Mas não
custa tentar, não é?
O resultado destas tentativas, muitas vezes, é o
erro. É comum ver a fala do povo, com suas espontaneidades e expressões, a
melodia única da forma não ortodoxa do idioma, associada a personagens broncos,
tratados sem profundidade no texto ou associados a uma moral duvidosa. São
deslizes que muitas vezes refletem um preconceito que o autor nem sabia que
possuía.
Felizmente, contudo, quando o autor acerta, o
resultado é brilhante. O texto passa a refletir formas de pensar e de agir,
traz para a página a impressa a poesia oral e improvisada dos povos, sobretudo
quando esse grupo humano é fronteiriço e mescla idiomas, criando uma linguagem
única, as melodias das falas se misturando em uma forma muito pessoal. É o
desafio de trazer para a Literatura a sinfonia do popular, acrescentando um
grau de dificuldade, que é o da mescla, da boa e velha, mistura.
A história do paisano e de La
Minuana é um romance de poucas páginas, para quem conta apenas os números,
porém gigantesca se abrangermos a vida de cada personagem. Escrito em primeira
pessoa, o texto que Carvalho explora não é castelhano nem português, mas essa
mescla tão nossa, o “portunhol”, no qual esgueiram-se expressões em tupi e no idioma
charrua. Desafiante para o leitor? Sem dúvida alguma. Mas o autor não nos
abandona e eventualmente palavras e expressões menos conhecidas são
esclarecidas com notas de pé de página. Observo que muita gente não gosta das
tais notas, mas é sempre bom lembrar que elas não são de leitura obrigatória,
como parece ser para alguns leitores.
O livro se encerra com uma lista de referências
bibliográficas, uma breve biografia do autor e uma bem-vinda lista de
bibliografia selecionada, para quem quiser expandir suas leituras nesse
universo sem fronteiras que foi o Pampa dos séculos anteriores ao afã de
propriedade.
Por fim, não posso terminar sem lembrar ao leitor um detalhe importante: sendo um texto calcado na oralidade, vale uma leitura em voz alta para saborear os acordes melodiosos que só as fronteiras dos povos e dos idiomas são capazes de inventar. E para quem ficou na dúvida, um último comentário: não se fiem de que “La Minuana” tem como única qualidade o desafio textual. Dois parágrafos me bastaram para me fazer mergulhar nessa história e seguir sua torrente até a última página, adentrando um Pampa selvagem e livre, resgatado das brumas do tempo pela imaginação de seu autor.
LÚCIO CARVALHO. Nascido na fronteira do Brasil e o Uruguai, em Bagé
(Rio Grande do Sul), Em 1971, viveu sua infância e adolescência entre a cidade
natal, o município de Lavras do Sul, cidade onde residiam os avós paternos, e a
estância Três Tarumãs, propriedade rural de seus pais. Servindo-se de uma
máquina de datilografar Olivetti vermelha, presente do pai, ainda em Bagé
começa sua atividade literária. Os registros mais antigos são versos escritos
aos seis anos de idade. Na terceira infância, lê o quanto pode dos livros da
família, antologias, enciclopédias, jornais e o que lhe for possível, sem
deixar de lado a experiência infantil e o adolescer. Nesse meio tempo, publica
com amigos na imprensa alternativa local e participa de mostra promovida por
grupos de artistas locais no ano de 1986. Começa a estudar música. Durante os
anos a seguir, escreve esparsamente. No fim da década de oitenta, passa a viver
em Porto Alegre, onde ainda reside. Gradua-se no curso de Biblioteconomia e
Documentação e especializa-se em Literatura Brasileira na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Da pós-graduação, resulta a edição do livro A crise da
representação rural na literatura rio-grandense (2020). Em 2015, publica
pela editora Movimento, de Porto Alegre, o livro de contos A aposta, integrando
a Coleção Rio Grande da editora. Em 2015 e 2017, respectivamente, publica o
volume de poemas Falso Alarde e a coleção de ensaios Inclusão em Pauta, em
edição do autor. A seguir, em 2019, cria o selo editorial Valentine e por seu
intermédio publica mais duas novelas, Frente fria e Down House 1858, o romance
Trapézio (republicado como Fica na tua pela Saraquá Edições em 2021), dois
volumes de poemas (Pedra-pomes e Achados, salvados, perdidos) e uma antologia
de contos intitulada Interiores (2019). Em 2022, publica Inventário, pela
tan Ed., livro que reúne a produção poética dos livros anteriores e recupera
poemas desde o ano de 1986. Atua profissionalmente no Ministério Público do
Estado do RS, no qual concursou-se em 2004. Em 2020, criou e tornou-se editor
da revista literária quadrimestral Sepé.
SIMONE SAUERESSIG (Rio Grande do Sul, 1964). Com mais de 30 títulos publicados, participou de várias coletâneas de contos, além da obra esparsa pela rede. Seu livro Contos do Sul (Terror), tem versão para o inglês e Um rio pelo meio (Infantil), em alemão. Alguns de seus contos infantis têm versão em espanhol e foram publicados na Espanha. Em 2011 recebeu o prêmio Livro do Ano – Narrativa Longa, da Associação Gaúcha de Escritores (AGEs) pelo romance aurum Domini – O ouro das Missões (Ed. Artes&Ofícios). Em 2022 O jovem Arsène Lupin e a Dança Macabra (Avec Editora) venceu o prêmio da Biblioteca Nacional, na categoria juvenil e o O último continente (independente) venceu o prêmio da AGEs na categoria infanto juvenil e como Livro do Ano. Participou de programas de leitura como o Autor Presente (IEL) e Adote um Escritor (CRL). Seu site é o www.porteiradafantasiasite.wordpress.com.
SUZANNE VAN DAMME (Bélgica, 1901-1986). Pintora posimpresionista belga que evolucionó hacia el surrealismo en la década de 1940. Se formó en las Academias de Bruselas y Gante y en el Studio L’Effort de Bruselas. Durante su estancia en Ostende, recibió la influencia de James Ensor. A principios de la década de 1930, Van Damme se mudó a París, donde conoció al pintor y poeta italiano Bruno Capacci, quien se convirtió en su marido. Ella pasó mucho tiempo en París, el sur de Francia, Londres y Florencia. En 1941 entró en contacto con los surrealistas y participó en la Exposición Internacional Surrealista de 1947 en París, organizada por Breton y Duchamp. Sus obras de los años 1940 hacen claramente referencia a Picasso, De Chirico, Seligmann y también a Toyen. Expuso en la Bienal de Venecia en 1935, 1954 y 1962 y en la Bienal de São Paulo en 1953. Cuando más tarde se mudó a Florencia, comenzó a crear obras más abstractas antes de desarrollar un lenguaje muy personal lleno de signos y símbolos. Sus obras se convirtieron entonces en conjuntos de ideogramas compuestos por minipinturas con elementos abstractos y figurativos. Es de lamentar, sin embargo, que su obra surrealista de pinturas haya sido comprada por coleccionistas y rara vez aparezca en colecciones públicas. Suzanne van Damme es la artista invitada en esta edición de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 257 | novembro de 2024
Artista convidada: Suzanne van Damme (Bélgica, 1901-1986)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2024
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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