Na pequena cidade de Areia, do Estado da Paraíba, nasceu
Pedro Américo, a 29 de abril de 1843. Descendente de família de artistas, teve
ainda, em proveito da precocidade das suas aptidões, o esmero de uma educação
que foi diretamente iniciada por seu próprio pai, o violinista Daniel Eduardo
de Figueiredo, que, "instruindo-o nas primeiras letras e rudimentos da
música, procurava contemporaneamente satisfazer-lhe a sede de saber e
desenvolver-lhe a vocação, cada dia mais acentuada, para o desenho, pondo-lhe
nas mãos a biografia dos mais célebres pintores, ou livros e fragmentos que lhe
pareciam ser apropriados ao preparo intelectual do seu caro filho."
Dentro em pouco, eram conhecidas na cidade paraibana as
manifestações do gênio do pequeno Américo, que todos admiravam com verdadeiro
espanto.
"Em fins de 1852, chegou a Areia, em missão
exploradora, o naturalista francês Louis Jacques Brunet, homem de grande
ilustração e amigo de Leverrier, de Lamartine, de Dumas pai e outras celebridades
da ciência e das letras. Ouvindo falar tanto e com tamanha admiração do pequeno
Pedro Américo, quis conhecê-lo pessoalmente e foi procurá-lo à casa paterna.
"Tinha o precoce desenhador menos de dez anos; sua
timidez habitual cedeu prestes o lugar à confiança que lhe inspiraram as
maneiras insinuantes e as palavras bondosas do sábio explorador, assim como ao
interesse que, no seu juvenil espírito, despertou uma pequena coleção de
gravuras - cópias de quadros célebres -, que lhe mostrara o estrangeiro, e que
ele pôs-se a contemplar cheio de pasmo.
"Depois de examinar atentamente diversas paisagens e
retratos feitos pelo pequeno, quis o Sr. Brunet certificar-se da verdadeira
habilidade deste, para o que, fê-lo desenhar, do natural, um chapéu, uma espingarda
e diversos outros objetos, que Pedro Américo reproduziu fielmente. Então,
manifestou o naturalista o desenho de levá-lo em sua companhia como auxiliar,
cujo concurso ser-lhe-ia precioso para os estudos que ia empreender.
"Como era natural, sentiu-se o Sr. Daniel Eduardo
lisonjeado, mas de certo não acreditaria na sinceridade daquela proposta se,
poucos dias depois, não fosse consultado pelo presidente da Província, Dr. Sá e
Albuquerque, a respeito do seu consentimento na nomeação de Pedro Américo para
desenhador da comissão exploradora, da qual era chefe aquele distinto
naturalista.
"Quando Pedro Américo soube da notícia e do
consentimento paterno, - diz Luís Guimarães Júnior - sentiu-se crescer cinco
palmos, de súbito. - Explorar
a província!, exclamava
ele consigo, sem poder dormir uma hora, na véspera da partida. Ver árvores que nunca vi; grotas
escuras e cheias de rumores desconhecidos; pássaros novos, cantos, harmonias,
borboletas, mistérios da natureza luxuosa e esplêndida! - No desempenho dessa missão, que
durou vinte meses, atravessou, com o Sr. Brunet, que se tornara seu amigo e
apreciador, toda a província da Paraíba e parte das de Pernambuco, Ceará, Rio
Grande do Norte e Piauí.
"Em dezembro de
1854, chegava Pedro Américo à cidade do Rio de Janeiro, obtendo matrícula no
Colégio Pedro 2º, por intermédio do Visconde do Bom Retiro. No ano seguinte,
iniciou na Academia o seu curso de arte. Aí, o jovem paraibano chamou logo
sobre si a atenção geral, tanto pela extraordinária inteligência, quanto pela
assiduidade e grande aplicação...
"Na Academia, foram incrivelmente rápidos os seus
progressos; não se passou, talvez, um dia, sem que as mais robustas provas de
um talento superior deixassem de aumentar o grande conceito em que era tido por
mestres e condiscípulos, ou novos triunfos de enriquecer o seu cabedal de
glórias escolares.
