Nascido em
Santos no dia 29 de setembro de 1935, Plínio Marcos de Barros, um dos maiores gênios
da dramaturgia brasileira contemporânea, foi um cara autentico e coerente com sua
época e tudo aquilo que acreditava ser importante para a arte teatral como agente
de transformação social. Mas ele também foi um menino feliz, filho de um bancário,
em uma família de seis filhos.
“A gente veio de
origem mais ou menos humilde, mas minha infância foi muito feliz, pelo menos foi
muito despreocupada. […] A única dificuldade que eu tinha era exatamente o colégio.
Eu não suportava a escola. Levei quase dez anos para sair do primário. E quando
saí já não dava mais para continuar estudando.”
Por conta disso, passou por um período na infância onde
o consideravam débil mental. O rotulo era atribuído por sua pouca capacidade de
concentração. Que ironia. Só se fosse um débil mental genial. Pois ele soube falar
da sociedade brasileira e sua cruel realidade, suas pregas e dobras, retratando-a
como ninguém. Sua percepção apurada da comunicação humana com suas nuances, o levou
a caminhos não antes explorados. Mas o que ele queria mesmo era ser jogador de futebol.
E até que foi por um tempo. E depois, acabou profissionalizado como funileiro. Em
seu certificado de reservista, sua profissão oficial o registrava como funileiro.
Vejam só, os caminhos escapatórias, alternativos e tortuosos de um artista brasileiro.
Mas sua arte pulsou mais forte. Sempre.
Aos 19 anos, entrou de vez para o circo, motivado por uma
moca que só podia namorar “gente do circo”. Mas desde seus 16 anos já atuava como
palhaço. Trabalhou em vários circos e viajou muito em sua vida circense. Depois
decidiu que queria mesmo era ser ator.
E foi em 1958, que ele se iniciou como autor/dramaturgo
de um dos maiores e mais pulsantes textos de sua obra, “Barella”. Retratou algo
grotesco do cotidiano: “Houve um caso, em Santos, que me chocou profundamente: um
garoto foi preso por uma besteira e, na cadeia, foi currado. Quando saiu, dois dias
depois, matou quatro dos caras que estavam com ele na cela. Fiquei tão chocado com
esse negócio todo que escrevi a Barrela .”
Sua obra completa compõe-se de 31 pecas, sendo 27 textos
para teatro adulto e mais quatro, para teatro infantil em quase quarenta anos de
carreira.Entre eles, dramas de linguagem popular, realistas e temas de exclusão
do considerado “teatro sujo” ou “maldito” como “Navalha na Carne”, “Dois Perdidos
numa Noite Suja”, “Quero, uma reportagem maldita” (publicado em 1976, ganhou o Prêmio
APCA de melhor romance do ano, antes de virar peça), “Mancha Roxa” (escrita em 1988,
foi um dos textos pioneiros sobre Aids no teatro brasileiro), mas também surpresas
líricas como dois musicais e uma opereta, inclusive um deles sobre o poeta e compositor
Noel Rosa. Ele também amava o mundo do samba.
Nesse mesmo ano de 58, curiosamente, por coincidência ou
não do destino, ele conheceu Pagu, a famosa militante comunista e escritora, Patrícia
Galvão, ex-companheira de Oswald de Andrade [ver artigo anterior]. Ele foi substituir
um ator para um espetáculo infantil que ela estava fazendo e rapidamente e em pouco
tempo, ficaram muito amigos. Sua influência sobre ele foi enorme. Como ele mesmo
contava, ela o estimulou muito a ler e estudar textos de bons dramaturgos e foi
através dela que conheceu “um grupo de intelectuais raríssimo”. Coisa de estar no
lugar certo na hora certa, com a turma certa “da hora”. Mas ao mesmo tempo, nesta
mesma época, Plínio já pertencia ao Clube de Poesia, do jornal O Diário, de Santos,
tendo várias poesias publicadas. E também se envolvia com o teatro amador local.Universos
paralelos de sua vida, cheia de diversidades.
