quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

CLAUDIO WILLER | Falar sobre Taanteatro

 


Falar sobre Taanteatro: devo fazer isso no modo mais ensaístico, ou memorialístico e coloquial?

Que bom quando podemos tratar de um movimento ou manifestação culturalmente relevante no modo memorialístico! Usar bastante da primeira pessoa! Abusar do coloquialismo! O mais importante: poder declarar e reiterar que participei efetivamente, não como integrante do grupo, mas como uma espécie de cúmplice ou de assistente especial!

Por isso, relatar passa a ser uma tentativa de traduzir experiências!

Por exemplo: ao assistir à preparação de cARTAUDgrafia – quando…? 2015…? – que foi tema de uma palestra minha. [1]

A encenação e subsequente palestra aconteceram na Oficina Oswald de Andrade, mas a preparação foi na sede rural do Taanteatro, em São Lourenço da Serra. O teatro não só como ritual, mas como celebração da superação dos limites entre o indivíduo e a natureza. Inesquecível. Não foi a primeira vez que caminhei no meio do mato naqueles contrafortes da Serra do Mar, felizmente ainda exuberantes. Mas dessa vez a caminhada se confundiu com uma criação artística, na qual o espetáculo e a presença da Serra do Mar se confundiram desse modo. Pisar no chão adquiriu significado especial.


rias outras experiências estimulantes com a Taanteatro. Uma delas, no espaço dos Corpos Nômades, ao falar sobre Gérard de Nerval tal como visto por Artaud. Após uma encenação de Artaud le Mômoou melhor, uma encenação em que Maura Baiocchi se transforma em Artaud le Mômo.

Por qual razão trouxemos Gérard de Nerval à cena, ao temário daquela sessão? Só sei dizer que sai de lá entendendo mais sobre o autor de Sylvia, As quimeras e A mão encantada. Por qual motivo Lautréamont fez parte da sessão? Nós – Wolfgang e eu – o havíamos escolhido, partindo da notória admiração de Artaud por Lautréamont? Ou o autor de Os cantos de Maldoror simplesmente foi entrando, ocupou um dos lugares daquele espaço para receber as manifestações que merecia? Registramos isso, gravamos, temos imagens? Arquivei o texto?

Houve um subterrâneo. O subsolo da Praça Ramos de Azevedo. Salas e um exíguo labirinto. Desses lugares de São Paulo que a cidade de São Paulo desconhece. O artista africano, convidado especial de Taanteatro, exibe seu teatro corporal. Taanteatro ressignificou os baixos da Praça Ramos de Azevedo.

Hieratismo. Ou melhor, o hieratismo dos limites do corpo. Teatro Viga no Sumaré. Palco, plateia, saguão – mas não após mostrar A Conquista do México de Artaud. [2] Continuamos na encenação, após seu encerramento cronológico. A adjacente estação Sumaré do metrô, onde eu e ela nos despedimos, também havia aderido à encenação. Composições do metrô seguindo em significativas direções opostas, sinalizando partidas, despedidas, matizes da escuridão.

A encenação de A Conquista do México foi a mesma de 1996, no MASP? [3] A ocasião em que conheci o Taanteatro, Maura e Wolfgang, a propósito do centenário de Artaud, [4] parceiros à primeira vista. Ou foi outra? Ou tanto faz? Na presente altura, quem dá importância ao princípio da identidade e da não-contradição? Foram momentos ou etapas de um fluxo. Do rio de Heráclito.


E houve mais! Uma esplêndida encenação de Os Cantos de Maldoror. Leram a minha então recém-relançada tradução, e a encenaram. Ou melhor, corporificaram. Na Biblioteca Mário de Andrade e na Funarte? [5]

Ideia para uma próxima palestra: partir da defesa do direito de contradizer-se de Baudelaire, e projetá-la em interpretações da obra de Artaud.