"No fim desse tirocínio inicial, possuía o estudante,
como troféus de legítimas vitórias, quinze medalhas de ouro e prata e diversos
diplomas de aprovações com louvor, prêmios obtidos em exames brilhantes ou em
concurso com os colegas."
Enquanto estudante, pintou vários retratos e quadros,
sobressaindo o Jesus da Cana
Verde, São Miguel, São Pedro ressuscitando a filha de
Tabira, etc.
Em fins de 1859, seguiu para a Europa, onde se demorou até
1864, tendo frequentado a Academia de Belas Artes de París, o Instituto de
Física de Ganot e a Universidade de Sorbonne, onde foi discípulo de Ingres.
Aluno de David, distinguiu-se pela pureza de seu desenho. Principais obras: La
Source, A Capela Sistina, O voto de Luís XIII, A apoteose de Homero, A
odalisca, O banho turco.] Léon
Coignet, Flandrin e Horace Vernet.
Depois de ter permanecido em Paris três anos e meio, visitou
muitas outras capitais europeias. Estando outra vez em Paris, aí encontrou
ordem para voltar ao Brasil, e a comunicação de ter concluído o tempo da pensão
que lhe dava o Imperador.
"Chegando em 1864 ao Rio de Janeiro, alistou-se logo
Pedro Américo no número dos que disputavam a cadeira de desenho, que lhe foi
concedida no meio de um concerto de louvores do corpo docente acadêmico, do
público, e de seus próprios contendores. A sua tela - Sócrates afastando Alcebíades dos
braços do vício - atesta
ainda a legitimidade desse triunfo.
"Cumpre registrar uma curiosa e rara ocorrência
motivada por esse concurso, diz
Luís Guimarães. O mais distinto dos pretendentes à disputada cadeira, o Sr.
Le Chevrel, vendo o quadro de Pedro Américo, declarou-se imediatamente vencido,
e disse aos juízes e examinadores que a escolha devia unicamente recair sobre o
autor da Carioca."
Nessa época, pintou, além de outros trabalhos, o Petrus ad Vincula, pertencente
à Igreja de São Pedro, no Rio de Janeiro, diversos retratos, e deu os últimos
toques na Carioca.
Em 1865, voltou para a Europa e, durante essa sua nova estada nos centros
europeus, pintou o - São
Marcos, a Visão de São
Paulo e a Cabeça de São Jerônimo, além de
outros quadros.
Defendeu teses em Bruxelas, o grau de doutor em Ciências
Naturais, depois de ter sido aprovado "com grande distinção, em exame
público que durou cinco horas. A solene cerimônia, que se realizou na presença
do Cônsul do Brasil, foi narrada pelo Diário
Oficial, o Independência
Belga, o Eco do Parlamento e outros jornais, em termos
honrosíssimos para o laureado paraibano, cujo primeiro pensamento, depois da
vitória, foi regressar ao Brasil, onde iria exercer o seu magistério na
Academia de Belas Artes.
Ainda a propósito da sua defesa de tese, transcrevemos, do
excelente trabalho do Dr. Cardoso de Oliveira, que tanto aqui nos tem servido,
o seguinte: "O Diário Oficial Belga de 16 de janeiro de 1868, assim
noticiou o fato, que assumiu as proporções de um grande acontecimento no mundo
científico de Bruxelas, em um honroso artigo que foi transcrito pelos outros
jornais do País:
Um
publico numeroso assistia, quarta-feira última, na sala magna da Academia da
Universidade Livre, à defesa pública de uma tese apresentada pelo Sr. Pedro
Américo de Figueiredo e Melo, doutor em Ciências Naturais... Quer na exposição,
quer na discussão do seu trabalho, o candidato deu provas de um talento muito
notável, que lhe valeram, por muitas vezes, aplausos do auditório. Decidiu,
pois, a Faculdade das Ciências, por unanimidade, que o Sr. Pedro Américo de
Figueiredo e Melo passara essa prova com a maior distinção, e conferindo-lhe,
em consequência, o grau de adjunto à Universidade de Bruxelas.
De regresso ao Brasil, passou em Lisboa, em fins de 1869,
hospedou-se na casa de Porto-Alegre, então cônsul brasileiro naquela cidade,
realizando o seu consórcio com uma das filhas daquele cônsul. Em começo de
1870, chegou ao Rio, entregando-se ao exercício da sua cadeira.
