domingo, 10 de julho de 2022

MÁRCIO CATUNDA | A versatilidade luminosa de Louis Aragon

 


Louis Aragon nasceu em 3 de outubro de 1897, em Paris, e teve uma infância sui generis. Foi criado pela avó e pelo pai, Louis Andrieux (deputado em Forcalquier e, depois, embaixador da França em Madri). O menino Louis cresceu sem ter contato com a mãe, com a qual seu pai não se casara. Nos primeiros anos de vida, Aragon habitou a rue Saint-Pierre, nº 12, em Neuilly e estudou, a partir de 1908, no lycée Carnot, boulevard Malesherbes, nº 145.

Num dia de chuva de dezembro de 2019, fui de táxi ao lycée Carnot. Encontrei um grande prédio de bela fachada, com ladrilhos marrons, ornando a simetria das janelas, e um relógio no frontão triangular. Uma verdadeira joia de arquitetura, o colégio ocupa toda a quadra situada entre as esquinas do boulevard Malesherbes com a rue Viète e a rue Cardinet.

Há, na porta, uma placa à memória dos alunos deportados de 1942 a 1944, “porque nascidos judeus”. Vítimas inocentes da barbárie nazista “avec la complicité du gouvernement de Vichy”. Como nos demais estabelecimentos de ensino franceses, as bandeiras da França e da União Europeia ondulam no portal principal, em que se inscreve a insígnia “Liberté, Égalité et Fraternité”.

Após haver fotografado a fachada do colégio, tomei outro táxi, que foi na direção dos raios róseos do pôr do sol, contornando as praças Saint-Augustin, Madeleine e de la Concorde, e avançando pela ribanceira do Sena, até a Pont Neuf, onde desci e saí caminhando, porque a chuva havia passado.

Na infância, Aragon percorria de metrô o trajeto de sua casa ao liceu Carnot, fazendo conexão na place des Ternes, até sua residência em Neuilly.

A iniciação de Louis Aragon na literatura foi uma façanha do seu tio Edmond, que o conduziu, na adolescência, às reuniões do Mercure de France, onde ele conheceu, entre outros, Catulle Mendès, Guillaume Apollinaire, Henry Bataille e Pierre Louys.

Dia 17 de janeiro de 2019, vou à place des Ternes, de manhã, com o metrô repleto. Agarrado às barras de ferro, equilibro-me no ziguezague das curvas. No alto-falante previnem contra os “pick-pockets”. Desfrutei de um passeio instrutivo naquela área de Paris, à qual se pode chegar descendo do metrô na avenida Champs-Élysées e caminhando até a place des Ternes. Ciente de haver chegado a um ambiente onde Aragon deambulava na infância, avistei aquela praça redonda e ornada de quiosques de flores. Caminhei duas quadras adiante para comprar uns discos na loja Fnac, situada nas proximidades. Almocei e fui a uma farmácia homeopática, também nas imediações, encomendar uns remédios.

Aragon conheceu Breton em 1917, no hospital Val-de-Grâce. Na ocasião, eram ambos acadêmicos de medicina e foram nomeados médicos auxiliares das Forças Armadas francesas, durante a Primeira Guerra Mundial. Aragon serviu em Saint-Dizier, no departamento de Haute-Marne, na região leste da França, no 355º Regimento de Infantaria. Esteve numa frente perigosa em Champagne e, por boa ventura, sua missão passou incólume.

Frequentou, naquele tempo, a livraria Adrienne Monnier, na rue de l’Odéon, nº 7, onde, em sucessivos encontros, cresceu a amizade com Breton. Eles se viam também, a partir de 1922, no café Cyrano, na place Blanche, em Montmartre, próximo à casa de Breton, situada na rue Fontaine, nº 42.

Aragon e Breton conversavam, nos cafés do boulevard Raspail, a respeito do insólito Lautréamont, que haviam lido nos plantões médicos do hospício do Val-de-Grâce. A descoberta dos Cantos de Maldoror abriu-lhes os horizontes para a concepção de novas imaginações em suas literaturas.

Quando regressou a Paris, Louis Aragon foi apresentado por André Breton a Philippe Soupault. Os três amigos assistiram à única apresentação de Mamelles de Tirésias, de Apollinaire, no dia 24 de junho de 1917, peça considerada a pioneira do surrealismo.

