo da parte do sujeito, que o vê desfilar ao seu lado com uma displicência
e um cansaço que significam negação. Talvez não se tenha ainda entendido o letreiro
geral do poema e o que nele a palavra “simplificação” pode querer dizer. Atendeu-se
mais ao “louvor” que o poema também é, mas de forma discreta e até enganadora. E
não digo enganadora só em relação ao “martiriológio” de Fernando Pessoa, já então
aberto e já então merecedor dalguma desconfiança por parte de Cesariny, mas em relação
a essa realidade que todos exaltavam com nota épica. Daí que as leituras realistas
do poema, puxando ao deslumbramento de Cesário Verde e o que nele passou para Campos,
deixem fugir o movimento de decepção que nele se instala, muito mais escuro e desesperado.
É nesta segunda linha que a “simplificação” se manifesta. Aqui simplificar quer
dizer negar, secar, esterilizar. Não pode haver lugar habitável numa realidade legada
por um colectivo castrador. Nenhuma profissão é possível, nenhuma forma de colaboração
aceitável; só a revolta, tal como se vive em “Pastelaria”, é caminho. Depara-se
aqui com a situação de Antero depois de concluir o curso de leis em Coimbra mas
incapaz, ao invés dos amigos próximos, de se arrumar num emprego, numa família,
num nome, numa carreira pública. Falto ao
escritório, pontualmente, todas as manhãs – afirma o sujeito do poema, para
dizer que nunca lá foi nem pensa ir. E não foi. O único trabalho pago que teve e
de que até nós chegou notícia foi como monitor num colégio de rapazes em Estremoz,
o Colégio Estremocense, no Outono de 1949, e não chegou a durar dois meses, acabando
em escândalo e sarilho.
Como ver no poema a “simplificação”? Ela está patente
no seu coração, no ponto nevrálgico da circulação do seu sangue que se espalha depois
por todos os vasos. Refiro-me aos seguintes versos (2017): (…) a gente – certa gente – sai para a rua,/ cansa-se, morre todas as manhãs
sem proveito nem glória/ e há gatos brancos à janela de prédios bastante altos!/
Contudo e já agora penso/ que os gatos são os únicos burgueses/ com quem ainda é
possível pactuar –/vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!/ Servem-se
dela, mas do alto, desdenhando-a…/ Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou
inteiramente o gato/ mas de gato para cima – nem pensar nisso é bom! Eis o gato
em todo o seu rigor! Ele comparece pela primeira vez nos versos de Cesariny para
indicar o desprezo que a realidade herdada lhe merece e para sinalizar a desfaçatez
que é preciso ter para conviver com ela – a mesma que lhe faz gritar bem alto e
sem vergonha, “Gerente! Este leite está azedo!” Cesariny, futuro autor do Jornal do Gato (1974), acabou de descobrir
o seu totem, a sua máscara, o seu animal de identificação. O gato, do alto do seu
silêncio, despreza e goza a sociedade do dinheiro – bicho sobranceiro que repudia
as obrigações e os direitos da sociedade patriarcal.
A mediação zoológica é muito significativa da situação
de Cesariny e da sua geração lisboeta. Este gato tanto é a consciência da falta
de saída da sociedade burguesa, que arrasa a vida autêntica e a subordina à escravatura
do trabalho e do lucro, como da situação daqueles que a contestam. Há um poema de
Nicolau Cansado, “Raio de Luz”, que começa Burgueses
somos nós todos, onde nem gato nem rato escapam às malhas do burgo. O poema,
o derradeiro da edição de 1961, chegou a ter, na primeira edição de Nobilíssima visão (1959), um outro título,
“Litania para os tempos de revolução”. Cansado é aquele que, nas palavras da sua
estudiosa Palhinha, “abandonou as concepções burguesas sem para isso ter mudado
de vida” – ou sem para isso, aqui se junta para melhor esclarecer. Escreveu por
isso um poema, “Reabastecimento” em que se atesta de povo, em dia de folga, uma
vez por semana. Assim (2017): Vamos ver o
povo/ Hop-lá!/ Vamos ver o povo.// Já está. Nos restantes dias, Cansado pode
dedicar-se à sua vida de burguês sem preocupações e sem pensar mais no assunto.
