Num dia de chuva de dezembro de 2019, fui de táxi
ao lycée Carnot. Encontrei um grande prédio de bela fachada, com ladrilhos marrons,
ornando a simetria das janelas, e um relógio no frontão triangular. Uma verdadeira
joia de arquitetura, o colégio ocupa toda a quadra situada entre as esquinas do
boulevard Malesherbes com a rue Viète e a rue Cardinet.
Há, na porta, uma placa à memória dos alunos deportados
de 1942 a 1944, “porque nascidos judeus”. Vítimas inocentes da barbárie nazista “avec la complicité
du gouvernement de Vichy”. Como
nos demais estabelecimentos de ensino franceses, as bandeiras da França e da União
Europeia ondulam no portal principal, em que se inscreve a insígnia “Liberté, Égalité
et Fraternité”.
Após haver fotografado a fachada do colégio, tomei
outro táxi, que foi na direção dos raios róseos do pôr do sol, contornando as praças
Saint-Augustin, Madeleine e de la Concorde, e avançando pela ribanceira do Sena,
até a Pont Neuf, onde desci e saí caminhando, porque a chuva havia passado.
Na infância, Aragon percorria de metrô o trajeto
de sua casa ao liceu Carnot, fazendo conexão na place des Ternes, até sua residência
em Neuilly.
A iniciação de Louis Aragon na literatura foi uma
façanha do seu tio Edmond, que o conduziu, na adolescência, às reuniões do Mercure de France, onde ele conheceu, entre
outros, Catulle Mendès, Guillaume Apollinaire, Henry Bataille e Pierre Louys.
Dia 17 de janeiro de 2019, vou à place des Ternes,
de manhã, com o metrô repleto. Agarrado às barras de ferro, equilibro-me no ziguezague
das curvas. No alto-falante previnem contra os “pick-pockets”. Desfrutei de um passeio
instrutivo naquela área de Paris, à qual se pode chegar descendo do metrô na avenida
Champs-Élysées e caminhando até a place des Ternes. Ciente de haver chegado a um
ambiente onde Aragon deambulava na infância, avistei aquela praça redonda e ornada
de quiosques de flores. Caminhei duas quadras adiante para comprar uns discos na
loja Fnac, situada nas proximidades. Almocei e fui a uma farmácia homeopática, também
nas imediações, encomendar uns remédios.
Aragon conheceu Breton em 1917, no hospital Val-de-Grâce.
Na ocasião, eram ambos acadêmicos de medicina e foram nomeados médicos auxiliares
das Forças Armadas francesas, durante a Primeira Guerra Mundial. Aragon serviu em
Saint-Dizier, no departamento de Haute-Marne, na região leste da França, no 355º
Regimento de Infantaria. Esteve numa frente perigosa em Champagne e, por boa ventura,
sua missão passou incólume.
Frequentou, naquele tempo, a livraria Adrienne Monnier,
na rue de l’Odéon, nº 7, onde, em sucessivos encontros, cresceu a amizade com Breton.
Eles se viam também, a partir de 1922, no café Cyrano, na place Blanche, em Montmartre,
próximo à casa de Breton, situada na rue Fontaine, nº 42.
Aragon e Breton conversavam, nos cafés do boulevard
Raspail, a respeito do insólito Lautréamont, que haviam lido nos plantões médicos
do hospício do Val-de-Grâce. A descoberta dos Cantos de Maldoror abriu-lhes os horizontes para a concepção de novas
imaginações em suas literaturas.
Quando regressou a Paris, Louis Aragon foi apresentado
por André Breton a Philippe Soupault. Os três amigos assistiram à única apresentação
de Mamelles de Tirésias, de Apollinaire,
no dia 24 de junho de 1917, peça considerada a pioneira do surrealismo.
Os fiéis amigos e discípulos de Apollinaire lamentaram
a morte precoce do autor de Calligrammes,
em 1918, à véspera do armistício. Guillaume Apollinaire será uma referência permanente
para Louis Aragon e os demais surrealistas.
