terça-feira, 24 de janeiro de 2023

THOMAZ ALBORNOZ NEVES | Giórgos Seféris, estória mítica

 


A mãe era a filha de um cultivador de passas em cuja herdade na costa de Anatólia yorgos stilianú seferiadis (Esmirna, 1900-Atenas, 1971) passou a infância. O pai era um advogado e professor de Direito Internacional que traduziu Byron e as tragédias de Sófocles ao grego moderno. Sua defesa do demótico sobre a língua grega oficial (katarévussa) e seu venizelismo influenciaram Yorgos desde cedo.

Com a eclosão da primeira grande guerra, a família emigra para Atenas. De 1918 a 1924, Seféris estuda Direito em Paris. Em 1926, ingressa no Ministério do Exterior e, na década de 30, está no consulado grego em Londres. Em 1933, seu pai torna-se reitor da Universidade de Atenas. Com a invasão nazista, o poeta segue o governo grego no exílio, primeiro em Creta e depois no Cairo. Até 1962, a carreira diplomática o mantém fora da Grécia por longos períodos.

O sentimento de identidade perdida, central na sua obra, agravou-se depois da invasão da sua Esmirna natal pelos turcos em 1922. O massacre de civis e o êxodo de dois milhões de gregos da Trácia e da Anatólia deixando a Ásia Menor sem presença helênica pela primeira vez desde tempos pré-homéricos acentuou a sua sensação de realidade em pedaços. Nesse sentido, Estória Mítica (Mithistórema, 1935) é um pequeno livro impregnado pelo romaikos kaimós, o “mal da Grécia”, como foi chamado o estado de espírito criado pela distância entre a riqueza cultural milenária e a decadência da época moderna. Diz Seféris:

 

Se me expresso através de lendas e parábolas é porque através delas faz-se mais doce o entendimento. Não é possível falar sobre o horror, porque o horror está vivo, é silencioso e avança.

 

O poeta estreara em 1931 com os 200 exemplares de Strofi e, um ano depois, imprime para o seu círculo 50 exemplares de um poema intitulado A cisterna. Esses dois primeiros trabalhos trazem a leitura parisina dos simbolistas. Em especial de Laforge, Valéry, Mallarmé e Claudel. Desde uma perspectiva formal, contudo, não trazem novidades ao meio literário grego do entreguerras. Seu hermetismo se serve mais do metro convencional que da liberdade da vanguarda.

Em 35, com o poeta Katsimbalis e o crítico Karantonis, Seféris funda em Atenas a revista Novas Letras (Tà Nea Gràmmata), que se torna o órgão oficial da “Geração de 30”. Um grupo liberal em política e demoticista em literatura que estava então mais próximo do romantismo de Dionýsios Solomós e da lírica de Kostís Palamás que do pessismismo de Kariotákis e do personalíssimo modernismo decadente de Kaváfis. Mas é The Waste Land -cuja tradução ao grego com um ensaio repleto de notas Seféris publica em 36- a influência determinante.

De The Waste Land, retira o ritmo do verso e a perspectiva de que o passado, o mito e a linguagem são contemporâneos ao presente. Mais que a devoção a Dante e a aversão ao romantismo própria dos simbolistas, é através de Eliot que Seféris encontra a si mesmo como poeta. Ou, em termos ainda mais estereotipados, com quem reconhece um caminho. Sobre Eliot, em 1933, anota em seu diário:

 

24 de fevereiro. Para escrever, deixei o livro neste ponto:

 

The poet makes poetry, the metaphysician makes methaphysics, the bee makes honey, the spider secrets filament; you can hardly say that any of these agents believes: he merely does.

 

Algo muito semelhante escrevi nesse ensaio abandonado. E pensar que se o tivesse publicado me acusariam de plágio, que ridícula maneira de compreender as influências impera na Grécia. A passagem é de T. S. Eliot. O admiro cada vez mais. O único que me separa dele, e não é pouco, é o seu cristianismo: é anglo-católico militante.

 

E o anti-semitismo, certamente.

Assim, Mithistórema repercute a mesma visão de decadência encontrada em The Waste Land. Porém, onde o americano identifica a moderna esterilidade de uma terra desolada, povoada por homens ocos e sem sentido existencial, Seféris busca sua identidade na atemporalidade das ruínas dos templos, nas mutiladas estátuas e no mesmo mar imutável desde Ulisses.

É ao que se refere Henry Miller quando escreve que o poeta

 

has caught and embedded in his work the spirit of eternality which is everywhere in Greece.

 


Estória Mítica
é uma obra cujo tratamento do passado está tomado pelas suas consequências futuras. As relíquias da pedra e do mármore, o mar que respira, as temporadas da morte, a cultura perdida e a estirpe extinta vaticinam somente desesperança para o helenismo no século xx.

A continuidade fragmentada dos vinte e quatro poemas é temática e a unidade do conjunto deriva da atmosfera mediterrânea presente na série. Sua voz é clara e grave, possui uma neutralidade solene, isenta de maneirismos e de humor, sempre realista mesmo quando suas cenas remetem ao onírico, ao trágico ou ao mitológico. O desterro determina Estória Mítica em três níveis diferentes: a lendária e o tema homérico das viagens, a histórica relativa ao êxodo de Anatólia e a pessoal, da vida errante da sua função como diplomata. O “desastre” de 1922 foi o acontecimento mais importante da sua biografia. Nele, perdeu a propriedade do avô à beira-mar, lugar das suas memórias de infância mais luminosas. De modo que estes poemas lhe permitem dar à sua tragédia pessoal uma dimensão universal em um imaginário alegórico.

Entretanto, apesar das referências clássicas, a epígrafe do poema I foi extraída dos primeiros versos de Faim de Rimbaud:

 

Si j’ai du goût, ce n’est guères

que pour la terre e pierres

 

e os versos finais: Φέραμε πίσω / αὐτὰ τ᾿ ἀνάγλυφα μιᾶς τέχνης ταπεινῆς que relacionam a poesia à arte manual dos artesãos, remete ao verso humilde arte sem estilo de Kostas Kariotakis, o angustiado poeta que se suicidou em 1934. O mensageiro é um personagem clássico, presente nas tragédias e caro a Yorgos.

 

I

 

Τν γγελο

τν περιμέναμε προσηλωμένοι τρία χρόνια κοιτάζοντας πολ κοντ

τ πεκα τ γιαλ κα τ᾿ στρα. Σμίγοντας τν κόψη τ᾿ λετριο

+ το καραβιο τν καρένα

ψάχναμε ν βρομε πάλι τ πρτο σπέρμα γι ν ξαναρχίσει τ πανάρχαιο δράμα.

Γυρίσαμε στ σπίτια μας τσακισμένοι

μ᾿ νήμπορα μέλη, μ τ στόμα ρημαγμένο π τ γέψη τς σκουρις κα τς ρμύρας.

ταν ξυπνήσαμε ταξιδέψαμε κατ τ βοριά, ξένοι

βυθισμένοι μέσα σ καταχνις π τ᾿ σπιλα φτερ τν κύκνων πο μς πληγώναν.

Τς χειμωνιάτικες νύχτες μς τρέλαινε δυνατς γέρας τς νατολς

τ καλοκαίρια χανόμασταν μέσα στν γωνία τς μέρας πο δν μποροσε ν ξεψυχήσει.

 

Φέραμε πίσω

ατ τ᾿ νάγλυφα μις τέχνης ταπεινς.

 

I

 

Ao mensageiro

aguardamos por três anos

imóveis, olhando de bem perto

a orla os pinheiros e os astros

Confusos com o gume do arado

ou a quilha do barco

buscávamos a semente primeira

com a qual recomeçar o drama antigo

Voltamos às nossas casas destroçados

braços e pernas débeis, bocas devastadas

pelo gosto da ferrugem e da salmoura

Ao despertar, rumamos norte, estrangeiros

tomados pela bruma das imaculadas asas de brancos cisnes que nos feriam

Nas noites de inverno, entorpecidos pela força do vento Leste

e no verão, desorientados pela agonia do dia que não sabia morrer

 

Trazíamos de volta

estes baixos-relevos de uma arte menor

 

A recorrência de imagens como a do poço e a da caverna remetem ao seu livro anterior, A Cisterna, e, evidentemente, a Platão.

 

II

 

κόμη να πηγάδι μέσα σ μι σπηλιά.

λλοτε μς ταν εκολο ν᾿ ντλήσουμε εδωλα κα στολίδια

γι ν χαρον ο φίλοι πο μς μεναν κόμη πιστοί.

