O que dizer
desses poetas que vivem sem grandes estardalhaços, como observadores de um cotidiano
medíocre de onde flui uma fonte de riquezas de significados e significantes que
eles transformam em poemas que eternizam suas sensibilidades? Machado de Assis era
funcionário público, Carlos Drummond de Andrade também, Guimarães Rosa, Vinícius
de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Murilo Mendes foram diplomatas. Passeavam
pelo mundo as suas almas brasileiras de olhares atravessados e devolviam, em arte,
a presença física que certamente fez falta ao Brasil do seu tempo.
Murilo Monteiro Mendes nasceu mineiro em 13 de maio de
1901, e logo em 1902 perdeu a mãe. Cresceu interno no Colégio Salesiano e já em
1920 era funcionário do Ministério da Fazenda, onde conheceu o pintor-poeta Ismael
Nery. Em 1924 ambos se aproximaram do surrealismo, estilo que marcaria a obra dos
dois. Ismael Nery morreu cedo, Murilo Mendes teve uma vida longa, publicou mais
de quinze títulos e deixou vários originais inéditos ao morrer com 75 anos, em Lisboa,
onde foi enterrado.
Seu primeiro livro
Poemas, publicado em 1930, ganhou o prêmio
Graça Aranha. No mesmo ano saiu Bumba-meu-Poeta
e, em 1933, História do Brasil. Traduzido e publicado com dois títulos na França, oito
na Itália e três na Espanha, Murilo Mendes é, com certeza, um poeta universal. Sua
trajetória passou pelo modernismo, participando do movimento desde a Semana de Arte
Moderna, em 1922. Recorreu à paródia como linguagem, escreveu sonetos, mas se encontrou
no surrealismo.
Entre os seus poemas anteriores
a l930, podemos observar que, eram sempre carregados de humor, e apresentavam uma
análise humorística do Brasil provinciano. Nos escritos posteriores, e em tom mais
grave, o autor revela o homem angustiado diante do Bem e do Mal e ultrapassando,
algumas vezes, esse mesmo dilema, isto sim, transporta-o para o plano metafísico.
Murilo destacou-se por seu senso
de modernidade. Sua poesia, repleta de inusitados oníricos conteúdos e de imagens
originais no cotidiano, foram tingidas pelo surrealismo, e uma linguagem muitas
vezes religiosa, porém de preocupação com o social. Seus processos surrealistas
e de montagem da estrutura poética, abriram espaço para esta sequência onírica,
obtida por meio de combinação associativa. A justaposição sintática e o usar constante
do simbólico, deram muito mais cor e sentido aos seus versos.
Em seu livro Tempo e Eternidade, 1935, escrito em colaboração
com Jorge de Lima, vemos a influência de Péguy
e Claudel, a linguagem e imagem religiosas
presentes e impressas nas imagens terrestres e contrapostas ao tempo e espaço. Em
outras obras, encontramos a obsessão pelo caos; a presença do eterno-feminino, tensionada
entre o profano e o sagrado, expostos que são por rupturas e colagens. Suas características
nítidas de estilo, são a exatidão métrica, o respeito à semântica, o emprego de
séries compactas de nomes e verbos, encontrados em Contemplação de Outro Preto, 1954. E finalmente, em 1970, Murilo Mendes publica Convergência, um livro
de poemas vanguardistas com influência do concretismo.
Em 1943, Murilo ficou tuberculoso e foi internado em Correias. Naquele mesmo
ano também perdeu o pai. Casou-se tardiamente, aos 47 anos. E desenvolveu uma carreira
fora do Brasil. Publicou em Paris, A Janela do Caos e em 1953 foi para a Europa
em missão cultural. De 1953 a 1955 percorreu diversos países
da Europa, divulgando, em conferências, a cultura brasileira. Pronunciou diversas conferências
na Bélgica e na Holanda. Em 1957 se estabeleceu em Roma, onde lecionou Literatura Brasileira
e trabalhou como professor
na Universidade de Roma ocupando também a cadeira de Cultura Brasileira. Ganhou
prêmio na Itália em Taormina. Manteve-se fiel às imagens mineiras, mesclando-as às da Sicília e Espanha, carregadas
de história. Foi também
curador da Bienal de Veneza. Um homem de muitas faces e muito fôlego.
Murilo Mendes é um poeta capaz de falar de Deus, mulheres,
emoções, sentimentos sociais, imagens oníricas, visões metafísicas, e de grafitagens
nos muros, em poemas orientais.
Ele mesmo se definiu:
Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva
e um corpo desconjuntado.
Estou limitado ao norte pelos
sentidos, ao sul pelo medo
A leste pelo Apostolo São
Paulo,
A oeste pela minha educação.
***
PAULA VALÉRIA ANDRADE nasceu carioca, viveu em São Paulo e atua como poeta, escritora,
cenógrafa e figurinista para teatro, TV e cinema por 25 anos. Publicou IriS digiTaL
Poesy(a) (2005), seis livros infantis com prêmios Jabuti, APCA, FNLIJ, White
Ravens, A Arte em Todos os Sentidos (2000) e participou de sete antologias
internacionais. Residiu em San Francisco (Califórnia) por dez anos trabalhando com
teatro, poesia e a web TV. Página ilustrada com obras de Nelson
Screnci (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.
Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 28 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
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