Aragon acompanhou Desnos, em 1920 e 1921, em passeios
por Les Halles e seus arredores. Frequentava, em Montmartre, os amigos Max Jacob,
na rue Gabrielle, nº 17, e Reverdy, na rue Cortot, nº 12 (a dois passos da place
du Tertre). Também ia, de vez em quando, à quadra da Madeleine, conversar com Cocteau,
na rue d’Anjou, nº 10.
Foi nesse período que ele e Breton se tornaram militantes
do Partido Comunista Francês, porque entendiam ser o único partido contra a guerra.
O ano de 1922 foi pródigo para Aragon em mudanças,
não de casas, mas de rumos da vida. Aragon abandonou a Medicina e assumiu a direção
do Paris-Journal, um boletim-programa
de teatros. Participou, com Desnos e René Crevel, das primeiras experiências do
sono mediúnico, com a respectiva prática da escrita automática, na casa de André
Breton. Ele frequentava, entre outros lugares de boemia, o Zelli’s, rue Fontaine,
16 bis, na place Blanche.
Rompeu laços com Tzara, porque este se havia recusado
a colaborar com a organização do Congresso que difundiria internacionalmente o surrealismo.
Tzara não concordava com “a politização e a institucionalização de sua arte revolucionária,
na forma de um Congresso”.
Em 1924, os surrealistas estabeleceram seu escritório
no térreo do hôtel de Berulle, na rue de Grenelle nº 15. A função de coordenador
coube a Antonin Artaud, que a exerceu com o afã que lhe era peculiar, exigindo a
presença dos membros e sócios duas vezes por semana. Em 1925, Aragon conheceu e
namorou a dançarina vienense Lena Amsel. Nesse período de sua vida, quando tinha
27 anos, viajou a Madri, onde proferiu palestra sobre o surrealismo de Paris na
Residencia de Estudiantes, prestigiosa
instituição cultural espanhola.
No livro autobiográfico Le Paysan de Paris, escrito de 1923 a 1926, e publicado, em 1924, na
Revue Européenne, dirigida por Philippe
Soupault, vemos um Aragon libertino, falando de suas diversões na passage de l’Opéra,
que já não existe. Aquele refúgio prazeroso do poeta foi destruído em 1925. Estava
situado no espaço que vai do boulevard Haussmann ao boulevard des Italiens. Aragon
evoca as galerias, os cafés, as lojas e as boutiques que existiam naquele túnel
comercial, nos anos de 1920. Havia, então, os banhos ou “maisons de rendez-vous”,
equívocos balneários que serviam às práticas da sensualidade. Num restaurante que
lá existia, de nome Le Saulnier, os movimentos Dada e Surrealista davam trégua às
provocações. Por lá, Aragon vivenciou experiências sexuais que, confessa ele, lhe
deram a emoção colegial de entrar pela porta da liberdade. Na segunda parte do livro,
ele narra um passeio noturno pelo parque des Buttes-Chaumont, em 1924, na companhia
de Marcel Noll e André Breton. Para chegar ao parque, eles foram na direção do carrefour
de Châteaudun, que, já naquele tempo, era muito transitado. Aragon confessa que
o grande oásis do parque lhe dava a sensação de embriaguez da disponibilidade com
que o espírito se entrega à reflexão existencial.
Aragon conheceu, no restaurante La Coupole, em 1928,
Elsa Triolet, escritora, como ele, e filha de judeus de Moscou. Ele morava, naquele
tempo, na rue du Château, 54, na casa que Marcel Duhamel alugava a poetas e artistas,
para que residissem ou fizessem seus ateliês. Elsa veio a tornar-se o grande amor
de Aragon, que com ela se casou.
Nos duros tempos de luta, Aragon vendia, pelas joalherias
das ruas de Provence e Poissonnière, os colares sofisticados que Elsa confeccionava
para grandes empresários da alta costura.
No dia 14 de abril de 1930, o casal viajou à Rússia
para acompanhar Lili, irmã de Elsa, viúva de Maiakovski, que se suicidara naquela
data. No mesmo ano, Aragon se filia ao Partido Comunista e rompe com o surrealismo.