Os fiéis amigos e discípulos de Apollinaire lamentaram a morte precoce do autor de Calligrammes, em 1918, à véspera do armistício. Guillaume Apollinaire será uma referência permanente para Louis Aragon e os demais surrealistas.

Aragon acompanhou Desnos, em 1920 e 1921, em passeios por Les Halles e seus arredores. Frequentava, em Montmartre, os amigos Max Jacob, na rue Gabrielle, nº 17, e Reverdy, na rue Cortot, nº 12 (a dois passos da place du Tertre). Também ia, de vez em quando, à quadra da Madeleine, conversar com Cocteau, na rue d’Anjou, nº 10.

Foi nesse período que ele e Breton se tornaram militantes do Partido Comunista Francês, porque entendiam ser o único partido contra a guerra.

O ano de 1922 foi pródigo para Aragon em mudanças, não de casas, mas de rumos da vida. Aragon abandonou a Medicina e assumiu a direção do Paris-Journal, um boletim-programa de teatros. Participou, com Desnos e René Crevel, das primeiras experiências do sono mediúnico, com a respectiva prática da escrita automática, na casa de André Breton. Ele frequentava, entre outros lugares de boemia, o Zelli’s, rue Fontaine, 16 bis, na place Blanche.

Rompeu laços com Tzara, porque este se havia recusado a colaborar com a organização do Congresso que difundiria internacionalmente o surrealismo. Tzara não concordava com “a politização e a institucionalização de sua arte revolucionária, na forma de um Congresso”.

Em 1924, os surrealistas estabeleceram seu escritório no térreo do hôtel de Berulle, na rue de Grenelle nº 15. A função de coordenador coube a Antonin Artaud, que a exerceu com o afã que lhe era peculiar, exigindo a presença dos membros e sócios duas vezes por semana. Em 1925, Aragon conheceu e namorou a dançarina vienense Lena Amsel. Nesse período de sua vida, quando tinha 27 anos, viajou a Madri, onde proferiu palestra sobre o surrealismo de Paris na Residencia de Estudiantes, prestigiosa instituição cultural espanhola.

No livro autobiográfico Le Paysan de Paris, escrito de 1923 a 1926, e publicado, em 1924, na Revue Européenne, dirigida por Philippe Soupault, vemos um Aragon libertino, falando de suas diversões na passage de l’Opéra, que já não existe. Aquele refúgio prazeroso do poeta foi destruído em 1925. Estava situado no espaço que vai do boulevard Haussmann ao boulevard des Italiens. Aragon evoca as galerias, os cafés, as lojas e as boutiques que existiam naquele túnel comercial, nos anos de 1920. Havia, então, os banhos ou “maisons de rendez-vous”, equívocos balneários que serviam às práticas da sensualidade. Num restaurante que lá existia, de nome Le Saulnier, os movimentos Dada e Surrealista davam trégua às provocações. Por lá, Aragon vivenciou experiências sexuais que, confessa ele, lhe deram a emoção colegial de entrar pela porta da liberdade. Na segunda parte do livro, ele narra um passeio noturno pelo parque des Buttes-Chaumont, em 1924, na companhia de Marcel Noll e André Breton. Para chegar ao parque, eles foram na direção do carrefour de Châteaudun, que, já naquele tempo, era muito transitado. Aragon confessa que o grande oásis do parque lhe dava a sensação de embriaguez da disponibilidade com que o espírito se entrega à reflexão existencial.

Aragon conheceu, no restaurante La Coupole, em 1928, Elsa Triolet, escritora, como ele, e filha de judeus de Moscou. Ele morava, naquele tempo, na rue du Château, 54, na casa que Marcel Duhamel alugava a poetas e artistas, para que residissem ou fizessem seus ateliês. Elsa veio a tornar-se o grande amor de Aragon, que com ela se casou.

Nos duros tempos de luta, Aragon vendia, pelas joalherias das ruas de Provence e Poissonnière, os colares sofisticados que Elsa confeccionava para grandes empresários da alta costura.

