domingo, 10 de julho de 2022

ROGERIO LUZ | Murilo Mendes e o Surrealismo

 


Para o encaminhamento produtivo das sempre renovadas dicotomias que tentam dar conta da figura e do trabalho de Murilo Mendes, a discussão sobre o surrealismo é um primeiro passo. Porque este é também teoria crítica, mais (ou menos) desenvolvida, e torna possível examinar como a arte, a partir do modernismo das vanguardas artísticas, deve ser agora entendida. A outra pista, que percorreremos mais adiante, é a abertura para uma nova conceituação de imagem e novos parâmetros para a discussão que se trava em torno dela hoje, em vistas de um melhor entendimento da imagem em poesia, em especial na poesia de Murilo Mendes.

O Surrealismo inscreve-se numa tendência de longo alcance, que se origina no movimento romântico, como reação ao classicismo e ao neoclassicismo, frutifica em poetas simbolistas, que servirão de referência para os surrealistas em sua invenção de precursores, tais como Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, até desaguar nas vanguardas históricas do início do século XX. Muitos de seus representantes são oriundos do dadaísmo, que intentou um gesto radical de ruptura com a arte institucionalizada: projeto de antiarte que se confunde com a própria vida revolucionada.

Com fins didáticos, foi possível ver naquelas vanguardas duas direções conflitantes ou divergentes. De um lado, na linha direta do romantismo, pelo uso de material quotidiano e menos nobre, fala coloquial ou que, ao menos, recupera para a poesia as palavras correntes, usadas pelo povo, na formação do qual convergiriam cultura étnica e natureza espontânea, e o interesse pela condição humana em seus sentimentos amor, finitude, desastre e morte, com ênfase no mistério, no instintivo e no irracional. Expressionismo, dadaísmo, surrealismo. De outro, a preocupação construtiva com a forma nova, instauradora de uma harmonia afim com os novos tempos de desenvolvimento tecnológico, com incidência direta – via industrialização – no crescente e, por fim, dominante tecido urbano. Cubismo, construtivismo, concretismo.

Oposições que precisam ser matizadas, principalmente em se tratando de um poeta, como Murilo Mendes, que fará entrecruzar um modo de operar sobre o material linguístico – dito dissonante ou desarticulado – próximo da descoberta espontânea de palavras em liberdade, com o cuidado, quase a obsessão, pela construção formal, todavia distante das normas vigentes na linguagem, seja ela corrente ou poética: busca de um novo dizer por meio da forma nova. Não é simples, também, descrever a trajetória de Murilo como a de uma linha reta que levasse do surrealismo inicial ao construtivismo do final da obra.

Muitos dos procedimentos propugnados pelos surrealistas já se encontram no dadaísmo. Em artigo de 1961, Anatol Rosenfeld defendia a atualidade de Dadá:

 

O dadaísmo é, hoje, mais atual do que o expressionismo e o surrealismo, visto ser, no campo da revolução linguística, mais radical do que aquele, sem adotar-lhe o idealismo patético e os gritos extáticos que tornam muitas vezes obras do expressionismo hoje um tanto indigestas. De outro lado, não faz do automatismo surrealista um cavalo de batalha, nem cai nos chavões romantizantes e na exaltação sistemática do inconsciente, tão típicos dos manifestos de Breton. [1]

 

Voltaremos a esses dois importantes tópicos: a escrita automática como técnica de produção e a expressão, por esse meio, das formações inconscientes e de sua linguagem primária, como a do sonho, anterior à lógica e à consciência vigilante das formações secundárias. Importa, por ora, lembrar a filiação romântica, bem conhecida, do Surrealismo. Talvez a maior dívida deste – e de Murilo Mendes – ao Romantismo seja, mais que o uso do fragmento, toda uma concepção estética em torno dele. Ruptura e descontinuidade geram, no dizer de Rosenfeld, um estilo prismático.

 

O recorte linguístico, a descontinuidade e incoerência na acepção lógico-discursiva, assim como a montagem, já são recursos ocasionais de Rimbaud e bastante corriqueiros, embora pouco radicais, do primeiro expressionismo. O fato é que já foram exigidos por Novalis, mais de cem anos atrás, em pleno romantismo. Com efeito, Novalis já fala da necessidade de escrever poemas “sem sentido e conexão… meros fragmentos das coisas mais diversas.

 

Antes da Primeira Guerra mundial, a descontinuidade ainda não atacara diretamente a sintaxe da frase, embora, desde Mallarmé, esta sofresse torções inusitadas. A frase aparecia, sem dúvida, como uma ilha: isolada, mas inteira. A radicalização experimental eliminará artigos, preposições e conjunções, até o isolamento tipográfico da palavra – que as tendências construtivas, em especial no design publicitário, vão retomar, bem como, posteriormente, o concretismo. Em seus começos, a Bauhaus decompõe a palavra em puro material fonético. Difunde-se o uso da raiz da palavra, liberta de seus prefixos e sufixos. Os verbos são utilizados sem flexão, logo fora de contexto, transformando-se em objeto, algo como um ready-made verbal deslocado para um ambiente estranho.

Lacoue-Labarthe sublinha a importância da escrita fragmentária entre os românticos alemães.

 

Mais ainda do que o “gênero” do romantismo teórico, o fragmento é considerado a sua encarnação, a marca mais distintiva de sua originalidade, e o signo de sua radical modernidade. E é bem, de fato, o que reivindicaram ao menos os próprios Friedrich Schlegel e Novalis, se bem que cada um de sua maneira diferente. O fragmento é precisamente o gênero romântico por excelência. [2]

 

Anatol Rosenfeld observa, porém, que a experiência de dissolução, de incoerência universal e do fracasso da linguagem tradicional em poesia era muitas vezes vazada em discurso teórico-crítico perfeitamente clássico… Tal exigência de formulação clara no interior de um todo coerente já está presente, segundo Lacoue-Labarthe, nos românticos:

 

o fragmento está muito longe de ser a única forma de expressão dos Românticos (…) ou seja, os próprios Românticos estão longe de haverem-se limitado ao enunciado considerado como “romântico” – o fragmento – da teoria; eles a expuseram (em todo o caso, os Schlegel) na forma clássica de exposição (…)

 

Segundo o autor, vários foram os esboços de um projeto de “exposição completa, inteiramente articulada”, a “apresentação sistemática da teoria.

Não seria também possível compreender Freud, no qual se conjugam o ideal da ciência positiva à exploração romântica das forças elementares, sem seu projeto de rigor no estudo de um objeto avesso à linguagem estruturada. A fina camada de consciência que encobre o tumulto das forças é uma conquista da cultura humana. A atividade poética e a clínica psicanalítica, por outro lado, são tipos de prática cujos resultados o pensamento teórico procura esclarecer, sem por isso reduzir tais práticas e tais objetos ao ideal de um sentido unívoco, mesmo que oculto. Debruçar-se sobre o equívoco, o paradoxal e o ambíguo é também tarefa de pensamento, a que não basta o mero exercício lógico.


Não é apenas o olhar da história que consegue visualizar o pertencimento do surrealismo à recusa dos padrões clássicos de fazer arte e de pensar um mundo socialmente convulsionado. Ao contrário de Dadá, que se via como gesto inaugural, mas de negação absoluta, os próprios surrealistas, querem inserir-se numa linhagem artística e literária. Ao contrário da radical ruptura dadaísta, Breton, no Primeiro Manifesto, aponta precursores em Nerval, Lautréamont, Mallarmé e Baudelaire, sem contar na menção, entre irônica e divertida, a Dante e Shakespeare. A vida nova da linguagem poética não se dissolve na vida: afirma-se como obra, mesmo aberta ao inacabável, por ser pensamento em ação no mundo real. Mundo que não é mais uma exterioridade objetiva contraposta ao sujeito romântico: o mundo resulta de processos constantes de transformação porque passam a linguagem e o pensamento.

É essa tensão entre as mais diferentes tradições, revisitadas e subvertidas, e um modo de produzir o novo que, ao caracterizar a postura de Murilo Mendes, antes o aproxima do que o contrapõe ao surrealismo.

Como vimos em Blanchot – Agulha Revista de Cultura # 211, junho de 2022 –, o surrealismo é mais do que uma vanguarda datada. Sua inserção e auto-inserção na história das ideias e dos movimentos artísticos garantem-lhe um lugar de resistência à pura intenção de novidade ou a modas passageiras. Segundo Löwy:

 

O surrealismo não é, nunca foi e nunca será uma escola literária ou um grupo de artistas, mas propriamente um movimento de revolta do espírito e uma tentativa eminentemente subversiva de re-encantamento do mundo (…) que começa em 1924, mas que está longe de ter dito suas últimas palavras. [3]

 

Re-encantamento do mundo não pela religião, como o tentaram muitos românticos, mas pela poesia como exercício da liberdade. Ao comentar Arcane 17, de Breton, afirma o autor:

 

Na conclusão do livro – um dos mais luminosos do surrealismo – todas estas figuras míticas correm, como rios de fogo, para uma imagem que as contém todas e que é, aos olhos de Breton, “a expressão suprema do pensamento romântico”, e o “símbolo mais vivo que ele nos legou: a estrela da manhã, caída da fronte do anjo Lúcifer”. Este astro representa assim a mais alta imagem alegórica da insubmissão: uma imagem que nos ensina que “é a revolta, e somente a revolta, que é criadora de luz”. E esta luz não pode ser conhecida senão por três vias: a poesia, a liberdade e o amor.

