ENTREVISTA
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Agulha Revista de Cultura surgiu em 1999. Essa coisa de “fin de siècle”, que acomete doidos como o poeta, tradutor e ensaísta Floriano Martins, natural e vivente do Nordeste brasileiro, mais precisamente... Fortaleza. Um projeto grandioso, mas também ao estilo formiguinha, que vai se encorpando com o passar do tempo, essa invenção humana que não para nunca.
Floriano, aqui no Tyrannus Melancholicus já publicado e citado várias vezes, portanto, nossa alicerçado camarada, já vai comemorar os dezesseis anos tocando a Agulha. Volta e meia estamos trocando mails e botando a conversa em dia. Pois foi num desses papos que surgiu a proposta de o Tyrannus fazer uma matéria sobre a Agulha. Seria, a princípio, uma matéria.
Diferente das outras entrevistas que faço, quando costumo sentar e matutar elaborando as perguntas, como a intenção era fazer uma reportagem, de imediato, enviei-lhe questões para ele explicar-me, de forma que eu redigisse o texto. E foi tudo rolando de forma tão espontânea, que se eu fizesse uma matéria, acho que não ficaria mais interessante.
Eu comecei pedindo que Floriano me enviasse o endereço da Agulha Revista de Cultura e pedi-lhe pra explicar qual era a relação dela com o Jornal de Poesia… Pedi-lhe também pra falar de outros desdobramentos como a Banda Hispânica…
Desde 2000 a Agulha Revista de Cultura está ancorada no provedor do Jornal de Poesia. Trata-se, portanto, de uma relação técnica, o que não deixa de envolver uma cumplicidade afetiva com o Soares Feitosa - criador do Jornal de Poesia -, uma amizade a toda prova. Os projetos editoriais, no entanto, sempre foram independentes. Junto à Fapesp eu registrei a marca www.revista.agulha.nom.br.
Contudo, a partir de 2014, já dentro do que chamamos de "fase II" da revista, começamos a migrar para um novo endereço, que nos dá mais agilidade. Eis aqui o endereço atual:arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br. Quanto a outros desdobramentos editoriais, criamos a Banda Hispânica e posteriormente a Banda Lusófona que, embora atrelados diretamente ao Jornal de Poesia, também possuem direção independente.
Quando foi que surgiu a ideia de criar a revista, quando ela se materializou, de fato… E cite os pais da criança… Breves informações desses doidos que tiveram essa ideia.
O pai da criança sou eu mesmo. Desde a adolescência que edito jornais e revistas. A Agulha Revista de Cultura surgiu, ao final de 1999, pela impossibilidade de levar adiante a edição impressa de um ousado projeto, a revista Xilo, que eu dirigia com o poeta Adriano Espínola, da qual saiu apenas o número de estreia. Tínhamos então material para três números e me preocupava o fato de que eram textos solicitados, ou seja, tínhamos que honrar a generosidade dos colaboradores. Em conversa com outro poeta, Rodrigo de Souza Leão, já falecido, ele me sugeriu criar uma revista de circulação virtual, e inclusive me orientou na aproximação de um provedor no qual ancoramos os primeiros números da Agulha Revista de Cultura.
Quando passamos para o provedor do Jornal de Poesia, convidei então o Claudio Willer para dividir comigo a direção da revista. Trabalhamos em valiosa parceria por quase 10 anos, concluindo esta primeira fase com a publicação de 70 números. Em 2011/12 eu fiquei sozinho, editando uma fase especial em que a revista passou a se chamar Agulha Hispânica. Logo em seguida, convidei o poeta e editor Márcio Simões, da Sol Negro Edições, para dividir comigo a direção do que passamos a chamar de "Fase II" da Agulha Revista de Cultura.
Qual é a proposta da revista e qual é o seu conteúdo em linhas gerais… São entrevistas, resenhas, críticas, prosa e verso, ensaios, é só literatura, ou todas as artes cabem na Agulha?
A proposta da Agulha Revista de Cultura é rigorosamente um desdobramento de uma aventura editorial que levei a termo com o poeta Sérgio Campos, o jornal Resto do Mundo, do qual saíram 4 números. O Brasil sempre careceu de uma revista de cultura. Talvez a Piracema - revista dirigida pelo poeta Ivan Junqueira para a Funarte - tenha sido o caso mais completo, diversificado e substancioso. Porém saíram apenas 4 ou 5 números. Institucionalmente há sempre aquela dependência de ordem política, para dizer o mínimo. A ideia então era a de criar um ambiente reflexivo em torno da cultura que se produz e produziu não apenas no país como em todo o mundo, dando prioridade ao ambiente das línguas portuguesa e espanhola (mesmo princípio que adotei quando fui curador da Bienal Internacional do Livro no Ceará, 2008). Revistas de criação já existiam muitas, de modo que o que me interessava era a criação de uma mesa de debate permanente, o que envolve ensaios, entrevistas, crônicas, resenhas etc. Claro, não apenas sobre literatura, mas antes sobre todas as artes e também sobre os bastidores formacionais das culturas.