No dia 14 de abril de 1930, o casal viajou à Rússia para acompanhar Lili, irmã de Elsa, viúva de Maiakovski, que se suicidara naquela data. No mesmo ano, Aragon se filia ao Partido Comunista e rompe com o surrealismo. Ele viajou mais duas vezes à URSS. A primeira, em 1932, permanecendo durante um ano. A segunda, em 1934, para o Congresso da União de Escritores Soviéticos.

Num passeio a Montparnasse, avistei o local onde Aragon se instalou com Elsa na rue Campagne-Première, mesma rua em que vivera Rimbaud, em 1871, quando de suas aventuras extravagantes com Verlaine. A ex-residência do casal Aragon e Elsa, no número 5, está na metade da pequena rua. Uma placa informa que ali moraram, de 1929 a 1935. A rue Campagne-Première forma um triângulo com os bulevares Raspail e du Montparnasse. O prédio, de cinco andares, é modesto. Tem a fachada carente de pintura e as janelas manchadas pela poeira do tempo. Bem próximo dali encontra-se o hôtel Istria, no número 29 da rue Campagne-Première, referido por Aragon no poema que relembra aqueles áureos tempos, quando o hotel acolheu grandes artistas, inclusive os surrealistas. Eu lia exatamente o ensaio de Georges Sadoul sobre o apaixonado Aragon, quando vi, no frontispício do imóvel, a placa em que se reproduzem estes versos, citados no livro do ensaísta Sadoul, que constam no poema “Il ne m’est Paris que d’Elsa”, em que o poeta evoca um de seus encontros com sua companheira:

 


Ne s’éteint que ce qui brilla...

Lorsque tu descendais de l’hôtel Istria

Tout était different. Rue Campagne-Première

En mil neuf cent vingt neuf

Vers l’heure midi.

 

Em 1933, ele trabalha na redação do jornal L’Humanité, na rue Montmartre, 138. Naqueles anos, ele se deslocava cada noite da rue Montmartre, para tomar o transporte na place du Châtelet, em direção a Montparnasse.

Em fevereiro de 1935, o poeta se instala num novo apartamento, na rue de La Sourdière, nº 18. Ali viveram, ele e Elsa, no segundo andar, de 1935 a 1957.

Na esplêndida claridade do dia 14 de fevereiro de 2019, sigo em minha obstinada peregrinação aos endereços dos poetas visionários de Paris. Do metrô da estação Pyramides, sigo pela rue Saint-Honoré e chego à rue de La Sourdière, uma viela. No edifício de portal vermelho, que dá para um pátio, o número 18 tem a placa indicativa de que o poeta ali residiu.

Aragon desponta na literatura francesa como poeta da fraternidade e da liberdade, escrevendo diversos poemas revolucionários no livro Persécuté persécuteur. O primeiro poema, intilulado Front Rouge, publicado também na revista Littérature de la Révolution Mondiale, editada em francês em Moscou, recebeu, do juiz de instrução Benon, o estigma de “excitação de militares à desobediência e provocação à violência assassina, com o objetivo de propaganda anarquista”. Constata-se o ridículo da censura de um poema que chega a pertencer à categoria de banal, quando estampa versos como: “Pliez les réverbères comme des fétus de paille/ faites valser les kiosques les bancs les fontaines Walace/descendez les flics/plus loin vers l’ouest où ils dorment/les enfants riches et les putains de première classe la Madeleine Prolétariat/ que la fureur balaie l’Élysée/ Tu as bien droit au Bois de Boulogne/en semaine/ un jour tu feras sauter l’Arc de Triomphe/Prolétariat connais ta force/connais ta force et déchaine toi.”

A versatilidade de Louis Aragon se constata no conjunto de sua obra literária, em que despontam romances como Les beaux quatiers, de 1936, e Aurélien de 1944, que retratam vicissitudes e aprazimentos de sua juventude em Paris.