 

σπασαν τ σκοινι μονάχα ο χαρακις στο πηγαδιο τ στόμα

μς θυμίζουν τν περασμένη μας ετυχία:

τ δάχτυλα στ φιλιατρό, καθς λεγε ποιητής.

Τ δάχτυλα νιώθουν τ δροσι τς πέτρας λίγο

κι θέρμη το κορμιο τν κυριεύει

κι σπηλι παίζει τν ψυχή της κα τ χάνει

κάθε στιγμή, γεμάτη σιωπή, χωρς μία στάλα.

 

II

 

Mais um poço na caverna

Fácil, há tempos, alcançar ícones e ornamentos

para o gozo dos caros que ainda nos eram fiéis

 

Romperam-se as cordas, somente os sulcos na boca do poço

são memória de felicidade

os dedos na borda – como dizia o poeta

Os dedos guardam o frescor da pedra por um momento

antes que o calor do corpo a invada

A caverna arrisca a alma e a perde a cada instante

empapada de silêncio, sem uma única gota

 

O poema III traz a citação Μέμνησο λουτρῶν οἷς ἐνοσφίσθης extraída de As Coéforas, de Ésquilo. Nesse verso Orestes olha o quarto de banho onde o pai foi assassinado, pede ajuda e conjura vingança. A relação entre a tragédia e o poema, contudo, não é clara. Talvez os versos de Ésquilo façam parte do mesmo sonho e foram, em função disso, inseridos como epígrafe. A cabeça de mármore que o sujeito do poema sustenta nas mãos remete ao passado milenário e suas estátuas decapitadas.

 

III

 

Μέμνησο λουτρν ος νοσφίσθης

Ξύπνησα μ τ μαρμάρινο τοτο κεφάλι στ χέρια

πο μο ξαντλε τος γκνες κα δν ξέρω πο ν

τ᾿ κουμπήσω.

πεφτε τ νειρο καθς βγαινα π τ νειρο

τσι νώθηκε ζωή μας κα θ εναι πολ δύσκολο ν ξαναχωρίσει.

 

Κοιτάζω τ μάτια. Μήτε νοιχτ μήτε κλειστ

μιλ στ στόμα πο λο γυρεύει ν μιλήσει

κρατ τ μάγουλα πο ξεπέρασαν τ δέρμα.

 

Δν χω λλη δύναμη

τ χέρια μου χάνουνται κα μ πλησιάζουν

κρωτηριασμένα.

 

III

 

Recorda o quarto de banho onde foste morto

Despertei com esta cabeça de mármore nas mãos

Pesa em meus braços e não sei onde apoiá-la

Eu caía no sonho enquanto dele saía assim nossas vidas

se uniram e custa separá-las de novo

 

Contemplo os olhos, nem abertos, nem fechados

falo à boca que está sempre prestes a falar

seguro os zigomas que rompem a pele

 

Não sustenho mais

As minhas mãos somem e voltam a mim

decepadas.

 


A meta-história em Seféris superpõe o presente ao mito. A citação Αργοναύτης (Argonautas) no poema IV cria o contexto, mas não o data. É o cenário que contém a história, não o tempo. Aqui, as mulheres que choram os filhos mortos são as de Esmirna. A continuidade da estirpe também. O verso final: Κανεὶς δὲν τοὺς θυμᾶται. Δικαιοσύνη. (Mais ninguém lhes recorda. É justo.) evoca, no lugar dos companheiros de Jasão, os anônimos compatriotas expatriados da Ásia Menor pelos turcos.

 

IV

 

Αργοναύτης

 

Κα ψυχ

ε μέλλει γνώσεσθαι ατν

ες ψυχν

ατ βλεπτέον:

τν ξένο κα τν χθρ τν εδαμε στν καθρέφτη.

 

τανε καλ παιδι ο σύντροφοι, δ φωνάζαν

οτε π τν κάματο οτε π τ δίψα οτε π τν παγωνιά,

εχανε τ φέρσιμο τν δέντρων κα τν κυμάτων

πο δέχουνται τν νεμο κα τ βροχ

δέχουνται τ νύχτα κα τν λιο

χωρς ν᾿ λλάζουν μέσα στν λλαγή.

τανε καλ παιδιά, μέρες λόκληρες

δρωναν στ κουπ μ χαμηλωμένα μάτια

νασαίνοντας μ ρυθμ

κα τ αμα τος κοκκίνιζε να δέρμα ποταγμένο.

Κάποτε τραγούδησαν, μ χαμηλωμένα μάτια

ταν περάσαμε τ ρημόνησο μ τς ραποσυκις

κατ τ δύση, πέρα π τν κάβο τν σκύλων

πο γαβγίζουν.

Ε μέλλει γνώσεσθαι ατήν, λεγαν

ες ψυχν βλεπτέον, λεγαν

κα τ κουπι χτυποσαν τ χρυσάφι το πελάγου

μέσα στ λιόγερμα.

Περάσαμε κάβους πολλος πολλ νησι τ θάλασσα

πο φέρνει τν λλη θάλασσα, γλάρους κα φώκιες.

Δυστυχισμένες γυνακες κάποτε μ λολυγμος

κλαίγανε τ χαμένα τους παιδι

κι λλες γριεμένες γύρευαν τ Μεγαλέξαντρο

κα δόξες βυθισμένες στ βάθη τς σίας.

ράξαμε σ᾿ κρογιαλις γεμάτες ρώματα νυχτεριν

μ κελαηδίσματα πουλιν, νερ πο φήνανε στ χέρια

τ μνήμη μις μεγάλης ετυχίας.

Μ δν τελειναν τ ταξίδια.

Ο ψυχές τους γιναν να με τ κουπι κα τος σκαρμος

μ τ σοβαρ πρόσωπο τς πλώρης

μ τ᾿ αλάκι το τιμονιο

μ τ νερ πο σπαζε τ μορφή τους.

Ο σύντροφοι τέλειωσαν μ τ σειρά,

μ χαμηλωμένα μάτια. Τ κουπιά τους

δείχνουν τ μέρος πο κοιμονται στ᾿ κρογιάλι.

 

Κανες δν τος θυμται. Δικαιοσύνη.

 

IV

 

Argonautas

 

E se a alma

quer conhecer a si mesma

outra alma deve

contemplar:

ao estrangeiro, ao inimigo, o vemos no espelho

 

Eram bravos os companheiros, não lamentavam

nem de cansaço, nem de sede, nem de frio

eram como as árvores e as ondas

que suportam o vento e a chuva

suportam a noite e o sol

sem mudar em meio da mudança

Eram bravos, por dias inteiros

suavam nos remos, os olhos baixos

respirando em cadência

o sangue enrubescendo a pele clara

Certa vez cantaram, cabisbaixos

quando ao poente dobramos a pedregosa ilha

dos figos da Índia, além do cabo dos Cães Uivantes

Quem deseja conhecer-se, diziam

contemple na alma, diziam

e os remos percutiam o mar de ouro do poente

Passamos tantos cabos e tantas ilhas

o mar que outro mar invade, gaivotas, focas

Por mulheres desesperadas

chorando a urros filhos perdidos

por mulheres dementes, que rodeavam Alexandre Magno

e glórias perdidas nos abismos da Ásia

Atracamos em praias saturadas de aromas noturnos

e gorjeios de pássaros, e água que deixava nas mãos

a memória de grande felicidade

Não tinham fim, as viagens.

Suas almas confundidas aos remos e toletes

à grave carranca de proa

aos sulcos do timão, à tona do oceano que estilhaça

os espelhados semblantes.

Os companheiros se foram, aos poucos

de olhos baixos. Seus remos mostram

o lugar onde repousam, na praia

 

Mais ninguém lhes recorda. É justo.

 

A ressonância é clássica. A imagem dos remos batendo sobre o túmulo dos navegantes, odisseica (Livro XI).

O que se retira do poema v é o tempo presente e a esfera privada do poeta contaminados pela atmosfera atemporal. O rio no décimo verso é o Tâmisa.

 

V

 

Δν τος γνωρίσαμε

ταν λπίδα στ βάθος πο λεγε

πς τος εχαμε γνωρίσει π μικρ παιδιά.

Τος εδαμε σως δυ φορς κι πειτα πραν τ καράβια,

φορτία κάρβουνο, φορτία γεννήματα, κι ο φίλοι μας

χαμένοι πίσω π τν κεαν παντοτινά.

