segunda-feira, 9 de março de 2015

Agulha Revista de Cultura | Fase I | Número 69 | Editorial


Carlos Colombino

DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS E SEUS APOCALIPSES DIGITAIS

Esse tema, supostos apocalipses digitais, tem sido tratado desde a primeira edição da Agulha, dez anos atrás. E não sem motivo. Avaliações e opiniões preconceituosas relativas ao meio digital retornam. Têm sido acolhidas e transformadas em tema de ampla circulação. Uma das amostras mais recentes, o livro de Andrew Keen, O Culto do Amador, que trata de “como blogs, MySpaceYouTube e a pirataria estão destruindo nossa economia, cultura e valores”; e as resenhas e artigos na imprensa elogiando essa obra.
Culto do amador? Como assim? Nós, editores da Agulha, não somos amadores, porém profissionais da cultura; temos currículo, obra, bibliografia crítica. E o meio digital ampliou enormemente a veiculação do que produzimos e temos a dizer. A experiência da Agulha contesta frontalmente e factualmente os juízos mais apocalípticos sobre as conseqüências da difusão pelo meio digital: sua qualidade é evidente, reconhecida, e a conseqüência é que temos audiência, estamos situados entre páginas bem visitadas na Internet. É, portanto, falsa a premissa da mediocridade universal e vulgaridade obrigatória.
Imaginemos que o livro impresso se tornasse muito, muito acessível, que sua produção e preço de venda passassem a custar uma fração dos valores atuais. Alguma dúvida de que quantitativamente, em volume de títulos oferecidos, predominariam bobagens, mediocridades, entretenimento vulgar, subliteratura, achismos, manifestações idiossincráticas, picaretagens? Na lógica de Andrew Keen e demais apocalípticos da Internet, tal hipotética ampliação da circulação de livros justificaria, então, severo controle do seu conteúdo e restrições à sua circulação.
O diagnóstico catastrofista dos efeitos da Internet desvia o foco do debate realmente importante, examinando aquilo que efetivamente promove formação cultural: ensino e políticas culturais públicas. Além disso, deixa de lado a crítica às mídias tradicionais, impressas inclusive – como se estas fossem inocentes, como se a mediocridade fosse uma prerrogativa do meio digital. Por trás do discurso de alguns desses críticos, subjacente, nas entrelinhas, uma defesa da censura. A implantação de uma espécie de obrigatório Pravda digital, a tutela, em nome da defesa de direitos autorais, da cultura, da economia, e, é claro, da ideologia “justa” e da moral e bons costumes, daquilo a que teríamos o direito de acessar.
Por vezes, legisladores apresentam projetos de policiamento do meio digital. Felizmente, não prosperam, não só pela rejeição por parte do público em países democráticos, mas pela inviabilidade técnica. A Internet é incontrolável, para o mal e para o bem – felizmente. O controle é nosso, de cada um de nós, e, esperamos, continuará sendo assim.
A falência da mídia impressa, tomando por base a justificativa recente do The New York Times no que diz respeito à perda de anunciantes para a mídia virtual, não se distancia, em termos principais, do velho temor de que a Internet roube audiência em zonas de produção de livros e discos. Igualmente a indústria cinematográfica tem manifestado seus temores, como no caso mais recente envolvendo o filme X-Men Origins: Wolverine.
Multiplicação de pirataria virtual, antes de ser classificada como atividade criminal, deve ser percebida como reação a uma má política de preços do objeto final e o correspondente tratamento dado ao pagamento de direitos autorais. A contravenção, qualquer que seja, quando em larga escala, não pode ser entendida sem seu correspondente estímulo em um ambiente social mal definido. O ladrão ocasional é fruto da oportunidade. O ladrão sistêmico é uma instituição amparada pela má salvaguarda institucional do patrimônio, material ou imaterial, de uma nação.
Uma infestação de "lacerdinhas", um mosquito fascinado pelo globo ocular humano cujo ataque provocava uma profunda irritação nos olhos, levou, nos anos 60 do século passado, o prefeito de uma cidade brasileira – especificamente, Fortaleza, a capital do Ceará – a extinguir o fícus benjamin, árvore predileta do mosquito e majoritária em sua cidade, como única solução que imaginou possível de erradicação do problema.
A velha confusão entre o todo e a parte, exemplificada no tratamento, por exemplo, entre o público e o privado, é que encontramos aqui, uma vez mais, no empenho por legislar sobre a Internet, em caráter genérico, como se a eletrificação dos instrumentos musicais fosse a responsável principal da má qualidade de músicos que a essa tecnologia recorreram como válvulas de escape – ou como curiosos, ansiosos, megalomaníacos, inocentes de toda ordem. É irresponsável, portanto, não medir a inestimável fonte de consulta em que se converteu a Internet na área de apoio aos estudos das ciências médicas. Há hoje sítios Web em que se pode escutar o distinto comportamento pulsante dos pulmões de acordo com cada enfermidade.
Agulha é uma universidade, considerando a amplidão de seus registros e a forma como tem sido visitada por especialistas, estudantes e curiosos de toda ordem, pelo interesse não somente em pesquisar como também em divulgar seus textos. Se relacionarmos duas áreas imediatas em que a Internet tem já podido dar provas de valiosa atenção, como arte e educação, mesmo considerando a presença indesejável de farsantes de toda ordem, é quando menos curioso notar que a rejeição ao mundo virtual vem do fato de que seu antípoda declarado não descobriu ainda como lidar tecnicamente com este novo ambiente de circulação de idéias.
Em face disto, se utiliza de um recurso banal, cuja matriz é a velha hipocrisia que tem movido a espécie humana ao longo dos tempos. Tática fugaz em que um Andrew Keen não é mais do que um oportunista que busca atenção comercial falseando uma moral em um ambiente que permanece indefinido por sua jovem aplicação. Na medida em que se utiliza de má fé para questionar o lixo que correspondente, em percentuais os mais agravantes em todos os casos, à manifestação do humano, não importa o instrumento, não pode deixar de ser visto como alguém de péssimo caráter e pouco desejável em um momento tão delicado quanto o que atravessamos.
Os editores
Carlos Colombino
SUMÁRIO


































Carlos Colombino
EXPEDIENTE
Fortaleza, São Paulo - Maio de 2009

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