segunda-feira, 29 de maio de 2017

PAULA VALÉRIA ANDRADE | Murilo Mendes, o poeta moderno e surrealista


O que dizer desses poetas que vivem sem grandes estardalhaços, como observadores de um cotidiano medíocre de onde flui uma fonte de riquezas de significados e significantes que eles transformam em poemas que eternizam suas sensibilidades? Machado de Assis era funcionário público, Carlos Drummond de Andrade também, Guimarães Rosa, Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Murilo Mendes foram diplomatas. Passeavam pelo mundo as suas almas brasileiras de olhares atravessados e devolviam, em arte, a presença física que certamente fez falta ao Brasil do seu tempo.

Murilo Monteiro Mendes nasceu mineiro em 13 de maio de 1901, e logo em 1902 perdeu a mãe. Cresceu interno no Colégio Salesiano e já em 1920 era funcionário do Ministério da Fazenda, onde conheceu o pintor-poeta Ismael Nery. Em 1924 ambos se aproximaram do surrealismo, estilo que marcaria a obra dos dois. Ismael Nery morreu cedo, Murilo Mendes teve uma vida longa, publicou mais de quinze títulos e deixou vários originais inéditos ao morrer com 75 anos, em Lisboa, onde foi enterrado.

Seu primeiro livro Poemas, publicado em 1930, ganhou o prêmio Graça Aranha. No mesmo ano saiu Bumba-meu-Poeta e, em 1933, História do Brasil. Traduzido e publicado com dois títulos na França, oito na Itália e três na Espanha, Murilo Mendes é, com certeza, um poeta universal. Sua trajetória passou pelo modernismo, participando do movimento desde a Semana de Arte Moderna, em 1922. Recorreu à paródia como linguagem, escreveu sonetos, mas se encontrou no surrealismo.

Entre os seus poemas anteriores a l930, podemos observar que, eram sempre carregados de humor, e apresentavam uma análise humorística do Brasil provinciano. Nos escritos posteriores, e em tom mais grave, o autor revela o homem angustiado diante do Bem e do Mal e ultrapassando, algumas vezes, esse mesmo dilema, isto sim, transporta-o para o plano metafísico.










Murilo destacou-se por seu senso de modernidade. Sua poesia, repleta de inusitados oníricos conteúdos e de imagens originais no cotidiano, foram tingidas pelo surrealismo, e uma linguagem muitas vezes religiosa, porém de preocupação com o social. Seus processos surrealistas e de montagem da estrutura poética, abriram espaço para esta sequência onírica, obtida por meio de combinação associativa. A justaposição sintática e o usar constante do simbólico, deram muito mais cor e sentido aos seus versos.

Em seu livro Tempo e Eternidade, 1935, escrito em colaboração com Jorge de Lima, vemos a influência de Péguy e Claudel, a linguagem e imagem religiosas presentes e impressas nas imagens terrestres e contrapostas ao tempo e espaço. Em outras obras, encontramos a obsessão pelo caos; a presença do eterno-feminino, tensionada entre o profano e o sagrado, expostos que são por rupturas e colagens. Suas características nítidas de estilo, são a exatidão métrica, o respeito à semântica, o emprego de séries compactas de nomes e verbos, encontrados em Contemplação de Outro Preto, 1954. E finalmente, em 1970, Murilo Mendes publica Convergência, um livro de poemas vanguardistas com influência do concretismo.

Em 1943, Murilo ficou tuberculoso e foi internado em Correias. Naquele mesmo ano também perdeu o pai. Casou-se tardiamente, aos 47 anos. E desenvolveu uma carreira fora do Brasil. Publicou em Paris, A Janela do Caos e em 1953 foi para a Europa em missão cultural. De 1953 a 1955 percorreu diversos países da Europa, divulgando, em conferências, a cultura brasileira. Pronunciou diversas conferências na Bélgica e na Holanda. Em 1957 se estabeleceu em Roma, onde lecionou Literatura Brasileira e trabalhou como professor na Universidade de Roma ocupando também a cadeira de Cultura Brasileira. Ganhou prêmio na Itália em Taormina. Manteve-se fiel às imagens mineiras, mesclando-as às da Sicília e Espanha, carregadas de história. Foi também curador da Bienal de Veneza. Um homem de muitas faces e muito fôlego.

Murilo Mendes é um poeta capaz de falar de Deus, mulheres, emoções, sentimentos sociais, imagens oníricas, visões metafísicas, e de grafitagens nos muros, em poemas orientais.

Ele mesmo se definiu:

Me colaram no tempo, me puseram uma alma viva
e um corpo desconjuntado.
Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo
A leste pelo Apostolo São Paulo,
A oeste pela minha educação.


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PAULA VALÉRIA ANDRADE nasceu carioca, viveu em São Paulo e atua como poeta, escritora, cenógrafa e figurinista para teatro, TV e cinema por 25 anos. Publicou IriS digiTaL Poesy(a) (2005), seis livros infantis com prêmios Jabuti, APCA, FNLIJ, White Ravens, A Arte em Todos os Sentidos (2000) e participou de sete antologias internacionais. Residiu em San Francisco (Califórnia) por dez anos trabalhando com teatro, poesia e a web TV. Página ilustrada com obras de Nelson Screnci (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.



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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 28 | Junho de 2017
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