Aonde eu queria chegar: ao exame da peculiar espacialidade do Taanteatro. Eu sei que outros grupos e movimentos teatrais já haviam feito isso, já se haviam instalado em uma sede, ao mesmo tempo, aparecendo e desaparecendo em lugares muitas vezes insólitos ou imprevisíveis. Mas não desse modo, transformando-se em algo semelhante a assombrações, ocorrências do imprevisível (para quem não acompanha o cuidadoso planejamento).

Atração pela descoberta e ocupação de espaços, convertendo-os em cenários ou contextos de um ritual: acho isso coerente com o que Artaud pretendia. O que relata Anais Nïn: Artaud em pé no automóvel aberto, exclamando que é Heliogábalo, e Paris é a Roma decadente delírio, surto, ou realização de uma poética do teatro? Assim como, evidentemente, a famosa palestra no Le Vieux Colombier, que mudou a vida de pessoas que estiveram lá.

Trabalhar com Artaud é interminável. Estamos aí para atestar.

 

NOTAS

1. Nota editorial: infelizmente, o video da palestra referenciada por Claudio Willer, intitulada "Sobre Artaud” e realizada em 2015 por ocasião do projeto cARTAUDgrafia da Taanteatro Companhia, atualmente não está disponível on-line.

2. Nota editorial: o autor mescla os títulos. De fato, refere-se a cARTAUDgrafia 2: Viagem ao México.

3. Nota editorial: trata-se de encenações distintas. A Conquista do México foi uma encenação comissionada ao coreógrafo japonês Min Tanaka por ocasião da mostra internacional Artaud 100 Anos, idealizada por Wolfgang Pannek e produzida pela Taanteatro Companhia. Cf.: http://www.taanteatro.com/projetos/a-conquista.html.

4. Nota editorial: o autor refere-se à mostra internacional Artaud 100 Anos, realizada em 1996. Cf.: http://www.taanteatro.com/projetos/artaud-100-anos.html

5. Nota editorial: as encenações Os Cantos de Maldoror ocorreram em 1998 e 1999, tanto na Funarte SP quanto na Biblioteca Mario de Andrade. 

 


CLAUDIO WILLER | Poeta, ensaísta e tradutor, ligado ao surrealismo e à geração Beat. Publicações recentes: Dias ácidos, noites lisérgicas, relatos (2019), A verdadeira história do século 20, poesia (20162014), Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico, ensaio (2014), Manifestos, 1964-2010, (2013), Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia, ensaio (2010); Geração Beat, ensaio (2009), Estranhas experiências, poesia (2004). Traduziu Lautréamont, Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Antonin Artaud. Doutor em Letras na USP, onde fez pós-doutorado. Mais em http://claudiowiller.wordpress.com/about.

 


CANDELARIA SILVESTRO | Artista argentina nacida en Córdoba, en 1977. Expone desde el año 1998 en salas de arte, galerías y Museos públicos y privados. Su obra forma parte de colecciones públicas y privadas, nacionales e internacionales de Argentina, Brasil, Holanda, Estados Unidos. Desde el año 2000 colabora con la Compañía Taanteatro de Sao Paulo en la realización de escenografía, vestuario, video animación, objeto escénico y performer. Sus trabajos más recientes son una participación en el film internacional La Peste de Antonin Artaud junto a la Compañía Taanteatro, en 2020; además de una participación especial en el Festival de Ecoperformance 2021 (Compañía Taanteatro); una exposición de pinturas de gran formato inspirada en el paisaje de la Mar Chiquita “Bandada de Flamencos”; la performance Ophelia de Ansenuza, concepción, dirección y coreografía de Maura Baiocchi (Compañía Taanteatro); y participación en el filme Apokalypsis, dirección de Maura Baiocchi y Wolfgang Pannek – todo esto en 2021.
 

 

Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 03

Número 202 | fevereiro de 2022

Artista convidada: Candelaria Silvestro (Argentina, 1977)

Traduções de Wolfgang Pannek e Vadim Nikitin

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

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Um comentário:

  1. AGRADEZCO A CANDELARIA SILVESTRO POR INFORMARME DE ÉSTA REVISTA , POCO A POCO LEYENDO ARTÍCULOS. UN PLACER. SALUDOS DESDE CÓRDOBA ARGENTINA,

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