segunda-feira, 29 de maio de 2017

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Duas vezes Florbela Espanca


1. A FLORBELA DE AGUSTINA

É o ano de 1979 que marca, de público, o interesse de Agustina Bessa-Luís por Florbela Espanca. Nessa mesma data a romancista dá à luz, pela Bertrand, ao prefácio à segunda publicação do livro de contos As Máscaras do Destino (cuja longínqua primeira edição remontava a 1931) e, ao mesmo tempo, pela Arcádia, ao Florbela Espanca, a vida e a obra. Este último volume, um alentado trabalho de 262 páginas, inclui uma antologia do material citado por Agustina na biografia, que ocupa pelo menos um terço do livro: 4 cartas da poetisa, a dedicatória de As Máscaras do Destino e 35 poemas extraídos da sua obra poética publicada até então. Além de nos oferecer o arguto olhar dessa extraordinária romancista, o volume também estampa uma inédita iconografia de Florbela. A única coisa a deplorar neste livro é ele não se encontrar a salvo de tantas gralhas, um bocado descuidado na composição gráfica.
As primeiras edições do Diário do Último Ano e d’O Dominó Preto, bem como os respectivos prefácios de Natália Correia (1981) e de Yvette K. Centeno (1982), são posteriores e, portanto, zona então ainda não franqueada aos olhos da romancista, apenas com exceção de alguns contos desta derradeira obra, que ela parece ter lido, seja no manuscrito original, seja na publicação do Portugal Feminino, datada de 1930.
Da bibliografia existente até essa altura sobre a poetisa, Agustina faz menção expressa apenas ao ensaio de José Régio (“Sobre o caso e a arte de Florbela Espanca”, 1946), ao prefácio às Cartas de Florbela Espanca, por Júlia Alves e Guido Battelli (1931) e ao incansável Lopes Rodrigues (Nótulas Florbelianas, 1956). Mas ela conhece, claro, muito mais do que isso: a biografia elaborada por Celestino David (1949), as cartas de Florbela lacradas por Guido Battelli na Biblioteca Pública de Évora, tendo compulsado certamente outros vários e muitos textos tais como o Florbela Espanca, de Carlos Sombrio (1947) e assim por diante.
Através de Agustina, ficamos sabendo até que a filha de Alberto Moutinho, primeiro marido da poetisa, se dedicava (sem muito espírito, aliás) à obra da ex-esposa do pai. Todavia, não há indícios do ensaio de Jorge de Sena (“Florbela Espanca ou a expressão do feminino na poesia portuguesa”, 1946), silêncio que pode ser mais estratégico que ignorante. Agustina prefere não tratar de Florbela por esse prisma, mesmo porque não considera feminina a índole da poesia. [1]
De resto, ela conta com o subsídio de inúmeras informações colhidas aqui e ali, ao longo da sua vida literária, de pessoas que conheceram a poetisa, de intermediários, de notícias de época veiculadas pela imprensa. Também as tertúlias que frequentou lhe renderam algumas impressões norteantes, sobretudo a que denomina de “balnear”, aquela de Vila do Conde, presidida por Régio no Diana Bar, e frequentada por Américo Durão. Além disso, como criatura extremamente curiosa e observadora pertinaz, Agustina angariou um elenco de pequenos informes, juízos, opiniões acerca da biografada, que a socorrem no que diz respeito sobretudo à vida de Florbela no Porto – derradeira parada no mapa itinerário da poetisa, província que Agustina domina soberana, como habitante, como cronista de costumes e romancista.
Muito embora fosse ela a única pessoa capaz de desvendar Florbela em todos os seus vieses e meandros, Agustina relutou muito a enfrentar esta empreitada. A escritora me narrou pessoalmente que, convidada a fazer o livro, deixou a questão em suspenso por um bom tempo, indecisa da resposta que daria ao editor. Estava nesse vai-e-vem quando, num belo dia, atendendo ao telefone, uma voz masculina pergunta-lhe se era “Bela” quem lhe respondia do outro lado da linha… Esse pequeno sinal mágico decidiu por Agustina e desencadeou de imediato o seu processo de escrita e o rápido assentimento ao editor. E não se trata de algo pelo qual a nossa romancista tivesse passado imune e ao largo, pois, segundo suponho, não é por acaso que o livro, ela o dedique à memória do seu irmão.
Mas essa resistência à Florbela não terá sido apenas externa ao trabalho. Sinais de postergação no enfrentamento de um interdito fascínio que a poetisa parece exercer sobre Agustina estão espalhados no andamento da sua escrita, que se ostenta como um verdadeiro work in progress, pulsante de variações intuitivas que produzem achados incríveis, quase que de imediato ultrapassados e fecundados sempre por outro, novo e surpreendente ponto-de-vista. As especulações de Agustina caminham, assim, em círculos sulcados com obstinação, mas redefinidos de maneira original a cada revisita, no sentido exatamente inverso ao do angustioso movimento infernal da repetição: maneira de a nossa romancista combater e de exorcizar, quem sabe na sua própria pele, aquilo que ela vislumbra como o dado mais fantasmático e aterrador da vida de Florbela. 
Regidos por motes que Agustina recorta da biografia ou da obra da poetisa, esses movimentos concêntricos, mas errantes e espantosos, vão também desbastando as próprias reservas que a romancista nutria sobre a poetisa. Assim se, de início, na página 40, Agustina confessa que, naquela altura, Florbela não a interessava e que a julgava um tanto desprezível, mais adiante, à página 127, Florbela há de ser dita “um dos mais admiráveis poetas nossos de todos os tempos”. Mérito da romancista, mas também da poetisa que já ganhara, à página 86, uma intimidade de coleguinha por parte de Agustina que, num jeito só seu e indiscernível entre zombaria e discreta alfinetada, se referira a ela com a naturalidade que a camaradagem conquistada permite:
“É uma infame essa Florbela. Uma pegazinha, uma cabotina, uma batoteira no jogo dos corações solitários. Imita as divas do cinema, mas nela transparece sempre a bastarda com poses de leitora num parque. Sangue de criada e de remendão, doida por esconder a campónia atrás das ‘mãos esguias, finas como hastes quietas’”. 
E não fica por aí a cumplicidade que ambas vão entrançando no transcorrer dessa escrita. Agustina não deixa de exercer a sua justiça poética, e bota em pratos limpos as coisas em torno de Florbela. E assim vai, ponto por ponto, questionando todos esses dados. Indica, por exemplo, as adulterações e omissões efetuadas por Guido Battelli na publicação das cartas da poetisa; coloca o testemunho do professor italiano sob suspeita, visto que usou de más intenções e de aleivosias contra ela – tudo isso dito assim mesmo, com todas as letras. Anota que as cartas lacradas por Battelli foram em seguida abertas, lidas e novamente lacradas por Celestino David. Alui, um tanto agastada, à “tendência publicitária” de Augusto d’Ésaguy, a seu “desplante” e a sua “efabulação” em se considerar “o maior amigo da pobre Florbela” e de Apeles, e em jactar-se de ela ter escrito, a seu lado, o Livro de Mágoas, de ter-lhe destinado “mais de cem cartas”…
O fato é que Agustina não deixa pedra sobre pedra: não poupa a ninguém, a começar pela própria Florbela – só que aqui não se trata de um desserviço, pois que tudo já começa a desaguar em já puro amor. Critica a maneira como os homens se postaram em volta dela, mais como curiosos que como amantes; ridiculariza as biografias e comentários sobre ela, porque carentes de espírito, redutores da realidade a uma “dimensão mesquinha”, a um “estado de pânico”. Porque Agustina se dá conta de que tudo o que importa sancionar a respeito de Florbela parece ser se ela era ou não recomendável para entrar “na família de qualquer negociante de panos”. Acusa seus comentadores de bisbilhotarem a sua alcova, seja para benzê-la ou para convertê-la num objeto de museu. Considera, por exemplo, que quase tudo que se escreveu sobre Florbela está impregnado dessa falta de profundidade e desse apego à memória mais extensiva que profunda; de maneira que a obra da poetisa não teve, para ela, ensejo de se emancipar da mais estreita interpretação libidinal, já que Florbela tem sido vista apenas à luz de uma baixa inclinação. De resto, seus biógrafos correm sobre a poetisa “uma cortina de pudores frívolos” e, quando não, se contentam em tratá-la apenas como uma “incompreendida”.
Agustina também bota a boca no trombone acerca das relações familiares de Florbela: espicaça as mesquinharias do pai João Maria, que herda tudo dos filhos que não perfilhou; insinua com razão sobre a incompetência médica de Mário Lage que nunca se preocupou em conhecer a verdadeira causa da doença que Florbela carregava desde a infância; se pergunta sobre a possibilidade de negligência médica por parte dele, já que franqueava à poetisa os barbitúricos que iriam matá-la, não descontando sequer, da parte dele, a “lucidez anormal”, e a “voz metálica e indiferente” ao telefone, quando se põe a anunciar a todos a morte de Bela. Aliás, Lage também é visto por Agustina como um “misantropo, um desses homens capazes de se afeiçoar a uma mulher ou a um cão, desde que eles personifiquem o lado degradado da vida, que permite ao seu protector vestir a couraça resplandecente do justo”.
