O mercado editorial brasileiro está parado,
mais do que parado: está estagnado, complicado, por vezes até inadimplente, retratando
a frase de Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”.
Mas isso não é de agora; nem o mercado, nem
a frase de nosso maior maestro brasileiro porque o Brasil, esse país de poucos leitores,
onde o hábito de leitura é quase um luxo, em que os livros são considerados caros,
ainda mais se pensarmos e acrescentarmos a nossa atual, meio crônica falta de dinheiro,
principalmente quando se trata de gastar com livros.
O que nunca impediu que houvesse autores,
alguns grandes e leitores, alguns ávidos, por um bom livro. O caminho entre o autor
e esses leitores sempre foi, claro, o editor, como disse Jiro Takahashi, dos nossos
melhores editores: “O pior lugar para um texto inédito é a gaveta de seu autor”.
Publicar então é preciso, mas em uma grande
editora? A saga, que começa pelo esforço, o talento de produzir algo belo em sua
qualidade, segue… Os editores precisam de autores que tragam leitores, o que é correto,
têm despesas para manter suas editoras abertas, fazem, como qualquer mortal, supermercado,
pagam água, luz, empregada (quando têm), escolas para os filhos, ousam até comer...
os autores pagam tudo isso quando dá e pode-se contar nos dedos os pouquíssimos
que conseguiram viver decentemente de literatura ou os que ainda hoje conseguem,
o que deveria ser um feito corriqueiro.
Os governos, o atual e os anteriores, em nada
ajudam e ainda conseguem piorar muito a situação, deixando de honrar os pagamentos
para os editais literários e mesmo impedindo o prosseguimento deles. As editoras
maiores se seguram, então, com autores estrangeiros, bons ou apenas medianos, mas
que já chegam a nossas terras com o marketing pronto, o que barateia para o editor
e chama a atenção do público. Livros de autoajuda também têm sua vez, num país cheio
de incertezas e agora de muita tristeza.
Driblando todos esses empecilhos, alguns autores
conseguem chegar às prateleiras das grandes livrarias, publicados por grandes editoras.
Livreiros também têm de ganhar para manter suas portas abertas e suas famílias,
aquelas que gostam de comer e há ainda os distribuidores… Enfim, uma quantidade
de profissionais que estão entre o autor e a possível fama, para que ele consiga
ter leitores que façam essa sua fama. Alguns desses profissionais ajudam e, sem
dúvida, outros atrapalham. Mas alguns autores, com a excelência de sua qualidade
literária conseguem chegar ao grande público, aos vestibulares, sonho de muitos,
listas de mais vendidos, críticas favoráveis, estudos escolares ou universitários.
Vivem de direitos autorais?!? Raríssimos deles,
e então falecem, não por culpa da literatura, mas do tempo vivido. Então uma obra
construída a vida inteira cai no colo de seus familiares que, no Brasil, se mostram
frequentemente despreparados para gerir e negociar essas obras. E o autor, que batalhou
a vida inteira para construir uma obra de qualidade pode ter essa obra morta porque
desaparece das estantes pelo descaso dos herdeiros ou por brigas familiares.
Há, por exemplo, casos em que um grande autor,
por desconhecimento ou descaso da família permaneça, contrato para lá de vencido,
em editoras de amigos, mui amigos, que não vendem nada, não enviam demonstrativos
de vendas para as famílias, mas se sentem no direito de conservar aquele nome e
aquela obra porque foram amigos do autor. Ou familiares que simplesmente permitem
a segunda morte do autor relegando à morte suas obras por puro descaso; gerir uma
obra, não há dúvida, é trabalho grande e longo e talvez maior o trabalho quanto
maior seja a proeminência do autor. Mas recusar-se a permitir, por pequenas querelas,
o prosseguimento das obras nas editoras e livrarias é, sem dúvida, a pior das opções.
Mas não só de descaso e querelas familiares
ou com editores vivem os herdeiros, há também a parcela deles que acredita em viver
da literatura que seus antepassados realizaram e deram a público.
Um país e um mercado em que as famílias brigam
e se digladiam por fatias de um bem que, na realidade, pertence a quem o elaborou,
o autor!! E bem que não deixará ninguém rico, porque, além das mazelas já comentadas,
há casos de grandes autores em excelência recusados pelas editoras, que precisam
viver dos livros que vendam. Geraldo Ferraz, por exemplo, com seu Doramundo, que virou filme sob a direção
de João Batista Andrade, mas não chegou às listas dos vestibulares, está nesse caso.
Doramundo?!? Procurem em sebos.
Hermilo Borba Filho, que nos brindou com seu
excelente O Coronel Está Pintando, não
está nas prateleiras das atuais livrarias, assim como Josué Guimarães que nos deu
Camilo Mortágua e se encontra escondido
do público por falta de publicação. Os exemplos são muitos e nem vale a pena citar,
mas me pergunto até quando os nossos grandes autores terão de ficar na fila das
listas dos vestibulares para serem aprovados para novas publicações depois de falecidos?