αγ μς βρίσκει πλάι στν κουρασμένη λάμπα

ν γράφουμε δέξια κα μ προσπάθεια στ χαρτ

πλεούμενα γοργόνες κοχύλια

τ πόβραδο κατεβαίνουμε στ ποτάμι

γιατ μς δείχνει τ δρόμο πρς τ θάλασσα,

κα περνομε τς νύχτες σ πόγεια πο μυρίζουν κατράμι.

 

Ο φίλοι μας φυγαν σως ν μν τος εδαμε ποτές, σως

ν τος συναπαντήσαμε ταν κόμη πνος

μς φερνε πολ κοντ στ κύμα πο νασαίνει

σως ν τος γυρεύουμε γιατ γυρεύουμε τν λλη ζωή,

πέρα π τ᾿ γάλματα.

 

V

 

Nós não os conhecemos

era a esperança no fundo, a dizer-nos

que os conhecíamos da infância

Talvez em um par de ocasiões os vimos. Então foram ao mar

carregados de carvão, carregados de cereais, os nossos amigos

perdidos além do oceano para sempre

A aurora nos encontra ao pé da lâmpada exausta

desenhando a duras penas, toscamente

barcos, conchas, medusas

À tarde descemos ao rio

porque nos mostra a estrada do mar

e passamos as noites em caves cheirando a alcatrão

 

Os nossos amigos partiram talvez não os víssemos jamais

talvez os encontremos ainda quando o sono

nos leve junto a onda que respira

talvez os procuramos porque procuramos

a outra vida, além dos simulacros

 

As iniciais m.r. no poema VI correspondem a Maurice Ravel; o jardim com suas fontes na chuva é o de Villa d’Este. O poema alude à composição Jeux d’eau.

 

VI

 

m.p.

Τ περιβόλι μ τ συντριβάνια του στ βροχ

θ τ βλέπεις μόνο π τ χαμηλ παράθυρο

πίσω π τ θολ τζάμι. κάμαρά σου

θ φωτίζεται μόνο π τ φλόγα το τζακιο

κα κάποτε, στς μακρινς στραπς θ φαίνουνται

ο ρυτίδες το μετώπου σου, παλιέ μου φίλε.

 

Τ περιβόλι μ τ συντριβάνια πο ταν στ χέρι σου

ρυθμς τς λλης ζως, ξω π τ σπασμένα

μάρμαρα κα τς κολόνες τς τραγικς

κι νας χορς μέσα στς πικροδάφνες

κοντ στ καινούργια λατομεα,

να γυαλ θαμπ θ τ χει κόψει π τς ρες σου.

Δ θ᾿ νασάνεις, τ χμα κι χυμς τν δέντρων

θ ρμον π τ μνήμη σου γι ν χτυπήσουν

πάνω στ τζάμι ατ πο τ χτυπ βροχ

π τν ξω κόσμο.

 

VI

 

m.r.

O jardim com suas fontes na chuva

tu o verás somente da janela baixa

do outro lado dos vidros turvos. O quarto

iluminado apenas pela chama da lareira

E nessa hora, no clarão do relâmpago, verás

as rugas no teu rosto, velho amigo

 

O jardim com suas fontes que em tua mão

eram ritmo de outra vida, além dos mármores

mutilados, das trágicas colunas

dança entre oleandros

perto da nova pedreira, um vidro embaçado

o terá borrado dos teus dias

Já não hás de respirar, terra e seiva

se lançarão da tua memória a bater

neste vidro, como bate

do mundo lá fora, a chuva

 

O poema VII é um dos mais notáveis da série pela síntese dos meios expressivos e a concisão estilística (Karantonis). Nele se identifica a dissolução de qualquer categoria de fé positiva e o colapso do sonho da nação (Malanos). Os povoados derruídos remetem também à sua Anatólia perdida.

 

VII

 

Νοτιας

Τ πέλαγο σμίγει κατ τ δύση μία βουνοσειρά.

Ζερβά μας νοτις φυσάει κα μς τρελαίνει,

ατς γέρας πο γυμνώνει τ κόκαλα π᾿ τ σάρκα.

Τ σπίτι μας μέσα στ πεκα κα στς χαρουπιές.

Μεγάλα παράθυρα. Μεγάλα τραπέζια

γι ν γράφουμε τ γράμματα πο σο γράφουμε

τόσους μνες κα τ ρίχνουμε

μέσα στν ποχωρισμ γι ν γεμίσει.

 

στρο τς αγς, ταν χαμήλωνες τ μάτια

ο ρες μας ταν πι γλυκις π τ λάδι

πάνω στν πληγή, πι πρόσχαρες π τ κρύο νερ

στν ορανίσκο, πι γαλήνιες π τ φτερ το κύκνου.

Κρατοσες τ ζωή μας στν παλάμη σου.

στερα π τ πικρ ψωμ τς ξενιτις

τ νύχτα ν μείνουμε μπροστ στν σπρο τοχο

φωνή σου μς πλησιάζει σν λπιση φωτις

κα πάλι ατς γέρας κονίζει

πάνω στ νερα μας να ξυράφι.

 

Σο γράφουμε καθένας τ δια πράματα

κα σωπαίνει καθένας μπρς στν λλον

κοιτάζοντας, καθένας, τν διο κόσμο χωριστ

τ φς κα τ σκοτάδι στ βουνοσειρ

κι σένα.

Ποις θ σηκώσει τ θλίψη τούτη π᾿ τν καρδιά μας;

Χτς βράδυ μία νεροποντ κα σήμερα

βαραίνει πάλι σκεπασμένος ορανός. Ο στοχασμοί μας

σν τς πευκοβελόνες τς χτεσινς νεροποντς

στν πόρτα το σπιτιο μας μαζεμένοι κι χρηστοι

θέλουν ν χτίσουν ναν πύργο πο γκρεμίζει.

 

Μέσα σ τοτα τ χωρι τ᾿ ποδεκατισμένα

πάνω σ᾿ ατ τν κάβο, ξέσκεπο στ νοτι

μ τ βουνοσειρ μπροστά μας πο σ κρύβει,

ποις θ μς λογαριάσει τν πόφαση τς λησμονις;

Ποις θ δεχτε τν προσφορά μας, στ τέλος ατ το φθινοπώρου.

 

VII

 

Vento sul

Ao poente, o mar e a cordilheira fundidos

Da esquerda, o siroco sopra e nos tortura

este vento sul que descarna os ossos

Nossa casa entre alfarrobeiras e pinheiros

Altas janelas, amplas mesas para escrever

as cartas que por tantos meses

te escrevemos e jogamos

sobre a distância para abarcá-la

 

Estrela da manhã, tu baixavas os olhos

e eram as nossas horas mais doces

que o bálsamo na ferida, mais alegre que água

fresca no lábio, mais serena que a asa do cisne

Tomavas na tua palma a nossa vida

Se, além do amargo pão do exílio

passamos a noite diante do muro branco

vem tua voz como esperança de fogo

E este vento afia ainda

uma navalha em nossos nervos

 

Cada um de nós te escreve as mesmas coisas

cada um de nós diante do outro cala

contemplando em si o mesmo mundo à parte

a luz e a sombra na montanha

e a ti

Quem aplacará em nosso peito tanta dor?

Ontem à noite, tormenta. Hoje de novo pesa

o céu fosco. Há momentos em que

os pensamentos são como as agulhas dos pinheiros

contra a porta de casa no temporal de ontem

tentando em vão erguer uma torre que desaba

 

Aqui entre estes povoados derruídos, sobre este

promontório fustigado pelo siroco

com a cordilheira que, diante de nós, te encobre

quem pagará o custo de esquecer?

Quem aceitará nossa oferenda neste final de outono?

 

O poema VIII expressa a resignação da fuga pelo mar dos refugiados gregos da Trácia e da Anatólia. Alusão que tampouco retira do poema a atmosfera do mito. Ao contrário, confere à sorte dos marinheiros anônimos e refugiados civis certa aura épica.

 

VIII

 

Μ τί γυρεύουν ο ψυχές μας ταξιδεύοντας

πάνω σ καταστρώματα κατελυμένων καραβιν

στριμωγμένες μ γυνακες κίτρινες κα μωρ πο κλανε

χωρς ν μπορον ν ξεχαστον οτε μ τ χελιδονόψαρα

οτε μ τ᾿ στρα πο δηλώνουν στν κρη τ κατάρτια.

Τριμμένες π τος δίσκους τν φωνογράφων

δεμένες θελα μ᾿ νύπαρχτα προσκυνήματα

μουρμουρίζοντας σπασμένες σκέψεις π ξένες γλσσες.