Em 1960, mudou-se de vez para São Paulo. Trabalhou de camelô,
fez teatro infantil, se virou como podia e foi dirigido por Ziembinsky em “Cesar
e Cleópatra” fazendo as pontas de carregador de tapetes, guarda egípcio, entre tantas
outras dez coisas mais.A peca foi um fracasso. Mas ele ficou muito amigo de Cacilda
Becker. Curioso é que ao mesmo tempo, fazia uma ponta no Teatro de Arena em “O Noviço”
no último ato e fazia o maior malabarismo, pois saia correndo da companhia de Cacilda
(onde entrava no primeiro ato) e chegava correndo no Arena, a tempo de entrar em
cena. Três anos depois já escrevia para o programa TV de Vanguarda para a TV Tupi.
Por lá também trabalhou duro como técnico.
Em 1965, a pleno vapor, no auge do Teatro de Arena, teve
a grande oportunidade de sua primeira peça vir a ser encenada em São Paulo - “ REPORTAGEM
DE UM TEMPO MAU” - porem veio a censura para brecá-lo e tentar desanimá-lo. Mas
ele não cedeu e continuava a batalha árdua de ser artista e escritor:
Continuei
na luta brava. De manhã, vendia álbum de figurinha na feira, de tarde trabalhava
na técnica da Tupi e à noite fazia uns bicos como administrador do Arena.
Plínio Marcos foi um dramaturgo que sofreu na carne a censura
do governo militarista e chegou a ter o exercito cercando o teatro, além de policiais
procurando-o para impedi-lo. Mesmo assim, realizou sessões clandestinas varias vezes
e peitou as ordens dos generais, acreditando no seu direito de expressão. Suas peças
foram consideradas pornográficas e subversivas, principalmente porque continham
palavrão. Ele apenas tentava escrever como se fala, como os carregadores de mercado
trocavam idéias, ou então como se falava nas cadeias, ou mesmo nos puteiros. Mas
naquela época, ninguém queria saber. Ele simplesmente chocava. Durante a década
de 70, era considerado um maldito. Foi o próprio símbolo do autor perseguido pelos
censores. Aquele cara que incomodava a ditadura e a Censura Federal. Foi preso pelo
2º Exército em 1968 e liberado dias depois. Em 1969, foi preso em Santos novamente,
no Teatro Coliseu. Foi transferido mais tarde, do presídio de Santos, para o DOPS
em São Paulo. Além disso, foi detido em várias ocasiões para interrogatórios. Fato
ocorrido também com muitos intelectuais da época. Contou com a ajuda de seus muitos
amigos da classe artística, para ser liberado varias vezes.
Como autor, também colaborou para diversos jornais e revistas
escrevendo contos, reportagens, entrevistas e crônicas sobre diversos assuntos.
Alguns exemplos são: Diário da Noite, Folha de SP, Diário Popular, revista Veja.
E, desde 1968, manteve por dez anos – não ininterruptamente - uma coluna diária
no jornal Última Hora, SP. Muitas vezes criava seu trabalho primeiramente como literatura,
pois sabia que se lançasse o texto como peca, seria automaticamente censurado. Passou
a publicá-los antes de encená-los.
Mas vender livros também não era nada fácil e ele o fazia
naturalmente, sem constrangimentos. Afinal teve grande experiência como camelô e
isto não o intimidava. Batia papo com os passantes, interagia, contava histórias
e faturava sua grana. Vendia seus livros nas ruas, feiras de livros, nas portas
dos teatros, na porta do MASP e nos restaurantes paulistas: Gigeto, Giovani Bruno,
Orvieto, Piolim. Dito por ele mesmo: “Sabe, não é fácil vender livros em terra de
analfabeto com fome”. Assim tornou-se figura popular nas ruas da cidade e muitos
lembram-se dele nesta atividade.
Em 1980, as coisas melhoram um pouco e as peças Barrela e O Abajur Lilás foram liberadas pela Censura Federal. Barrela faz um enorme sucesso de crítica e de público· Vinte e um anos depois de ter sido escrita, essa peça-reportagem continua atualizadissima. Retrata a realidade dos presídios e ainda tem tremenda validade. Hoje em dia, quase cinco anos após sua morte, ainda vemos sucessos como o filme “Carandiru” ou até mesmo “OZ”, o seriado americano exibido na HBO. Ambos tratando do mesmo tema que Plínio Marcos de forma vanguardista introduziu na sociedade brasileira como reflexão sugerida através da lucidez a respeito de sua época, revelada em seu trabalho teatral. Veja sua opinião sobre o sucesso retumbante do espetáculo, mais de vinte anos depois de escrito: “Uma pena. Pena, porque os méritos não cabem à peça. É tudo culpa do país, que não evoluiu socialmente .”