Les beaux quartiers é a história das famílias burguesas da cidade imaginária de Sérianne, no sul da França. Predominam na trama os irmãos Edmond e Armand, filhos do Dr. Barbetane, médico e líder político em sua província. Edmond vai estudar medicina na Sorbonne e se apaixona por Carlotta, amante do industrial Joseph Quesnel. A condição financeira de estudante não lhe permite pagar para a namorada os jantares nos restaurantes caros que ela frequenta. Armand também vai a Paris. Deslumbra-se com a cidade, flerta com prostitutas, assiste, em maio de 1913, à manifestação dos sindicatos comunistas e anarquistas, dos quais se destaca o líder Jaurès, na luta contra o governo de Poincaré. Hospeda-se com seu irmão, porém termina rejeitado. Além de dez francos para jantar, tudo o que Edmond lhe oferece é uma passagem de trem em terceira classe. Edmond toma o seu café-crème com criossants na rue Cujas e frequenta o café Cluny, no boulevard Saint-Michel, enquanto Armand deambula, sem emprego e faminto, de La Villette à place des Ternes. Numa condição de verdadeira indigência, ele dorme nos bancos das ruas ou sob a Pont Neuf.

No desfecho, o empresário Quesnel chama Edmond a seu luxuoso gabinete, com janela para o parc Monceau, e, surpreendentemente, propõe ao jovem estudante de medicina “une situation” em seus “affaires”, para que ele possa igualar-se à moça exigente e tirânica, a quem o empresário adula, regalando-a com um altíssimo padrão de vida. Edmond pede tempo para pensar. Quanto a Armand, por fim encontra um emprego de operário e se engaja no sindicato, em pleno movimento grevista.

Há, seguramente, muito de autobiográfico na criação dos protagonistas Edmond e Armand. Aragon, tem um pouco de ambos: estudante de medicina, filho de um político, namorador e simpatizante do socialismo. No posfácio, Louis Aragon esclarece que Les beaux quartiers é o segundo tomo de Le Monde réel, obra dedicada a Elsa Triolet, “à qui je dois d’avoir trouvé du fond de mes nuages, l’entrée du monde réel où cela vaut la peine de vivre et de mourir”.

Diz Aragon, no romance Aurélien, igualmente ambientado em Paris: “Les Parisiens n’ont jamais de leur ville le plaisir qu’en prennent les provinciaux”. A personagem Bérénice é quem mais desfruta da cidade. Em suas “promenades”, vê o “joli hiver de Paris, sa saleté et brusquement son soleil! Jusqu’à la pluie fine qui lui plaisait ici”... “Il y a des rues, des boulevards, où l’on s’amuse autant à passer la centième foi que la première.”... “Marcher autour de l’Étoile, prendre une avenue au hasard, et se trouver sans avoir vraiment choisi dans un monde absolument different de celui où s’enfonce l’avenue suivante.”…“Il y a la province de l’avenue Carnot et la majesté commerçante des Champs-Élysées. Il y a l'avenue Victor Hugo.”

A pressão da guerra obriga Aragon e Elsa a se refugiarem, de 1940 a 1941, em Carcassonne, na área não ocupada. Ele organiza, naquela cidade, um plano de Résistence Littéraire, por meio da poesia. E não cessou de lamentar a pátria ferida: “Apprenons l’art, mon coeur, d’aimer sans espérance”.

 No momento da contrição da guerra, declarou ele, no poema La nuit de mai, do livro Les yeux d’Elsa, num discurso desesperado:

 

Les vivants et les morts se ressemblent.

Les vivants sont des morts qui dorment dans leurs lits

Cette nuit les vivants sont désensevelis

Et les morts réveillés tremblent et leur ressemblent.

 


Ao tentar regressar com Elsa Triolet a Paris, em 22 de junho de 1941, a patrulha alemã os deteve em Tours, até o dia 14 de julho de 1942, no quartel de cavalaria Borgnis-Desbordes. Nesse tempo, mais do que nunca, Elsa é o seu amparo e sua inspiração: “Je suis né vraiment de ta lèvre, ma vie est à partir de toi”. Aragon eleva o estro à altura do amor apaixonado neste poema do livro Le roman inachevé, musicado e cantado pelo fabuloso tenor Jean Ferrat.

O casal pôde, por fim, atravessar a fronteira, munido de um laissez-passer. Aragon e Elsa foram então visitar o editor Pierre Seghers, em Villeneuve. Depois, se estabelecem em Nice, mas logo foram forçados a fugir outra vez, ao saber da ocupação dos Alpes-Marítimos pelos italianos, em novembro de 1942.

