terça-feira, 7 de abril de 2015

Agulha Revista de Cultura | Fase I | Número 68 | Editorial


O BRASIL FAZ PARTE DESTE PLANETA

Um dos editores da Agulha Revista de Cultura foi, outro dia, convidado a responder à seguinte pergunta: “Você acredita no Brasil?”, para uma enquête, promovida por um magazine. A resposta começou pela observação de que o Brasil é aqui. Não está em outra galáxia, ou em um universo paralelo. Portanto, está sujeito ao aquecimento global, com seus desequilíbrios climáticos e demais conseqüências. E, nesse quesito, não há como deixar de ser pessimista.
O aquecimento global deve acelerar-se, correspondendo às piores previsões. Isso, pela interação de efeitos: o derretimento polar libera gases da decomposição de matéria orgânica, carbônico e metano, que por sua vez, provocam mais aquecimento; os grandes incêndios florestais, como estes recentes, devastadores, da Austrália e Califórnia, produzem gás carbônico, calor, e, obviamente, aquecimento; a mudança de temperatura dos mares, associada a alterações de sua composição química, acarreta a extinção de algas e microorganismos que produziam oxigênio, que minorava o efeito estufa. Etc.
Jornais noticiaram que uma cidade à beira-mar em Portugal agora é suprida de energia elétrica pelo movimento das marés e ondas, acionando pás. Em Roma, tem início um projeto de utilização do lençol freático, de águas subterrâneas, mais quentes que as da superfície. Fontes de energia como essa, além de limpas, são baratas.
Mas esses são exemplos isolados. Apontam caminhos, mas não alteram o todo. Estamos atrasados em décadas na geração de energia limpa. Obviamente, por projetos como esses contrariarem interesses econômicos. É melhor negócio, para alguns grandes conglomerados, continuar explorando e comercializando petróleo, queimando seus derivados – ou, pior ainda, como na China, queimando carvão, o mais poluidor dos combustíveis. Ou então, beneficiar-se de novos investimentos em colossais usinas hidroelétricas, nos moldes de Itaipu, ou térmicas, ou termonucleares.
Vender condicionadores de ar, aí está um belo negócio: o aumento de escala os barateou e aperfeiçoou, tornando-os acessíveis à classe média, que usufrui da separação de frio, em seus cômodos, e calor, lançado à atmosfera.
O Brasil, em especial, é um campeão do desperdício: conforme já observado em editorial anterior, aqui há uma perda de 40% de energia durante sua transmissão; idem, uma perda de 40% da água entre o manancial e o usuário final, que, por sua vez, majoritariamente, não está nem aí, e vai desperdiçando no consumo. Isso, além dos 40% de desperdício no transporte de grãos, bem como de alimentos perecíveis. Mais dano ambiental: mais terra para a agricultura em grande escala, menos para reservas naturais.
As políticas ambientais brasileiras são um faz de conta. Os devastadores são multados, porém as multas nunca são cobradas: outro dia jornais noticiaram que a AGU, Advocacia Geral da União, promoverá um mutirão, para ativar processos parados faz anos, e tornar efetivas ao menos algumas dessas punições.
E não se trata apenas da expansão de clareiras na Amazônia. Em São Paulo, agora, imprensa e autoridades estaduais deram-se conta da devastação da Serra da Cantareira, aqui, na cara de todo mundo... Basta sobrevoar, tomar qualquer vôo comercial que saia do aeroporto de Guarulhos, para ver que essa reserva estabilizadora do clima em São Paulo foi inteiramente invadida por loteamentos, com a plena conivência de administradores de municípios da região metropolitana e sub-prefeituras da própria capital.
Desse jeito, não há otimismo que resista. Jornais, revistas e noticiários na TV têm dado conta, de modo talvez intermitente, desse descalabro. Mas falta a correspondente resposta da sociedade, exercendo a cidadania, e fazendo que governantes cumpram suas obrigações.