O período de 1870 a 1873 foi o da sua maior fecundidade
artística. Pintou a Batalha do
Campo Grande, tela que figurou na Exposição Universal de Viena e pertence
ao Ministério da Guerra, no Brasil; Ataque
da Ilha do Carvalho, os retratos de D. Pedro 1º e D. Pedro 2º, por
encomenda do presidente do Senado, o retrato equestre do Duque de Caxias, a Ondina, e muitas outras telas.
A 19 de agosto de 1872, o então ministro do Império,
conselheiro João Alfredo, contratou com o artista a execução de um grande
quadro alusivo a qualquer dos grandes feitos de nossa história.
João Alfredo Correia De Oliveira, dito Conselheiro João, político brasileiro. Formado em
Direito (1858), foi deputado em sua cidade (1859) e presidente das províncias
do Pará e de São Paulo (1861). Deputado em quatro legislaturas, senador (1877),
ministro do Império (1871-1875 e 1877), presidente do Conselho e organizador do
gabinete de 1888, que aboliu a escravidão no Brasil. Na República, foi diretor
do Banco do Brasil.]
Pintou então, Pedro Américo, o esboço da Batalha do Avaí, cujo quadro
definitivo só pôde ser concluído em 1877, em Florença, Itália, onde foi
exposto. O artista, tendo saído do Brasil em 1873, só chegou àquela cidade em
1874, depois de ter permanecido meses em Lisboa.
Ao mesmo tempo em que trabalhava no seu grande quadro,
pintou o episódio do Passo da
Pátria. A Batalha do Avaí,
diz o seu biógrafo, é incontestavelmente uma obra prima do mestre brasileiro;
e, no conceito universal, uma das mais notáveis da arte moderna.
Contemplaram-na, já bastante adiantada, os mais ilustres
artistas e publicistas de quase todo o mundo, reunidos em Florença, em 1875, durante
as festas comemorativas do centenário de Michelangelo, e voltavam para os seus
respectivos países espalhando a fama de Pedro Américo, que eles também tinham
ouvido discursar em duas línguas estrangeiras, diante do Mausoléu e do Davi do
grande florentino.
Desde o Neva até o Prata, celebraram os prelos a excelência
do painel e os méritos de seu autor, em centenares de artigos, alguns dos quais
firmados por autorizados escritores, proclamaram o pintor da Batalha do Avaí: um mestre
inatingível, de incomparável talento, o mais dotado e importante pintor dos
nossos tempos e o chefe da atual escola idealista da Europa. -
O governo italiano ratificou este alto juízo, mandando
colocar na sala dos pintores célebres da "Galleria Nazzionale degli
Uffizzi" o retrato de Pedro Américo, exigindo que fosse feito por ele
próprio. Por uma feliz coincidência, tocou-lhe ficar colocado entre os de
Ingres e Flandrin, seus antigos mestres em Paris. O ministro da Instrução
Pública da Itália, que por muitas vezes solicitara a remessa desse retrato,
agradecendo-a por ofício, acrescentou que lhe era grato erigir-lhe aquele
primeiro monumento.
Voltando a Florença, continuou o grande artista a trabalhar
incessantemente, sendo numerosa a lista dos quadros que fez de 1878 a 1882. Eis
os mais importantes: A Batalha
de San-Martino, Menina espanhola de 1600, Os filhos de Eduardo 4º de
Inglaterra, D. Inês de Castro, Judite e a cabeça de Holofernes, D. Catarina de
Ataíde, D. João 4º Infante, A noite acompanhada dos gênios do amor e do estudo,
Joana D'Arc, Menina pintora, Jocabed levando ao Nilo seu filho Moisés, O voto
de Heloisa, Moema, etc. Para
a grande exposição de 1884, mandou muitos desses quadros. Em princípios de
1885, seguiu para a França e, depois de algum tempo, chegou ao Brasil, vindo de
assumir o exercício da sua cabeça de desenho.
Em fins desse mesmo ano, foi à cidade de São Paulo, com o
intento de pintar uma tela comemorativa da Proclamação
da Independência. A 14 de
janeiro de 1886 firmava o contrato com o Governo do Estado para executar o
trabalho dentro de três anos.