 

Μ τί γυρεύουν ο ψυχές μας ταξιδεύοντας

πάνω στ σαπισμένα θαλάσσια ξύλα

π λιμάνι σ λιμάνι;

 

Μετακινώντας τσακισμένες πέτρες, νασαίνοντας

τ δροσι το πεύκου πι δύσκολα κάθε μέρα,

κολυμπώντας στ νερ τούτης τς θάλασσας

κι κείνης τς θάλασσας, χωρς φ

χωρς νθρώπους

μέσα σε μία πατρίδα πο δν εναι πι δική μας

οτε δική σας.

 

Τ ξέραμε πς ταν ραα τ νησι

κάπου δ τριγύρω πο ψηλαφομε

λίγο πι χαμηλ λίγο πι ψηλ

να λάχιστο διάστημα.

 

VIII

 

O que perseguem as nossas almas viajando

em cobertas de navios avariados

apinhados entre lívidas mulheres e crianças chorando

sem poder esquecer nem com os peixes-voadores

nem com os astros que surgem sobre os mastros lá em cima?

Consumidas sem querer por melodias de gramofones

entremeadas a ritos vazios, balbuciando

restos de pensamentos em idiomas estrangeiros

 

Que perseguem as nossas almas

navegando em toras apodrecidas

de porto a porto?

Removendo pedras rotas, respirando

com mais pesar dia a dia, o frescor do pinheiro

nadando em águas deste mar aqui

ou daquele mar lá

perdendo o tato, sem companhia

em uma pátria que não é mais nossa

nem vossa

 

Nós sabíamos, eram belas as ilhas

aqui em torno, onde andamos explorando

um pouco acima, um pouco abaixo

uma distância mínima

 

Da mesma forma que conserva a presença de Homero, Seféris ecoa Eliot. A leitura crítica de Pontani e de Malanos nota ecos de Journey of the Magi em Mithistórema.

 

IX

 

Εναι παλι τ λιμάνι, δν μπορ πι ν περιμένω

οτε τ φίλο πο φυγε στ νησ μ τ πεκα

οτε τ φίλο πο φυγε στ νησ μ τ πλατάνια

οτε τ φίλο πο φυγε γι τ᾿ νοιχτά.

Χαϊδεύω τ σκουριασμένα κανόνια, χαϊδεύω τ κουπι

ν ζωντανέψει τ κορμί μου κα ν᾿ ποφασίσει.

Τ καραβόπανα δίνουν μόνο τ μυρωδι

το λατιο τς λλης τρικυμίας.

 

ν τ θέλησα ν μείνω μόνος, γύρεψα

τ μοναξιά, δ γύρεψα μία τέτοια παντοχή,

τ κομμάτιασμα τς ψυχς μου στν ρίζοντα,

ατς τς γραμμές, ατ τ χρώματα, ατ τ σιγή.

 

Τ᾿ στρα τς νύχτας μ γυρίζουν στν προσδοκία

το δυσσέα γι τος νεκρος μς στ᾿ σφοδίλια.

Μς στ᾿ σφοδίλια σν ράξαμε δέρα θέλαμε ν βρομε

τ λαγκαδι πο εδε τν δωνι λαβωμένο.

 

IX

 

É velho o porto. Já não posso esperar

o amigo que partiu para a ilha dos pinheiros

o amigo que partiu para a ilha dos plátanos

nem o amigo que partiu ao alto-mar

Toco nos canhões enferrujados, nos remos

para avivar o corpo e tomar a decisão

As velas das frotas só exalam o salobre

do último temporal

 

Se eu quisesse estar só, buscaria

a solidão, não esta espera

esmagando a alma no horizonte

estas linhas, estas cores, este silêncio

 

As estrelas da noite remetem à agonia

de Odisseu pelos mortos entre os asfódelos. E quando

atracamos aqui embaixo entre os asfódelos

buscamos a planície do vale que viu Adônis com sua ferida

 

Como no mito dos argonautas, as negras Simplégades simbolizam o obstáculo intransponível.

 

X

 

τόπος μας εναι κλειστός, λο βουν

πο χουν σκεπ τ χαμηλ οραν μέρα κα νύχτα.

Δν χουμε ποτάμια δν χουμε πηγάδια δν χουμε πηγές,

μονάχα λίγες στέρνες, δειες κι ατές, πο χον κα πο τς προσκυνομε.

χος στεκάμενος κούφιος, διος με τ μοναξιά μας

διος με τν γάπη μας, διος με τ σώματά μας.

Μς φαίνεται παράξενο πο κάποτε μπορέσαμε ν χτίσουμε

τ σπίτια τ καλύβια κα τς στάνες μας.

Κι ο γάμοι μας, τ δροσερ στεφάνια κα τ δάχτυλα

γίνουνται ανίγματα νεξήγητα γι τν ψυχή μας.

Πς γεννήθηκαν πς δυναμώσανε τ παιδιά μας;

 

τόπος μας εναι κλειστός. Τν κλείνουν

ο δυ μαρες Συμπληγάδες. Στ λιμάνια

τν Κυριακ σν κατεβομε ν᾿ νασάνουμε

βλέπουμε ν φωτίζουνται στ λιόγερμα

σπασμένα ξύλα π ταξίδια πο δν τέλειωσαν

σώματα πο δν ξέρουν πι πς ν᾿ γαπήσουν.

 

X

 

A nossa terra é fechada, em montes

Por teto céus baixos noite e dia

Não temos rios, poços, ou nascentes

apenas cisternas vazias e soantes, por nós veneradas

Som oco e estagnado, igual à solidão

ao nosso amor, igual aos nossos corpos

Assim, nos parece estranho ter podido um dia

construir nossas casas e currais

E as núpcias, as frescas guirlandas, os dedos

são hoje enigmas indecifráveis para nós

Como nasceram nossos filhos? Como prosperaram?

 

A nossa terra é fechada. Fechada pelas duas

negras Simplégades. No porto, aos domingos

quando descemos para tomar um pouco de ar

vemos brilhar no crepúsculo

troncos rotos de viagens que ainda não findaram

corpos que não sabem mais como amar

 

O poema descreve a infância, a outra vida, através de vislumbres que surgem e somem da memória.

 

XI

 

Τ αμα σου πάγωνε κάποτε σν τ φεγγάρι,

μέσα στν νεξάντλητη νύχτα τ αμα σου

πλωνε τς σπρες του φτερογες πάνω

στος μαύρους βράχους τ σχήματα τν δέντρων κα τ σπίτια

μ λίγο φς π τ παιδικά μας χρόνια

 

XI

 

O teu sangue gelava como a lua, às vezes

pela noite insondável o teu sangue

abria asas brancas sobre os escuros rochedos

sobre o vulto das árvores e casas

com um brilho tênue dos nossos anos de infância

 

O verso καὶ τὸ παίξαμε στὰ ζάρια do poema XII remete à disputa de zara, um jogo de dados medieval com dados com que Dante abre o Canto VI do Purgatório. Na tradução de Kazantzakis: Σαν τοϋ ζαριοϋ τελέψει τό παιχνίδι (Quando o jogo da zara é jogado).

 

XII

 

Μποτίλια στ πέλαγο

Τρες βράχοι λίγα καμένα πεκα κι να ρημοκλήσι

κα παραπάνω

τ διο τοπίο ντιγραμμένο ξαναρχίζει

τρες βράχοι σ σχμα πύλης, σκουριασμένοι

λίγα καμένα πεκα, μαρα κα κίτρινα

κι να τετράγωνο σπιτάκι θαμμένο στν σβέστη

κα παραπάνω κόμη πολλς φορς

τ διο τοπίο ξαναρχίζει κλιμακωτ

ς τν ρίζοντα ς τν οραν πο βασιλεύει.

 

δ ράξαμε τ καράβι ν ματίσουμε τ σπασμένα κουπιά,

ν πιομε νερ κα ν κοιμηθομε.

θάλασσα πο μς πίκρανε εναι βαθι κι νεξερεύνητη

κα ξεδιπλώνει μίαν πέραντη γαλήνη.

δ μέσα στ βότσαλα βρήκαμε να νόμισμα

κα τ παίξαμε στ ζάρια.

Τ κέρδισε μικρότερος κα χάθηκε.

 

Ξαναμπαρκάραμε μ τ σπασμένα μας κουπιά.