A par disso, Agustina ainda há de nos fornecer interpretações absolutamente inaugurais acerca da morte de Apeles e de Florbela, e sacações ímpares sobre muitos episódios aos quais ela se debruça. E sua obra é simplesmente genial.
Sempre manipulando os recortes da vida de Florbela à guisa de motes para as tais variações interpretativas que não deixam sossegar a imagem que, a cada passo, ela nos ajuda a vislumbrar da poetisa, Agustina vai fazendo circular, ao longo do seu estudo, aquilo que pode ser considerado o seu método de trabalho, destrinçando e matizando a diferença entre biografia e romance. Também procede como uma riquíssima panoramista que vai vasculhando o estrato social e os costumes da sociedade onde se acomoda Florbela, caminhando desenvoltamente para frente e para trás do tempo, desenhando o seu contexto histórico, pintando retratos e avaliando a perspectiva das fotos em que Florbela posa, aprofundando as miudezas das expressões do seu rosto em contraste com os outros, trazendo à cena trechos de poemas, cartas, testemunhos, contos, propondo abordagens a respeito dos relevos psicológicos com que vai topando pela narrativa afora, varrendo o mundo com a sua curiosidade fecunda e num encadeamento personalíssimo de fatos, como se esboçasse, linguisticamente, uma paisagem impressionista. E cada foco de atenção é examinado nas suas possíveis aproximações as mais remotas com Florbela.
Enfoca a presença da família real em Vila Viçosa, seus hábitos e sua influência sobre a menina Bela; convoca a que se produza um necessário estudo sobre as relações entre profissões sedentárias e o poeta; efabula sobre as diferenças e proximidades entre o nortenho e o alentejano; comenta a eficiência das fábulas ouvidas na infância; manuseia trechos de obras lidas; pinta o retrato das sociedades da época, sobretudo da portuense e da lisboeta, os salões artísticos de época; demonstra o interesse de um estudo acerca da história do rebaixamento das profissões de pensar e dizer; critica a guerra e a crescente propensão dos gostos cínicos pela ruína (o bricabraque); esboça um tratado sobre o snobismo, etc. Agustina também propende a comparar Florbela a diferentes artistas: a Pessoa (a quem parece não apreciar muito), a François Villon, a Sá-Carneiro, a António Nobre, a Lou Andreas-Salomé, e a Flaubert, via Sartre. [2] Aliás, esta última biografia, O Idiota da Família, parece lhe servir de referência de interlocução para a que vai concretizando sobre Florbela. 
O objetivo principal de Agustina, tal como ela aventa logo de saída, seria o de compreender os versos de Florbela e a obscuridade das formas-pensamento que os inspiraram; daí que ela invoque, primeiro, o bardo, figurado como “um corpo neutro onde se dá a passagem do sonhador para a realidade”, para associá-lo à poetisa. Porque o erro mais comum aos biografistas sempre foi o de querer apreender a vida interior de alguém por meio de manifestações exteriores, de sua vida subjetiva e da superfície dos seus atos. A apreensão dessa vida espiritual é sempre secreta e dificultosa pois que é nela que se enraízam todas as espécies de metamorfoses, inclusive as da libido. Falham, nesse caso, todos os conceitos, os fatores emocionais e as palavras. “Inerente a todo composto da Natureza, há uma espontaneidade arcaica que o manifesto da civilização não consegue atingir”.
Assim, em alguns momentos, Agustina vai buscar extrair, por exemplo, do ancestral solo alentejano, recursos culturais de origem celta que possam abarcar certas manifestações em Florbela. De uma feita, ela aproxima o nome de Bela aos Belos, “Celtíberos com cheiro finício”, primeiros habitantes do Alto Alentejo. Em outro passo, busca esclarecer, através do contexto histórico da mulher celta, a ousadia e a independência moral de Florbela, o seu ambiente familiar sem hipocrisia e sem “confabulação moralizante”. Em outra instância, esse primordial socorro cultural pode ajudar a pensar o “hermafroditismo psicológico” que Régio surpreende na obra florbeliana e que Agustina depara na relação entre a poetisa e o pai, em que ela, identificada a um perigo e neutralizada pela imagem masculina paterna, responde comparando-se a ele e procurando conquistar, na sociedade, um lugar equivalente ao dele. Ora, este mito que, inofensivo no romance de amor, “se repete nos poemas e nas legendas galesas”, é próximo ao da “mulher-flor” que, segundo Agustina, “é ao mesmo tempo canibal dos pensamentos dos homens”.
Mas já aqui, esse recurso de Agustina se mescla a outro, de que ela também se vale: o concurso das lendas antigas, de dados do inconsciente coletivo, porque seria neste outro solo que se pronuncia o ciclo do cotidiano, visto que há em cada homem uma parcela de inocência ligada ao sentimento arcaico. É o caso, por exemplo, da relação entre Florbela e o irmão Apeles, cujas raízes Agustina reencontra na lenda da Dama do Lago e de Lancelote. Mas estes são apenas pequenos fragmentos do rol de formulações que Agustina põe em funcionamento para reconhecer o multívoco espírito de Florbela.
E esse esforço explica por que razão as biografias têm de ser obra “dum salvador profissional”. Elas têm por missão desentranhar um diagnóstico da sociedade que nada ostente de espetaculoso, mas apenas de inquietação, pois que o biógrafo tem de ser, ao mesmo tempo, o juiz e a imprecação de todo um povo. Ele se aplica sobre o incógnito, ao contrário do romancista que, em lugar de estudar, inventa e aceita presidir a uma assembleia recreativa que se destina ao ócio. De maneira que se hoje as biografias estão em decadência, isso se deve à falta de observação crítica e à substituição da vida espiritual pelo infantilismo pedagógico da nossa época.
Começando por cogitar Florbela à luz da interpretação de Régio (que ela reputa como a mais arguta), Agustina vai vasculhando a plausibilidade das categorias de “narcisimo”, “donjuanismo”, “hermafroditismo psicológico”. E já aqui vale uma consideração. Se examino o contexto em que Régio produz este ensaio sobre Florbela, observo que tais termos são tomados por ele diretamente da mão da crítica mais adversa à poetisa, com o fito de questionar (e tentar sustar) o desdobramento semântico que vinham trilhando ao longo de uma extensa polêmica que começa a tomar forma logo após a morte de Florbela, em 1931. Assim, da parte de Régio, a utilização de tal nomenclatura é uma formulação estratégica para tentar botar os pingos nos is e reverter literariamente tais conceitos, procurando discernir as falácias de que foram objeto a vida e a obra de Florbela desde então.
Não se trata de discorrer aqui sobre tal polêmica, mas lembro que a obra e a vida da poetisa, acorrentadas entre si numa relação mecanicista muito pobre, se prestaram como objeto de diferentes apropriações ideológicas e políticas, tanto da parte dos defensores quanto de seus detratores, que agregaram para sempre a “anormalidade” e a “doença” tanto à imagem de Florbela quanto à sua obra. [3] De maneira que Agustina, percorrendo tais termos como possibilidade de acesso ao desvendamento de Florbela, e adicionando a esses outros tantos do mesmo jaez, toca na chaga viva, na nervura, no coração mesmo das discussões mais acirradas sobre a poetisa.
Certa de estar aplainando e estacando as palpitantes e irrequietas argumentações da romancista, que se desenvolvem erraticamente da forma como já mencionei, vou procurar apenas delinear a trilha (digamos, psicanalítica) da sua interpretação. Agustina toma como eixo implícito ou explícito da sua leitura de Florbela a “neurose de abandono” que se agrega à poetisa desde a infância, o que de certa forma condiz com os posteriores síndromes, sobretudo com algo que se manifesta como “hipocondria” e como “histeria”. Mas convém que se esclareça logo que não é para depreciar Florbela que Agustina alude à neurose e seus afins. Para ela, a arte participa desse estado anormal da psicologia humana, de modo que a “arte psicopatológica” envolve todos os poetas do século.
Assim, em Florbela, há mais “um estado de degenerescência comum aos artistas” que propriamente uma “psicose”. Há um “estado de atrofia retardado por um desgaste particular de energia”, seguido por “períodos de reconstituição”, cujos sinais podem ser presenciados na sua obra.