Ele viajou mais duas vezes à URSS. A primeira, em 1932, permanecendo durante um
ano. A segunda, em 1934, para o Congresso da União de Escritores Soviéticos.
Num passeio a Montparnasse, avistei o local onde
Aragon se instalou com Elsa na rue Campagne-Première, mesma rua em que vivera Rimbaud,
em 1871, quando de suas aventuras extravagantes com Verlaine. A ex-residência do
casal Aragon e Elsa, no número 5, está na metade da pequena rua. Uma placa informa
que ali moraram, de 1929 a 1935. A rue Campagne-Première forma um triângulo com
os bulevares Raspail e du Montparnasse. O prédio, de cinco andares, é modesto. Tem
a fachada carente de pintura e as janelas manchadas pela poeira do tempo. Bem próximo
dali encontra-se o hôtel Istria, no número 29 da rue Campagne-Première, referido
por Aragon no poema que relembra aqueles áureos tempos, quando o hotel acolheu grandes
artistas, inclusive os surrealistas. Eu lia exatamente o ensaio de Georges Sadoul
sobre o apaixonado Aragon, quando vi, no frontispício do imóvel, a placa em que
se reproduzem estes versos, citados no livro do ensaísta Sadoul, que constam no
poema “Il ne m’est Paris que d’Elsa”,
em
que o poeta evoca um de seus encontros com sua companheira:
Lorsque tu descendais de l’hôtel Istria
Tout était different. Rue Campagne-Première
En mil neuf cent vingt neuf
Vers
l’heure midi.
Em 1933, ele trabalha na redação do jornal L’Humanité, na rue Montmartre, 138. Naqueles
anos, ele se deslocava cada noite da rue Montmartre, para tomar o transporte na
place du Châtelet, em direção a Montparnasse.
Em fevereiro de 1935, o poeta se instala num novo
apartamento, na rue de La Sourdière, nº 18. Ali viveram, ele e Elsa, no segundo
andar, de 1935 a 1957.
Na esplêndida claridade do dia 14 de fevereiro
de 2019, sigo em minha obstinada peregrinação aos endereços dos poetas visionários
de Paris. Do metrô da estação Pyramides, sigo pela rue Saint-Honoré e chego à rue
de La Sourdière, uma viela. No edifício de portal vermelho, que dá para um pátio,
o número 18 tem a placa indicativa de que o poeta ali residiu.
Aragon desponta na literatura francesa como poeta
da fraternidade e da liberdade, escrevendo diversos poemas revolucionários no livro
Persécuté persécuteur. O primeiro poema,
intilulado Front Rouge, publicado também
na revista Littérature de la Révolution Mondiale,
editada em francês em Moscou, recebeu, do juiz de instrução Benon, o estigma de
“excitação de militares à desobediência e provocação à violência assassina, com
o objetivo de propaganda anarquista”. Constata-se o ridículo da censura de um poema que chega a
pertencer à categoria de banal, quando estampa versos como: “Pliez les réverbères
comme des fétus de paille/ faites valser les kiosques les bancs les fontaines Walace/descendez
les flics/plus loin vers l’ouest où ils dorment/les enfants riches et les putains
de première classe la Madeleine Prolétariat/ que la fureur balaie l’Élysée/ Tu as
bien droit au Bois de Boulogne/en semaine/ un jour tu feras sauter l’Arc de Triomphe/Prolétariat
connais ta force/connais ta force et déchaine toi.”
A versatilidade de Louis Aragon se constata no conjunto
de sua obra literária, em que despontam romances como Les beaux quatiers, de 1936,
e Aurélien de 1944, que retratam vicissitudes
e aprazimentos de sua juventude em Paris.
Les beaux
quartiers é a história das famílias burguesas
da cidade imaginária de Sérianne, no sul da França. Predominam na trama os irmãos
Edmond e Armand, filhos do Dr. Barbetane, médico e líder político em sua província.