Ainda em 1942, o livro Les yeux d’Elsa foi publicado em Neuchâtel, e Cantique à Elsa, em Argel. Alguns poemas do livro Les yeux d’Elsa (1940-1942) são emblemáticos da poesia engajada. Cito aqui um excerto de Plus belle que les larmes:

 

 Paris de nos malheurs Paris du Cours-la Reine

 Paris des Blancs-Manteau Paris de Fevrier

 Du Faubourg Saint-Antoine aux coteaux de Suresnes

 Paris plus déchirant qu’un cri de vitrier.

 

Na tarde do dia 17 de janeiro de 2018, desloco-me à place d’Italie, que tem o formato de um grande círculo ao redor do qual gira o intenso trânsito em que se expandem as grandes artérias que a circundam. Ressaltam-se, numa esquina, o café de France, com seu letreiro de luzes vermelhas, e na outra, o envidraçado centro comercial “Citadines Italie Deux”. A multidão de pedestres, ciclistas e patinetistas semeia o caos num lugar alegre, ao contrário do tempo da Segunda Guerra Mundial, quando a Itália foi inimiga da França. Portanto, aqueles eram tempos de tristeza, de uma melancolia “plus triste qu’à minuit la place d’Italie, como atestou o poeta no poema Paris 42:

 

Une chanson qui dit un mal inguérissable

Plus triste qu’à minuit la place d’Italie

Pareil au point du jour pour la mélancolie.

 

É de se supor que fosse da maior desolação o clima psicológico que se irradiava na place d’Italie, à meia-noite, naquele ano de 1942.

Paris 42, poema publicado em En étrange pays dans mons pays lui-même, fala daquele tempo das barricadas, em que Paris sofria sob as botas do opressor:

 

Une chanson vulgaire et douce où la voix baisse

 Comme un amour d’un soir doutant du lendemain

 Une chanson qui prend les femmes par la main

 Une chanson qu’on dit sur le métro Barbès

 Et qui change à l’Étoile et déscend à Jasmin.

 

O poema termina com a exacerbada expressão deste fecho reverberante:

 

Arrachez-moi le coeur, vous y verrez Paris.

 

Ele via Notre-Dame surgir como um imã naquela Paris, quando à meia-noite era triste a place d’Italie, “la ville comme un coeur s’y ouvre à des battans”. Sua voz se aprestava em liberar a França prisioneira, que, em 1942, “On l’entendra pleurer sur le quai de Passy”. É o mesmo generoso e fraterno Aragon quem diz, emocionado pela nostalgia da juventude relembrada:

 

L’aorte du Pont Neuf frémit comme une orchestre

Où j’entends preluder le vin de mes vingt ans.

 

Em 1943, escreve Il n’y a pas d’amour heureux, quando Elsa quis abandoná-lo. Segundo Pierre Daix, em Aragon une vie à changer, “Elsa l’avait empêché de se disperser de femme en femme et savait à quoi s’en tenir sur sa tendence vers les hommes”. No mesmo ano, o general De Gaulle leu, na Radio Alger, os versos de “Plus belle que les larmes”:

 

Comme le carabin scrute le coeur qu’il ouvre,

Vous cherchez dans mes mots la paille de l’émoi.

N’ai-je pas tout perdu le Pont-Neuf et le Louvre

Et ce n’est pas assez pour vous venger de moi.

 

Em março de 1944, quando a Gestapo buscava o casal em Marseille, sob o pretexto de que Elsa e Aragon eram judeus, eles se refugiam em Saint-Donet.

Depois da guerra, Aragon dirige o jornal Ce Soir, após a morte de Jean-Richard Bloch. Nos anos 50, ele frequenta o Conselho Nacional dos Escritores, na rue de l’Élysée, nº 2.

No dia 18 de fevereiro de 1952, fez o elogio fúnebre de Éluard, no Père-Lachaise: “Il se fit dans Paris un silence de neige un réveil de novembre à neuf heures battant quand Éluard partit rejoindre le cortège”. (ARAGON, Louis. Ansi Prague a perdu. In Le roman inachevé).

Em 1953, pouco tempo após a morte de Stalin, Aragon dirige Les Lettres Françaises, em que publica um retrato do ditador soviético, desenhado por Picasso. O Partido Comunista Francês desaprova o retrato o poeta se angustia profundamente. Nesse tempo, Aragon já discordava do stalinismo repressor e se expressava a favor de Trotsky. Mas o poeta continua exercendo sua militância junto ao Partido Comunista, e, sobretudo, escrevendo seus artigos para o jornal L’Humanité, periódico porta-voz do pensamento de um importante segmento da esquerda.