 

Para o autor, tal iluminação é profana. Ao comentar o texto de Walter Benjamin sobre o surrealismo, ele afirma:

 

Eu insisto em “profana”, pois nada é mais abominável para os surrealistas do que a religião em geral e a católica apostólica romana em particular. Benjamin não se engana ao insistir na “revolta amarga e apaixonada contra o catolicismo a partir do qual Rimbaud, Lautréamont, Apollinaire engendraram o surrealismo”. [4]

 

Rimbaud foi mesmo, na França, centro de um debate que opôs Paul Claudel, convertido ao catolicismo, e André Breton, ateu e anticlerical. Muito jovem, em carta de 1871, Rimbaud, ao abordar o ensino e a transmissão do saber, Rimbaud se apresenta como empenhado na descoberta da clareza. Texto célebre, em que o poeta advoga o desregramento de todos os sentidos. Para Pleynet, não se trata apenas dos cinco sentidos, como se costuma interpretar a passagem, mas também dos outros sentidos, como o sentido comum cartesiano, da razão analítica e ordenadora, e também o sentido moral, o sentido da história, o sentido da liberdade. Indicações úteis para futuros estudos que examinem a incidência da obra de Rimbaud, mas também de Baudelaire ou de Mallarmé, sobre o poeta brasileiro. Diz Pleynet:

 

No começo do século XX, um debate sobre a figura de Rimbaud opõe dois dos principais e dos mais vigilantes leitores de Rimbaud: o católico Paul Claudel e o trotskista André Breton. Ambos dão a Rimbaud uma importância quase mística – Claudel em particular que faz dele, como sabemos, praticamente um dos elementos constitutivos de sua conversão ao catolicismo. Mas, no que concerne a dificuldade de converter Rimbaud a qualquer religião que seja, é sem dúvida André Breton quem diz mais. Este, por razões muito próximas de Guy Debord (que, num certo momento, chegou a frequentar o Surrealismo) foi certamente quem captou da maneira mais justa o acontecimento que constitui, no francês, o surgimento da língua de Rimbaud. [5]

 

Podemos ainda ver no convertido Murilo Mendes alguém que adere em profundidade ao surrealismo? Claro está que o poeta brasileiro não poderia concordar com aquela inversão herética da fonte de luz, do Fiat lux do Criador ao Lumen Christi do Verbo ressurreto. Mas a vinculação de Murilo ao Surrealismo, condicionada também por sua amizade com Ismael Nery e as informações que este trouxe da França, salta as divisórias ideológicas: para Murilo, o surrealismo não será técnica de escritura, nem mesmo escola ou conjunto sistemático de princípios, mas modalidade de pensamento. É significativo que aquele texto de Breton seja do mesmo período em que Murilo escreve os poemas que irão integrar Poesia Liberdade. (Aliás, o primeiro livro que Murilo publica, Poemas, é do mesmo ano de aparição do Segundo Manifesto: 1930) [6]

As três vias apontadas por Breton estão plenamente assumidas pelo ideário e pela temática do brasileiro. E os três autores citados são referência importante na obra do poeta juiz-forano. O exame da economia própria ao pensamento poético de Murilo Mendes, capaz de operar surpreendentes permutações, permitirá compreender a compatibilidade entre surrealismo, socialismo e catolicismo, inaceitável na perspectiva dos dogmas como ideias feitas e excludentes das diferenças entre credos políticos, religiosos ou artísticos. De Ismael, também ele um precursor em parte inventado, Murilo traz, na primeira fase de sua obra, a vacina contra o pessimismo da razão, em nome de uma vontade libertária, ao mesmo tempo anarquista e cristã.

Em outra vertente, T. S. Eliot pode ser aproximado de Murilo Mendes: também ele católico, embora politicamente conservador, poeta crítico e crítico poeta, foi ainda referência para o brasileiro. As palavras de Benedito Nunes sobre a obra do inglês iluminam em parte a próprio posicionamento de Murilo. Para Nunes,

 

Eliot também pensa na e com a poesia, ou seja, é poeta que mobiliza o pensamento na direção do mito, da religião e da filosofia, fazendo-os confrontar-se. A linguagem poética torna-se, então, uma força de convergência. (…) É singular que essa força de convergência atue de encontro ao que há de heterogêneo e dividido na matéria e na forma poética eliotianas – a sua dispersividade – impondo, afinal, à composição toda uma unidade múltipla, a dos fragmentos, feita de contrastes, à semelhança da bela harmonia oculta, visada por Heráclito de Éfeso. [7]

 

Para o autor, a dispersividade e o fragmentarismo são dois dos principais traços que distinguem a fisionomia da poesia moderna.

César Leal lembra que T. S. Eliot lamentou ter o poeta moderno perdido a imaginação visual. Segundo Leal, San Juan de la Cruz – quase um poeta surrealista – foi dos que contribuíram para a aceitação por Eliot desse tipo de literatura de visões. Em torno da imagem, o espiritualismo e o visionarismo marcaram também a poesia moderna, na qual, também por esse veio, Murilo Mendes plenamente se integra, em outras coisas por sua intimidade com a lírica barroca espanhola. Para o crítico pernambucano, San Juan de la Cruz

 

avulta como criador de um simbolismo pessoal que, ao contrário do simbolismo tradicional, o torna precursor de Baudelaire – e até certo ponto de Poe – antecipando-se a personalidades poéticas como Rimbaud, Rainer Maria Rilke, W. B. Yeats, Juan Ramon Jimenez e tantos outros, nos quais não se pode ocultar a presença de San Juan de la Cruz, por mais que alguns busquem ou se esforcem em mascarar as ambivalentes categorias do simbolismo particular que os tornam difíceis, atemporais e estranhos. [8]

 


A postura espiritualista veio a caracterizar alguns surrealistas, paralelamente à militância de esquerda. Em livro de 1940, de que Murilo Mendes possui, em sua biblioteca, edição francesa de 1952, Marcel Raymond já acentuava os polos contrastantes entre os quais se distendia a atividade surrealista. Citando Pierre Reverdy, diz ele:

 

O poeta [disse ele] ocupa uma posição difícil e frequentemente perigosa na intersecção de dois planos cujo gume é cruelmente afiado, o do sonho e o da realidade. Prisioneiro nas aparências sem espaço neste mundo, aliás puramente imaginário, com o qual se contenta o vulgo, ele transpõe o obstáculo para alcançar o absoluto e o real. [9]

 

À época, Raymond detecta a vigência de dois vetores que atravessam o movimento: “Teoricamente, no entanto, uma antítese se delineia entre duas atitudes, entre uma poesia do sensível e do temporal, e uma poesia do espírito, de tendência onírica, intemporal”. Tendências que se entrecruzam e se compõem em Murilo Mendes. Para ele, Breton

 

conduziu seu grupo (…) do subjetivismo anárquico ao ‘culto do Oriente’, a um certo satanismo matizado de ocultismo, ao materialismo dialético, a uma doutrina enfim que tenta levar em consideração o universo interior do espírito e dos objetos. Itinerário bastante desconcertante, pelo menos à primeira vista. Breton e seus amigos aprovam a frase célebre do Manifesto Comunista onde Marx afirma que é tempo de tentar transformar um mundo que durante muito tempo, e em vão, se tentou explicar, mas eles não entendem que a vontade de transformar prejudica a de o conhecer. Esforçam-se para se manter na crista que separa essas duas atividades, e podemos acreditar que esperam dessa forma trabalhar e aumentar os poderes e as chances desse Espírito para cuja vinda alguns deles, por volta de 1925, queriam tudo sacrificar.

 

A ironia do autor sobre a nova Parusia – o messianismo da vinda do Espírito em suas formas religiosa, filosófica ou mesmo política, topos sem dúvida muito presente em nosso poeta – não esconde o equívoco quanto às relações entre metamorfose e conhecimento do mundo, que se dão, seja para Marx, os surrealistas ou Murilo Mendes, por meio de condicionamento mútuo, e não pela prévia contemplação positiva ou positivista da realidade. A poesia é convocada como ação dinâmica, entre uma vontade de mudança e a proferição de verdade sobre a irrealidade de um mundo de carência e injustiça, e isso sem cair no proselitismo da poesia engajada.

Como diz Raymond:

 

O surrealismo, no sentido amplo, representa a mais recente [texto de 1940] tentativa do romantismo para romper com as coisas que são e para substituí-las por outras, em plena atividade, em plena gênese, cujos contornos móveis se inscrevem em filigrana no fundo do ser.

 

É todo um programa que se delineia e a que Murilo Mendes parece manter-se fiel. Diz o autor, logo a seguir:

 

O essencial da mensagem surrealista está nesse apelo à liberdade total do espírito, nessa afirmação de que a vida e a poesia estão “alhures”, e que é preciso conquistá-las, perigosamente, a uma e a outra, já que elas, afinal, se juntam e se confundem para negar esse falso mundo, para atestar que os jogos ainda não foram jogados, que tudo pode ser salvo.