Na década de 80, ele intensificou ainda mais, uma atividade
que já exercia antes: fazer debates e palestras em faculdades e universidades, teatros,
clubes e até mesmo em praças públicas, tanto em São Paulo, como em inúmeras cidades
de interior de todo o Brasil. Em 1979, na virada da década, por exemplo, fez 150
cidades. Segundo ele: “[…] é muito mais importante você transmitir pessoalmente
a sua experiência para o povo do que passar tudo somente através da arte. Eu sou
povo, e com ele me sinto em casa.”
Plínio Marcos foi muito além de dramaturgo e escritor,
ele também foi um polemico jornalista, trabalhou como repórter e até editorialista.
Um autor e artista totalmente imerso e conectado com seu tempo e a cultura de seu
povo. Seu trabalho sempre trouxe o retrato dos excluídos pela sociedade, antes mesmo
disso ser levado em conta por muitos intelectuais. Além de tudo, sua figura permitiu
o governo militarista revelar através da censura deslavada aos seus textos, o repúdio
do poder em relação a abordagem desse panorama de não-acesso a justiça e os direitos
humanos, do homem comum.
Lembro muito bem do dia de sua morte, ele faleceu em São
Paulo, em 19 de Novembro de 1999. Estava na ocasião, trabalhando no SBT, cansada
após um dia longo daqueles, quando de repente sobreveio a notícia pela televisão:
“Plínio Marcos faleceu hoje, seu velório será aberto ao público no saguão do Teatro
Sergio Cardoso.”
Parada por um instante em estado de choque, sofri com a
grande perda para a dramaturgia do Brasil. Sabia que ele estava hospitalizado, mas
entre idas e vindas, ele havia estado nessa, várias vezes nos últimos meses. Nunca
imaginei que dessa vez fosse para valer. Mas foi. Infelizmente. Dei alguns telefonemas
e corri para o Sergio Cardoso. Ao entrar, a cena visualizada foi a de, uma homenagem
digna de sua honra. Artistas conhecidos e desconhecidos, jovens iniciantes, estudantes
ou os famosos de longa data, mais estudantes de teatro, familiares, colegas, pares,
todos ali sofrendo unidos a perda da personalidade impar desse escritor-camelô,
como ele próprio se auto intitulava. Plínio Marcos se foi pouco antes da virada
do milênio. E com isso, muitos se sentiram desamparados, nessa nova entrada de era.
Mas felizmente, ele continua vivo em cada palco onde seu
texto está presente. A atualidade de sua obra se encontra vigorosa, em virtude do
número de montagens de suas peças, cada vez mais crescente pelo país afora, desde
2001. Você provavelmente já assistiu alguma.
Se quiser conhecer um pouco mais sobre sua vida e obra,
em detalhes contados e registrados por ele mesmo, visite o website <www.pliniomarcos.com> . E divulgue. Principalmente
para os amantes do bom teatro, tanto os que o fazem, como para aqueles que o assistem.
NOTA
No quarto
ano da morte de Plínio Marcos, entrou no ar, no dia 19 de novembro de 2003, o website
sobre o artista: http://www.pliniomarcos.com/index2.htm.
A intenção é de preservar a memória do dramaturgo e dar acesso a informações completas
sobre sua vida e obra, com base no seu acervo pessoal conservado por seus filhos.
PAULA
VALÉRIA ANDRADE nasceu carioca, viveu em
São Paulo e atua como poeta, escritora, cenógrafa e figurinista para teatro, TV
e cinema por 25 anos. Publicou IriS digiTaL Poesy(a) (2005),
seis livros infantis com prêmios Jabuti, APCA, FNLIJ, White Ravens, A
Arte em Todos os Sentidos (2000) e participou de
sete antologias internacionais. Residiu em San Francisco (Califórnia) por dez anos
trabalhando com teatro, poesia e a web TV. Página ilustrada com obras de Arcangelo
Ianelli (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.
Obras
de Arcangelo Ianelli que constam desta página:
1.
S/Título, óleo sobre tela, 150x200cm,
1978, Coleção particular.
2.
S/Título, óleo sobre tela, 200x160cm,
2001, Coleção particular.
3.
S/Título, óleo sobre tela, 200x160cm,
2001, Coleção particular.
4.
Requiem, óleo sobre tela, 250x200cm, 1990,
Acervo do Banco Itaú.
*****
Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 27 | Maio de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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