Em 1953, L’Humanité mudou de endereço. Já havia saído da rue de Montmarte para a rue d’Enghien, nº 18. Foi então para a rue du Louvre, nº 37, instalando-se no imóvel do antigo jornal Paris Soir.


Passei em frente a esse endereço, próximo ao hotel onde me hospedei em dezembro de 2019, quando me dirigia ao Museu do Louvre. A antiga sede do L’Humanité fica na esquina da rue du Louvre com a rue du Mail e hoje é a sede do banco HSBC. Constato que não é o primeiro jornal de Paris que vejo se transformar em banco. É espantoso perceber como as entidades financeiras cresceram mais do que as instituições culturais, nessa passagem do século XX ao XXI. O prédio foi modificado. Suas enormes vidraças transparentes não existiam. Pela rue du Louvre, avistei, ao longe, as paredes das edificações do quai de Conti e cheguei às fortificações de Saint-Germain l’Auxerrois, de encantadora torre, ali na lateral do Louvre, onde uns africanos vendem miniaturas da torre Eiffel.

Em 11 de novembro de 1957, Aragon recebe o Prêmio Lenine Internacional. É o tempo de colher os frutos do reconhecimento de seu labor de prolífico escritor, cujo apogeu repercutirá na década seguinte, quando o casal residirá entre o boulevard Raspail e les Invalides, durante 22 anos.

Num início de noite, desembarquei na estação de metrô Assemblée Nationale e segui pelo quai d’Orsay, passei em frente ao Ministère des Affaires Etrangères. Entrei no boulevard des Invalides e contemplei a colossal cúpula do hôtel des Invalides e as paredes do Ministère de l’Agriculture. Encontrei o prédio onde moraram em 1960, no último andar, Aragon e Elsa, na rue de Varenne, número 56. Um luxo de edifício, de quatro andares, com fachada magnífica.

Em 1968, Aragon passa a adotar uma atitude mais crítica em relação à União Soviética, tendo escrito, no periódico Les Lettres Françaises, artigo em que condenou a intervenção soviética na Tchecoslováquia.

Em 1970, a morte de Elsa o abate, mas não o deixa prostrado. Lamentou, desconsoladamente, a perda de sua companheira, bem como as mortes de Picasso e de Neruda, ambas em 1973. Aos 80 anos, ele tem energia para exigir a libertação do cineasta Serguei Paradjanov, preso na URSS, e protestar contra a expulsão do escritor Soljenitsin e contra a perseguição ao maestro Rostropovitch, por haver hospedado Soljenitsin.

Aragon provará a vertente fraterna de sua poesia no livro Les Poètes, por ele revisado e corrigido em 1968 e em 1976. Dirá ele, no poema Les feux de Paris:

 

 Toujours quand aux matins obscènes

 Entre les jardins de la Seine

 Comme une noyée aux yeux fous

 De la brume de vos poèmes

 L’île Saint-Louis se lève blême

 Baudelaire je pense à vous.

 

Consta, no supracitado livro, uma bela homenagem a Robert Desnos, no poema Complainte de Robert le Diable. Aragon diz que a voz de Desnos era como um canto de Nerval. Afirma ainda que o riso dos magarefes escoltava Desnos em Les Halles:

 

 Poète de vingt ans d’avance assassiné

Et qui vengeait dejà le blasphème et l’injure.

 (...)

Debout sous un porche avec un cornet de frites

Te voilà par mauvais temps près de Saint-Merry

Dévisageant le monde avec effronterie

Ton regard pareil à celui d’Amphritite.

...

Oh la Gare de l’Est et le premier croissant

Le café noir qu’on prend près du percolateur

Les journaux frais les boulevards pleins de senteurs

Les bouches du métro qui cachent les passants.

 

Aragon menciona os lugares por onde passava Robert Desnos: Sacré-Coeur, Panthéon, Pont-au-Change, Bois de Bologne, locais que evocam a imagem do amigo precocemente morto na guerra:

 

Je pense à toi Desnos qui partis de Compiègne

Comme un soir en dormant tu nous en fis récit

Accomplir jusqu’au bout ta propre prophétie

Là-bas où le destin de notre siècle saigne.