 

Voltando a Löwy que explicita, a nosso ver de maneira correta, a posição do surrealismo em meio à onda vanguardista das primeiras décadas do século passado:

 

Contrariamente ao que se acredita tantas vezes, a temporalidade do surrealismo não é da mesma natureza que aquela das ditas ‘vanguardas artísticas’, que sucederam umas às outras, depois de um efêmero período de florescimento: fauvismo, cubismo, expressionismo, futurismo, dadaísmo. Ela se assemelha antes àquela, mais profunda e durável, dos grandes movimentos culturais – ao mesmo tempo artísticos, filosóficos e políticos – como o barroco ou o romantismo. [10]

 

A via surrealista parece, portanto, fornecer a Murilo Mendes – sem imposição de métodos, sem diretrizes ideológicas fechadas, sem submissão a modismos estrangeiros – uma direção potente para o enfrentamento do mundo com as armas da poesia, poesia no sentido amplo de fazer criativo, as únicas que poderia manipular com destreza, sensibilidade crescentemente cultivada e inteligência linguística tão apurada que se tornava difícil compreendê-la e aceitá-la. Por isso, ponham-se na conta da juventude rebelde de Mário Faustino essas considerações inoportunas, escritas em 1957:

 

O sr. Murilo Mendes andou querendo fazer surrealismo no Brasil. Não conseguiu. O surrealismo é uma atitude filosófica, antiliterária, um sistema de vida. O sr. Murilo Mendes é católico. Mas, em passant, escreveu bons poemas, sobretudo bons versos. O que é muito, se o compararmos com alguns até mais célebres. Depois escreveu aquelas coisas sobre Ouro Preto. Trata-se de um dos poucos intelectuais cultos do Brasil. Mostra que nem só de poesia vive o poeta. Sabe de artes plásticas. Escreve bem sobre uma e outra coisas. Tem exercido salutar influência sobre alguns jovens. Tem classe de intelectual. Mas também não chega. [11]

 

Como se posicionou, mais amplamente, no Brasil, a crítica literária diante da questão surrealista em Murilo Mendes?

Se fôssemos obrigados a reduzir o modernismo em arte a duas grandes vertentes – como fez Omar Calabrese, ao propor para toda a história da arte o par clássico/barroco – alinharíamos numa delas, a partir do romantismo, o expressionismo, o dadaísmo e o surrealismo. A outra ficaria por conta das tendências construtivas. Como se pode ver no crítico italiano: linha perpétua da continuidade barroca, linha retilínea da divergência clássica. Nem se pode descartar certa correspondência entre expressão versus construção, de um lado, e barroco versus clássico, de Calabrese. Não se estranhe, por isso, a expressão que Laís Corrêa de Araújo utiliza para indicar certa dimensão da poesia de Murilo Mendes: surrealístico-barroquizante. [12] Como veremos, híbridos são possíveis, em aproximações surpreendentes, como entre surrealismo e construtivismo, os dois polos entre os quais, para alguns, desloca-se a prática poética de Murilo Mendes.

A abrangência do movimento surrealista cobre o campo da estética, da psicologia, da política e da ética social. A escrita automática procurava articular sentimento e linguagem e remetê-los ao inconsciente, que Freud descobrira ou propusera. Escrita transformadora não apenas da linguagem ou da consciência, mas do mundo moderno, onde vem inscrever-se como gesto de intervenção, de inspiração socialista, nas lutas históricas. A originalidade do movimento vem em parte da disjunção criadora entre a presença do duplo ou do “fantasma” na origem da criação artística – que em alguns adeptos irá evoluir para tendências místicas, espíritas e esotéricas (lembremos da conversão de Dalí ao catolicismo reacionário e ao franquismo) – e a adesão ao marxismo e ao comunismo. Utopia de um aqui e agora outro, que atravessa a prática e o pensamento de Murilo Mendes, mesmo quando explora – ao escavar intervalos entre diferentes direções da prática – a dicção clássica, seja por sua dedicação ao aperfeiçoamento da forma, mas da forma nova, seja por seu interesse pelas pesquisas concretistas, na linha construtiva que, também ela, desde a Bauhaus, procura renovar e espiritualizar a relação dos homens com a indústria, com a cidade, com a vida enfim, inteiramente transformada pelas novas tecnologias.

Apresentamos aqui um quadro com algumas das interpretações correntes da poesia de Murilo Mendes em sua relação com o surrealismo, com observações do próprio poeta. Longe de ser exaustivo – a questão das relações da obra e do pensamento de Murilo Mendes com o surrealismo, e também com o dadaísmo, com o construtivismo, o abstracionismo, a arte cinética e o concretismo, estará sempre aberta –, esse levantamento tem por finalidade situar certas características permanentes do modo de o poeta construir o poema, a concepção que tem dessa tarefa e as imagens daí resultantes, em especial em Poesia Liberdade.

A partir desse rápido panorama, será possível esclarecer melhor as articulações que propusemos entre o pensamento de Maurice Blanchot e o de Murilo Mendes, encaminhando desta forma uma leitura e uma tradução – mais uma leitura, mais uma tradução – da obra do poeta e prosador juiz-forano, lembrando que, ao que parece, não se registra, entre os dois, conhecimento ou contato.

Devemos fazer, de início, uma observação que serve também para outros aspectos da obra de Murilo Mendes: é um equívoco tomar a palavra do poeta sobre si próprio e sobre a própria obra como lei, palavra última e definitiva. Suas declarações – em prosa, mas também em poesia – sobre a arte poética que orienta sua produção, bem como sobre dimensões de suas crenças religiosas e posturas políticas, de seus sentimentos atuais e passados, devem ser (sob pena de demissão da tarefa crítica) acatadas e compreendidas como aspectos, sem dúvida importantes, dessa mesma produção. A extensa atividade literária de Murilo Mendes inclui questionamentos permanentes e justificativas continuadas sobre as diretrizes de seu trabalho. Entre outras coisas, o poeta exerce a interpretação crítica da própria obra; é característica sua deslocar-se entre diferentes posições de sujeito de enunciação, por diversos gêneros discursivos.

A questão das relações entre Murilo Mendes e o Surrealismo é, desta maneira, exemplar de tais atributos e pode, mesmo, iluminar aspectos intrínsecos a seu modo de operar e às realizações textuais daí decorrentes. Mal-entendidos sobre o projeto surrealista foram, por vezes, veiculados pelo próprio autor e encampados, com ligeireza, por muitos de seus críticos. Ao lado disso, Murilo mostrava, outras vezes, a profunda compreensão das diretrizes centrais do movimento como projeto propriamente artístico, mas de ruptura, e proposta de uma nova articulação entre arte e vida, não apenas vida pessoal mas, sobretudo, vida social e política – vida coletiva implicando em aspectos consciente e inconsciente da linguagem. Declarações que mostram a verdadeira dimensão do Surrealismo, longe de se reduzir, a seus próprios olhos, aos procedimentos – ditos irracionais e anti-construtivos – da escrita automática.


Quis-se ver, em Murilo Mendes, um surrealismo mitigado, para que não se nublasse a inatacável originalidade do poeta. Este produziria tudo a partir de si mesmo como um bicho-da-seda, na conhecida e sempre retomada assertiva de Manuel Bandeira, em fina e terna fórmula, não necessariamente verdadeira, de que era mestre o pernambucano. Um surrealismo submetido a uma utilização muito singular – porque feita por um indivíduo singular e, além do mais, original e excêntrico – em terra brasilis, que seria, desde o Descobrimento, surrealista por natureza, como repete Murilo. Como se algum poeta surrealista (ou qualquer poeta relevante de qualquer escola ou tendência literária) tivesse seguido estritamente as palavras de ordem de algum movimento. E quais, exatamente? Como selecioná-las, em especial no complexo jogo de manifestos e proclamações individuais de artistas, que marcam o modernismo? Nem mesmo André Breton é seguidor fiel do surrealismo, afirma ainda o próprio Murilo quando, no entanto, toma distância do surrealismo de escola que ele, auto-proclamado rebelde, não subscreveria, tendo apenas se apropriado dela de maneira muito relativa…

Em seu importante estudo sobre o poeta – que é também depoimento e ainda testemunho de compreensão e de amizade fundamental na preservação e na expansão da memória de Murilo Mendes –, Laís Corrêa de Araújo afirma:

 

O temperamento vibrátil de Murilo Mendes leva-o às fragmentações, aos movimentos descontínuos da expressão, às aliterações, à adjetivação áspera e aos jogos de palavra em choque, procedimento criativo que tem provocado a sua classificação como poeta surrealista (na verdade, sentiu-se atraído pelo movimento, mas apenas enquanto possibilidade de libertação ainda maior da linguagem poética). Contudo, não estamos aqui diante do puro exercício surrealista: a nossa leitura dos poemas de Os Quatro Elementos, se atenta, constatará antes um curioso barroquismo, de fotógrafo de sensações… [13]

 

A autora defende Murilo, com acerto, da acusação improcedente de desleixo na forma. Para isso, atribui ao surrealismo um subjetivismo irracional, que o poeta repudiava e acentua seu apelo ao barroco, mais nosso, mais mineiro… Seria assim ao mesmo tempo original e, infenso à influência externa, nacional. Como vimos, o puro exercício surrealista, ninguém, nem Breton, o teria praticado. [14]

À inegável preocupação de Murilo com a forma – a forma nova, tal como, por exemplo, aparecia na música moderna, anti-polifônica e anti-melódica – atribui a autora um perfil clássico.

 

Se a triagem rigorosa dos sentimentos, a seleção disciplinadora das ideias, a concatenação ordenada da imagística – concepções de uma diretiva poética que se deseja clássica no equilíbrio e na severidade – não se encontram nesse livro, pode-se, não obstante isso, falar em surrealismo aí apenas enquanto provocação, enquanto assimilação de uma estética aprendida mais por temperamento e instinto do que pela atitude intelectual de aderir à voga do automatismo psíquico da escrita, da criatividade poética fora de todo o controle da razão.

 

O temperamento e o instinto são, por certo, fatores psicossociais presentes na formação de um poeta, mas não explicam, por si só, opções formais e ideativas, que se delineiam diante da pauta de tradições e inovações em confronto no seu tempo.