***

No editorial passado, da Agulha Revista de Cultura # 67, havíamos alertado para essa relação meio mágica, de uma causalidade subterrânea, entre a quebra de financeiras e a conseqüente crise econômica, e as compras de livros na biblioteca de Iraty.  De Iraty? Continuamos sem saber o que se passa nesse município paranaense. Já em outro município, bem maior, o de São Paulo, tivemos um contingenciamento de 33% dos recursos orçamentários da Secretaria Municipal de Cultura. Uma redução pesadíssima, adiando programas importantes, e gerando justificadas manifestações de protesto. Na área estadual, também houve cortes significativos em programas culturais. E, para o governo federal não ficar atrás, acaba de ser noticiada a retenção de nada menos que 78% dos recursos do MinC, Ministério da Cultura.
Há um contra-senso, nesse descaso pela cultura. Liberam recursos para manter ativos a produção industrial, a construção civil, o crédito – e parecem ignorar que um filme ou encenação teatral podem gerar mais empregos, por real investido, que a fabricação de automóveis; que essas atividades, subvencionadas, trazem mão de obra da informalidade para o mercado formal; que os programas ligados à literatura estimulam a leitura, além de contribuírem para a elevação do nível do ensino.
Quase vinte anos atrás, durante o governo Collor, a redução do apoio público à cultura foi recebida por uma vigorosa reação de artistas, intelectuais e suas entidades. Hora disso repetir-se, e a sociedade civil despertar da presente letargia. Que a relação de governantes com a cultura deixe de resumir-se a mandarem cortar “despesas”.

Os editores
ÍNDICE

1 acerca de réquiem, de lêdo ivo (premio casa de las américas 2009). marta spagnuolo 
2 alberto santos e a escrava de córdova: um livro, seu tempo e lugar. joão garção
contador borges e os sentidos da linguagem (entrevista). marco vasques
eros surrealista: bataille, bellmer, bordese, masson y sade. carlos m. luis
jack kerouac e o primeiro on the road. claudio willer 
la literatura latinoamericana. carmen perilli
7 
la segunda vanguardia. los ’60 en la argentina: las voces diferentes. jorge ariel madrazo
manitta angelo y la academia internacional il convívio (entrevista). carlos chacón zaldivar
mario soffici: pionero del teatro y del cine argentino. león repetir 
10
 
o atrativo e o nutritivo: a imagem do alimento na literatura para crianças. daniela bunn
11 
rafael moneo: arquitectura y espacios imprescindibles (entrevista). miguel ángel muñoz
12 
roberto rébora: pruebas de arte, pruebas de vida (entrevista). javier ramírez


artista convidado risques pereira [pintura, texto de perfecto e-cuadrado]poesia de língua espanhola banda hispânica
visitação permanente galeria de revistas  a cigarra (brasil) l universidad de antioquia(colombia) l azougue (brasil) l la casa (equador) l la pecera (argentina) l lenguaraz (méxico) lluna zeta (méxico) l país cultural (república dominicana) l palabras escritas (paraguai) l raiz(brasil) l sophia (equador) l va de nuez (méxico)
EXPEDIENTE
Fortaleza/São Paulo | Março de 2009

editores
floriano martins & claudio willer


projeto gráfico & logomarca
floriano martins


jornalista responsável 
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964


correspondentes
todos os colaboradores


artista plástico convidado (desenhos)
risques pereira


apoio cultural 
jornal de poesia


traduções
éclair antonio almeida filho [inglês, francês e português]floriano martins [espanhol e português]gladys mendia [português e espanhol]
marta spagnuolo [português e espanhol]


galeria de revistas | coordenação editorial
josé geraldo neres & editores da agulha


banco de imagens
acervo edições resto do mundo


os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da agulha revista de cultura não se responsabiliza pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © edições resto do mundo

escreva para a agulha 


Nenhum comentário:

Postar um comentário