Há, na origem dessa “neurose”, uma “mensagem de cólera” do pai Espanca aos dois filhos, mensagem que irá para sempre esmagá-los. Ambos sabem que João Maria os vê como os “filhos da traidora”, mas não admitem tal realidade com receio de perderem sua proteção, já que o pai representa para eles uma defesa contra o mutável. E olhe que entre o nascimento e a puberdade, essas crianças conheceram três mães diferentes! Assim, a disponibilidade amorosa do pai constitui uma forte prova de independência, de imunidade ao sofrimento. Sendo, pois, que não puderam contar com o amor destruidor da “mãe ginocrata”, receberam, em troca, tal mensagem do pai que, em Apeles desenvolve o rasgo competitivo, a embriaguez de diferenciação, a mania da notoriedade, a obrigação que carrega desde a infância de se superar a si próprio. Em Florbela, seu aspecto mais positivo se concentra na confiança que ela deposita nos tutores, nos amigos, bem como no total desprendimento de haveres e de objetos patrimoniais. Todavia, suas atitudes bizarras, sua estranheza (traduzida por Agustina como a “mania de agonizar sem testemunhas”), o isolamento obstinado, a sobranceria, o desdém, os sentimentos de inferioridade ou de superioridade, de angústia, o seu snobismo – são sempre um atestado da sua luta contra as mudanças.
Assim, Bela exerce tais medidas repressivas contra esse terror que provém do laço mágico com o pai, que se traduz na visão de um “universo de miasmas insuportáveis”, de maneira que vive em estado de vulnerabilidade total. Com a instalação da “depressão”, muito provavelmente após o aborto sofrido em 1918, a “neurose” teria se instalado definitivamente nela, exibindo todas as suas perturbações típicas em crescendo ao longo da sua vida: a emoção exaltada, o esgotamento, as insônias, a intolerância aos alimentos, às pessoas, ao gênero de vida, as dores de cabeça, as infecções, toda a espécie de repugnâncias físicas e morais, os remorsos físicos, a apatia, o alheamento, a instalação de um certo bovarismo e, então, a irascibilidade, o desapego, a frigidez, os acessos de cólera e de exibição, a deambulação frenética, e, por fim, uma espécie de sono, de preguiça, de hipnose frente ao mar, de passividade suicida.
Mas essa “doença”, que se manifesta como uma hipocondria tática e muito eficaz – pois que Florbela conhece que pode ficar doente quando bem entende – desempenha, na verdade, o papel de uma “expressão conciliatória”, de uma forma de ganhar tempo, de não encarar o pai “naquele grande litígio dos dois”. A fixação na imagem do médico, que é sempre seu íntimo amigo e, por fim, seu marido, a figura daquele que lhe trata as doenças e a quem sempre precisa recorrer, seria a maneira de “desconversar” nela o conflito edipiano.
Assim, Antónia Lobo não representa para ela a mãe protetora, mas a própria criança sujeita a todos os golpes e acidentes da vida. Diante dessa imagem, Florbela recusa para si a expressão feminina (daí sua disponibilidade para o “hermafroditismo psicológico”) como forma de se ligar ao pai – seu principal litigante –, já que ele se mostrara pouco compassivo com aquela outra mulher. Portanto, enquanto se coloca como amiga do pai, encontra-se a salvo e nada pode recear na sua integridade, o que significa, em síntese, que a sua vida se perfaz como um permanente exercício de reivindicação.
Todavia, ao lado desse estado de rendição, se desenvolve outro, o da completa insubmissão. De modo que a mãe se torna, para ela, também um pretexto, um castigo a infligir ao pai. Assim, ao longo da vida, para assimilar as censuras do pai quanto a seus divórcios e casamentos, Florbela toma a aparência da mãe, chegando mesmo a adotar o que julga ser o seu caráter. Comete os mesmos erros que supõe ela ter cometido e até a ultrapassa – certamente para obrigar o pai a pagar caro a injúria que lhe faz, maneira de exercer a sua represália. Os versos de Florbela representariam, ao nível da arte, tal complexo pessoal, e seriam, pois, antes uma forma de perversidade, de agressividade sexual, de incapacidade genital, que propriamente um transbordamento de amor.
Segundo Agustina, por tudo isso, o seu descontentamento parental leva-a a visionar um nascimento superior e extraordinário que, através da poesia, lhe restitui o manto e o ceptro, nobreza que contrasta com a sua história familiar. Na vida real, o culto do traje, a necessidade de privar com gente distinta, o seu caminho de esteta são formas de sublimar o desprezo pela sua origem. Assim, Florbela erige os seus sonetos, suas casas seguras, suas paredes protetoras contra quaisquer invasões da realidade. Deste modo, a monja ideal que ela cria na sua poesia corresponderia a uma “intermediária entre ela, submissa e desorientada, e o poder paterno que a ameaça e que ela deseja conquistar”.
No episódio que Agustina denomina de “amor de praia”, ocorrido na Figueira da Foz em 1912, ela identifica, por fim, a enigmática e célebre decepção a que Florbela sempre alui. É nele que ela vai também situar o início, na poetisa, da divisão entre o convencional e o intelectual. Porque teria sido aí que Bela obtém a revelação da sua pequena importância social, representada pela calúnia que a impede de desfrutar a legítima aspiração a esse enigmático amor. [4] Por meio desse entrave, ela teria reconhecido, na sua realidade parental, a fonte da sua desclassificação social e da sua ausência de direitos na sociedade que, afinal, lhe hão de decretar a própria morte, uma vez que esses sentimentos se recrudesceriam aquando do seu derradeiro casamento.
Segundo Agustina, a posição elevada da família desse terceiro marido que ela considera culto e bom, desperta nela uma certa desorientação que a endereça a uma “vaga de retraimento”. Por isso mesmo, ela tem ensejo de se conscientizar do caráter ilegítimo do seu nascimento, das suas quedas, das suas vulgaridades opiniosas. Como diz Agustina, Florbela está perdida: “morre por efeito daquele marido de quem se sente honrada e orgulhosa”. A paixão seguinte e final por Ângelo César, amante-advogado que converte o problema do amor em lógica absoluta, torna-lhe a vida impossível. A partir de então, Florbela entraria num processo de paralisia histérica, em que a morte se exerce enquanto opção passiva. Agustina diz que Bela não se mata porque está infeliz, mas porque se tornou magnânima – porque assim conheceu as leis eternas (Lao Tsé).
De modo que, em Florbela, o desejo sexual é apenas um símbolo que define o estado ilimitado a que ela aspira, possibilitando-lhe reportar-se à bem-aventurança da primeira infância, porque é somente como irmã que ela sinceramente se entrega. Ceder, pois, a um homem é o contrário duma tentação erótica, é uma tentação de demissão absoluta e que culmina na morte. Florbela prefere, na alcova, ter muito mais a um homem que cuide dela, que ter ali um homem como amante. Assim se explica a sua “estética ascética”, que é prova da uma inibição que o tempo apenas agravará. Sóror Saudade é o símbolo duma fuga ao prazer, fuga que está implícita nos seus casamentos, que são atitudes autopunitivas, maneiras de se professar. Em realidade, as suas paixões seriam falsas e vividas apenas no transbordamento dos versos.
De modo que o amor, para ela, é um “delírio de discordância”. Florbela despertaria, pois, não propriamente paixões físicas, mas do tipo obsessional materno: seus homens preferidos não são do tipo provocador, são mais do gênero calmante que revulsivo: sérios, recatados, mais do gênero insípido que brilhante – funcionários públicos, advogados, médicos sobretudo.
E este texto já vai se estendendo muito além do que previa. São tão arrebatadoras as diferentes teses de Agustina sobre a poetisa, que elaborei aqui apenas um recorte que constrange a sua densa polifonia. Mas não quero encerrar sem ao menos referir dois achados que reputo geniais.
O primeiro deles é o de que Florbela vivia a poesia como uma doença: a poesia lhe oferecia a curva da febre, o arrepio do delírio, a pulsação do cardíaco em crise, a inspiração do derradeiro momento. A poesia era o desvio da doença – o seu filme.
O outro é o que especula o seu amor por Anto. Que Florbela gosta dele por causa do… nome, porque este tem o dom de concentrar toda a sua aspiração existencial. Seu sobrenome sintetiza o ultrapassamento do trauma do seu nascimento: a nobreza de origem. Além do mais, ele assina o masculino do nome da sua mãe: Antónia. António Nobre certamente significa para ela o regaço materno honrado com o nascimento que ela não teve e no qual deseja cair para sempre.
Talvez seja por isso, creio eu, que Florbela, nas suas célebres inversões de sentido com que pretende despistar sempre as nossas mais trabalhadas interpretações, tenha se referido a si diante dele, António Nobre, não como a sua filha, mas como a sua mãe.
No soneto que lhe escreveu em 21 de julho de 1916, e que se encontra no manuscrito Trocando Olhares, ao qual Agustina não poderia ter tido acesso naquela altura, pois que apenas em 1986 será dado à luz, Florbela confessa:

Amo-te como te não quis nunca ninguém
Como se eu fosse ó Anto a tua própria mãe
Beijando-te já frio no fundo do caixão! [5]

Mas isso não é o que pensa Eugênio Lisboa que, na sua recensão crítica sobre o livro de Agustina, publicada em março de 1981, [6] censura o método da romancista, que, segundo ele, procede sistematicamente violando “todas as regras do jogo” da biografia, dizendo “n’importe quoi sobre n’importe quoi ou qui: há como que uma vertigem das palavras que mutuamente se atraem para comporem um combinado cujo sentido final escapa ao admirador de mais boa vontade”, que também se associa ao “desejo escorregadio de faire profond”.
  Aliás, essa irriquieta interpretação de Florbela dá de fato nos nervos de Eugénio Lisboa, que não se conforma de Agustina oferecer, para o mesmo fato, “três explicações diferentes e que mutuamente se liquidam”, já que não atina que o seu trabalho, a missão biográfica, pode bem se exercer melhor enquanto um exercício de especulação.
Mas a coisa me parece mais simples que isso: como Agustina se recuse a enregelar Florbela numa única imagem ou ponto-de-vista, já que todo o ser humano é incapturável (e Agustina, como romancista, é quem mais sabe disso), ela vai testando, sobre o mesmo fato, diferentes hipóteses, até as mais estapafúrdias, porque sempre uma ou outra podem resvalar na verdade pessoal da poetisa. E o que você tem ao final do livro é, como afiancei, uma biografada extremamente viva e surpreendente, porque não é apenas uma, mas um feixe de hipóteses móveis, erráticas. Não será, pois, esta – a mais exata imagem de Florbela Espanca?