Parece que se teme, ao detectar a herança surrealista assumida com entusiasmo pelo primeiro Murilo Mendes, o dos anos vinte e o do impacto sobre ele da obra de Max Ernst (La femme 100 têtes), [15] segundo depoimento do próprio autor, encontrar a obsessão pelas vanguardas, e mesmo, como no caso da Geração de 45, pelas novidades e modismos da hora, como um fator que o desqualifica, uma influência que faria do poeta juiz-forano um mero epígono de estrangeirismos. Temor infundado, porque Murilo integra em sua estratégia poética o interesse multifacetado por diferentes dicções e maneiras de ver a arte e o mundo. Sua originalidade não é um traço inato de seu temperamento vibrátil – e se o fosse, pouco serviria à crítica levá-lo em conta –, mas a construção de uma voz poética em confronto com mudanças radicais trazidas pelo modernismo a concepções e convenções estabilizadas em vários campos da prática humana.

Como estamos observando, sobre o surrealismo de Murilo Mendes encontram-se, na crítica, posições antitéticas, que, por vezes, convivem em um mesmo autor. A influência do movimento surrealista sobre o poeta brasileiro é inegável – ela nos leva até o dadaísmo quanto a certas operações formais de ruptura com os cânones eruditos acadêmicos – e, quanto aos temas e conteúdos, remete a um expressionismo que deita raízes no simbolismo e no romantismo. Por outro lado, o interesse pela construção do poema, o cuidado na elaboração da forma nova, parece vacinar Murilo Mendes dos excessos do ideal de uma expressão quase direta de impulsos inconscientes por meio da linguagem poética. O poeta é, dessa forma, visto alternativamente como surrealista e não surrealista, barroco e clássico, romântico e moderno.

A tal questão reúne-se outra: se há ou não uma evolução na prática poética e na concepção que ela faz dessa prática. Para certos estudiosos de Murilo Mendes, ele é sempre o mesmo: sua original sensibilidade alia-se à curiosidade intelectual e produz a obra como montagem poliédrica de experimentos, um conjunto de variantes de uma tendência que, em seus gestos fundamentais, permaneceria invariável. Outros falam de maturidade progressiva, de domínio daquela sensibilidade original no sentido de uma poesia mais responsável e mais bem estruturada. Nessa linha, o surrealismo é visto ou como algo que Murilo Mendes vai abandonando ou uma influência que não chegou nunca a ser determinante. Ainda na linha que se utiliza de um modelo evolutivo para explicar os desdobramentos de sua poética e de seu trabalho, encontram-se os que veem no rigor construtivo uma causa final, teleológica, que ilumina todo o trajeto e reconhece no início da obra os sinais precursores do verdadeiro Murilo Mendes, poeta substantivo, que vai ao encontro de si mesmo, integrando e potencializando as maiores conquistas de construção da forma obtidas pelas vanguardas no campo da poesia, mas também das artes plásticas e da música.

Para alguns críticos, o surrealismo de Murilo Mendes seria muito especial, muito brasileiro e muito modernista: não atende às palavras de ordem do movimento e tende a bagunçar a prática surrealista. Pode ser, então, meio-surrealista na primeira fase de sua obra, até os anos quarenta, mas revela-se a cada nova obra – e a cada nova leitura crítica – um construtivista, tanto que, no final de sua vida, opera uma conversão ao concretismo, embora também muito singular e rebelde, e mostra como desde sempre foi não um surrealista, mas um arquiteto de poemas.

Para outros, Murilo Mendes nunca foi surrealista: ele apenas se teria apropriado de algumas ideias e modos de formar do surrealismo para afirmar sua visão própria da poesia e de sua relação com as formas sociais, principalmente a linguagem e a política. Como, aliás, compatibilizar o anticlericalismo dos franceses com as visadas e aspirações religiosas do poeta, e mais, sua conversão ao catolicismo, mesmo que por meio de sua amizade com alguém entusiasta do surrealismo, o católico e essencialista Ismael Nery?

Para os restantes, enfim, Murilo Mendes foi marcado pela concepção de linguagem de arte e de vida proposta pelos surrealistas e manteve-se, por isso mesmo, fiel a uma prática artística sempre interessada nos experimentos de ruptura com as linguagens institucionalizadas e estabelecidas: não é outra a origem de sua adesão tardia – ou de sua homenagem – ao concretismo brasileiro. O fato inconteste de não ser ele um seguidor estrito da disciplina surrealista – se ela existisse… – nem um importador de modismos, ocorre com qualquer poeta de importância: o viés singular é inerente à prática de uma poesia que não seja a dos meros seguidores e imitadores. Essa diferença de Murilo Mendes em relação ao surrealismo (que ele próprio advoga) é irrelevante para a compreensão de sua relação com o surrealismo e não pode servir de argumento no debate sobre sua dívida para com o movimento.

A disputa em torno da herança de Murilo Mendes e do surrealismo no Brasil e em sua obra não pode ser compreendida, mesmo que parcialmente, sem recorrer a uma acepção mais matizada do movimento surrealista, como foi aqui inicialmente intentado. Na falta deste esclarecimento, os críticos oscilam de uma posição a outra. Seria árduo, embora instrutivo, fazer o levantamento de posições sobre o assunto sustentadas sem coerência. Os textos dão a impressão de uma enganosa abrangência, que se estende a diferentes aspectos da obra do poeta mineiro: este é um defensor da ordem e da construção, ao mesmo tempo que alguém sensível e mesmo fascinado pelo informe e pelo caos; é uma alma religiosa e cristã, atenta à transcendência, ao mesmo tempo que um irreverente e mesmo desesperançado crítico da tragédia sem saída do mundo moderno, ou, ao contrário, um cristão moderno e atuante, com tendências socialistas ou de esquerda, anunciador de uma ordem nova, de uma redenção do mundo histórico pela poesia e pela arte.

Em torno do tema crítico de permanência na mudança, no caso de Murilo Mendes, Joana Frias sublinha, com vigor, a importância do surrealismo. Segundo ela, na poesia de Murilo Mendes

 

o Surrealismo não é, porque nunca foi, uma moda histórica a que o poeta tenha aderido por razões circunstanciais, mas sim o lugar onde se cruzam (sic) uma série de vetores permanentes, transtemporais, que formam a estrutura profunda de sua obra e de sua poética. [16]

 

E mais adiante:

 

Tal como Breton, interessava a Murilo Mendes encontrar o ponto supremo de superação das antinomias, habitar o texto poético como espaço e tempo onde os contrários deixassem de ser apreendidos contraditoriamente, onde construção e destruição se tornassem sinônimos, como resumiu no texto que consagrou a Marcel Duchamp. E é precisamente nesta tensão dialética, manifesta ao nível do discurso, no domínio de uma lógica da contradição, que Jorge de Sena vê uma das verdadeiras inovações do movimento surrealista no sistema literário.

 


Parece-nos, contudo, que “a acoplagem de elementos díspares” (Murilo Mendes) nada tem a ver com superação dialética nem com fusão. Sem dúvida, a dialética de Hegel, evolucionista, estatizante e progressista, termina com a absorção da arte na filosofia, como manifestação final do Espírito Absoluto. Mas a poesia moderna não é dialética e a poesia de Murilo Mendes não segue os preceitos da dialética, pois não apresenta uma prática de síntese de termos contraditórios. O que importa em seus poemas são as disparidades, a diferença incompossível entre elementos, sem terreno comum ou fundamento que os agregue e os resolva em uma unidade superior.

A autora atribui à poesia de Murilo Mendes características que dificilmente concordam com a discórdia concors, equilíbrio fundado na oposição: “as imagens obedecem a uma dinâmica de desarticulação e destruição”. Encontra no poeta um formalismo estetizante, preocupado com a pura manifestação de linguagem (que, é verdade, atraiu, em alguns momentos, os poetas concretos) completamente estranho a seu trabalho e à sua concepção de poesia: “mundo que apenas existe efetivamente na língua”. Mais adiante, compara Murilo a Mallarmé, pelo hermetismo de ambos, quando este propugna por uma poesia alusiva: “Eu penso que é preciso, pelo contrário, que haja apenas alusão”.

Cremos, ao contrário, que o bradar das convicções de Murilo nada tem de hermético ou alusivo. Inclusive aquelas, quase constrangedoras, se tomadas isoladamente, citadas por muitos críticos: “Não se trata de ser ou não ser / Trata-se de ser e não ser”, ou “Transformar-se ou não, eis o problema”. Expressões muito óbvias, reverenciadas como verdades inquestionáveis sobre o poeta, sua concepção de poesia e, mesmo, sua prática poética. Certos motes políticos, filosóficos ou religiosos são inseridos, de maneira por vezes infeliz, sem mediação alguma, no corpo dos poemas. Quando diz “Sou brasileiro, bem sei. / Mas sou universal…”, a obviedade é tão marcante que Murilo não hesita em anexar um “bem sei”… Todos nós sabemos e a oposição brasileiro x universal, fora de contexto, não é das mais instigantes. As oposições binárias, muito simplistas, estão longe de ser o que de melhor Murilo produziu e nem podem ser tomadas como critérios que orientem a leitura de sua obra. Fazer o seu registro em nada diminui o porte excepcional do poeta.

É tarefa da crítica atualizar sempre as obras fortes, capazes de se deixarem levar pelas novas correntes de interpretação e pelas novas condições de experiência sem perder substância, para obter desta maneira uma vida continuada na cultura. A autora investe em um arsenal imenso, proveniente de horizontes diversos, para defender e produzir a contemporaneidade de Murilo Mendes, o que é acertadíssimo. Por vezes, porém, dispara simultaneamente rumo a muitas direções, todas elas legitimadoras, e põe em risco seu intento ao utilizar, como princípios incontestes de análise, ditos de um poeta que é teórico e crítico de si próprio. [17]

Davi Arrigucci Jr. começa texto sobre Murilo Mendes parafraseando as afirmações do poeta em crítica publicada por este no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, em 1959, ano em que o concretismo vivia sua fase heroica, polêmica. O poeta invoca, como definidores de seu trabalho, três elementos: contato da ideia e do objeto díspares, aproximação de elementos contrários, manifestação dialética da conciliação. Enfim, a busca da unidade e da totalidade por meio da linguagem poética, diante de um mundo desconexo e desencontrado.