O povo é assim uma nova espécie de missa redentora em que se vai comungar ao domingo,
dia em que todos os homens são irmãos. Nos outros não faz mal vê-los através da
lente de Hobbes – o homem lobo do homem. Este tipo social que se atesta de povo
uma vez por semana visa o neo-realista do Novo Cancioneiro, todo de estrato burguês,
e tem mediação zoológica num poema de “Nobilíssima visão”, antes citado – é a passarada
que se empoleira em Lisboa, nas traseiras do Rossio, no Café Portugal, a matraquear
o vazio e a comer pratadas de ovos. O novo mediador, o gato, está já um passo além
deste aviário domesticado. Fala pouco, não come à mão, ataca de surpresa, salta
destemido. Desconfiado, crítico, assanhado, dá de costas ao mundo e foge para cimos
inacessíveis. É o aristocrata das alturas. “Miando pouco, arranhando sempre, não
temendo nunca”, como dele disse um dos seus geniais criadores – Fialho de Almeida.
De resto o bestiário do poema vai além do gato e do
aviário. Rastejam por lá uns répteis de patas curtas, pele dura e resistente, cauda
adequada à natação, cabeça mais comprida que larga, boca funda e elástica, maxilas
fortes e dentes de aço. São os hidrossáurios que ao domingo, de ar satisfeito e
feliz, vão à missa e passam os restantes dias a rastejar nos corredores dos bancos
da Baixa e das avenidas novas, com a bocarra escancarada e a serrilha ameaçadora
dos dentes à mostra. A antropofagia não é um estádio cultural das eras primitivas
e transactas, que uma civilização mais benévola e inteligente substituiu por novas
e mais humanas formas de convívio. O seu princípio – homo homini lupus – nunca esteve tão activo como hoje. A concorrência
dos mercados nada mais é do que o instinto antropofágico da humanidade levado ao
seu derradeiro estádio de perfeição. A economia de mercado é a forma mais eficaz
dos homens se devorarem entre si. Esses sáurios que surgem no poema de Cesariny
– “crocodilos a rir em corredores bancários” diz ele – são tão reais como o crítico
gato, o ovíparo de café e o insecto proletário.
Percebe-se agora
melhor o que o título do poema tem de armadilha. É que nem sequer se louva no seu
longo curso um engenheiro formado em Londres e que se aguentou menos mal na vida
moderna. Pede-se-lhe tão-só de empréstimo uma toada desenvolta, que ele próprio
afinal já pedira ao velho bardo das multidões, Walt Whitman, aqui redivivas numa
manhã da Lisboa de 1946 e no voto de um barco para o Barreiro. O louvor vai todo
noutra direcção. Se louvor há, esse é para Mário de Sá-Carneiro, a quem é dedicada
na íntegra a sétima estrofe do poema, talvez a mais calorosa e exaltante do todo.
Quem é Sá-Carneiro? O “Poeta-gato-branco à janela de muitos prédios altos”. É o
rei dos gatos, o aristocrata dos cimos, já que foi ele quem, pondo termo à vida,
mais desprezou a prova do dinheiro, a “indecorosa licenciosidade comercial”. Merece
por isso a vénia funda do sujeito: bravo e
bravo, isso mesmo, tal e qual!/ Fizeste bem, viva Mário!, antes a morte que isto.
O suicídio é uma linha de terra e de fogo que esteve
sempre muito cerca da poesia e da vida de Cesariny. Se ficou e não se foi embora
bem cedo, como Sá-Carneiro, foi porque tinha no humor um dispositivo de defesa muito
afinado. Foi a orgânica do riso que lhe permitiu sobreviver às humilhações paternas
e ditatoriais sem perder ardor e agilidade. O riso é o estado de graça da humanidade.
Sem o sentido que o provoca, a vida torna-se um peso tão grande que só a pressa
da morte se justifica. Ora Mário Cesariny tinha sentido de humor bastante para brincar
com o seu próprio suicídio. A grande e negra tragédia que os amigos sempre esperaram
dele, ao modo de Antero e de Sá-Carneiro, nunca chegou a acontecer.
***
É altura de fazer um balanço geral deste primeiro período neo-realista de
Cesariny. A sua criação poética, as palavras que ele escreve são impublicáveis.
Tirando o restrito círculo dos seus amigos, ninguém as aceitaria. Cesariny, que
tinha atrevimento suficiente para desafiar o pai e o chefe, parece não ter ousado
dar a lume poemas como os de Nicolau Cansado. Só se atreveu a levantar o véu e a
mostrar os poemas já na década de 60, quase 20 anos depois de os escrever, numa
época em que o vozeado em torno do neo-realismo subira já o tom. O efeito dos poemas
de Cansado na vida cultural portuguesa de 1945 teria dado histerismo ou pancada.