Qual o perfil do internauta que visita a Agulha? E isso mudou, ou vem mudando através dos anos?
Considerando que a Agulha Revista de Cultura desde o princípio publicava material tanto em português quanto em espanhol, aos poucos observamos com certa naturalidade o crescimento do leitor de língua espanhola. O Brasil tem ainda uma imensa defasagem de conteúdo no que diz respeito à Internet, e não me refiro somente a revistas de cultura. É uma via de mão dupla que abrange toda a experiência humana. Emissor e receptor da rede se irmanam em um preocupante volume de superficialidade, o que chega a apavorar do ponto de vista social. O leitor da Agulha Revista de Cultura em muito nos satisfaz por não se limitar ao previsível, ou seja, vai desde o profissional da área até aquela pessoa curiosa por expandir suas leituras. Desde a "Fase I" da revista que constatamos, Claudio Willer e eu, através de nossas viagens por diversos países, o quanto que a marca Agulha Revista de Cultura nos precedia. Isto é bonito, não? Para muitas dessas viagens fomos convidados exatamente por sermos editores da revista.
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Qual é o acesso médio diário, embora saibamos que a revista é produzida, em nível de público alvo, considerando muito mais a qualidade do que a quantidade…
Confesso que jamais tive essa preocupação com o marcador de acesso, até pela simples razão de que temos aí um incerto grau de confiabilidade, afinal acesso não é leitura (imagine a cena patética, porém talvez real, do gajo acessando cem vezes por dia seu próprio www). A estatística é a mais furada de todas as ciências. Além do que a aposta na quantidade sempre gerou a pior fatura, social, cultural, política, humana. Uma das grandes cruzes do naufrágio da cultura brasileira tem a ver com nossa aversão pela memória em face do imediatismo.
A revista está aberta a colaborações e parcerias? Se sim, como proceder pra participar dela?
Completamente aberta. Boa parte do material que publicamos tem sido fruto de colaborações espontâneas, gente que nos procura para enviar textos, em muitos casos para nos indagar a respeito de uma matéria que se tem em planos realizar etc. Acho este um sinal valioso do que estamos realizando. O endereço é:floriano.agulha@gmail.com.
Passe dados estatísticos, tipo destacando o acervo… Vocês têm citações, obras, informações etc. de quantos artistas, mais ou menos, e isso representa quantos países mais ou menos?
Acabamos de publicar o número 10 da "Fase II". Somando tudo, temos até o momento editado 92 números. São edições extensas que variam de 12 a 24 matérias, todas ilustradas com a obra de um artista plástico convidado para cada número. O conjunto de pauta garante que já trouxemos para o leitor brasileiro momentos relevantes nas artes e na cultura de mais de 50 países. Não me interessa se este é um dado inédito em termos de revista de cultura no Brasil. Não estamos competindo com ninguém. Os números não nos interessam e sim um registro diversificado, criar ambiente para leituras diversas, dar voz a perspectivas fora do mercado e do meio acadêmico. No Brasil cometemos o mais grave erro do ponto de vista humano: o de achar que o mundo se resolve a partir de uma polarização. A batalha entre o bem e o mal não nos interessa. Queremos a diversidade. Queremos expatriar as ortodoxias.
E, para finalizar, aquela perguntinha que você mesmo sempre coloca nas suas entrevistas: Esquecemos de algo?
Ao longo desses quase 15 anos de aventura editorial em torno da Agulha Revista de Cultura, o que tem me dado maior satisfação é a descoberta de afinidades em vários países e momentos. E sua interferência no mundo impresso. Graças à revista realizamos eventos e a publicação de antologias. Foram decisivas nossas parcerias com revistas como a portuguesa TriploV, a mexicana Alforja, a
costarriquenha Matérika. Igualmente expressivos foram nossos contatos com o ambiente institucional de países como República Dominicana, Cuba, Venezuela. Livros meus foram publicados em Portugal, Espanha, México, como parte dessa abertura dada pela revista. No Brasil, temos hoje uma relação valiosa com parceiros editoriais - Sol Negro Edições, Edições Nephelibata, Edições Pantemporâneo - que dão uma medida acariciante de orgulho. Eu sinceramente acho que uma vida de nada vale se não abrimos portas e janelas para o encontro com outros mundos, outras
perspectivas, mesmo outros enganos. Não importa. O que é fundamental é aceitar a presença do outro como uma instância fundamental ao desenvolvimento do ser. Não há mundo humano possível longe do diálogo.
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[Publicação original em Tyrannus Melancholicus, Cuiabá, março de 2915.]
Me complace ver a dos grandes amigos juntos: el "imaginario" (Nicanor Parra) que se autodenomina Floriano Martins, artista visual, poeta, ensayista, soberbio comunicador, y el artista visual, gran poeta surrealista, Ludwig Zeller. Esa foto saca chispas. Sin miedo a quemarme, un abrazo caluroso para ellos.
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