Cremos que o ideário crítico do poeta, bem como sua visão de mundo, em seus aspectos religioso, filosófico e político-social, está conformes a tais afirmações. Resta relacionar tais aspectos com sua poesia. Não nos parece que nesta reafirmem-se os princípios de unidade, totalidade e conciliação.

Diz o crítico:

 

Como assinalou Octavio Paz, a religião secreta das correspondências inspiradas pela analogia sempre fez parte da tradição esotérica – cabala, gnosticismo, ocultismo, hermetismo – que vem da noite dos tempos e aflora com o Romantismo para, por via do Simbolismo, chegar até os modernos. Na fase das vanguardas do início do século XX, sua afinidade eletiva é decerto com o Surrealismo, o qual, posto diante das acirradas contradições de um mundo prensado entre duas grandes guerras, encontra a correspondência universal de tudo. Assim, nos termos de Paul Éluard, “tudo é comparável a tudo”, pois tudo tem um eco, uma razão de ser, uma semelhança ou oposição, um devir em toda parte. Menos de cem anos depois de Baudelaire, tudo volta a aludir a tudo. [18]

 

O princípio de correspondência universal por similitude, que daria estofo a tais princípios, não parece o mais adequado à compreensão do novo arranjo epistêmico proposto pelo pensamento moderno, a partir do século XVIII.

O autor fala do Surrealismo como “vasta empresa totalizadora”. Por certo, é assim que se propõe o movimento pela voz de seus principais representantes. Mas ela se afirma, tal empresa, diante da impossibilidade de realização, o que caracteriza sua dimensão utópica. Conteúdos ideativos – enumerados por uma teoria da poesia ou por alguma doutrina normativa do fazer poético – devem ser confrontados com aquilo que é efetivamente apresentado pelas obras poéticas à experiência de leitura, enquanto abertura e escolha de certas possibilidades.

O surrealismo, enquanto prática poética – inclusive em Murilo Mendes – revoluciona justamente os princípios de unidade, totalidade e correspondência universal. A referência princeps à retomada da definição de beleza proposta por Lautréamont contesta o critério extensivo de similitude, a metáfora geral como modalidade de comparação generalizável. Entre o guarda-chuva, a máquina de costura e o lugar do encontro dois – a mesa de dissecação - não há nem conciliação nem totalização por meio de um princípio de unidade, seja este mítico ou místico, lógico ou dialético: em sua contiguidade objetiva, atestada, na proximidade e na distância entre eles, que os torna irredutíveis uns aos outros, reside o princípio moderno de sua construção, ao mesmo tempo plástico e linguístico. Reunião de impossíveis que estrutura as imagens mais fortes de Murilo Mendes, o qual, por essa prática, é plenamente surrealista, o que está longe de significar submissão a preceitos de escola ou imitação servil de mestres estrangeiros, mas também não significa a realização de um ideal autônomo e formal de unidade e totalização. Bem viu João Cabral de Melo Neto, ao tomar todos os poemas de Murilo como um único: fluxo contínuo, e logo dinâmico, sempre interrompido, e mesmo brutalmente cortado e dispersado por vezes, e sempre retomado, bem diferente do ideal cabralino de cada poema enquanto máquina fechada de repetição, capaz de detonar efeitos nos limites precisos de sua construção.

Por isso, não cremos necessário regionalizar ou nacionalizar o surrealismo do poeta, o qual foi, ao contrário, garantia de seu impulso universalizante. Diz Arrigucci, descrevendo em síntese feliz embora o gesto poético de Murilo:

 

No caso de Murilo, a junção libertária de realidade com imaginação, em contextos nítidos mas insólitos, de lúcido desvario, e os curtos-circuitos do humor, entre a gravidade e a piada, fizeram pensar desde cedo num surrealismo difuso, tocado de ouvido por um mineiro, na aparência e em princípio circunspecto, mas aclimatado de fato, pelo ar da graça, em carioca típico.

 

Segundo o autor, se Mário de Andrade, como é sabido, apontou a importância da lição surrealista em Murilo Mendes “Bandeira, depois, soube distinguir o peso do contexto brasileiro na moldagem diferente desse surrealista singular”.

Interessado em nacionalizar o surrealismo de Murilo Mendes, o crítico parece supor que o movimento tivesse algum tipo de essência – essência francesa – a que seria preciso contrapor-se, e que a mineirice e a carioquice do brasileiro fossem, mais do que contingências, valores…

De acordo com o crítico,

 

… a vertente surrealista de sua poesia apareceu de corpo inteiro, com toda a graça erótica e plástica de suas imagens dissonantes, mas desejosas de unidade. Mantinha sempre, porém, um matiz muito peculiar – “um surrealismo à moda brasileira”, como ele mesmo diria – que se deixa notar por seu senso de humor, herdeiro provável de certa tradição popular de malandragem carioca a que esteve aberto o Modernismo.

 

A declaração de Murilo Mendes já está a refletir sua estratégia crítica. O discurso de um poeta sobre a própria obra tende a conformar-se ou a reagir ao discurso de outros sobre ela. As apreciações críticas do poeta, neste caso – como vimos repetindo abusivamente – não pode ser decisivo argumento. Todo poeta surrealista – todo poeta – é singular. Não se deve estranhar que Murilo nunca tenha sido decerto um surrealista francês. [19]

Quando Murilo repete Jorge de Sena, ao afirmar o Brasil como país naturalmente surrealista, está apenas servindo-se de uma boutade sem maiores consequências que, na verdade, veicula ilusões críticas sobre identidade e resistência de uma suposta realidade nacional brasileira e de suas mazelas históricas.

Para Arrigucci, Murilo Mendes

 

nunca cedeu de todo aos impulsos do inconsciente e ao apelo associativo da escrita automática, mantendo o controle racional no domínio da construção artística, regendo-se, como já se anotou, por uma constante ânsia de equilíbrio. Por isso mesmo, pôde observar o quanto o surrealismo devia a momentos anteriores da tradição da arte ocidental e o quanto exigia de “larga ordenação do espírito”.

É verdade que em artigo importante, porque trata de sua poética, Murilo critica os poetas modernos por não aceitarem a teoria essencialista de Ismael Nery, a qual, à luz da Revelação, trata dos grandes temas necessários à conservação da unidade do homem.

 

A Igreja de Jesus Cristo, pela sua doutrina, pelos seus dogmas, pelos seus ritos, é a única entidade capaz de conferir ao homem esse estado de “supernaturalidade” a que André Breton alude no manifesto do supra-realismo, e que em vão os poetas desse grupo procuram encontrar na deformação de certas lendas, nas especulações espíritas e na representação automática das ideias e das imagens. A Igreja cristã, sim, é completa: na sua concepção do mundo figuram os dois planos, o realista e o supra-realista. [20]

 

Mas em seu último período, Murilo Mendes voltou a reconhecer, como enfatiza Luciana Stegagno Picchio, a importância que teve o surrealismo, compreendido em sua abrangência e complexidade, na sua maneira de encarar a tarefa poética e no modo de fazer atritar linguagem e realidade para anunciar e também promover a utopia de um tempo outro. O poeta, que se opôs a uma concepção redutora da escrita automática, reconhece a influência que dela recebeu. [21]

Porque, definitivamente, o surrealismo é mais do que irracionalismo aleatório produzido pelo automatismo de uma escrita incontrolada. De acordo com Raymond, o surrealismo

 

é algo mais do que uma certa maneira de deixar correr a pena. André Breton e seus amigos levaram suas pesquisas e suas investigações para diversas direções, e pretenderam conferir um imenso alcance a seus empreendimentos. A seus olhos, romper as associações verbais recebidas é atentar contra as certezas metafísicas do comum, é escapar de uma visão convencional e arbitrária das coisas. [22]

 

E ele acrescenta:

 

De resto, seria falso reduzir todos os modos de expressão do surrealismo ao procedimento da escrita automática e considerar como “autênticos” apenas os textos escritos sob ditado e sem nenhum controle. Em 1932, Breton afirmava que o texto surrealista não pretendia ser exemplo perfeito de automatismo verbal. “Um mínimo de direção subsiste, geralmente no sentido do arranjo em poema”.

 

A questão da escrita automática, porém, pareceu decisiva para enfatizar, por contraposição, o caráter construído da poesia de Murilo Mendes, sua preocupação com a forma. O par espontâneo/aleatório e formal/construído orienta, em diferentes direções, a análise crítica.

Em busca de traços gerais que caracterizam Murilo Mendes, o poeta e ensaísta Júlio Castañon retoma afirmação de Sebastião Uchoa Leite sobre a vida da linguagem como correlato objetivo da busca de novas apreensões do real, pouco importando os conteúdos ideativos. A distinção é importante, mas não deve levar à postulação de independência entre o polo formal e o polo ideativo da linguagem, mesmo no caso de seu uso poético, pois tal concepção conduziria ao formalismo e ao esteticismo, que Murilo repudia, justamente porque o surrealismo não se compraz no trabalho sobre a linguagem como realidade autônoma. Pelo contrário, segundo Castañon, duas das principiais características da atividade de Murilo Mendes denotam uma permanente articulação com o que lhe vem de fora: os diálogos com outros autores e as invasões de outras linguagens artísticas. Distantes do auto-engendramento, essas técnicas são técnicas de apropriação, à maneira de Marcel Duchamp. O poeta converte toda essa heterogeneidade de referências a seu próprio projeto e à sua própria maneira, mas, em algumas de suas produções, ele parece redesenhar tal projeto e as referências passam de objetos a moduladores. [23]


Talvez seja esse duplo gesto, divergente em seu próprio rumo, que defina melhor o processamento dinâmico entre o acaso dos encontros potentes e o constante reajuste dos rumos de um projeto, o qual não é original porque não tem origem: ele só é na medida em que se vai fazendo. Essa liberdade, sustentada ao longo de toda a obra, seria o verdadeiro princípio que rege o contato entre o aleatório e o construído.