 

XII

 

Garrafa ao mar

Três rochedos alguns pinheiros calcinados uma ermida

Mais acima

a paisagem retorna, repetida

três rochedos em forma de portal, ferruginosos

alguns pinheiros secos, negros e amarelos sepultado na cal um casebre

quadrado. Mais acima recomeça ainda

a mesma paisagem outras vezes

escalando ao horizonte, ao céu crepuscular

 

Aqui aportamos para reparar os remos

quebrados, para beber água e descansar

O mar que nos foi tão amargo é profundo, imperscrutável

e desdobra uma infinita quietude

Aqui, entre os seixos, encontramos a moeda

apostada nos dados

Ganhou o pequeno. E desapareceu

 

Reembarcamos com os remos quebrados

 

A paisagem solar do mar Egeu e a ilha de Hidra contrastam com o peso das indagações: o que buscavas, porque não vens, o que buscavas?, angústia que pesa sobre a beleza de Estória Mítica. A chuva e a névoa na estrofe final são de Londres.

 

XIII

 

δρα

Δελφίνια φλάμπουρα κα κανονιές.

Τ πέλαγο τόσο πικρ γι τν ψυχή σου κάποτε,

σήκωνε τ πολύχρωμα κι στραφτερ καράβια

λύγιζε, τ κλυδώνιζε κι λο μαβ μ᾿ σπρα φτερά,

τόσο πικρ γι τν ψυχή σου κάποτε

τώρα γεμάτο χρώματα στν λιο.

 

σπρα πανι κα φς κα τ κουπι τ γρ

χτυποσαν μ ρυθμ τυμπάνου να μερωμένο κύμα.

 

Θ ταν ραα τ μάτια σου ν κοίταζαν

θ ταν λαμπρ τ χέρια σου ν᾿ πλώνουνταν

θ ταν σν λλοτε ζωηρ τ χείλια σου

μπρς σ᾿ να τέτοιο θάμα

τ γύρευες

τί γύρευες μπροστ στ στάχτη

μέσα στ βροχ στν καταχνι στν νεμο,

τν ρα κόμη πο χαλάρωναν τ φτα

κι πολιτεία βύθιζε κι π τς πλάκες

σο δειχνε τν καρδιά του Ναζωραος,

τί γύρευες; γιατί δν ρχεσαι; τί γύρευες;

 

XIII

 

Hidra

Delfins, estandartes, canhonaços

O mar, à tua alma tão amargo um dia

erguia cintilantes barcos vermelhos

em ondeante rolamento com asas brancas

o mar à tua alma tão amargo um dia

agora espelhado em cores ao sol

 

Brancas velas, luz, remos gotejantes

percutiam ao ritmo de tambor as ondas calmas

 

Se as contemplassem, seriam belos, os teus olhos

e se os abrisses, seriam brilhantes, os teus braços

Vivos, como antes, seriam os teus lábios

para um prodígio assim

tu o buscavas

o que buscavas diante

das cinzas, entre a chuva e o vento

e a névoa quando os lumes se apagavam

a cidade afundava e ali, junto as lages

o Nazareno te mostrava o coração

o que buscavas, porque não vens, o que buscavas?

 

As imagens dos pássaros que apontam para a luz, recorrentes na poesia de Seféris, surgem no poema XIV pela primeira vez.

 

XIV

 

Τρία κόκκινα περιστέρια μέσα στ φς

χαράζοντας τ μοίρα μας μέσα στ φς

μ χρώματα κα χειρονομίες νθρώπων

πο γαπήσαμε.

 

XIV

 

Três pombas escarlates no centro da luz

apontam nosso destino na luz

com as cores e os gestos das pessoas

que amamos

 


Quid platanõn opacissimus? É uma expressão de Plínio o Jovem (Epist. I, 3) que descreve a riqueza dos bosques naturais de uma quinta: E o que dizer da floresta densa e escura dos plátanos? A citação evoca também um idílio do qual hoje, em uma paisagem de pedras e ruínas, resta apenas a ausência da mulher idealizada. O sentimento de perda aqui, não é individual. Seféris universaliza a indefinição emocional helênica e a insere em uma atmosfera atemporal.

 

XV

 

Quid πλατανν opacissimus?

πνος σ τύλιξε, σν να δέντρο, μ πράσινα φύλλα,

νάσαινες, σν να δέντρο, μέσα στ συχο φς,

μέσα στ διάφανη πηγ κοίταξα τ μορφή σου

κλεισμένα βλέφαρα κα τ ματόκλαδα χάραζαν τ νερό.

Τ δάχτυλά μου στ μαλακ χορτάρι, βρκαν τ δάχτυλά σου

κράτησα τ σφυγμό σου μι στιγμ

κι νιωσα λλο τν πόνο τς καρδις σου.

 

Κάτω π τ πλατάνι, κοντ στ νερό, μέσα στς δάφνες

πνος σ μετακινοσε κα σ κομμάτιαζε

γύρω μου, κοντά μου, χωρς ν μπορ ν σ᾿ γγίξω λόκληρη,

νωμένη μ τ σιωπή σου

βλέποντας τν σκιο σου ν μεγαλώνει κα ν μικραίνει,

ν χάνεται στος λλους σκιους, μέσα στν λλο

κόσμο πο σ᾿ φηνε κα σ κρατοσε.

 

Τ ζω πο μς δωσαν ν ζήσουμε, τ ζήσαμε.

Λυπήσου κείνους πο περιμένουν μ τόση πομον

χαμένοι μέσα στς μαρες δάφνες κάτω π τ βαρι πλατάνια

κι σους μονάχοι τους μιλον σ στέρνες κα σ πηγάδια

κα πνίγουνται μέσα στος κύκλους τς φωνς.

Λυπήσου τ σύντροφο πο μοιράστηκε τ στέρησή μας κα τν δρώτα

κα βύθισε μέσα στν λιο σν κοράκι πέρα π᾿ τ μάρμαρα,

χωρς λπίδα ν χαρε τν μοιβή μας.

 

Δσε μας, ξω π τν πνο, τ γαλήνη.

 

XV

 

Quid platanõn opacissimus?

O sono te envolve com folhas verdes, como a uma árvore,

respiras como a folhagem na calma luz

Vi na transparência da fonte o teu vulto

as pálpebras fechadas, os cílios frisando a água

Na relva macia os meus dedos encontraram os teus dedos

apertei teu pulso e, por um momento, senti a dor

da tua alma em algum lugar remoto

 

Sob o plátano, à beira d’água, entre os loureiros

o sono te desfaz em pedaços

em torno a mim, junto a mim, e eu não podia tocar-te inteira

tão possuída estavas por teu silêncio

vendo crescer e apequenar tua sombra

perder-se entre as outras sombras, no outro

mundo que te soltava e te prendia

 

Vivemos o que nos foi dado viver

Piedade aos que, pacientes, esperam

perdidos entre os loureiros castanhos, sob graves plátanos

e aos que falam sozinhos aos poços e cisternas

e se afogam nos círculos da própria voz

E piedade ao companheiro que dividiu suor e privação

que caiu no sol como um corvo além dos mármores

e não esperou a alegria da recompensa

 

Dá-nos, fora do sono, a paz

 

O exergo ὄνομα δ᾿ Ὀρέστης (de nome Oreste) do poema XVI pertence a Electra, de Sófocles. Seféris escolhe a cena do desafortunado filho de Agamenon girando em torno da arena para expressar a amargura do sacrifício diante da indiferença da plateia (dos homens e dos deuses) e a esperança de evadir o círculo do sofrimento guardado pelas Eumênidas. Estória Mítica está pautada pela passividade e pela impossibilidade de superar as forças do destino. Seféris dá voz aos condenados. A atmosfera sufocante do fim de ciclo começa aqui, em um infinito fechado.

 

XVI

 

νομα δ᾿ ρέστης

Στ σφενδόνη, πάλι στ σφενδόνη, στ σφενδόνη,

πόσοι γύροι, πόσοι αμάτινοι κύκλοι, πόσες μαρες

σειρές. Ο νθρωποι πο μ κοιτάζουν,

πο μ κοιτάζαν ταν πάνω στ ρμα

σήκωσα τ χέρι λαμπρός, κι λάλαξαν.

 

Ο φρο τν λόγων μ χτυπον, τ᾿ λογα πότε θ᾿ ποστάσουν;

Τρίζει ξονας, πυρώνει ξονας, πότε ξονας θ᾿ νάψει;

Πότε θ σπάσουν τ λουριά, πότε τ πέταλα

θ πατήσουν μ᾿ λο τ πλάτος πάνω στ χμα

πάνω στ μαλακ χορτάρι, μέσα στς παπαρονες που

τν νοιξη μάζεψες μία μαργαρίτα.