Edmond vai estudar medicina na Sorbonne e se apaixona por Carlotta, amante do industrial
Joseph Quesnel. A condição financeira de estudante não lhe permite pagar para a
namorada os jantares nos restaurantes caros que ela frequenta. Armand também vai
a Paris. Deslumbra-se com a cidade, flerta com prostitutas, assiste, em maio de
1913, à manifestação dos sindicatos comunistas e anarquistas, dos quais se destaca
o líder Jaurès, na luta contra o governo de Poincaré. Hospeda-se com seu irmão,
porém termina rejeitado. Além de dez francos para jantar, tudo o que Edmond lhe
oferece é uma passagem de trem em terceira classe. Edmond toma o seu café-crème
com criossants na rue Cujas e frequenta o café Cluny, no boulevard Saint-Michel,
enquanto Armand deambula, sem emprego e faminto, de La Villette à place des Ternes.
Numa condição de verdadeira indigência, ele dorme nos bancos das ruas ou sob a Pont
Neuf.
No desfecho, o empresário Quesnel chama Edmond a
seu luxuoso gabinete, com janela para o parc Monceau, e, surpreendentemente, propõe
ao jovem estudante de medicina “une situation” em seus “affaires”, para que ele
possa igualar-se à moça exigente e tirânica, a quem o empresário adula, regalando-a
com um altíssimo padrão de vida. Edmond pede tempo para pensar. Quanto a Armand,
por fim encontra um emprego de operário e se engaja no sindicato, em pleno movimento
grevista.
Há, seguramente, muito de autobiográfico na criação
dos protagonistas Edmond e Armand. Aragon, tem um pouco de ambos: estudante de medicina,
filho de um político, namorador e simpatizante do socialismo. No posfácio, Louis Aragon esclarece que Les beaux quartiers é o segundo tomo de Le Monde réel, obra dedicada a Elsa Triolet,
“à qui je dois d’avoir trouvé du fond de mes nuages, l’entrée du monde réel où cela
vaut la peine de vivre et de mourir”.
Diz Aragon, no romance Aurélien, igualmente ambientado em Paris: “Les Parisiens n’ont jamais
de leur ville le plaisir qu’en prennent les provinciaux”. A personagem Bérénice é quem mais desfruta da cidade.
Em suas “promenades”, vê o “joli hiver de Paris, sa saleté et brusquement son soleil!
Jusqu’à la pluie fine qui lui plaisait
ici”... “Il y a des rues, des boulevards, où l’on s’amuse autant à passer la centième
foi que la première.”... “Marcher autour de l’Étoile, prendre une avenue au hasard,
et se trouver sans avoir vraiment choisi dans un monde absolument different de celui
où s’enfonce l’avenue suivante.”…“Il y a la province de l’avenue Carnot et la majesté
commerçante des Champs-Élysées. Il y a l'avenue Victor Hugo.”
A pressão da guerra obriga Aragon e Elsa a se refugiarem,
de 1940 a 1941, em Carcassonne, na área não ocupada. Ele organiza, naquela cidade,
um plano de Résistence Littéraire, por
meio da poesia. E não cessou de lamentar a pátria ferida: “Apprenons l’art, mon
coeur, d’aimer sans espérance”.
No momento
da contrição da guerra, declarou ele, no poema La nuit de mai, do livro Les yeux
d’Elsa, num discurso desesperado:
Les vivants et les morts se ressemblent.
Les vivants sont des morts qui dorment dans leurs lits
Cette nuit les vivants sont désensevelis
Et les morts réveillés tremblent et leur ressemblent.
O casal pôde, por fim, atravessar a fronteira, munido
de um laissez-passer. Aragon e Elsa foram então visitar o editor Pierre Seghers,
em Villeneuve. Depois, se estabelecem em Nice, mas logo foram forçados a fugir outra
vez, ao saber da ocupação dos Alpes-Marítimos pelos italianos, em novembro de 1942.
Ainda em 1942, o livro Les yeux d’Elsa foi publicado em Neuchâtel, e Cantique à Elsa, em Argel. Alguns poemas do livro Les yeux d’Elsa (1940-1942) são emblemáticos
da poesia engajada. Cito aqui
um excerto de Plus belle que les larmes:
Paris de nos malheurs Paris du Cours-la
Reine
Paris des Blancs-Manteau Paris de Fevrier
Du Faubourg Saint-Antoine aux coteaux
de Suresnes
Paris plus déchirant qu’un cri de vitrier.