Ao traçar um roteiro, abrangente e instigante, da trajetória de Murilo Mendes, Uchoa Leite considera a obra do poeta surpreendente por sua atualidade:

 

A obra de Murilo Mendes abarca direções múltiplas, deixa no ar contradições e, no final, o autor parece mudar radicalmente sua orientação estética. Mas, ao embrenhar-se no seu labirinto, o leitor percebe que faces esquecidas reemergem. [24]

 

Para Sebastião, a permanente preocupação formal, ativa nos procedimentos utilizados por Murilo para elaborar sua poesia,

 

por trás do seu singular “desconstrucionismo”, poderia parecer a construção deliberada de uma des-ordem, mas guardou sempre uma secreta ânsia de ordem, em todas as suas fases, conseguindo unir, como num grande paradoxo, a essa obsessão ordenadora, a vertigem e o fascínio pelo caos.

 

Uchoa Leite desenha, antes mesmo de apresentar a variedade e multiplicidade de Murilo, essa igualdade que subjaz a um extraordinário leque de interesses e influências, de fases e de experimentos (e não é mero acaso se Murilo insiste, em música, no caminho que Stravinsky percorreu, bebendo primeiro de fontes populares, a seguir estreando uma via neoclássica, para, na última fase, aceitar o desafio da música serial, sem deixar de ser ele mesmo…):

 

Estruturalmente, o poeta que estreou em Poemas permanece igual a si mesmo no último livro, Ipotese, publicado fora do país e escrito em italiano. E até no último publicado no Brasil, Convergência, repercutem ecos da intensa aventura poética iniciada com Poemas em 1930.

 

Também para Irene Franco, que centra sua análise em Poliedro, de 1972, onde Murilo continua “a empenhar-se na descoberta de ângulos sempre novos de visão do mundo”, há unidade de propósitos em Murilo Mendes: nele, o projeto ético articula-se ao fazer poético desde as obras iniciais às finais. A repartição da obra em duas fases distintas, correspondentes ao surrealismo e ao concretismo, conteúdo e forma, espontaneidade e construção, deve ser superada.

 

A crítica costuma ratificar a divisão da obra de Murilo Mendes em uma primeira etapa de transfiguração do real, ditada pela forte influência de procedimentos surrealistas e sublinhada pela intenção de doutrinação religiosa; e uma posterior etapa de maior atenção ao significante como material de manipulação por excelência, empenhada na representação do real. O poeta teria então se voltado ao concreto da palavra e ao espelhamento do mundo, passando, segundo a formulação célebre de Haroldo de Campos, de um mundo adjetivo para um mundo substantivo. [25]

 

Segundo Arrigucci, mais do que um estilo ou jeito de dizer, o poeta sempre portou, no mais fundo, a marca distintiva dos surrealistas, fiel aos movimentos do desejo e do sonho que, segundo a lição freudiana, é disfarce do desejo. [26]

Para o crítico, as múltiplas fases do poeta remetem à complexa unidade central de que procedem. E essa unidade se daria ao buscar a concórdia na discordância, como reza o princípio barroco de que se serviu Haroldo de Campos para entender Murilo.

O artigo de Haroldo é de 1963, logo do período de luta em que o movimento concreto se afirma e estabelece alianças fortes no meio cultural. É nesse contexto que se deve incluir a ausência de qualquer referência ao surrealismo no texto. No caso, tratava-se de anexar Murilo ao concretismo e mostrar sua evolução, a partir, como vimos, de um aforismo do próprio poeta em Os Discípulos de Emaús: “Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo”.

Para Moura, essa passagem de um livro de caráter oracular e assistemático, não é da ordem do estético, mas do religioso. [27] Cremos que, embora de significado cristão, anunciando a redenção e a vida renovada depois da segunda vinda do Messias, é possível tomá-lo em outras acepções. Luciana Stegagno Picchio mostrou a importância daquele livro de 1934 para o entendimento da arte poética de Murilo.

De qualquer forma, no artigo de Haroldo de Campos, Murilo é chamado a intervir como precursor do concretismo e seu contemporâneo… Esta oportunidade de atualização é de interesse do poeta mineiro que, com mais de sessenta anos, vê sua poesia revitalizada pelo contato com novas experimentações, o que ele sempre explicitamente prezou. Para o poeta e crítico paulista, Murilo deve ser exaltado por ser de vanguarda.

“Uma vanguarda que, neste seu último livro – como a de João Cabral – tem, talvez, o pudor das exterioridades mais gritantes e parece se furtar a politécnica do laboratório experimental, mas que, de outra parte, é capaz de interiorizar sua própria radicalidade e verticalizá-la na prospecção profunda dos “cernes e medulas” da linguagem: objetivo primeiro e empenho fundamental da verdadeira vanguarda poética de nosso tempo”.

A produção mais recente do poeta na época, Tempo Espanhol, seria um termo de chegada: há evolução no sentido da construção formal, da ênfase na linguagem e não no sentimento ou na ideia. Desde o início, desde sempre, Murilo é conduzido por essa busca de um mundo substantivo, visto como rigoroso, adepto das concreções e de uma terminologia que se forma em torno da palavra rigor: concisão, enxutez, severidade, aridez, substantividade, arquitetura, geometria, etc.

Não teriam os concretos reconhecido em Tempo Espanhol a influência de Cabral sobre Murilo – e não apenas a influência deste sobre aquele - e em Cabral seus próprios pressupostos sobre o que era e devia ser poesia? Cabral já era poeta consagrado em 1963 e mantinha com o mestre Murilo um contato seguro. Mais tarde, é o próprio Murilo que reconhece a dívida em Convergência, livro que seria o da conversão de Murilo aos puros jogos linguísticos: Joãocabralizei-me.

Não cremos, porém, que a ênfase na linguagem, de vezo construtivo ou concreto, seja o essencial da visão de Murilo Mendes sobre a tarefa do poeta: esta liga-se antes à invenção de um nova ordem histórica e meta-histórica – que, em comparação com o mundo institucionalizado, será desordem ou bagunça transcendente -, de um novo modo de dizer que veicule, em um tempo conturbado, uma linguagem liberada, essencial no papel de dizer a verdade sobre a moderna condição humana.

Em entrevista de 1961 a Vera Pereira, ao ser perguntado sobre se sentia influenciado pelo concretismo, Murilo responde, evitando a dependência e reafirmando sua postura universalista:

 

Não. Mas, de qualquer modo, constato a crise da poesia, por esgotamento dos esquemas. Neste ponto, minha posição de certo modo, coincide com a dos concretistas. (…) Entendo que a poesia concreta, ou melhor, o movimento da poesia concreta, está ligado ao da cultura brasileira. Não é brasileiro só o poeta que aborda temas tipicamente brasileiros. [28]

 

Para Arrigucci, o concretismo final de Murilo Mendes “revela até o fascínio pelo mero charlatanismo de certos jogos formais”. [29] E continua:

 

Reduzi-lo, porém, como fazem alguns de seus críticos, a essa maneira momentânea, e só para vê-lo aproximado de João Cabral, grande poeta, mas muito diverso, com outras qualidades e outros limites, equivale a tirar dele toda a complexidade e o mistério que lhe são característicos, sem lhe acrescentar nada de rigor ou de senso construtivo que lhe fizesse falta. Mistério não implica perda de rigor ou abandono a um conteudismo informe, de que se acusa, por incompreensão, a herança surrealista.

 

De fato, como observamos, a visão do trajeto de Murilo Mendes como indo de um extremo a outro do espectro das alternativas artísticas do século vinte – do romantismo surrealista ao construtivismo concreto – não se mantém. E não se trata apenas de aproximações insólitas, como entre surrealismo e catolicismo.

Ao falar de Cabral, em sua relação com Murilo, avança Eucanaã Ferraz:

 

Há que se notar, no entanto, que o aspecto construtivo, racional do surrealismo cabralino não era estranho ao próprio surrealismo fundador, sobretudo nas artes plásticas, bem como era um dos traços marcantes da poesia de Murilo Mendes. [30]

 

Para o autor, não bastam para a poesia de Cabral o automatismo e a construção aleatória.

“A poética cabralina, assim como a muriliana, não busca o “automatismo”, rejeita a ideia de que a “experiência” seja algo desimportante e procura o efeito de contiguidade imprevisível na construção de algumas de suas imagens mais poderosas, como o “cão sem plumas” e a “faca só lâmina”, ou mesmo em comparações inusitadas como aquela que aproxima o fazer poético do ato de catar feijão”.

Mas ele reconhece uma dimensão fundamental ao surrealismo, ignorada por muitos críticos:

 

O distanciamento e a vertente construtiva da estética surrealista são dados fundamentais para compreendermos, em primeiro lugar, que Cabral, ao se “curar” (a expressão é dele) do surrealismo, não sai de um extremo a outro. Em segundo lugar, serve para entendermos o próprio distanciamento de Murilo com relação à estética surrealista e sua posterior aproximação do racionalismo cabralino num livro decisivo como Tempo Espanhol.