2. DE FLORBELA PARA PESSOA. COM AMOR [7]

Teriam Pessoa e Florbela se conhecido? Teriam (ao menos) ouvido falar um do outro? Viveram ambos na mesma Lisboa em trânsito da República para o Salazarismo, freqüentando os mesmos ambientes: o Chiado, a Brazileira, o Martinho da Arcada e o Martinho do Chiado, a Bertrand e a Livraria Inglesa. Todavia, nunca houve (até onde se saiba) comprovação alguma sobre um pretenso conhecimento mútuo. Nem Florbela o menciona nos seus escritos, nem Pessoa a menciona nos seus, muito embora a poetisa esteja inserida na edição póstuma (de 1944) da Antologia de Poemas Portugueses Modernos, organizada por ele e António Botto; [8] muito embora haja (no espólio de Pessoa) um poema (encontrado em 1985 por Teresa Sobral Cunha) dedicado à poetisa, e posterior a 1930, uma vez que consagrado “à memória de Florbela Espanca”. Nessa peça datilografada, sem indicação de autor, a poetisa é invocada como “alma sonhadora/irmã gêmea da minha”. [9]
Pessoa nasceu seis anos antes dela e a ela sobreviveu por cinco anos. Criado na Cidade do Cabo (África do Sul), ele retornaria em definitivo a Lisboa aos 17 anos (em 1905). Florbela, oriunda do Alentejo (Vila Viçosa), freqüenta de tempos em tempos a capital, aonde viria residir em 1917, quando conta 23 anos, ocasião em que vai se separar do seu primeiro marido (o professor Alberto Moutinho). Na altura, tinha ela como fito a freqüentação da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde será contemporânea de António Ferro, de Alfredo Pedro Guisado (gente da convivência do poeta), além de outros como José Gomes Ferreira, Norberto Lopes, Botto de Carvalho, Américo Durão, José Schmidt Rau, Augusto d’Ésaguy, por exemplo.
Pessoa viverá permanentemente em Lisboa até o final da vida, enquanto Florbela deixará a capital em meados de 1920, ano em que abandona a Faculdade para conviver com aquele que vai se tornar o seu segundo marido (o alferes da Guarda Nacional Republicana, António Marques Guimarães). Segue para o Porto (Matosinhos e Castelo da Foz) retornando a Lisboa em 1922 para ali permanecer até 1924 quando vai de novo residir no Porto (em Matosinhos). Mas mesmo nessa posterior época de sua vida, em que se casa pela terceira vez (com o médico Mário Lage, também do Porto), a poetisa viaja com constância a Lisboa, freqüentando os mesmos ambientes que Pessoa, sempre atenta à vida literária do país, como se pode constatar através da sua epistolografia. Da sua parte, Pessoa acompanha em direto os acontecimentos culturais não só de Portugal, como também da África do Sul, da Inglaterra e da França, e participa ativamente da Renascença Portuguesa, d’A Águia, da Contemporânea, da Athena (por exemplo), sem mencionar que ele próprio cria (em 1915) a mais significativa de todas elas – a revista Orpheu.
Teria sido possível, então, que Florbela não tivesse ao menos lido ou ouvido algum comentário sobre Pessoa aquando do escândalo do Orpheu? Contemporânea daquele que dirigira o terceiro número desta revista (que nunca veio a lume), Florbela conhecia Fernanda de Castro, esposa de Ferro, desde quando esta fora namorada de Américo Durão. Foi a ela que Florbela telefonou para se despedir antes de (ritualisticamente) se matar no dia do seu aniversário de 36 anos.
Também é de se convir que a campanha a favor do erguimento do seu busto no Jardim Público de Évora, em que Ferro desempenha dúbio papel a partir de 1931, polêmica que monopoliza os principais críticos de então (José Régio, Jorge de Sena, Vitorino Nemésio) – tenha sido pelo menos do conhecimento de Pessoa. Sobretudo se se leva em conta o referido poema do seu espólio.
Por outro lado, Apeles, único irmão da poetisa (desaparecido precocemente em 1927), era praticante das artes plásticas, ele mesmo pintor e acompanhante cativo da irmã no tempo em que ela está em Lisboa. É de se supor que ele a tenha levado a alguma exposição dos modernistas, pois que trabalhara na Ilustração Portuguesa, onde também Almada Negreiros publicava. Foi, aliás, Apeles quem projetou para Florbela a capa não aproveitada para a edição do seu Livro de Sóror Saudade, estampada depois, na Ilustração, em que comparecem várias aquarelas suas.
Outro fato de grande repercussão desse período é o deplorável episódio da Literatura de Sodoma, que envolvera, em 1923 (ano em que Florbela dava à luz o referido Livro), a obra de dois amigos de Pessoa: a Sodoma Divinizada, de Raul Leal, e as Canções, de Antonio Botto. Daí que Pessoa se obrigue a uma intervenção pública que se fez notória. No olho deste furacão (um dos maiores escândalos literários do Portugal Republicano), se encontrava uma terceira personagem: Judith Teixeira. Ela viria a ser (dois anos depois) a primeira diretora feminina de uma revista de artes, a requintada Europa, onde Florbela publicaria o soneto “Charneca em Flor” e onde Almada Negreiros estamparia suas gravuras.
No entanto, Pessoa tomara o partido dos dois amigos sem tocar no nome de Judith. Tal omissão talvez se explique mercê da sua falta de interesse pelo trabalho das mulheres escritoras (que ele considerava “invertidas”) ou, quem sabe, da decisão de não se manifestar sobre a literatura que não lhe dizia respeito. Aliás, na sua correspondência inédita (organizada por Manuela Parreira da Silva em 1996), conhece-se a carta destinada a Adriano del Valle, em que Pessoa declara que Judith Teixeira “não tem lugar, abstracta e absolutamente falando” entre os maiores desse episódio. [10] Mas essa que não era assim tão “maior” quanto ele pretendia, fora vítima (como os seus amigos) desse estridente affaire, sendo o seu livro recolhido e incinerado pela mesma mão censora…
O volume de poemas Decadência (obra de estréia de Judith) foi arrastado ao caminho da execração pública. Ataques incessantes desferidos contra a sua autora se sucediam a cada obra que ela insistia em publicar depois. Passou-se coisa semelhante com o Nua. Poemas de Bizâncio; com o Castelo de Sombras; com a sua conferência De Mim. Judith se viu então bombardeada por uma certa imprensa, alvo de baixas caricaturas, onde é retratada de maneira indecente, apodada de “desavergonhada”, de escrever “porcarias sexuais”, a ponto de Amarelle (o caricaturista de plantão) a encarnar como uma viande de paraître”! É bom não esquecer que, dentre os mais fervorosos detratores de Judith, se acha o jovem Marcelo Caetano… [11]
Vilipendiada de muitas maneiras, Judith desaparece da cena pública portuguesa, mudando-se não se sabe para que lugar do mundo, só retornando a Portugal em 1952, apenas para morrer. O caso de Judith Teixeira é bem o de um pungente e forçado suicídio em vida! [12]
Por sua vez Florbela, embora tivesse passado em brancas nuvens pela crítica portuguesa no transcorrer de sua curta vida, fora, durante esse mesmo sopro “justiceiro” do ano de 1923, de repente apercebida e (por isso) muito ultrajada pelo jornal católico A Época. Seu Livro de Sóror Saudade é acusado de ser uma obra “pagã” e sua autora uma “escrava de harém”. Impingem-lhe (nessa admoestação) que se purgue do que escreve pedindo “perdão” e purificando seus indignos lábios com… “carvão ardente”! [13]
Se tais destratos não chamaram a atenção de Pessoa para Florbela, é bem provável que outra matéria ardente, transcorrida (na mídia portuguesa) em 1930, em sobressaltados capítulos alimentados com a presença da polícia internacional em Portugal – pudesse ter atraído o olhar de Florbela. Refiro-me ao confuso “desaparecimento” do Mago inglês Aleister Crowley em Cascais, na Garganta do Diabo, evento que contou com Pessoa como cúmplice e coadjuvante. É certo que, justo na altura deste episódio rocambolesco, Florbela recebia em Matosinhos o seu derradeiro fã, o professor italiano Guido Battelli, que se ocupava (então) das provas tipográficas do Charneca em Flor (volume que só viria à luz postumamente). Mesmo assim, os ecos sensacionalistas de Pessoa, transbordantes do noticiário nacional, não a teriam alcançado por lá?

Crowley tinha 55 anos quando, em setembro de 1930, chega a Lisboa desembarcado do "Alcântara" e acompanhado da jovem alemã de 19 anos, a Miss Hanni Larissa Jaeger, conhecida também como a “monster escarlate”. Dias depois, com a ajuda de Pessoa, o enigma é encenado nessa falésia marítima rochosa de difícil acesso (a Boca do Inferno ou a Garganta do Diabo) na estrada de Cascais. Crowley planta ali pistas que apontam tanto para o seu suicídio quanto para o seu assassinato, fatos amplificados pelos jornais em alvoroço.
O Notícias Ilustrado publica (em 5 de Outubro de 1930) um longo testemunho de Pessoa onde se reitera o desaparecimento do Mestre. E (a partir daí) o poeta vai botando lenha na fogueira por meio de outras tantas entrevistas, acrescentando, a cada vez, mais um e outro detalhes. E o suspense vai rolando até que a polícia constate que, numa fronteira portuguesa, fora registrada a passagem do Mago (vivo, inteiro, sadio e bem-acompanhado da Miss Jaeger) a caminho de… França. Fica-se então a saber que Crowley tinha sido agente duplo (dos ingleses e dos alemães) durante a Primeira Guerra e que usara o forfait português como expediente para poder se mandar a salvo (e com a sua acompanhante) para a Alemanha, onde passara a viver. Pessoa, no entanto, há de sustentar (até o fim) a morte e a ressurreição de Crowley, chegando mesmo a escrever uma novela sobre tal episódio. [14]
Como é notório, na década de sessenta, Crowley será recuperado pelos movimentos de contracultura. Ele comparece na foto coletiva do Sargent Pepper’s Lonely Heart Club Band (o célebre LP dos Beatles); é homenageado pelos Rollings Stones, pelo Led Zepellin, pelo Iron Maiden, pelo Black Sabbat, por Ozzie Osborne, por David Bowie e pelo brasileiro Raul Seixas. E há ainda outros desdobramentos que lhe dizem respeito: Mick Jagger (do Rolling Stones) interessa-se até em comprar a Mansão Boleskine, a célebre residência do Mago à beira do Lago Ness que, todavia, acabou sendo vendida a Jimmy Page (do Led Zeppelin) que, por sua vez, a revendeu ultimamente a um importante clã esotérico da Escócia.
Sobre Miss Jaeger (a acompanhante alemã de Crowley na travessia “ocultista” pela Boca do Inferno), os jornais referem suas tiradas exuberantes nos restaurantes de Lisboa, suas cenas histéricas nos hotéis da região, bem como nas proximidades de Cascais. Tereza Rita Lopes suspeita mesmo que Pessoa tivesse ficado vivamente impressionado por essa mulher com quem (é possível) ele parece ter atuado nos rituais satânico-mágico-sexuais de Crowley. Sobre ela, Pessoa teria escrito um poema que se conclui assim:

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como? [15]