Na tarde do dia 17 de janeiro de 2018, desloco-me
à place d’Italie, que tem o formato de um grande círculo ao redor do qual gira o
intenso trânsito em que se expandem as grandes artérias que a circundam. Ressaltam-se,
numa esquina, o café de France, com seu letreiro de luzes vermelhas, e na outra,
o envidraçado centro comercial “Citadines Italie Deux”. A multidão de pedestres,
ciclistas e patinetistas semeia o caos num lugar alegre, ao contrário do tempo da
Segunda Guerra Mundial, quando a Itália foi inimiga da França. Portanto, aqueles
eram tempos de tristeza, de uma melancolia “plus triste qu’à minuit la place d’Italie,
como atestou o poeta no poema Paris 42:
Une chanson qui dit un mal inguérissable
Plus triste qu’à minuit la place d’Italie
Pareil au point du jour pour la mélancolie.
É de se supor que fosse da maior desolação o
clima psicológico que se irradiava na place d’Italie, à meia-noite, naquele ano
de 1942.
Paris
42, poema publicado em En étrange pays dans mons pays lui-même,
fala daquele tempo das barricadas, em que Paris sofria sob as botas do opressor:
Une chanson vulgaire et douce où la voix baisse
Comme un amour d’un soir doutant du
lendemain
Une chanson qui prend les femmes par
la main
Une chanson qu’on dit sur le métro
Barbès
Et qui change à l’Étoile et déscend
à Jasmin.
O poema termina com a exacerbada
expressão deste fecho reverberante:
Arrachez-moi le coeur, vous y verrez Paris.
Ele via Notre-Dame surgir como um imã naquela Paris,
quando à meia-noite era triste a place d’Italie, “la ville comme un coeur s’y ouvre
à des battans”. Sua voz se aprestava em liberar
a França prisioneira, que, em 1942, “On l’entendra pleurer sur le quai de Passy”.
É o mesmo generoso e fraterno Aragon quem diz, emocionado pela nostalgia da juventude
relembrada:
L’aorte du Pont Neuf frémit comme une orchestre
Où j’entends preluder le vin de mes vingt ans.
Em 1943, escreve Il n’y a pas d’amour heureux, quando Elsa quis abandoná-lo. Segundo
Pierre Daix, em Aragon une vie à changer,
“Elsa l’avait empêché de se disperser de femme en femme et savait à quoi s’en tenir
sur sa tendence vers les hommes”. No mesmo ano, o general De Gaulle leu, na Radio Alger, os versos de “Plus
belle que les larmes”:
Comme le carabin scrute le coeur qu’il ouvre,
Vous cherchez dans mes mots la paille de l’émoi.
N’ai-je pas tout perdu le Pont-Neuf et le Louvre
Et ce n’est pas assez pour vous venger de moi.
Em março de 1944, quando a Gestapo buscava o casal
em Marseille, sob o pretexto de que Elsa e Aragon eram judeus, eles se refugiam
em Saint-Donet.
Depois da guerra, Aragon dirige o jornal Ce Soir, após a morte de Jean-Richard Bloch.
Nos anos 50, ele frequenta o Conselho Nacional dos Escritores, na rue de l’Élysée,
nº 2.
No dia 18 de fevereiro de 1952, fez o elogio fúnebre
de Éluard, no Père-Lachaise: “Il se fit dans Paris un silence de neige un réveil
de novembre à neuf heures battant quand Éluard partit rejoindre le cortège”. (ARAGON,
Louis. Ansi Prague a perdu. In Le roman inachevé).
Em 1953, pouco tempo após a morte de Stalin, Aragon
dirige Les Lettres Françaises, em que
publica um retrato do ditador soviético, desenhado por Picasso. O Partido Comunista
Francês desaprova o retrato o poeta se angustia profundamente. Nesse tempo, Aragon
já discordava do stalinismo repressor e se expressava a favor de Trotsky. Mas o
poeta continua exercendo sua militância junto ao Partido Comunista, e, sobretudo,
escrevendo seus artigos para o jornal L’Humanité,
periódico porta-voz do pensamento de um importante segmento da esquerda.