 

Para Ferraz, no confronto permanente com a realidade intramundana, aparece claramente

 

o fio que mantém tenso e dialético o surrealismo de Murilo Mendes, que será reforçado a cada livro sem que a pesquisa de certas sutilezas impalpáveis, a ruptura onírica e a transfiguração desapareçam, convertidas então à circunstância de fio que manterá dialeticamente hirto o inequívoco realismo do poeta.

 

Reforça-se, desse modo, a ideia da tendência surrealista para a construção, e esta é uma construção surpreendente, que desautomatiza os hábitos da percepção comum, isto é, histórica e socialmente alienada.

A palavra final vai ficar com… Mário de Andrade, revisitada por José Guilherme Merquior. Ao constatar em Murilo o “aproveitamento mais sedutor e convincente da lição surrealista”, em seu artigo sobre a poesia nos anos trinta, o mestre do modernismo teria dito a palavra essencial: surrealismo - Murilo introduz na literatura brasileira a prática do surrealismo. O sintoma mais evidente de semelhante prática seria a “integração da vulgaridade da vida com a maior exasperação sonhadora ou alucinada”. Mas, ao contrário do que pensa Mário, diz Merquior, o surrealismo não significa fuga do mundo concreto. A poesia é ação. “A poesia dos videntes se faz lirismo do gesto e da práxis. Como o próprio Murilo afirma no poema ‘A marcha da História’, nela “se fundem verbo e ação”. [31] E ainda:

 

Essa fidelidade ao caráter complexo e múltiplo da existência não poderia deixar de abrir-se ao social, em sentido estrito (…) A imaginação surrealista faz valer, tanto ou mais que o realismo ‘strictu sensu’, seus direitos à firme apreensão da realidade.

 

Merquior estabelece, a nosso ver de maneira definitiva, o diagnóstico da contaminação do poeta pelo surrealismo. A apreciação do surrealismo como modalidade de ação e pensamento e não como escola é aplicada por Merquior ao próprio modernismo brasileiro em literatura: “Nosso modernismo literário seria, ainda mais que o plástico, e sem dúvida bem mais que o musical, um complexo estilístico. Não foi por acaso que só pôde ter a unidade de um movimento, jamais a uniformidade de uma escola. [32]

Embora o surrealismo, do ponto de vista estilístico, possa ser visto como um aspecto do modernismo, alerta-nos o autor: há evidente inadequação em tomar o surrealismo como um estilo entre outros. Na origem suas intenções eram mais amplas: “patenteadas pela maioria de seus ritos semióticos, o surrealismo não se queria um estilo a mais, e sim uma autêntica “revolução cultural”. Um movimento quiliástico-anarquista, inspirado no lema da Saison en enfer: changer de vie”.

Nesta gesta utópica é que vamos encontrar Murilo Mendes, para fazê-lo coincidir com o que há de mais nodal no surrealismo, na rede de articulações que este propôs entre arte, vida, política, história e sociedade. Merquior afirma com justeza: “Essa tremenda carga utópica é a essência do surrealismo-movimento, a sua grande originalidade face ao niilismo dadá; e foi a isso – e não às receitas de escola, tipo escrita automática – que Murilo jurou uma fidelidade nunca desmentida”.

A referência ao quiliasmo, doutrina que afirma que os predestinados ficariam ainda na Terra durante mil anos após o julgamento final, no gozo de todos os prazeres, estabelece a ponte, em Murilo, entre erotismo e cristianismo, sexo e misticismo, a mulher e a Igreja. E, mais do que na tensão entre pólos ou na fusão destes, o poeta confunde e justapõe, deslocando-se em espiral, pontos de vivência e de observação diferentes, o que a mente cartesiana resolve em lúcidas dicotomias. Murilo não chega ao real partindo de uma visão transcendente: ele se mescla ao real, por vezes ao mais quotidiano desejo, ao lugar e ao momento mais comuns, para arrastá-lo em palavras ao delírio e ao sonho.

No dizer de Merquior, tal poética é

 

delirantemente sonhadora, portanto – mas enamorada do real, até porque estranha amante erótica. Libertarismo e libido aí se dão aos mãos, e situam em Murilo umas das realizações mais poderosas – a meu ver, mais consistente do que seus pares franceses, Éluard ou Aragon – do anarco-erotismo surreal.

 

O próprio iconoclasta surrealista, ateu e anti-clerical, inspirou em parte a insolência religiosa, por vezes doutrinariamente herética, por vezes politicamente indignada, do poeta.

Em Murilo, poesia, obra e existência estão continuamente inspiradas não apenas por procedimentos e operações formativas centrais no surrealismo, mas por um ideário presente em sua dimensão estética, ético-política, e até mesmo espiritual, mística e messiânica.

A crítica social, via surrealismo, ganha, a partir de 1934, o incentivo do cristianismo. Para Murilo Marcondes de Moura, em As Metamorfoses, de 1944:

 

O surrealismo mantém sua plena atualidade, sobretudo no que se refere à valorização da imagem e à criação do insólito. Por seu lado, o cristianismo fornece uma visão de mundo e de história que vai balizar o alcance e o significado das imagens e das atmosferas criadas pelos poemas. [33]

 

Longe de ser apenas crítica destrutiva ou arbitrariedade sem rumo, o surrealismo é também forma e construção.

 

Do surrealismo é imperativo dizer-se que, para Murilo, ele foi principalmente (por paradoxal que pareça) uma disciplina, um rigor – uma ascese poética. Tanto mais gratuita soa, por isso, a longa reticência com que foi, até duas décadas atrás, recebida a natureza estilhaçada e fragmentária do seu verso deliberadamente imelódico e inarmônico.

 

O áspero e mesmo o grotesco podem incomodar, mas fazem parte de uma estratégia em vistas de produzir o novo. Diz Merquior:

 

No fundo, a poética muriliana do áspero e da ruptura convergia perfeitamente com o antiesteticismo fundamental do projeto surrealista. (…) o surrealismo ortodoxo mobilizava dialeticamente o kitsch em nome de um puritanismo antiesteticista. A teimosa recusa do melodioso, das transições amaciadas, no verso de Murilo não tem outra intenção: em última análise, é uma forma de garantir a pureza dos cortes e repentes, dos efeitos de distanciamento, mediante os quais essa lírica de choque se constrói.

 

À aspereza de seu verso, some-se a clareza do quer dizer, ou mesmo proclamar. Se em certo período, a classicização do verso, tendência dominante na poesia brasileira na passagem para os anos 50, seduziu Murilo, este manteve-se modernista e surrealista, longe de um hermetismo que não decorresse diretamente de seus princípios de construção. Infenso à tentação romântica de melancolia e derrotismo, sua crença na palavra poética, na palavra enquanto forma, se o abandonou, em seus últimos anos, não afetou de modo decisivo sua produção. Para Merquior, seu surrealismo é meridiano:

 

Em definitivo, subjacente à garra libertária de seus livros, nutriz dessa arte verbal colocada sob o signo maior da Poesia Liberdade, pulsa um orfismo invariavelmente escatológico, um orfismo de ressurreição. (…) A dionisação do motivo órfico, tão patente na última poesia de Murilo veio enfim dramatizar e consumar aquele saturnalismo que perpassa no utoipismo a sua religiosidade, o seu desrespeito básico por toda sacralização da “renúncia” libidinal.

 

Para resumir. Encontramos, no trabalho crítico, dedicado à vida e obra de Murilo Mendes, posições muito diferentes sobre as relações entre o movimento surrealista e a atividade poética, política e religiosa do poeta, suas diretivas teóricas, seu valores e crenças: sua poesia seria essencialmente surrealista, sua poesia não seria mais que circunstancial, superficial e momentaneamente surrealista.

A diversidade de avaliações não resulta de incapacidade dos críticos, mas da própria complexidade daquelas relações, bem como nos critérios selecionados para dar conta delas e na maneira de compreender o surrealismo. O próprio poeta forneceu, por meio de declarações ao longo da vida e dos textos, argumentos para o imbróglio.

Alguns obstáculos podem, contudo, ser evitados de maneira simples e arqui-sabida. Por um lado, é necessário não reduzir o surrealismo, em termos de operações formais, à escrita automática e, em termos de princípios diretores, a um irracionalismo descabelado e descomprometido. Por outro lado, trata-se de não confundir influência com minoridade criativa e intelectual, plágio ou submissão a modelos importados. Para ficar no exemplo da música erudita, tão a gosto de Murilo, especificamente, no âmbito germânico e na passagem do barroco ao clássico (outra antinomia que irá perseguir a leitura crítica da produção muriliana), Johan Sebastian Bach foi influenciado por Corelli; Mozart, por Johan-Christian Bach; Beethoven, por Clementi; e não deixaram por isso de ser grandes.

Nosso complexo de colônia provoca, por vezes, reações extremadas: esquecimento para aqueles que se afastam de nós, inveja dirigida aos que se consagram no exterior, acompanhados por uma admiração secreta. Duplicidades de um suposto, e literalmente improvável, caráter nacional brasileiro da intelectualidade pátria? Drummond, com leveza e humor de cronista, esclarece, a propósito do prêmio internacional de poesia que Murilo recebera na Itália, em 1972:

 

Ora, direis, o Murilo anda distante de nós uma fieira de mares e anos, e quem está longe, taca-se silêncio nele. Se estivesse aqui fazendo o corso das exposições de arte e antiarte, das noites uisqueiras de autógrafos, dos bares ao Sul plantados, isto sim, que o carregaríamos no andor, e havia de ser curtição por uma semana. [34]

 

E mais adiante:

 

Engraçada, nossa faculdade de arquivar o companheiro, logo que ele dobra a esquina; se vai de jato ou de avião, então, desabam séculos de esquecimento. A verdade é que Murilo levou na bagagem para a Itália (onde ensina Brasil, vende Brasil, mercadoria intelectual) sua alma brasileira, sua poesia brasileira cheia de novidades.