Florbela teria ignorado tais lances pessoanos? Difícil saber. Em tempos diversos e por transversos caminhos, ambos foram editados pela Seara Nova, revista dirigida (dentre outros) por Raul Proença. De Pessoa, seria publicado postumamente ali um poema do ortônimo, o Liberdade: “Ai que prazer/Não cumprir um dever,/Ter um livro pra ler/ E não o fazer!”; e, de Florbela, um poema dedicado a Proença, o “Prince Charmant”, onde ela se queixa de nunca encontrar aquele por quem vive aguardando. [16] Aliás, esta temática do desencontro amoroso é uma das mais persistentes na obra da poetisa, que espera inutilmente pelo Amado, pelo Eleito, pelo Desejado, pelo Infante, pelo Príncipe Encantado. Infelizmente, é o desacerto que domina essa cena. Ou o Desejado passa e não a vê, pois que chega antes e ela depois; ou ambos se vêem mas não se reconhecem; ou ambos nascem em épocas distintas e, embora feitos um para o outro, jamais hão de se topar.
Por outro lado, a tópica do eu dividido ou multiplicado está por toda a parte em ambos. Em Florbela, a dispersão ou a presença de muita gente dentro de si encarna uma questão que remete às fantasmagorias do feminino, aos desdobramentos culturais da mulher. Para Pessoa, esta constante se põe de outra maneira (e também como um topos da modernidade), visto que (em Pessoa) há uma determinação de ser muitos para sentir tudo de todas as maneiras – como se está farto de saber. Florbela, por seu turno, é imparavelmente uma e outra e outra: é a irmã, a sedutora, a impossuível, a voluptuosa, a panteísta, a amiga, a sóror, a pária, a Princesa Desalento, a deusa, a Infanta do Oriente, a Castelã da Tristeza, a Princesa Encantada. Ela sofre (como se identifica) de um “pavoroso e atroz mal”: o de trazer “tantas almas” a rir dentro da sua. [17]
Também surpreende-se outro ponto de contato entre ambos ao cotejar-se a correspondência amorosa de Pessoa a Ophélia com a de Florbela a Guimarães – aproximação que só se tornou possível a partir de 2008, quando foi dado a lume o montante inédito das cartas amorosas de Florbela àquele que ia se tornar o seu segundo marido. [18] Aquando da troca dessa correspondência, ambos os casais vivem na mesma cidade de Lisboa, e praticam – espantosamente! – a mesmíssima estratégia de encontros amorosos!

Em final de 1919 e início de 1920, Florbela continua oficialmente casada com seu primeiro marido, muito embora não viva mais com ele. É nessa data que ela conhece António Marques Guimarães, solteiro e alferes da Guarda Nacional Republicana, e por ele se apaixona, mas a situação embaraçosa impede que eles se vejam e se falem. Assim, a única maneira que engendram para estarem juntos com certa discrição é a de se encontrarem “casualmente” dentro de um coletivo; para o caso, dentro de um… elétrico. De resto, a combinação é muito bem urdida: Florbela toma, na frente da sua casa, um elétrico e, algumas paragens depois, Guimarães entra no mesmo transporte. Demonstrando provável surpresa em vê-la ali, ele a cumprimenta, acomoda-se a seu lado e a acompanha até o final da linha, retornando em sua companhia. Mas em vez de descerem, os amantes (de acordo com as carências de momento e a urgência das conversas) prosseguem no transporte até que possam se despedir condignamente. Isso significa que acontece de irem e virem (do início ao fim da linha) quantas vezes forem necessárias para botarem os assuntos em dia. Daí que escolham inapelavelmente o trajeto mais alongado: o do Dafundo ou do Lumiar ou do Poço do Bispo.
Numa de suas cartas, Florbela (já refeita do extenso percurso diurno, e com muito bom humor) confessa que hoje (11 de março de 1920) está cansada de tanto “movimento”. E pergunta ao namorado:

Então, Vossa Mercê digna-se mostrar satisfeito do passeio à Conchinchina? Eu estou fatidagíssima, e nem as extravagantes e complicadíssimas viagens de Júlio Verne, nem mesmo a da lua ou a das cinco semanas em balão, me poriam mais estafada e me dariam maior vontade de criar raízes num qualquer sítio. Parece-me que me curei da minha paixão pelo eterno movimento, e que estou uma menina pacata e bem educada, pelo menos por três dias: achas pouco?!… [19]

O espantoso nisso tudo é a enorme coincidência.
Logo no início do namoro, Pessoa e Ophélia também atravessam uma fase de clandestinidade. As razões são bem outras: Pessoa evita se comprometer e não quer ser apresentado à família da namorada; pretende, sim, manter a relação em sigilo – e se valem, ele e Ophélia, de semelhantes recursos. Preferem trilhar as linhas do… elétrico e, aliás, as mesmas escolhidas pelo casal florbeliano! Elegem os mesmos trajetos palmeados por Florbela e Guimarães e (para culminar!) os percorrem durante os mesmos meses em que também o casal florbeliano os perfaz!
Numa carta do poeta para Ophélia, já da última fase do namoro (a 14 de setembro de 1929), ele relembra saudoso essa prática do primeiro tempo do relacionamento, a que apoda de encontros… “ao acaso”. Cito-o:

Pequenina:
Gostei muito da sua carta, mas gostei ainda mais do que veio antes da carta, que foi a sua própria pessoa. Enfim, a viagem entre o Rocio e a Estrela, que não costuma ser uma coisa muito transatlântica de beleza, foi ontem duas vezes agradável, salvo no fim da segunda vez, porque, por ontem, acabou ali. Se tivesse sido, em vez de transatlântica, transvidiana (curiosa e inexplicável expressão!), teria sido preferível até ao preferível a tudo que foi. (…)
Se um dia qualquer por um daqueles lapsos em que é sempre agradável cair de propósito, nos encontrássemos e tomássemos por engano o carro do Lumiar ou do Poço do Bispo (35 minutos), haveria mais tempo para estarmos encontrando-nos ao acaso. [20]

Por outro lado, enquanto Florbela nomeia o destino sensual da sua viagem com Guimarães como sendo aquele de ida à “Conchinchina”, no código amoroso do casal pessoano, a linha erótica que eles tomam segue em direção da “caça aos pombos”, no rumo do “Pombal” ou da “Índia” – que é como eles a mencionam na intimidade. Na falta dessas “viagens”, Pessoa confessa a Ophélia (em carta de 24 de setembro de1929) que:

Queria ir, ao mesmo tempo, à Índia e a Pombal. Curiosa mistura, não é verdade? Em todo o caso é só parte da viagem.
Recorda-se d´esta geografia, Vespa vespíssima?

Nos testemunhos de Ophélia (que abrem a edição das Cartas de Amor de Fernando Pessoa por Mourão-Ferreira), a ex-namorada do Poeta também refere tais longas travessias. Conta ela que, sobretudo após a greve de maio de 1920, Pessoa a convidava costumeiramente para esses longos itinerários, propondo-os desta maneira:

que tal se nos enganássemos e nos metêssemos num carro para o Poço do Bispo? [21]

Tais testemunhos podem levar a supor que, praticando o mesmo estratagema amoroso de encontro clandestino para iguais destinos (e isso na mesma faixa temporal de meados de 1920), [22] os dois casais pudessem (quem sabe?) terem-se visto ou se cruzado dentro dos mesmos transportes coletivos… E por que não?!
A crer no Fado, não é impossível que Florbela e Pessoa tenham se notado ou (mesmo não tendo se apercebido um do outro) que tenham compartilhado não só de uma, mas de várias dessas viagens “transvidianas”! E, nesse caso, a tópica do desencontro em Florbela pode adquirir todo o sentido para além da sua poética, a ponto de se ancorar na própria realidade.
Quem garante que Pessoa não pudesse ter sido, para Florbela, o tal Prince Charmant tão aguardado durante toda a sua vida? Quem garante que ela (por um golpe do destino) não o pudesse ter reconhecido, en passant, como tal? [23]
Certamente há nisso delírio. Mas, sob tal impulso de verossimilhança, eis aqui cinco poemas que estimulam essa versão. Compostos da perspectiva da Florbela depois de morta, e, portanto, de uma Florbela já conhecedora destas derradeiras especulações e suspeitas, de uma Florbela-leitora-assídua da obra de Pessoa, os poemas compõem uma espécie de missiva, de fragmentos de cartas escritas por ela para (desde a eternidade) para conversar com ele. Podem (por isso) suscitar uma nova epistolografia, quem sabe uma epistolografia transcendental, visto que é plausível que Pessoa (cavalheiro como era) lhe responda… O conjunto é dedicado a uma secreta pessoa entre ambos – o Eduardo Lourenço.

1.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos
eu era infeliz
e já estava morta.
Filha ilegítima de pai incógnita, irmã de ninguém mais,
nunca
(ao volante do chevrolet pela estrada de
Cascais) tive direito a truques
ou psicografias.