O seu autor acabaria proscrito nas fileiras de que não queria sair. A sátira seria
tomada por calúnia. A sua vida, o entusiasmo de que era capaz e sem o qual não sabia
viver, estava no grupo coral regido por Lopes Graça e na militância política que
esse círculo desenvolvia. Todo o sentido da vida do jovem Mário se concentrava no
trabalho do coro e na acção do anti-fascismo. No seu processo da PIDE que está na
Torre do Tombo existe alusão a espectáculo que o grupo deu na Outra Banda, em Almada,
na recreativa Incrível Almadense, a 8 de Abril de 1946. No cacilheiro, com o bater
das ondas, cantaram a Marselhesa e a Internacional. Este espírito de desafio, este
arrojo franco e aberto era a única carta capaz de inebriar um rapaz que só sabia
viver quando sentia pulsar o entusiasmo. Nem mesmo a troco dos seus versos, ele
estaria então disposto a perder esse trunfo e a cair em desgraça junto do seu grupo.
A militância política e os deveres para com o grupo,
mas também a paixão que então tinha pela música, terão por certo sido razão bastante
para se aguentar poeta inédito. Não teve nem podia ter pressas, tanto era o perigo
que punha nos seus versos. Mais tarde lamentará estas razões e o açaime que elas
lhe armaram. Preferiu assim publicar os textos críticos que o leitor já conhece
e que o mostravam um anódino e entusiasta paladino da arte humanista – embora com
novidades singulares que podiam deixar de pé atrás os mais avisados e que transformam
o seu neo-realismo num momento muito pessoal e genuíno que não se confunde a qualquer
outro dentro do movimento em Portugal.
No momento em que concebe o “Louvor e simplificação”,
inicia uma carreira de crítico musical na revista Seara Nova, que durará de 16 de Março de 1946 a 12 de Abril de 1947
e que no fundo dá continuidade aos textos críticos anteriores. É uma faceta muito
mais aceitável para um militante anti-fascista da época e que pode até ser dada
por modelo. Desta vez surge debaixo da asa de Lopes Graça, responsável pela secção
musical da revista. Publica 13 textos na revista, sete dedicados aos programas de
“Sonata”, concertos de música erudita moderna promovidos por Lopes Graça em salas
de Lisboa, e os restantes a motivos musicais, entre os quais sobressai o estudo
que consagra ao Mestre, “Fernando Lopes Graça e a música portuguesa” (Seara nova, n.º 994, 31-8-1946), que chega
para provar que na transição de 1946 para 47 a relação de discipulato do autor dos
poemas de Nicolau Cansado para com o Mestre se mantinha e podia estar mesmo no auge.
Não tardaria, porém, a declinar e a desaparecer para
sempre, o que significou também o fim da música na vida de Cesariny, porque entre
Abril e Maio leu por indicação de Alexandre O’Neill o livro então recente de Maurice
Nadeau, Histoire du Surréalisme, que lhe
revelou que o movimento de André Breton era o caminho que ele procurava, até quando
formulava a sua tese crucial sobre o novo realismo em Portugal enquanto procura
e conquista dum novo real, mais absoluto e exaltante do que o real conhecido e sensível.
Assinala-se aí pela primeira vez a presença do surrealismo na vida e na criação
de Mário Cesariny, que logo desandou nesse Verão de 1947 para Paris, ansioso por
bater ao postigo de André Breton. Mas o surrealismo de Mário Cesariny, a sua ida
para Paris no Verão de 1947 e o seu encontro cara a cara com André Breton são outros
contos, que têm de ficar para outra altura.
Bibliografia
– Livros de M. Cesariny
Discurso sobre a reabilitação do real quotidiano, Lisboa, Contraponto, s/d [1952].
Louvor e simplificação de Álvaro de Campos, Lisboa, Contraponto, 1953; 2ª ed. (com nota de António Ramos Rosa sobre o
realismo do poema), Contraponto, Dezembro, 1953 [edição fac-similada das duas edições,
Fundação Cupertino de Miranda/Assírio e Alvim, 2008].
Nobilíssima visão, Lisboa, Guimarães Editores, 1959.