Em 1953, L’Humanité
mudou de endereço. Já havia saído da rue de Montmarte para a rue d’Enghien,
nº 18. Foi então para a rue du Louvre, nº 37, instalando-se no imóvel do antigo
jornal Paris Soir.
Em 11 de novembro de 1957, Aragon recebe o Prêmio
Lenine Internacional. É o tempo de colher os frutos do reconhecimento de seu labor
de prolífico escritor, cujo apogeu repercutirá na década seguinte, quando o casal
residirá entre o boulevard Raspail e les Invalides, durante 22 anos.
Num início de noite, desembarquei na estação
de metrô Assemblée Nationale e segui pelo quai d’Orsay, passei em frente ao Ministère
des Affaires Etrangères. Entrei no boulevard des Invalides e contemplei a colossal
cúpula do hôtel des Invalides e as paredes do Ministère de l’Agriculture. Encontrei
o prédio onde moraram em 1960, no último andar, Aragon e Elsa, na rue de Varenne,
número 56. Um luxo de edifício, de quatro andares, com fachada magnífica.
Em 1968, Aragon passa a adotar uma atitude mais crítica
em relação à União Soviética, tendo escrito, no periódico Les Lettres Françaises, artigo em que condenou a intervenção soviética
na Tchecoslováquia.
Em 1970, a morte de Elsa o abate, mas não o deixa
prostrado. Lamentou, desconsoladamente, a perda de sua companheira, bem como as
mortes de Picasso e de Neruda, ambas em 1973. Aos 80 anos, ele tem energia para
exigir a libertação do cineasta Serguei Paradjanov, preso na URSS, e protestar contra
a expulsão do escritor Soljenitsin e contra a perseguição ao maestro Rostropovitch,
por haver hospedado Soljenitsin.
Aragon provará a vertente fraterna de sua poesia
no livro Les Poètes, por ele revisado
e corrigido em 1968 e em 1976. Dirá ele, no poema Les feux de Paris:
Toujours
quand aux matins obscènes
Entre les jardins de la Seine
Comme une noyée aux yeux fous
De la brume de vos poèmes
L’île Saint-Louis se lève blême
Baudelaire je pense à vous.
Consta, no supracitado livro, uma bela homenagem a Robert
Desnos, no poema Complainte de Robert le Diable.
Aragon diz que a voz de Desnos era como um canto de Nerval. Afirma ainda que o riso
dos magarefes escoltava Desnos em Les Halles:
Poète de vingt ans d’avance assassiné
Et qui vengeait dejà le blasphème et l’injure.
(...)
Debout sous un porche avec un cornet de frites
Te voilà par mauvais temps près de Saint-Merry
Dévisageant le monde avec effronterie
Ton regard pareil à celui d’Amphritite.
...
Oh la Gare de l’Est et le premier croissant
Le café noir qu’on prend près du percolateur
Les journaux frais les boulevards pleins de senteurs
Les bouches du métro qui cachent les passants.
Aragon menciona os lugares por onde passava Robert
Desnos: Sacré-Coeur, Panthéon, Pont-au-Change, Bois de Bologne, locais que evocam
a imagem do amigo precocemente morto na guerra:
Je pense à toi Desnos qui partis de Compiègne
Comme un soir en dormant tu nous en fis récit
Accomplir jusqu’au bout ta propre prophétie
Là-bas où le destin de notre siècle saigne.
No belo poema Quai de Béthune, do livro Les
Poètes, Aragon recorda que Baudelaire, Nerval e Francis Carco moravam ali, aos
pés do Sena, na tranquila Île Saint-Louis:
Connaissez-vous l’île
Au coeur de la ville
Où tout est tranquillle
Éternellement.