Nesta negra cisterna em que me afundo
prendi espinhos
sem tocar nas rosas. Caro me cobraram a audácia
mas nem o Crowley conheci. Perdi-me
para me encontrar
e por fim achei-me:

ao pé de uma parede sem portas.

Quis amar, amar
- e amei perdidamente…
mas por dois maridos seguidos
(e desigualmente)
fui dobrada
à moda do Porto.

Mas tu, Fernando, mesmo
te afundando na garganta do diabo

(de Miss Jaeger? Olha que não é Mick Jagger
mas Jimmy Page quem vive na Boleskine
à beira do Lago Ness)

- sabiamente te ocultaste por baixo da
gabardine e do teu oblíquo guarda-chuva,
seguindo atento pra além doutro oceano, ocultismos adentro.
Sempre te restou intacto e seco (ó Pacheco!)
o digno fato negro de mago
das palavras
e de cavalheiro das moças.

Mesmo
dos teus flagrantes delitros fizeste humor… Mas foi
num desses copos que afogaste Ophélia. E as outras –
Mary (com quem lias Burns)
Daisy, Cecily, Chloe
a noiva em cio do epitalâmio
Lídia, Neera, Maria
a monster escarlate
e mesmo as invertidas (como tu dizias)
- todas têm-te em alto apreço.

Mas o que foi feito de Freddie, o Baby?!
Ignoramos, Campos. Somos estrangeiros onde quer que estejamos.

2.

No dia em que festejavam os meus anos
festejam
hoje
a minha morte.
Já não ouço passos no segundo andar, estou
sozinha com o universo inteiro. Oh inexplicável horror
de saber que esta vida é a verdadeira! Qualquer que seja ela
é melhor que nada!
Perante a única realidade que é o mistério de tudo
(e tudo é certo, logo que o não seja)
confesso-te, Nando:
sempre te esperei.

Emissário de um Rei desconhecido passaste (entanto)
ao largo desta Princesa Desencanto,
órfã e órfica!
Jamais vieste ter comigo naquela rua da Baixa e no entanto cruzaste por mim
que vim ao mundo só para te achar –
embora na vida nunca me encontrasses!

Prince Charmant,
vi-te nas névoas da manhã
quando ias de carro prô Lumiar.
Seguias (recordas tal estranha geografia?) para o Pombal e para a Índia,
e eu para a minha Conchinchina.
Ah, as malhas que a República tece! Comigo,
o meu Alferes;
contigo, a tua Bebé das calcinhas rosas,
a hamleteana amorosa.

No entanto, Fernando, jamais pressentiste
que fosse eu
a Olga dos oráculos?! Aquela
de que tens saudade sem saber por que?
Aquela que, na noite voluptuosa (ó meu Poeta!),
é ainda o beijo que procuras?

E entretanto, tu, ou alguém por ti na tua arca
(e é do último sortilégio que se trata)
tem afirmado seres a alma gêmea, igual a mim,
nesse pavoroso e atroz mal de trazer tantas outras a gemer dentro da minha!

Mas por que chegaste tarde, ó meu Amor?
Que contas dás a Deus
passando tão rente a mim

sem me encontrares?!

3.

E agora que te vejo e que te falo
não sei se te alcancei
se te perdi.
É que guardo
antiga zanga contra ti, Fernando. Deploro o que não fizeste por Judith
e por sua troupe de toda a Europa
- gente que, afinal, ficou sem eira nem Teixeira!

Quem incinerou-lhe os versos só lhe viu
a carne Nua que viande de paraître
e tosquiou-a verrinamente em esfinge. Mas era também
De Mim que ela falava, de todas nós, as outras:
do nosso direito à vida, à ética, à arte – à luxúria!
E pensar que tu, Pessoa
(honra da Literatura de Sodoma!)
só foste leal ao Raul e ao Botto (o invejoso):
Judith jamais te existiu!
Seria a tua célebre fobia a… trovoadas?

Noto que uma ignota linguagem fala em nós, Álvaro!
Sempre conheceste, afinal,
alguém que tivesse levado porrada!

Mas hoje que a tarde é calma e o céu tranqüilo:
- cadê o teu decadentismo?
Teus Poemas também são de Bizâncio, caro Íbis,
e (talvez por isso)
foste embirrar com a única mulher modernista!

Deveras. O dia deu em chuvoso.

4.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos
uma como que lembrança do meu futuro féretro me estremece o peito.
Nesta hora absurda
(pousada sob o fausto do meu claustro de Sóror Saudade –
ó suntuoso túmulo de morta!)
virada no avesso e sem meus ossos
- tropeço na sombra lúgubre da Lua que
lá fora (Satanás!)
seduz!
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
e não estou de bem com Deus só por medo do Inferno. Que ninguém
me faça a vida! Deixem-me ser eu mesma!

Esta sou eu – a Bela
a Intangível, a leve águia na subida
 – tal como resultei de tudo.

Ah, um verso meu de amor
que te fizesse ser eterno por toda a eternidade,
ó Desejado, Eleito, Infante, Amante!
Minha boca guarda uns beijos mudos
minhas mãos uns pálidos veludos, e noite e dia
choro e rezo e grito e urro –
e ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…

Se me quiseres, Fernando,
hás de ser Outro e Outro num momento
princípio e fim, via láctea fechando o infinito!
Eu sonho o amor de um deus!…

Vê, repara, Nando, dá-me as tuas mãos…
Alguma coisa em mim nasceu antes dos astros
e viu
lá muito ao longe
começar o sol…

5.

Se ridículas são todas as cartas de amor
as minhas
(em verdade)
não passam de uma necessidade voraz
de fazer frases…
Tão pobres somos, Nando,
que as mesmas palavras usamos
para afirmar ou falsear.
Mas aclara-me, Fernando:
o que impede um vero e injusto Fado
de ser criado?!

Tudo coexiste! O mundo
é uma teia urdida só de sonho e erro.
A vida… branco ou tinto, é o mesmo: é
pra vomitar!

Brindemos ambos, inda que não mais possamos:

- viva o bicarbonato de soda!