ταν ραα τ μάτια σου μ δν ξερες πο ν κοιτάξεις

δν ξερα πο ν κοιτάξω μήτε κι γώ, χωρς πατρίδα

γ πο μάχομαι δέρα, πόσοι γύροι;

κα νιώθω τ γόνατα ν λυγίζουν πάνω στν ξονα

πάνω στς ρόδες πάνω στν γριο στίβο,

τ γόνατα λυγίζουν εκολα σν τ θέλουν ο θεοί,

κανες δν μπορε ν ξεφύγει, τί ν τν κάνεις τ δύναμη, δν μπορες

ν ξεφύγεις τ θάλασσα πο σ λίκνισε κα πο γυρεύεις

τούτη τν ρα τς μάχης, μέσα στν λογίσια νάσα,

μ τ καλάμια πο τραγουδοσαν τ φθινόπωρο σ τρόπο λυδικό,

τ θάλασσα πο δν μπορες ν βρες σο κι ν τρέχεις

σο κι ν γυρίζεις μπροστ στς μαρες Εμενίδες πο βαριονται,

χωρς συχώρεση.

 

XVI

 

e de nome Oreste

Com a pedra, com a pedra na funda, uma e outra vez

E quantas voltas, quantos círculos sangrentos, quantas fileiras

negras de gente que me olha

que me olhava, quando na biga, aclamado

ergui o braço resplandecente

 

A baba dos cavalos chicoteia, quando se cansarão, os cavalos?

Guincha o eixo da roda, ardem os raios da roda, quando arderá toda a roda?

Quando se romperão as rédeas, e os cascos

quando, todos pousados, calcarão a terra

e a relva macia entre as papoulas, lá onde

colheste na primavera uma única margarida?

Eram belos os teus olhos, mas não sabias onde

pousá-los, e eu tampouco sabia onde olhar, eu que, sem pátria

gladio aqui - por quantas voltas? -

e sinto os joelhos cederem sobre o eixo

sobre as rodas e a voragem da pista

Se é desejo dos deuses os joelhos cedem, obedientes

Ninguém está a salvo. De que me serve a força? Não podes

refugiar-te no mar que te ninou menino e que procuras

nesta hora de luta, ao arfar dos cavalos

com as flautas que no outono soavam à moda lídia

o mar que não alcanças por mais que corras

por mais que gires e gires diante das negras Eumênidas

entediadas sem remissão

 


Astianax, filho de Heitor e Andrômaca, é o inocente. Sua sorte é ter nascido sob uma árvore e sua riqueza será meditar à sombra delas. Seféris aponta ao retorno à natureza. As oliveiras enrugadas e as pedras ásperas expressam que voltar à inocência não condiciona abdicar da presença dos antepassados.

A gravidade destes versos servirá de parâmetro e de modelo para sua poesia a partir de então. O timbre coloquial não perderá mais o eco elegíaco e será moderno sem deixar de ser clássico.

 

XVII

 

στυάναξ

Τώρα πο θ φύγεις πάρε μαζί σου κα τ παιδ

πο εδε τ φς κάτω π κενο τ πλατάνι,

μι μέρα πο ντηχοσαν σάλπιγγες κα λαμπαν πλα

κα τ᾿ λογα δρωμένα σκύβανε ν᾿ γγίξουν

τν πράσινη πιφάνεια το νερο

στ γούρνα μ τ γρά τους τ ρουθούνια.

 

Ο λις μ τς ρυτίδες τν γονιν μας

τ βράχια μ τ γνώση τν γονιν μας

κα τ αμα το δερφο μας ζωνταν στ χμα

τανε μία γερ χαρ μία πλούσια τάξη

γι τς ψυχς πο γνώριζαν τν προσευχή τους.

 

Τώρα πο θ φύγεις, τώρα πο μέρα τς πληρωμς

χαράζει, τώρα πο κανες δν ξέρει

ποιν θ σκοτώσει κα πς θ τελειώσει,

πάρε μαζί σου τ παιδ πο εδε τ φς

κάτω π᾿ τ φύλλα κείνου το πλατάνου

κα μάθε του ν μελετ τ δέντρα.

 

XVII

 

Astianax

Agora que partes leva contigo o menino

que nasceu sob o plátano

um dia em que reluziam as armas e os clarins soavam

e os cavalos suados se inclinavam

sobre o verde espelho das bacias

lambendo os focinhos molhados

 

As oliveiras com as rugas dos maiores

Os penhascos com o juízo dos maiores

e o sangue do nosso irmão ainda vivo na terra

eram sã alegria, augusta norma

para almas com preces atendidas

 

Agora que partes, que raia o dia

do juízo, agora que mais ninguém

sabe quem matará quem

leva contigo o menino nascido lá

sob as folhas do plátano e ensina-lhe

a meditar as árvores

 

A casa destruída é outra imagem central na poesia de Seféris. Aqui, os versos O que amei perdi com as casas / que até o verão eram novas / e ruíram no vento do outono remetem a Esmirna e à quinta do avô em Clazómenas.

 

XVIII

 

Λυπομαι γιατ φησα ν περάσει να πλατ ποτάμι

μέσα π τ δάχτυλά μου

χωρς ν πι οτε μία στάλα.

Τώρα βυθίζομαι στν πέτρα.

να μικρ πεκο στ κόκκινο χμα,

δν χω λλη συντροφιά.

, τι γάπησα χάθηκε μαζ μ τ σπίτια

πο ταν καινούργια τ περασμένο καλοκαίρι

κα γκρέμισαν μ τν γέρα το φθινοπώρου.

 

XVIII

 

Deixei passar a correnteza

entre meus dedos

sem beber uma única gota e me arrependo

Afundo agora na pedra

Sobre a terra vermelha

só me acompanha um pinheiro anão

O que amei perdi com as casas

que até o verão eram novas

e ruíram no vento do outono

 

Atmosfera sufocante é de fim de ciclo. E a solidariedade é dirigida aos vencidos que sobreviveram.

 

XIX

 

Κι ν γέρας φυσ δ μς δροσίζει

κι σκιος μένει στενς κάτω π᾿ τ κυπαρίσσια

κι λο τριγύρω νήφοροι στ βουν

μς βαραίνουν

ο φίλοι πο δν ξέρουν πι πς ν πεθάνουν.

 

XIX

 

Ainda que o vento sopre não nos traz frescor

e a sombra dura pouco nos ciprestes

e todo o entorno é de encostas subindo às montanhas

Pesam os amigos

que não mais sabem como morrer

 

As edições traduzidas trazem o subtítulo Andrômeda, ausente no original, uma chave oferecida pelo poeta para a interpretação do poema XX. O mito serve como pano de fundo, mais pelo lugar onde o sacrifício evitado por Perseu teria ocorrido que pelo seu enredo.

 

XX

 

Στ στθος μου πληγ νοίγει πάλι

ταν χαμηλώνουν τ᾿ στρα κα συγγενεύουν μ τ κορμί μου

ταν πέφτει σιγ κάτω π τ πέλματα τν νθρώπων

 

Ατς ο πέτρες πο βουλιάζουν μέσα στ χρόνια ς πο θ μ παρασύρουν;

Τ θάλασσα τ θάλασσα, ποις θ μπορέσει ν τν ξαντλήσει;

Βλέπω τ χέρια κάθε αγ ν γνέφουν στ γύπα κα στ γεράκι

δεμένη πάνω στ βράχο πο γινε μ τν πόνο δικός μου,

βλέπω τ δέντρα πο νασαίνουν τ μαύρη γαλήνη τν πεθαμένων

κι πειτα τ χαμόγελα, πο δν προχωρον, τν γαλμάτων.

 

XX

 

A ferida reabre no peito

quando os astros declinam e parecem meu corpo

quando sobre os passos dos homens tomba o silêncio

 

E estes rochedos que o tempo afunda até quando me reterão?

E o mar, o mar quem o secará?

A cada aurora, presas ao rochedo, que por tanta dor já se tornou meu

vejo mãos acenando ao falcão e ao abutre

vejo árvores que respiram a negra placidez dos mortos

e depois, o sorriso imóvel das estátuas

 

A morte e a ressurreição no poema XXI são as do universo helênico.

 

XXI

 

μες πο ξεκινήσαμε γι τ προσκύνημα τοτο

κοιτάξαμε τ σπασμένα γάλματα

ξεχαστήκαμε κα επαμε πς δ χάνεται ζω τόσο εκολα

πς χει θάνατος δρόμους νεξερεύνητους

κα μία δική του δικαιοσύνη

πς ταν μες ρθο στ πόδια μας πεθαίνουμε

μέσα στν πέτρα δερφωμένοι

νωμένοι μ τ σκληρότητα κα τν δυναμία,

ο παλαιο νεκρο ξεφύγαν π᾿ τν κύκλο κα ναστήθηκαν

κα χαμογελνε μέσα σ μία παράξενη συχία.