Nesse mesmo extraordinário livro, registrou a saudade
que sentia de Francis Carco:
Celui qui s’en fut à douleur
a longuement quité la ville
sur le chemin quíl a suivi
lentement sont mortes les fleurs.
Il avait toujours dans la tête
le manège d’anciens tourments
de la fenêtre par moments
parvenait des bouffées de fête.
Dis qu’as-tu fait des jours enfuis
de ta jeunesse et de toi-même
de tes mains pleines de poèmes
qui tremblait au bout de ta nuit.
Ao perguntar pelas luzes distantes, Aragon se conscientiza
de que só restaram os olhos extintos, fechados, de seu amigo. Evoca o canto dos
lilases de manhã, de Montmartre a Mortefontaine, e as palavras que ele e Carco recolheram
no diálogo da amizade.
Les mots que nous avons cueilis
Les voici pour celui qui meurt
Passent les gens et tu demeures
Ô poète de mon pays.
Aragon se consagra, ao lado de Éluard como poeta
da fraternidade humana. Ele dirá, no livro Le fou d’Elsa:
Un jour pourtant un jour viendra couleur d’orange
Un jour de palme un jour de feuillages au front
Un jour d’épaule nue où les gens s’aimeront
Un jour comme un oiseau sur la plus haute branche.
Aragon sofreu, em janeiro de 1974, um acidente na
place de la Concorde. Caiu na calçada, ao sair do espaço Cardin, mas o acidente
não foi grave.
Nos dias finais de sua vida, no ano de 1982, quando
morava na rue de Varenne, Aragon frequentou o restaurante Monsieur Boeuf, na esquina
entre as ruas des Lombards e Saint-Denis, naquela área onde moraram Nerval e Desnos.
Não fiz a estatística, mas estou seguro de que Aragon foi o poeta que mais cantou Paris. E não apenas na poesia, mas também na prosa, conforme se verifica em seus romances. Suas narrativas estão repletas de referências aos bairros parisienses, com ênfase no contraste entre as classes sociais que os ocupam.
MÁRCIO CATUNDA | Escritor e diplomata. Nascido em Fortaleza em 1957. É membro da Associação Nacional de Escritores de Brasília, da Academia de Letras do Brasil, do Pen Clube do Brasil, com sede no Rio de Janeiro e da União Brasileira de Escritores. Escreveu cinquenta livros de poesia e prosa, alguns dos quais no idioma castelhano. Editou também diversos discos com seus poemas musicados e cantados por vários parceiros. Autor de um livro fundamental: Paris e seus poetas visionários (2021).
TRAVIS SMITH (Estados Unidos, 1970) | Artista gráfico conocido por diseñar carátulas de álbumes para bandas de heavy metal. El periódico Chronicles of Chaos lo considera sin duda uno de los artistas gráficos más talentosos del heavy metal actual. Entre 1998 y 2022 ha realizado más de 100 proyectos gráficos completos (no solo las portadas) para varias bandas de heavy metal, incluyendo Devin Townsend, Katatonia, Nevermore, Opeth, Anathema, Black Crown Initiate, Soilwork, King Diamond, Novembre, Avenged Sevenfold, Strapping. Young Lad, Perséfone, Riverside y Overkill. La base de su trabajo consiste principalmente en la creación completa del arte de cada álbum. Es conocido por un estilo oscuro e introspectivo que se basa en gran medida en la fotografía, compuesta digitalmente con varios otros medios. También se utilizan texturas acrílicas, así como acuarelas, pasando por un proceso de digitalización y posterior superposición sobre matrices fotográficas. Tenerlo con nosotros como artista invitado es una forma de reconocer la belleza de su creación. En una breve conversación, nos autorizó a utilizar todo este material.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 13
Número 212 | julho de 2022
Artista convidado: Travis Smith (Estados Unidos, 1970)
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
concepção editorial, logo, design, revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
ARC Edições © 2022
∞ contatos
Rua Poeta Sidney Neto 143 Fortaleza CE 60811-480 BRASIL
https://www.instagram.com/floriano.agulha/
https://www.linkedin.com/in/floriano-martins-23b8b611b/
Nenhum comentário:
Postar um comentário