 

No belo poema Quai de Béthune, do livro Les Poètes, Aragon recorda que Baudelaire, Nerval e Francis Carco moravam ali, aos pés do Sena, na tranquila Île Saint-Louis:

 

Connaissez-vous l’île

Au coeur de la ville

Où tout est tranquillle

Éternellement.

 

Nesse mesmo extraordinário livro, registrou a saudade que sentia de Francis Carco:

 

Celui qui s’en fut à douleur

a longuement quité la ville

sur le chemin quíl a suivi

lentement sont mortes les fleurs.

Il avait toujours dans la tête

le manège d’anciens tourments

de la fenêtre par moments

parvenait des bouffées de fête.

Dis qu’as-tu fait des jours enfuis

de ta jeunesse et de toi-même

de tes mains pleines de poèmes

qui tremblait au bout de ta nuit.

 

Ao perguntar pelas luzes distantes, Aragon se conscientiza de que só restaram os olhos extintos, fechados, de seu amigo. Evoca o canto dos lilases de manhã, de Montmartre a Mortefontaine, e as palavras que ele e Carco recolheram no diálogo da amizade.

 

Les mots que nous avons cueilis

Les voici pour celui qui meurt

Passent les gens et tu demeures

Ô poète de mon pays.

 

Aragon se consagra, ao lado de Éluard como poeta da fraternidade humana. Ele dirá, no livro Le fou d’Elsa:

 

Un jour pourtant un jour viendra couleur d’orange

Un jour de palme un jour de feuillages au front

Un jour d’épaule nue où les gens s’aimeront

Un jour comme un oiseau sur la plus haute branche.

 

Aragon sofreu, em janeiro de 1974, um acidente na place de la Concorde. Caiu na calçada, ao sair do espaço Cardin, mas o acidente não foi grave.

Nos dias finais de sua vida, no ano de 1982, quando morava na rue de Varenne, Aragon frequentou o restaurante Monsieur Boeuf, na esquina entre as ruas des Lombards e Saint-Denis, naquela área onde moraram Nerval e Desnos.

Não fiz a estatística, mas estou seguro de que Aragon foi o poeta que mais cantou Paris. E não apenas na poesia, mas também na prosa, conforme se verifica em seus romances. Suas narrativas estão repletas de referências aos bairros parisienses, com ênfase no contraste entre as classes sociais que os ocupam. 

 

 


MÁRCIO CATUNDA | Escritor e diplomata. Nascido em Fortaleza em 1957. É membro da Associação Nacional de Escritores de Brasília, da Academia de Letras do Brasil, do Pen Clube do Brasil, com sede no Rio de Janeiro e da União Brasileira de Escritores. Escreveu cinquenta livros de poesia e prosa, alguns dos quais no idioma castelhano. Editou também diversos discos com seus poemas musicados e cantados por vários parceiros. Autor de um livro fundamental: Paris e seus poetas visionários (2021).
 

 

 


TRAVIS SMITH (Estados Unidos, 1970) | Artista gráfico conocido por diseñar carátulas de álbumes para bandas de heavy metal. El periódico Chronicles of Chaos lo considera sin duda uno de los artistas gráficos más talentosos del heavy metal actual. Entre 1998 y 2022 ha realizado más de 100 proyectos gráficos completos (no solo las portadas) para varias bandas de heavy metal, incluyendo Devin Townsend, Katatonia, Nevermore, Opeth, Anathema, Black Crown Initiate, Soilwork, King Diamond, Novembre, Avenged Sevenfold, Strapping. Young Lad, Perséfone, Riverside y Overkill. La base de su trabajo consiste principalmente en la creación completa del arte de cada álbum. Es conocido por un estilo oscuro e introspectivo que se basa en gran medida en la fotografía, compuesta digitalmente con varios otros medios. También se utilizan texturas acrílicas, así como acuarelas, pasando por un proceso de digitalización y posterior superposición sobre matrices fotográficas. Tenerlo con nosotros como artista invitado es una forma de reconocer la belleza de su creación. En una breve conversación, nos autorizó a utilizar todo este material.

 



Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 13

Número 212 | julho de 2022

Artista convidado: Travis Smith (Estados Unidos, 1970)

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

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