NOTAS
1. Agustina assevera que “o seu génio [de Florbela] não é feminino, como nunca o é nos poetas. A poesia não é feminina. Ela inventa-se em frustrações da líbido, em imaginações gloriosas da vontade. A poesia participa do carácter da perversão, que é sempre uma sublimação; a poesia é apenas uma sublimação apreciada. Não é, portanto, feminina. O eterno feminino é uma maturidade suprapessoal. A mulher nunca se define como isolada do seu próprio corpo, e portanto constrangida pela sua sexualidade. Ela atinge o todo na maternidade; o homem busca o todo no objectivo sexual, e, por conseguinte, no processo da sua sublimação.”
2. Sempre é muito temerário afirmar com exatidão qualquer coisa sobre Agustina. Acerca de Pessoa, parece que ela não o aprecia deveras. Todavia, pode ser que o contexto onde ela assim se expressa explique, algumas vezes, apenas uma ironia ou quem sabe uma desinteligência relativa aos pontos-de-vista do modernista. Deixo ao leitor o julgamento que, para o Eugénio Lisboa que cito a seguir, está firmado em “mau sentido”.
Por exemplo, comparando Florbela a Pessoa e estendendo-o às posições de Wittgenstein, Agustina observa que Pessoa não era um escravo da inteligência, mas seu copista; assim, da perspectiva de Wittgestein, Pessoa, que não era um bom professor, devia ser um mau poeta.
De resto, ela considera que a poesia de Pessoa seja a história duma “personalidade que se desorganiza”, pois que “a malformação do eu obriga o poeta a um intercâmbio de relações circulares”, o que explicaria a presença dos heterônimos. O que nele envolveria o leitor corresponde “à crise de originalidade do esquizofrênico incipiente”. Porque “certa brutalidade” (tomada como audácia) face ao pensamento agrada. Assim, o que faz a celebridade de Pessoa é um “aflorar ligeiro sobre o sentido profundo das coisas”, uma “tendência à distração”, uma “superficialidade da adaptação” que, todavia, são sintomas de “degenerescência”. O fato de que isso encontre uma receptividade extraordinária no leitor comum é uma “expressão de insuficiência não só intelectual, como moral e afetiva”.
3. Remeto o leitor para alguns dos meus estudos sobre a referida polêmica: “Florbela: um caso feminino e poético” (Poemas de Florbela Espanca. São Paulo, Martins Fontes, 1996 (est. introdutório, org. e notas de Maria Lúcia Dal Farra, pp. V-LXI) e Florbela Espanca (Rio de Janeiro, Agir Editora, 1994).
4. Segundo se averiguou depois, este dito “José” não passa de criptônimo de João Martins da Silva Marques, a quem não convinha identificar na altura, oriundo de Redondo, Alentejo, e que tornar-se-ia mais tarde assistente da Faculdade de Letras de Lisboa e diretor da Torre do Tombo. Florbela o teria conhecido na Figueira da Foz em setembro de 1912, quando se encontrava em casa do seu padrinho Daniel da Silva Barroso. Nesse episódio, aparentemente a família dele (sobretudo a mãe), que privava com ministros, teria sido responsável pela separação do casal apaixonado.
5. Cito-o a partir da minha edição Poemas de Florbela Espanca.
6. No número 60 da Colóquio/Letras de Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian).
7. O presente texto resulta da pesquisa narrada em duas conferências: a de abertura da IV Abraplip, em Manaus, UEA (“Florbela e Pessoa: um caso de amor?!”, em 06/11/2012) e a do Festival do Desassossego, na Casa Fernando Pessoa (“Homenagem ao Haquira Osakabe”, 10/06/2014, dedicada a Inês Pedrosa).
8. Publicada em Coimbra, pela Editora Nobel. A primeira edição em fascículos é incompleta e data de 1929, vinda à estampa pelo Centro Tipográfico Colonial de Lisboa.
9. Este poema (identificado como ESP. E3/66A-39 da Biblioteca Nacional de Lisboa) foi publicado por mim como epígrafe de Florbela Espanca, Trocando Olhares (est. introd., est. do texto e not. Maria Lúcia Dal Farra). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994. Segundo Jerónimo Pizarro, que me faz a gentileza de esclarecer por email (11/05/2015), “o poema em questão é de Eliezer Kamenezki e figura no livro Alma Errante (1932), prefaciado por Pessoa”. (Alma errante: poemas/Eliezer Kamenezky; pref. Fernando Pessoa. – Lisboa: Of. Graf. da Emprêsa do Anuário Comercial 1932).
10. Cf. PESSOA, Fernando. Correspondência inédita. Organização de Manuela Parreira da Silva. Prefácio de Teresa Rita Lopes. Lisboa: Livros Horizonte, 1996.
11. Todas as informações em pauta foram colhidas em TEIXEIRA, Judith. Poemas. Lisboa: & etc, 1996, com prefácio de V.S.T. e “Scriptorium” de Maria Jorge.
12. Cf. DAL FARRA, Maria Lúcia – “Judith Teixeira”. Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português (coordenação de Fernando Cabral Martins). Lisboa: Editorial Caminho, 2008. Lembro que acaba de ser publicada (março de 2015) a obra completa da poetisa, com organização e estudos introdutórios de Cláudia Pazos Alonso e Fabio Mario da Silva: Judith Teixeira. Poesia e Prosa (Lisboa: Dom Quixote, 2015), que achega mais luz à vida e à produção desta (tão maltratada!) única poetisa portuguesa modernista.
13. Remeto o leitor ao meu ensaio “Florbela: um caso feminino e poético”, publicado em Poemas Florbela Espanca (ed. prep. por Maria Lúcia Dal Farra). São Paulo, Editora Ática, 1996.
14. É bom consultar, a respeito, a obra de um parente de Pessoa, Miguel Roza, que compila textos e faz considerações em torno: Fernando Pessoa, Aleister Crowley – Encontro Magick, seguido de A Boca do Inferno (novela policiária) . Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.
15. Citado por Teresa Rita Lopes em “O falso virgem”. A estudiosa declara não resistir a “acrescentar que esta mulher lhe enviou cartas de grande intimidade, o que me leva a crer que Pessoa participou de alguma maneira nos rituais satânicos, mágico-sexuais, que ela realizou com Crowley durante a estadia em Lisboa.” Egoísta, Número Especial. Lisboa: Casa Fernando Pessoa, junho 2008.
16. Segundo me esclarece (no mesmo email de 11/05/2015) Jerónimo Pizarro, Pessoa  foi um searista póstumo - em 1942 - porque o censor de 1935 percebeu as alusões a Salazar em "Liberdade". O soneto “Prince Charmant” de Florbela, dedicado a Raul Proença, foi publicado na Seara Nova a 1 de agosto de 1922.
17. De resto, o soneto referido, o intitulado “Loucura” (constante do póstumo Reliquiae), é textualmente citado em “À Margem Dum Soneto”, conto de Florbela, em que se tematiza uma poetisa e uma romancista que padecem literalmente desse estado de “despersonalização”. Cf. “Loucura”. Reliquiae. Poemas Florbela Espanca. Opus Cit. p.299. Cf. também “À Margem Dum Soneto”. Florbela Espanca, Afinado Desconcerto (org. Maria Lúcia Dal Farra). São Paulo: Iluminuras, 2012 (ed. atualizada).
18. Refiro-me à publicação dos então inéditos em Florbela Espanca. Perdidamente (Correspondência Amorosa 1920-1925). Fixação de texto, org. apres. e notas de Maria Lúcia Dal Farra, pref. de Inês Pedrosa. Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi/Câmara Municipal de Matosinhos, 2008.
19. Cf. Perdidamente. Opus Cit. A página citada diz respeito a tal edição.
20. Cartas de Fernando Pessoa (org. posfácio e notas de David Mourão-Ferreira, preâmbulo e estab. do texto de Maria da Graça Queirós). Lisboa/Rio de Janeiro: Edições Ática/Livraria Camões, 1978. Atento também para o fato de que (já hoje em dia) podermos contar, para o estudo desta (completa) epistolografia, com a edição de Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz. Correspondência amorosa completa 1919-1920 (org. Richard Zenith e pref. Eduardo Lourenço). Rio de Janeiro: Capivara, 2013.
21. “O Fernando e eu”. Relato da Exma. Senhora Dona Ophélia Queiroz, destinatária destas Cartas de Fernando Pessoa, recolhido e estruturado por sua sobrinha-neta Maria da Graça Queiroz. Opus Cit.
22. O período referido compreende o espaço temporal do final de 1919 (a primeira carta de Pessoa data de 28 de novembro de 1919, e a de Florbela, não sendo possível precisar, data, pelo menos, de longo período antes de 4 de março de 1920) até 6 de julho de 1920, no caso de Florbela, ou até 01 de dezembro de 1920, no caso de Pessoa.
23. Estou pensando sobretudo no poema “A une passante”, de Baudelaire…



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MARIA LÚCIA DAL FARRA (Brasil). Poeta e ensaísta. Autora de Livro de Auras (1994), Livro de Possuídos (2002) e Alumbramentos (Prêmio Jabuti 2012), além do volume de ficções Inquilina do Intervalo (2004). É titular aposentada da Universidade Federal de Sergipe e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/Brasil), sendo um dos quatro membros integrantes do Comitê de Assessoramento de Letras (CAL) do mesmo Conselho. Foi professora na USP, na UNICAMP, na Universidade de Berkeley (Califórnia) e tem publicados em Portugal e no Brasil: As Pessoas de uma Incógnita (sobre as Inéditas de Fernando Pessoa, em 1977), O Narrador Ensimesmado (sobre a obra de Vergílio Ferreira, em 1978), Alquimia da Linguagem (sobre a obra de Herberto Helder, em 1986). Dedica-se desde 1983 ao estudo de Florbela Espanca sobre quem publicou (também no Brasil e em Portugal) os volumes: Trocando Olhares (1994), Florbela Espanca (1996), Poemas de Florbela Espanca (1996), Afinado Desconcerto (2002), À Margem dum Soneto/O Resto é Perfume (2007), Perdidamente (2008) e Sempre Tua (2012). Página ilustrada com obras de Nelson Screnci (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 28 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
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