Poesia (1944-1955)
[contém: “A poesia civil” (“Políptica de Maria Koplas, dita
mãe dos homens”, “Nicolau Cansado escritor”, “Um auto para Jerusalém”, “Louvor e
simplificação de Álvaro de Campos”); “Discurso sobre a Reabilitação do real quotidiano”;
“Pena capital”; “Estado Segundo”; “Alguns mitos maiores alguns mitos menores propostos
à circulação pelo autor”], retrato do autor por João Rodrigues, Lisboa, Delfos,
1961.
Um auto para Jerusalém [peça dramática extraída duma narrativa de Luiz Pacheco, 1946], Lisboa, Minotauro,
1964.
Burlescas, teóricas
e sentimentais [(antologia) contém: “A poesia civil
(1942-1944) – “Burlescas, teóricas e sentimentais (“Loas a um rio”, “Romance da
praia de Moledo”, “Políptica de Maria Koplas dita mãe dos homens”, “Outros poemas”)”;
“Nobilíssima visão” (1945-1946), “Alguns mitos maiores alguns mitos menores propostos
à circulação pelo autor” (1947-1954); “Pena capital” (1948-1956); “Planisfério e
outros poemas” (1958-1960); “A cidade queimada” (1964)], Lisboa, Presença, 1972.
As mãos na água
a cabeça no mar [reunião de artigos, reflexões e notas],
Lisboa, edição de autor, 1972; 2.ª ed. [muito acrescentada], Lisboa, assírio &
Alvim, 1985; 3.ª ed., Porto, Assírio & Alvim, 2015.
Nobilíssima visão
[contém: “Nobilíssima visão” (mexidas significativas); “Nicolau
Cansado escritor”, “Louvor e simplificação de Álvaro de Campos”, “Um auto para Jerusalém”
(mexidas significativas)], Lisboa, Guimarães Editores. 1976; 2.ª ed., título alterado
[Nobilíssima visão (1945-1946); os mesmos
livros revistos e alterados], Lisboa, Assírio & Alvim, 1991.
Manual de prestidigitação
[contém: “Burlescas, teóricas e sentimentais” (“Burlescas,
teóricas e sentimentais”, “Políptica de Maria Koplas dita mãe dos homens”, “Cantiga
de S. João”)” (1942-1944); “Visualizações” (1942-1944); “Discurso sobre a reabilitação
do real quotidiano” (1947-1952); “Alguns mitos maiores alguns mitos menores propostos
à circulação pelo autor” (1947-1954); “Manual de Prestidigitação” (1949-1956)],
Lisboa, Assírio & Alvim, 1981; 2.ª ed. [revista], Lisboa, Assírio & Alvim,
2005; 3.ª ed., Biblioteca Editores Independentes, 2008; 4.ª ed., Porto, Assírio
& Alvim, 2017.
Poesia [contém: “Manual de prestidigitação” (ed. 2005); “Nobilíssima visão” (ed. 1991
– com alterações do editor e saída de poemas); “A cidade queimada” (ed. 2000);],
edição, prefácio e notas Perfecto E. Cuadrado, fotografia na capa Eduardo Tomé,
Porto, Assírio & Alvim, 2017.
– Dispersos de M. Cesariny
“O artista e o público” [assinado Mário Cesariny de Vasconcelos],
Porto, A Tarde – suplemento “Arte”, 30-6-1945.
“Futurismo e Cubismo I” [assinado Mário Cesariny de Vasconcelos],
Porto, A Tarde – suplemento “Arte”, 21-7-1945.
“Futurismo e Cubismo II” [assinado Mário de Vasconcelos (sic)],
Porto, A Tarde – suplemento “Arte”, 29-7-1945.
“Aprendizagem na arte” [assinado Mário Cesariny de Vasconcelos],
Porto, A Tarde – suplemento “Arte”, 18-8-1945.
“Orozco” [assinado Mário Cesariny de Vasconcelos], Porto,
A Tarde – suplemento “Arte”, 15-9-1945.
“Carácter duma pintura nova” [assinado Mário Vasconcelos],
Porto, A Tarde – suplemento “Arte”, 6-10-1945.
“Nota sobre 3 músicos” [assinado Mário de Vasconcelos], Porto,
A Tarde – suplemento “Arte”, 20-10-1945.
“Notas sobre o neo-realismo português” [assinado Mário de
Vasconcelos], Lisboa, Aqui e Além – revista
de divulgação cultural, n.º 3, Lisboa, Dezembro, 1945.
“Notas sobre o neo-realismo português (conclusão do número
anterior)” [assinado Mário de Vasconcelos], Lisboa, Aqui e Além – revista de divulgação cultural, n.º 4, Lisboa, Abril,
1946.