 

Mais do que brasileira, poder-se-ia falar de sua alma universal (“católica”). Melhor, não: a novidade de Murilo está em possuir, no júbilo e também na angústia, uma alma culturalmente plural, que explorou os limites da subjetividade social e psicológica para mover-se entre a mais densa tradição ocidental das linguagens simbólicas e a abertura, a surpresa mesmo de um tempo novo – tempo da poesia e tempo da história humana – no qual se confrontam desastre e esperança.

 

NOTAS

1. Rosenfeld, Anatol. “Dadá não está gagá”. Texto/Contexto II. São Paulo: Perspectiva, 1993.

2. Lacoue-Labarthe, Philippe e Nancy, Jean-Luc. “A exigência fragmentária”. Terceira Margem, nº 10, 2004.

3. Löwy, Michel. A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2002.

4. Idem. Cf.tb. Benjamin, Walter. “O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia”. Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985, v.1.

5. Pleynet, Marcelin. A liberdade livre. In Novaes, Adauto (org.) Poetas que pensaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

6. Em Löwy, M., op.cit., diz Sergio Lima, em suas Notas acerca do movimento surrealista no Brasil (da década de 1920 aos dias de hoje): “Benjamin Péret mora no Brasil de fevereiro de 1929 a dezembro de 1931, tem contato com a Revista de Antropofagia e desenvolve pesquisa sobre nossas artes e raízes afro-índias (…) Mas mesmo antes dessa visita, artistas e escritores como Ismael Nery, Aníbal M. Machado, Murilo Mendes e Mário Pedrosa se interessam pelo surrealismo, como o fizeram, na década de 1930, Cícero Dias, Fernando Mendes de Almeida e Jorge de Lima”. O autor acentua o caráter universalista do Surrealismo contra os nacionalismos em voga no período.

7. Nunes, Benedito. A poesia confluente. In Novaes, Adauto (org.) Poetas que pensaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

8. Leal, César. San Juan de la Cruz. Dimensões temporais na poesia & outros ensaios. Rio de Janeiro: Imago, Brasília, DF: Infraero, 2005. É possível lembrar também o maneirismo de El Greco, outra das admirações de Murilo Mendes e de sua “estética da metamorfose e do descentramento, a que subjaz um formante barroco ou maneirista iniludível”. Cf. Frias, Joana Matos. O erro de Hamlet: poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de Janeiro: 7Letras; Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Mendes-UFJF, 2002.

9. Raymond, Marcel. De Baudelaire ao surrealismo. São Paulo: EDUSP, 1997.

10. Löwy, op.cit.

11. Faustino, Mário (Boaventura, Maria Eugenia, org.). De Anchieta aos concretos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

12. Araújo, Laís Corrêa de. Murilo Mendes: ensaio crítico, antologia, correspondência. São Paulo: Perspectiva, 2000, a respeito de Metamorfoses: “Nesse sentido, não há mudança em Murilo Mendes, que continua a agredir a “boa poesia” com sua voz altissonante, a sua impulsividade verbal, a contextura surrealístico-barroquizante, a mitologia e o onirismo de suas imagens”.

13. Araújo, Laís Corrêa de. Murilo Mendes: ensaio crítico, antologia, correspondência. São Paulo: Perspectiva, 2000.

14. “Não é pacífica a questão se Murilo Mendes deve ser caracterizado como surrealista ou não. Nem é preciso proceder a uma extensa revisão da crítica sobre o autor para perceber que existem posições antagônicas. O abismo entre, por exemplo, as posições de José Guilherme Merquior e Laís Corrêa de Araújo é, neste respeito, emblemático”. Ponge, Robert. Murilo Mendes, Maria Martins e o Surrealismo. Cecília Meireles & Murilo Mendes (1901-2001). Porto Alegre: Instituto de Letras UFRGS, Uniprom Ed., 2001.

15. Expressão escrita cuja pronúncia admite dois significados: cent têtes e sans tête.

16. Frias, Joana Matos, op. cit.

17. Ronda a autora o perigo de abandonar-se a uma hagiografia com roupagem erudita. Mas o livro, rico em sugestões – talvez até em excesso – tem como projeto um entendimento real e aprofundado do poeta.

18. Arrigucci Jr., Davi. O cacto e as ruínas. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000.

19. Cf. idem p.103: “Murilo nunca foi decerto um surrealista francês”.

20. Mendes, Murilo. Ismael Nery, poeta essencialista. In Guimarães, Júlio Castañon (org.). Murilo Mendes – 1901-2001. Juiz de Fora: CEMM/UFJF, 2001.

21. Picchio, Luciana Stegagno. Murilo Mendes 1932: a História do Brasil revisitada. Revista Metamorfoses 2. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras – UFRJ, set., 2001.

22. Raymond, M., op. cit.

23. Cf. Guimarães, Júlio Castañon. Apontamentos sobre algumas aproximações e alguns procedimentos em Murilo Mendes. In Ribeiro, Gilvan Procópio e Neves, José Alberto Pinho (org.) Murilo Mendes: o visionário. Juiz de Fora: EdUFJF, 1997.

24. Leite, Sebastião Uchoa. A meta múltipla de Murilo Mendes. Crítica de ouvido. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

25. Franco, Irene Miranda. Murilo Mendes: pânico e flor. Rio de Janeiro: 7Letras; Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Mendes, UFJF, 2002.

26. Cf. Arrigucci, D., op. cit.

27. Cf. Moura, Murilo Marcondes de. A poesia como totalidade. São Paulo: EDUSP: Giordano, 1995.

28. Mendes, Murilo. Murilo Mendes: toda boa e aut~entica poesia é de vanguarda. Entrevista a Vera Pereira. In Guimarães, Júlio Castañon. Murilo Mendes – 1901-2001. Juiz de Fora: CEMM/UFJF, 2001.

29. Arrigucci, op,cit.

30. Ferraz, Eucanaã. Murilo Mendes e João Cabral: o sim contra o sim. Ipotesi – revista de estudos literários. Universidade Federal de Juiz de Fora, v.6, nº 1, jan/jun 2002.

31. Merquior, José Guilherme. Razão do poema. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

32. Merquior, José Guilherme. “Notas para uma Muriloscopia” (1978). In Mendes, Murilo. Poesia Completa e Prosa. (Org., preparação do texto e notas de Luciana Stegagno Picchio). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

33. Moura, Murilo Marcondes de. A poesia como totalidade. São Paulo: EDUSP: Giordano, 1995.

34. Andrade, Carlos Drummond de. Murilo Mendes – Prêmio Etna-Taormina (1972). In Mendes, Murilo. Poesia Completa e Prosa. (Org., preparação do texto e notas de Luciana Stegagno Picchio). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

 

 


ROGERIO LUZ | Professor aposentado da ECO-UFRJ, publicou artigos e livros nas áreas de arte e psicanálise. Analyse Structurale du Récit Filmique. Mons: Editions Ciné-Jeunes, 1969. Expressão Corporal: uma Política do Corpo. Rio: Centro de Documentação e Pesquisa, Funarte, 1979. Espace Potentiel et Expérience Filmique. Louvain-la-Neuve: Ciaco, 1987. Filme e Subjetividade. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2002. Em coautoria, com Roberto Machado, Angela Loureiro e Kátia Muricy: Danação da Norma (Medicina social e constituição da Psiquiatria no Brasil). Rio: Graal, 1978; com Ivone Lins: D. W. Winnicott: Experiência Clínica e Experiência Estética. Rio de Janeiro: Revinter, 1998; com Flávia Martins, Santeiros da Bahia – arte popular e devoção. Recife: Caleidoscópio, 2010; com Flávia Martins e Pedro Belchior. Escultores Populares de Pernambuco. Recife: Caleidoscópio, 2013. E mais oito coletâneas de poemas, dentre elas: Escritas (Prêmio de Poesia do Concurso Literário da Universidade Federal do Goiás). Goiânia: Ed. UFG, 2011, e Os Nomes (Prêmio de Poesia do Governo do Estado de Minas Gerais). Rio de Janeiro: Ed. Circuito, 2014. Publicou ainda um livro de contos: Aeroplano (Prêmio Uirapuru). Belém: Editora Folheando, 2020.

 


TRAVIS SMITH (Estados Unidos, 1970) | Artista gráfico conocido por diseñar carátulas de álbumes para bandas de heavy metal. El periódico Chronicles of Chaos lo considera sin duda uno de los artistas gráficos más talentosos del heavy metal actual. Entre 1998 y 2022 ha realizado más de 100 proyectos gráficos completos (no solo las portadas) para varias bandas de heavy metal, incluyendo Devin Townsend, Katatonia, Nevermore, Opeth, Anathema, Black Crown Initiate, Soilwork, King Diamond, Novembre, Avenged Sevenfold, Strapping. Young Lad, Perséfone, Riverside y Overkill. La base de su trabajo consiste principalmente en la creación completa del arte de cada álbum. Es conocido por un estilo oscuro e introspectivo que se basa en gran medida en la fotografía, compuesta digitalmente con varios otros medios. También se utilizan texturas acrílicas, así como acuarelas, pasando por un proceso de digitalización y posterior superposición sobre matrices fotográficas. Tenerlo con nosotros como artista invitado es una forma de reconocer la belleza de su creación. En una breve conversación, nos autorizó a utilizar todo este material.

 



Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 13

Número 212 | julho de 2022

Artista convidado: Travis Smith (Estados Unidos, 1970)

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

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