Voltou à Itália e, no curto espaço de um ano, levou ao fim a
execução do trabalho. Veio ao Brasil fazer a entrega do quadro, a que denominou
de Proclamação da Independência,
depois de tê-lo exposto em Florença, em 8 de abril de 1888. A 14 de julho desse
mesmo ano, foi a tela entregue ao Estado de São Paulo.
Em começo de 1889, voltou à Europa, onde continuou a pintar
vários trabalhos, entre os quais, Voltaire
abençoando o neto de Franklin, em nome de Deus e da Liberdade, quadro que o artista veio
pessoalmente, em 1890, oferecer ao governo de seu país.
Eleito, nesse mesmo ano, deputado ao Congresso Constituinte,
por seu Estado natal, resolveu deixar definitivamente a sua residência em
Florença e vir para o Rio de Janeiro. Daí em diante, só voltou ao velho mundo
por motivo de moléstia. Na sua predileta Itália, já melhorado, começou o
artista, em 1893, vários estudos históricos, concluindo o Tiradentes esquartejado, que
trouxe para o Rio, onde o expôs.
Ainda em 1893, pintou A visão de Hamlet. De 1892 a 1895, produziu outros
trabalhos, dentre os quais citaremos o busto de muçulmano, intitulado Abd-ur Rohman e o Noviciado.
Em 1897, pintou o
quadro Honra e Pátria.
Pintou, depois, a grande tela alegórica Paz e
Concórdia, que foi
seu último trabalho. Este quadro orna o peristilo do palácio do Itamarati.
Foi, Pedro Américo, um pintor de batalhas, retratista,
pintor decorativo, histórica e pintor bíblico. Em que gênero mais soube
acentuar a sua individualidade artística? Onde mais conseguiu realçar o seu
gênio: nas grandes concepções das cenas bíblicas, na interpretação dos fatos
históricos, ou nas disposições dos grandes feitos bélicos? A resposta
verdadeira será que foi grande em todos os gêneros que buscou interpretar. Num,
porém, se firmaram as suas extraordinárias qualidades de artista. Foi o gênero
bíblico. E isso mesmo ele o sentira e o manifestara quando, em 1864, escrevendo
a Vítor Meireles, assim se exprimiu:
Minha natureza é outra. Não creio dobrar-me com facilidade
às exigências passageiras dos costumes de cada época, que também são uma das
fontes em que um talento como o seu pode achar pérolas. A minha paixão, só a
história sagrada a sacia.
Não foi apenas um pintor célebre. Foi também cultor de
filosofia, homem de ciência, orador, poeta e romancista. Em tudo, soube
manifestar a superioridade do seu talento privilegiado.
"Tipo genuinamente brasileiro, escreve o distinto dr. Cardoso de
Oliveira, de mediana estatura, franzino, moreno e pálido, olhos e cabelos
pretos, ar melancólico e sereno, rosto expressivo e caracterizado por largas
sobrancelhas, basto bigode e uma inseparável luneta, tal é, em largos traços, o
modesto aspecto físico de tão grande vulto."
Pedro Américo faleceu a 7 de outubro de 1905, na cidade de
Florença.
Tendo o governo do Estado da Paraíba pedido a entrega do
corpo do seu grande filho, foram os despojos mortais do artista transportados
para a terra natal, que lhe acaba de erigir um monumento.
Da sua vasta produção, pertencem à nossa Escola de Belas
Artes os seguintes quadros: Batalha de
Avaí, A Carioca, Joana D'Arc, Judite, D Catarina de Ataíde, D.
João 6º, Heloisa, A rabequista árabe, Virgem dolorosa, Jacober, David e Abisak,
Voltaire, Retrato do Conselheiro Lopes Neto e Sócrates afastando Alcebíades do
vício.
Laudelino
Freire
(Brasil, 1873-1937). Filólogo, ensaísta e editor. Fundou e dirigiu a Revista da
Língua Portuguesa, em 1918. Foi o autor do Grande e
novíssimo dicionário da Língua Portuguesa. Página ilustrada com obras de Pedro
Américo (Brasil).
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