 

XXI

 

Nós, que peregrinamos a este templo

contemplamos as estátuas mutiladas

e, absortos, esquecidos em nós mesmos

nos dizemos que a vida não se perde assim tão facilmente

e que a morte possui caminhos desconhecidos

e uma justiça toda sua

e que, quando sobre os nossos pés morremos

irmanados à pedra, unidos à rigidez e à impotência

os antigos mortos saem do círculo e, ressuscitados

sorriem numa estranha quietude

 

A pergunta sobre a possibilidade de uma cultura milenária como a grega terminar naturalmente é deixada no ar. Por retórica que seja, esta é uma das questões centrais de Estória Mítica e também da obra de Seféris.

 

XXII

 

Γιατί περάσαν τόσα κα τόσα μπροστ στ μάτια μας

πο κα τ μάτια μας δν εδαν τίποτε, μ παραπέρα

κα πίσω μνήμη σν τ σπρο παν μία νύχτα σ μι μάντρα

πο εδαμε ράματα παράξενα, περισσότερο κι π σένα,

ν περνον κα ν χάνουνται μέσα στ κίνητο φύλλωμα μις πιπερις

 

γιατί γνωρίσαμε τόσο πολ τούτη τ μοίρα μας

στριφογυρίζοντας μέσα σ σπασμένες πέτρες, τρες ξι χιλιάδες χρόνια

ψάχνοντας σ οκοδομς γκρεμισμένες πο θ ταν σως τ δικό μας σπίτι

προσπαθώντας ν θυμηθομε χρονολογίες κα ρωικς πράξεις

θ μπορέσουμε;

 

γιατί δεθήκαμε κα σκορπιστήκαμε

κα παλέψαμε μ δυσκολίες νύπαρχτες πως λέγαν,

χαμένοι, ξαναβρίσκοντας να δρόμο γεμάτο τυφλ συντάγματα,

βουλιάζοντας μέσα σ βάλτους κα μέσα στ λίμνη το Μαραθνα,

θ μπορέσουμε ν πεθάνουμε κανονικά;

 

XXII

 

Tantas coisas passaram por nossos olhos

que nossos olhos nada viram; mas além e por trás

da memória como em um adro o pano branco

onde certa noite vimos estranhas aparências, mais estranhas que a tua

passarem e sumirem na imóvel folhagem de um pimenteiro

 

Tanto conhecemos nosso destino

errando por pedregais – três ou seis milhares de anos –

escavando ruínas que podiam ser talvez a nossa casa

tentando lembrar datas e façanhas heroicas

poderemos agora então?

 

Tanto estivemos juntos e dispersos

às voltas com desafios, dizia-se, inexistentes, extraviados

reencontrando um caminho apinhado por regimentos cegos

náufragos em pântanos e no lago de Maratona

poderemos agora morrer normalmente?

 

Karantonis ouve o Valéry de: Le vent se lève!… Il faut tenter de vivre! nos últimos versos do poema XXIII.

 

XXIII

 

Λίγο κόμα

θ δομε τς μυγδαλις ν᾿ νθίζουν

τ μάρμαρα ν λάμπουν στν λιο

τ θάλασσα ν κυματίζει

 

λίγο κόμα,

ν σηκωθομε λίγο ψηλότερα.

 

XXIII

 

Ainda um pouco mais

e veremos as amendoeiras em flor

o brilho dos mármores ao sol

e o mar levitar em ondas

 

Ainda um pouco mais

ergamo-nos um pouco mais alto

 

A melancolia do último fragmento traz esperança na sobrevivência ou, nas palavras do próprio Seféris, de uma outra vida além das estátuas.

 

XXIV

 

δ τελειώνουν τ ργα τς θάλασσας, τ ργα τς γάπης.

κενοι πο κάποτε θ ζήσουν δ πο τελειώνουμε

ν τύχει κα μαυρίσει στ μνήμη τους τ αμα κα ξεχειλίσει

ς μ μς ξεχάσουν, τς δύναμες ψυχς μέσα στ᾿ σφοδίλια,

ς γυρίσουν πρς τ ρεβος τ κεφάλια τν θυμάτων:

μες πο τίποτε δν εχαμε θ τος διδάξουμε τ γαλήνη.

 

XXIV

 

Aqui findam as obras do mar e do amor

Quantos viverão um dia de onde nós terminamos

se acaso enegreça o sangue e a memória transborde

não se esqueçam de nós, tênues almas entre asfódelos

e ao Érebo virem a cabeça das vítimas

A eles, nós que nada tínhamos, ensinaremos a paz

 


A série de vinte e quatro poemas de Estória Mítica é um deslumbrante preâmbulo de Ἀσίνην τε (O Rei de Assíne), poema grego essencial da primeira metade do século XX inspirado pela visita feita por Seféris a um sítio arqueológico micênico, no Peloponeso, durante o verão de 1938.

Assíne foi uma antiga cidade da Argólida destruída no século VIII a.c. e mencionada apenas de passagem no catálogo de navios homéricos. Pensar que de todo um reino reste apenas um nome no Canto II da Ilíada o leva a escrever o poema.

A imagem da máscara mortuária de ouro vem da “Máscara de Agamenon”, peça retirada das escavações feitas por Schliemann em Micenas. E o refrão Assíne te… Assíne te… com que Seféris rompe o seu solilóquio não serve apenas como uma referência à Ilíada, mas para ouvir entre os seus versos a voz de Homero.

Se em Estória Mítica, Seféris identifica o lugar histórico sem precisar a época dos acontecimentos, em O Rei de Assíne procura o passado épico na paisagem moderna. Na revista pelo rei lendário, o que a cena irradia é a ausência da civilização helênica nas ruínas e no estado de espírito do poeta.

Yorgos Seféris possui a rara habilidade de relacionar através da poesia os fatos do seu cotidiano e as suas questões existenciais com os mitos, as tragédias e os episódios históricos da cultura helênica. Em O Rei de Assíne, onde outros turistas passeiam entre as pedras admirando a vista do alcantilado sobre o Egeu, ele cria uma obra-prima sobre alguém de quem nada se sabe, um não-personagem em um lugar sem memória.

 

Ο βασιλιάς της Ασίνης

 

Ασίνην τε

Ιλιάδα

 

Κοιτάξαμε όλο το πρωί γύρω-γύρω το κάστρο

αρχίζοντας από το μέρος του ίσκιου εκεί που η θάλασσα

πράσινη και χωρίς αναλαμπή, το στήθος σκοτωμένου παγονιού

μας δέχτηκε όπως ο καιρός χωρίς κανένα χάσμα.

Οι φλέβες του βράχου κατέβαιναν από ψηλά

στριμμένα κλήματα γυμνά πολύκλωνα ζωντανεύοντας

στάγγιγμα του νερού, καθώς το μάτι ακολουθώντας τις

πάλευε να ξεφύγει το κουραστικό λίκνισμα

χάνοντας δύναμη ολοένα.

 

Από το μέρος του ήλιου ένας μακρύς γιαλός ολάνοιχτος

και το φως τρίβοντας διαμαντικά στα μεγάλα τείχη.

Κανένα πλάσμα ζωντανό ταγριοπερίστερα φευγάτα

κι ο βασιλιάς της Ασίνης που τον γυρεύουμε δυο χρόνια τώρα

άγνωστος λησμονημένος απ’ όλους κι από τον Όμηρο

μόνο μια λέξη στην Ιλιάδα κι εκείνη αβέβαιη

ριγμένη εδώ σαν την εντάφια χρυσή προσωπίδα.

Την άγγιξες, θυμάσαι τον ήχο της; κούφιο μέσα στο φως

σαν το στεγνό πιθάρι στο σκαμμένο χώμα·

κι ο ίδιος ήχος μες στη θάλασσα με τα κουπιά μας.

Ο βασιλιάς της Ασίνης ένα κενό κάτω απ’ την προσωπίδα

παντού μαζί μας παντού μαζί μας, κάτω από ένα όνομα:

Ασίνην τεΑσίνην τε …” και τα παιδιά του αγάλματα

κι οι πόθοι του φτερουγίσματα πουλιών κι ο αγέρας

στα διαστήματα των στοχασμών του και τα καράβια του

αραγμένα σάφαντο λιμάνι·

κάτω απ’ την προσωπίδα ένα κενό.