Sem citar os herdeiros e suas trapalhadas!
E ainda sem citar Espelho Partido, a trilogia de Marques Rebelo que retrata com estilo
e fantástico ácido humor várias décadas da vida cultural do Rio de Janeiro, mostrando
apenas nas décadas de 1930 e 1940 mais de duzentos personagens que o público acompanhou
em sua trajetória pública e que teve a última edição de sua obra publicada pela
editora Nova Fronteira no começo deste século e, depois do falecimento do autor,
jamais foi vista pelo público, mesmo contextualizando todo um movimento político-cultural
da segunda cidade mais fervilhante culturalmente deste nosso país. Se considerarmos
ainda que Marques Rebelo, pertencente à Academia Brasileira de Letras, foi dos grandes
escritores da nossa terra, tendo escrito, entre outras, obras primas como A Estrela Sobe – filmado em 1974 por Bruno
Barreto, além de obras vertidas para telenovelas – e Marafa – parcialmente filmada em 1963 por Adolfo Celi –, filiado que é à tradição literária iniciada por Manuel Antônio de Almeida, com seu Memórias de um Sargento de Milícias; Machado de Assis, de vasta obra; e Lima Barreto – talvez tenhamos a esperança de ver novas publicações de suas importantes obras quando os autores caírem em domínio público, ou quando chegarem às listas dos vestibulares.
Barreto, além de obras vertidas para telenovelas – e Marafa – parcialmente filmada em 1963 por Adolfo Celi –, filiado que é à tradição literária iniciada por Manuel Antônio de Almeida, com seu Memórias de um Sargento de Milícias; Machado de Assis, de vasta obra; e Lima Barreto – talvez tenhamos a esperança de ver novas publicações de suas importantes obras quando os autores caírem em domínio público, ou quando chegarem às listas dos vestibulares.
Há também o caso de Guimarães Rosa, o autor
mineiro, grande obra esquartejada na disputa pela divisão de direitos autorais;
vemos a neta carioca que não permite a reprodução de algumas poucas linhas dos poemas
de sua avó Cecilia Meirelles; vemos também bilheterias de teatro sendo fechadas
por falta de honestidade dos que receberam a concessão para levar peças de grandes
autores e aí aparece o outro lado da moeda – a falta de ética de certos empresários
que se apossam de obras, figuras ou nomes de autores sem comunicação com a família
a quem pertencem os direitos autorais.
Viver de direitos autorais de obras de antepassados
não é o caso, mas que esses autores sejam tratados como fantoches, fakes cujos nomes podem ser utilizados da
forma como qualquer pessoa desejar, isto já fica acima das raias do absurdo.
Caso óbvio acontece com nome, figura e obra
de Patrícia Galvão, a Pagu, que muito teve seu nome usado, desde um grande instituto
de pesquisa em São Paulo até brechós de pontas de ruas. Sei que os herdeiros de
Pagu tentaram falar com os responsáveis desse instituto, mas sequer foram recebidos
ou receberam resposta e nesse caso o nome que registraram para seu Instituto foi
o de Patrícia Galvão, a Pagu… como se Patrícia Galvão fosse nome público, quando
na realidade estão apenas usando, sem permissão de
ninguém, o brilho e a trajetória de um nome que representa uma família com filhos e netos. Fica a pergunta: como se pode confiar nas pesquisas desses profissionais se começam usurpando um nome de autora que existiu, tem herdeiros e nunca foi nome fantasia?!?
ninguém, o brilho e a trajetória de um nome que representa uma família com filhos e netos. Fica a pergunta: como se pode confiar nas pesquisas desses profissionais se começam usurpando um nome de autora que existiu, tem herdeiros e nunca foi nome fantasia?!?
Pagu, aliás, rendeu a seus herdeiros um elogio
do grande Augusto de Campos que, quando quis reeditar a obra que trata do mito –
Pagu, Vida – Obra –, foi recebido pelos
herdeiros, por eles encaminhado para a Cia. das Letras, que publicou o livro com
linda capa de Raul Loureiro, o que fez com que o mestre dissesse: “Vocês são os
únicos herdeiros simpáticos do Brasil!!!” Isto bem mostra o panorama em que vivem
os falecidos autores e seus herdeiros, mas mostra também que sempre será possível
fazer um mercado honesto de leitores neste “país que não é para principiantes”.
Escrever – aí começa a saga que só terá um
final feliz quando autores, seus herdeiros e editores perceberem de forma correta
que deixando de publicar grandes nomes e obras de nossa literatura apenas os fazem
novamente morrer, enterrados no esquecimento do grande público e quando todos esses
elementos da saga trabalharem apenas com a ambição de preservar os nomes e obras
desses autores junto ao grande público.
*****
LEDA CINTRA CASTELLAN (Brasil, 1959). Agente literária, jornalista,
tradutora e editora. Contato: leda.editoracintra@gmail.com. Página ilustrada com obras de Ana Mendoza
(Venezuela), artista convidada desta edição de ARC.
Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 26 | Abril de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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CNPJ 02.081.443/0001-80
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