segunda-feira, 8 de junho de 2015

JUDITH ANN MORIARTY | Cinco perguntas para J. Karl Bogartte


J. Karl Bogartte poderia ser a reencarnação de Lestat de Lioncourt, com os óculos de lentes redondas e turvas atrás dos quais se esconde, sem falar dos cachos macios de cabelos prateados e das roupas pretas. Será encenação para atrair a atenção? Um disfarce? Quem, afinal, é esse tal de J. Karl? [JAM]

JAM | Cheguei a mencionar que você vive num enorme espaço de tijolos aparentes que já foi um galpão industrial, com dois enormes irish wolfhounds? Detesto dizer, mas acabo de doar minha coleção de escritos de Borges à Boswell Books. Droga. Como pode você, um poeta e artista plástico, suportar viver num mundo onde se abusa tanto das palavras? Só uma ideia…

JKB | A maior parte da coisas sofre abusos, mas isso certamente gera um enorme volume de matéria prima para a formação de possibilidades incríveis. Não gosto das coisas aceitáveis e dos modos aceitáveis de pensar. Por exemplo, viver com wolfhounds num galpão industrial… para mim, parece tão natural e, ao mesmo tempo, tão deliciosamente inaceitável. Além do mais, os cães precisam de muito espaço.
Que pena, os livros de Borges; eu teria gostado deles.

JAM | Ei, você participou daquele grupo de poetas com que Kent Mueller estava envolvido? Qual era o nome, mesmo?

JKB | Goal Zero era o nome do grupo, acho. Não, não participei dele. Naquela época, eu era membro do grupo surrealista de Chicago e ficava mais tempo por lá.

JAM | Você não chegou a trabalhar no Museu de Arte de Milwaukee? É claro que não foi influenciado pela coleção de lá. Ou foi? Escuras, tristonhas e condenadas, a melhor descrição de suas imagens digitais surrealistas.

JKB | Passei algum tempo lá, sim, mas não fui em nada influenciado pelo que estava exposto. Minha aventura era outra. Nunca pensei em meu trabalho como sendo tristonho ou condenado; escuro, com certeza — embora, se bem me lembro, você tenha falado da natureza de “joalheria” dos meus trabalhos iniciais, os photo-morphs em preto e branco. O fato é que, desde o ano 2000, quando descobri a cor, acho que meus novos trabalhos são bastante reveladores e mais luminosos. Pois bem, acho que o que ocorre no meu trabalho é a síntese que se dá entre claro e escuro, entre o real e o imaginário. Para ser mais exato, existe aquela dialética entre opostos que mais se assemelha a uma dança do que qualquer outra coisa, entre o que é real e o que é possível. Acho que isso produz imagens muito complexas.
À verdadeira maneira surrealista, considero minhas imagens janelas por meio das quais o espectador pode enxergar para captar relances daquilo que eles mesmos são levados a ver de acordo com os próprios desejos. Se alguém está engajado em algum tipo de arte, isso, para mim, seria a razão mais forte para o fazer… O aspecto duchampiano do espectador que completa a obra.



JAM | A linguagem que você usa no Facebook é tão cheia de referências obscuras que não entendo como você recebe respostas. Mas recebe. Será que a obscuridade é o objetivo?

JKB | O Facebook! Sim, fui convencido a entrar por um amigo que disse que todo o mundo que eu conhecia já estava lá. E ele estava certo, e como. Muita gente da Europa e da América do Sul que eu conhecia já estava lá, e há muitas colaborações novas em andamento. A gente encontra gente de todos os tipos e pode dizer muitas coisas estranhas. É um ótimo lugar para fazer experimentos de identidade. Não é a obscuridade, mas uma tentativa de atingir um estado de clareza.

JAM | Agora, me fale dos livros que está escrevendo. Dê aos leitores um gostinho… quem diria que você era escritor, também?

JKB | Sim, escrevo, e escrevi a maior parte da vida. Só recentemente me envolvi o bastante com isso para ter vontade de publicar. Acabei de terminar meu terceiro livro de poemas, Luminous Weapons, que estará disponível na Amazon logo mais. Escrevi uma novela intitulada  Antibodies, com ilustrações de Alejandro Puga, um conhecido poeta e artista plástico argentino, e que talvez seja publicado ainda este ano. Meu primeiro livro de poemas também está para sair e estou planejando um livro sobre meu trabalho em artes plásticas… de modo que tenho estado muito ocupado.






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J. Karl Bogartte (Estados Unidos, 1944). Nascido em Milwaukee, Wisconsin em 8 de setembro de 1944, J. Karl Bogartte começou no ensino médio a ler uma ampla variedade de poetas e outros autores, de William Butler Yearts a e. e. Cummings, de Thomas De Quincy à Doutrina Secreta de Madame Blavatsky. Aos 17 anos descobriu a edição da New Directions do Uma Temporada no Inferno, de Rimbaud, que, junto com a leitura da Antologia City Lights editada por Franklin Rosemont e que continha uma seção dedicada ao surrealismo, transformou inteiramente seu modo de pensar, tanto visual quanto poético.
Bogartte levou o livro da City Lights consigo para Paris em 1971, quando ficou quase um ano na cidade. Sem falar francês, assimilou muito da literatura surrealista francesa e alguns anos mais tarde começou a definir sua obra literária como sendo inspirada no surrealismo.
Na França, conheceu Francis Ponge na Provença. Bogartte recorda: “Foi um encontro estranho e maravilhoso, já que nenhum de nós falava a língua do outro e ‘nos ponderamos’. Caminhamos, fizemos tentativas de comunicação. Ele dedicou um livro seu que eu tinha comprado e, bem, eu estava impressionado e não quis incomodar”.
De volta aos EUA, Bogartte estudou antropologia na Universidade de Wisconsin-Milwaukee e fotografia no Milwaukee Institute of Art and Design. Também entrou em contato com Rosemont e uniu-se ao grupo surrealista de Chicago.
Em 2004, publicou uma novela, Antibodies (A Surrealist Novella), depois da qual veio seu primeiro livro de poemas, The Wolf House. Depois disso saíram Secret Games, em 2007, Luminous Weapons, 2009, The Mirror Held Up in Darkness 1976-2003, in 2010, e A Curious Night for a Double Eclipse, 2011.


JUDITH ANN MORIARTY (Estados Unidos, 1936). Artista plástica e crítica de artes. Entrevista realizada em 2010. Tradução de Allan Vidigal. Contato: bogartte@icloud.com. Página ilustrada com obras de J. Karl Bogartte, artista convidado desta edição de ARC.



Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 11 | Junho de 2015
editor geral | FLORIANO MARTINS | arcflorianomartins@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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