 

Πίσω από τα μεγάλα μάτια τα καμπύλα χείλια τους βοστρύχους

ανάγλυφα στο μαλαματένιο σκέπασμα της ύπάρξής μας

ένα σημείο σκοτεινό που ταξιδεύει σαν το ψάρι

μέσα στην αυγινή γαλήνη του πελάγου και το βλέπεις:

ένα κενό παντού μαζί μας.

 

Και το πουλί που πέταξε τον άλλο χειμώνα

με σπασμένη φτερούγα

σκήνωμα ζωής,

κι η νέα γυναίκα που έφυγε να παίξει

με τα σκυλόδοντα του καλοκαιριού

κι η ψυχή που γύρεψε τσιρίζοντας τον κάτω κόσμο

κι ο τόπος σαν το μεγάλο πλατανόφυλλο που παρασέρνει ο χείμαρρος του ήλιου

με ταρχαία μνημεία και τη σύγχρονη θλίψη.

 

Κι ο ποιητής αργοπορεί κοιτάζοντας τις πέτρες κι αναρωτιέται

υπάρχουν άραγε

ανάμεσα στις χαλασμένες τούτες γραμμές τις ακμές τις αιχμές τα κοίλα και τις καμπύλες

υπάρχουν άραγε

εδώ που συναντιέται το πέρασμα της βροχής του αγέρα και της φθοράς

υπάρχουν, η κίνηση του προσώπου το σχήμα της στοργής

εκείνων που λιγόστεψαν τόσο παράξενα μες στη ζωή μας

αυτών που απόμειναν σκιές κυμάτων και στοχασμοί με την απεραντοσύνη του πελάγου

ή μήπως όχι δεν απομένει τίποτε παρά μόνο το βάρος

η νοσταλγία του βάρους μιας ύπαρξης ζωντανής

εκεί που μένουμε τώρα ανυπόστατοι λυγίζοντας

σαν τα κλωνάρια της φριχτής ιτιάς σωριασμένα μέσα στη διάρκεια της απελπισίας

 

ενώ το ρέμα κίτρινο κατεβάζει αργά βούρλα ξεριζωμένα μες στο βούρκο

εικόνα μορφής που μαρμάρωσε με την απόφαση μιας πίκρας παντοτινής.

Ο ποιητής ένα κενό.

 

Ασπιδοφόρος ο ήλιος ανέβαινε πολεμώντας

κι από το βάθος της σπηλιάς μια νυχτερίδα τρομαγμένη

χτύπησε πάνω στο φως σαν τη σαΐτα πάνω στο σκουτάρι:

Ασίνην τε Ασίνην τε …” Ναταν αυτή ο βασιλιάς της Ασίνης

που τον γυρεύουμε τόσο προσεχτικά σε τούτη την ακρόπολη

γγίζοντας κάποτε με τα δάχτυλά μας την αφή του πάνω στις πέτρες.

 

Ασίνη, καλοκαίρι, 1938 – Αθήνα, Γεν. 1940

 

 

O rei de Assíne

 

Assine te…

Ilíada

 

Por toda manhã olhamos ao redor do rochedo

primeiro pela sombra, onde o mar verde

sem brilhos, peito de pavão morto

nos recebeu como um tempo sem fissuras

As estrias da rocha do alto descendiam:

contortas videiras secas, seus múltiplos sarmentos

revivendo ao toque da água enquanto o olho que as seguia

lutava para fugir da cansativa gangorra

cada vez mais lenta

 

Pelo lado do sol, um vasto litoral aberto

e a luz a polir diamantes na muralha

Nenhum ser vivo, os pombos selvagens, fugitivos

e o rei de Assíne, por nós procurado durante dois anos

ignoto, esquecido por todos e também por Homero

uma palavra apenas na Ilíada e, ainda assim, incerta

deixada como uma fúnebre máscara de ouro

A tocaste, lembras do som? Oco na luz

cântaro seco no chão escavado

o mesmo som no mar quando batem nossos remos

E o rei de Assíne, um vazio sob a máscara

sempre conosco, em toda parte sempre, sob um nome:

“Assíne te… Assíne te…” e seus filhos

estátuas e suas ânsias um esvoaçar de asas e rajadas

de vento entre pensamentos e seus barcos

ancorados em um porto desvanecido

Debaixo da máscara, um vazio

 

Além dos olhos enormes, da curva dos lábios, dos cachos

relevos na cobertura áurea da nossa existência

um ponto tenebroso viaja como um peixe

E o pássaro que partiu

com a asa quebrada

a um abrigo de vida no outro inverno

e a jovem que fugiu para flertar

com as presas do verão

e a alma que cruzou temerosa o submundo

 

e o lugar, uma grande folha de plátano na correnteza do sol

com as relíquias antigas e o pesar do momento

O poeta que tarda contemplando as pedras duvida

se há entre os beirais derruídos, cumes e píncaros, fendas e curvas

se há na passagem da chuva, do vento e da ruína

o esgar no rosto, a expressão da ternura

daqueles que estranhamente foram sumindo da nossa vida

que ficaram como sombras nas ondas, pensamento no mar sem fim?

Ou talvez nem isso, talvez nada além do peso restasse

ou a nostalgia do peso de uma existência viva

aqui onde agora estamos incorpóreos, curvados

como os ramos de um salgueiro assustador

espalhados sobre o desespero incessante

enquanto lento e pardo, o córrego arrasta

ao lodo os juncos arrancados

imagem que a sentença de amargura eterna marmorizou

O poeta, um vazio

 

Com seu escudo ascende o sol combatendo

e do fundo da caverna um morcego apavorado

atinge a luz como seta no broquel

Ασίνην τεΑσίνην τε …” Seja este o rei de Assíne

que nesta acrópole tanto nós buscamos

com os dedos o rastro do seu tato sobre as pedras

 

Assíne, verão de 1938 – Atenas, janeiro de 1940

 

 

Em 1969, durante uma entrevista a BBC, Seféris criticou a “Ditadura dos Coronéis”. O regime grego reagiu retirando seu passaporte diplomático. Faleceu em 1971. A multidão que acompanhou seu féretro pelas ruas de Atenas ovacionava: Athánatos! (“Imortal!”)

Os comentários aos poemas de Mithistórema estão baseados nas notas que acompanham a tradução de Filippo Maria Pontani ao italiano. Malanos, Savidis, Karantonis e os diários de Seféris também foram consultados. As traduções e notas de E. Keeley e P. Sherrard ao inglês, a de Pedro Bádenas de la Peña ao espanhol e as de José Paulo Paes ao português também foram estudadas.

 

 


THOMAZ ALBORNOZ NEVES (Brasil, 1963). É advogado, cineasta, tradutor, ensaísta e poeta. Ao longo de quase quarenta anos, tornou-se um dos mais ativos tradutores de poesia contemporânea para o português. Viveu na Itália, França e Espanha durante seus anos de formação. Fixou-se então no Rio de Janeiro, no norte do Uruguai e finalmente em Livramento. Publicou vários livros, entre eles Renée (1987), Poemas (1990), Golfe (2012), À espera de um igual (2020), Oriente (2021) e 24 verbetes (2022).

 


LENNIN VÁSQUEZ (Peru, 1978). Artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura. Estudou na Escola Superior Autônoma de Belas Artes do Peru entre 1996 e 2002, onde obteve medalha de ouro em desenho. Suas exposições pessoais incluem Metaphysical Landscapes (2023), Collected Work (2019) Spain, I Have All Nights in My Veins (2018); Delírios Crepusculares (2017); Quadrante dos Sonhos – jardins e labirintos (2015); Vento SURreal (2010); Aos Olhos do Apu (2009); Ritual Beings (2007), entre outras. Desde 1997 expôs coletivamente em dezenas de oportunidades no Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Colômbia e Espanha. Em 2010 realizou mural no encontro internacional Art x Parte em Berazategui, Buenos Aires, Argentina. Seu trabalho está no Museu Belas Artes, Santiago do Chile; Aliança Francesa Lima, Peru; Município de Suba, Bogotá, Colômbia; e Coleção Faber Castell, Lima, Peru. Coleção Mapfre Lima Peru. Lennin possui um traço refinado repleto de referências mitopoéticas, que expressam não apenas sua afinidade com o Surrealismo, como também um universo acentuado por suas origens indígenas.




Agulha Revista de Cultura

Número 222 | janeiro de 2023

Artista convidado: Lennin Vásquez (Peru, 1978)

editor | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2023

 


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