“XXI
Concerto de Sonata” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 16-3-1946.
“XXII
Concerto de Sonata” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 20-4-1946.
“XXIII
Concerto de Sonata” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 25-5-1946.
“Concerto
de Sonata no Instituto Francês e no Salão de Festas “O Século” [assinado Mário César],
Lisboa, Seara Nova, 1-6-1946.
XXV
Concerto de Sonata e I Concerto de Orquestra Sinfónica J.U.B. A.” [assinado Mário
César], Lisboa, Seara Nova, 13-7-1946.
“Fernando
Lopes Graça – Música Portuguesa” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 31-8-1946.
“Gravitação
na Música Portuguesa” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 26-10-1946.
“Música”
[assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova,
30-11-1946.
“XXVII
Concerto de Sonata” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 1-2-1947.
“Sociedade
Nacional de Belas-Artes – Canções Populares Portuguesas” [assinado Mário César],
Lisboa, Seara Nova, 8-2-1947.
“Música
de Jazz” [assinado Mário César; é um dos mais curiosos textos da época, a coincidir
com a aproximação ao surrealismo], Lisboa, Seara
Nova, 29-3-1947.
“XXIX
Concerto de Sonata no Salão de Festas de “O Século” – Sequeira Costa no Tivoli –
No Tivoli: Benjamino Gigli” [assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova, 12-4-1947.
“Fernando
Lopes Graça em França – XXX Concerto de Sonata na Sociedade Nacional de Belas-Artes”
[assinado Mário César], Lisboa, Seara Nova,
26-4-1947.
– Outra de M. Cesariny
“Prolegómenos ao aparecimento de dadá e do surrealismo”, in
A intervenção surrealista [textos, pinturas
e fotogramas], orientação gráfica e capa de Cruzeiro Seixas, Lisboa, Ulisseia, 1966;
2.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 1997.
Mário Cesariny [com cronologia inicial elaborada pelo autor, “Tábua”, e textos de Raul Leal,
Natália Correia e Lima de Freitas], Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura, 1977.
Escola de Artes Decorativas António Arroio, “Processo individual
do aluno Mário Cesariny de Vasconcelos (1935/1942)”.
PIDE (1945-1972), SC, Reg. 130498, NT 8059; SC, Ci(1), 2884, NT 1252; SC, E/GT 4939, NT 1609; SC, DPI 90-58/59 NT 6650; Del. P, PI 22401, NT 3807.
ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO | Poeta, ensaísta, editor. Nasceu e cresceu em Lisboa, num dos mais vetustos bairros da cidade, a Graça, em 1956. Aos sete anos foi aluno de Alice Gomes. Há quase quatro décadas que está ligado ao ensino público, onde se esforça por desaprender muito do que lhe ensinaram. Coordena, edita e dirige desde 2012 a revista de “cultura libertária” A Ideia, que se publica desde 1974 e onde Mário Cesariny colaborou em vida. Tudo o que procura é poder inscrever no seu registo o que um inspirado escritor francês mandou gravar na sua lápide: Je cherche l’or du temps.
TRAVIS SMITH (Estados Unidos, 1970) | Artista gráfico conocido por diseñar carátulas de álbumes para bandas de heavy metal. El periódico Chronicles of Chaos lo considera sin duda uno de los artistas gráficos más talentosos del heavy metal actual. Entre 1998 y 2022 ha realizado más de 100 proyectos gráficos completos (no solo las portadas) para varias bandas de heavy metal, incluyendo Devin Townsend, Katatonia, Nevermore, Opeth, Anathema, Black Crown Initiate, Soilwork, King Diamond, Novembre, Avenged Sevenfold, Strapping. Young Lad, Perséfone, Riverside y Overkill. La base de su trabajo consiste principalmente en la creación completa del arte de cada álbum. Es conocido por un estilo oscuro e introspectivo que se basa en gran medida en la fotografía, compuesta digitalmente con varios otros medios. También se utilizan texturas acrílicas, así como acuarelas, pasando por un proceso de digitalización y posterior superposición sobre matrices fotográficas. Tenerlo con nosotros como artista invitado es una forma de reconocer la belleza de su creación. En una breve conversación, nos autorizó a utilizar todo este material.
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 13
Número 212 | julho de 2022
Artista convidado: Travis Smith (Estados Unidos, 1970)
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
concepção editorial, logo, design, revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
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