1. POESIA E POEMA
FM Antes de pensar nela como unidade isolada,
me atrai a ideia de palavra dada e modo de ver. Portanto, ao invés de ficar a
degustá-la como andorinha que solitária jamais fará verão algum, me ponho a propiciar
um encontro gozoso, uma orgia de significância, de valores. Esta é a realidade que
me interessa na palavra, a das inúmeras possibilidades de acasalamentos significantes
que elas permitem entre si.
GC Para a mística a palavra é dotada de poder
mágico, para a filosofia a palavra é conceito, para a literatura, ela é metáfora,
afinal, quantas são as faces da palavra?
FM Não se pode contrapor a essencialidade mística
a um plano conceitual ou metafórico. Situar essas unidades em isolado é não perceber
que elas existem como Unidade, ou seja, que são o que são justamente por serem complementares,
por haver entre elas uma ligação intrínseca, cuja dinâmica constitui a realidade
como a entendemos. Importa descobrir quantas faces tenha a palavra? Desde que não
nos limitemos a um mero exercício isolante, que tenha como consequência única a
geração de uma ideia distorcida de que uma coisa é a realidade da palavra e outra
a realidade humana. Aliás, muito da poesia brasileira que se veicula hoje, já a
partir do Concretismo, poderia ser comentada à luz dessa distorção.
GC E a poesia, é inspiração ou técnica, ou ambas?
FM Tampouco aqui interessa ficar a dissecar
esses elementos de uma química cuja importância radica justamente no resultado.
É preciso uma certa técnica para jogar ar nos pulmões da ideia, por exemplo. Ao
mesmo tempo, se técnica é prática, a grosso modo, como adquiri-la sem partir do
nada? Olhar para ambos os aspectos sem excessos de romantismo ou artificialismo.
Técnica não se contrapõe à liberdade. Nenhuma arte sobrevive sem ambas.
(Entrevista concedida a Gustavo de Castro, s/d)
*****
FF Usted como poeta, ¿cómo vive la libertad de su palabra?
FM Não há uma agenda mágica a ser seguida. O
dia é feito de um amontoado de expectativas, surpresas, acertos. Eu sou um franco-atirador.
A liberdade de minha palavra me custa sangue existencial, porém sem dramas, sem
excessos de autoestima. A rigor, viver não é um exercício fácil para ninguém. Acho
que os artistas em nosso tempo tendem a valorizar em demasiado sua condição, justamente
quando menos correspondem às expectativas em torno de suas obras e atitudes. Há
um teatro da imagem, algo patético. Tenho muito trabalho pela frente. Apenas isto.
(Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
*****
MM Toquei na Inspiração, palavra quase que absolutamente repudiada pela crítica e
grande parte dos artistas. Salvador Dalí, no entanto, tinha-a como um dos itens
indispensáveis à toda crítica, exegese. Drummond, ao final da vida, teve uma compreensão
parecida e foi duramente criticado pelo João Cabral por isso. Já o Chico e a Clarice
Lispector assumiam que lhes era impensável a criação fora desse estado. E você,
como escreve?
FM É uma bazófia qualquer rejeição à inspiração,
porque ela parte de um diálogo, do estar aberto, receptivo, ao que se passa no mundo,
a começar pelas inquietações individuais. No fundo, o que se dá é a velha luta cartesiana
de situar a razão como fonte única de conhecimento. Não parece incrível que poetas
brasileiros recusem a inspiração em um país tão profundamente marcado pelo catolicismo?
A que Deus nos entregamos tão cegamente?
(Entrevista concedida a
Mário Montaut, 2002)
*****
Arte
não é disputa, mas antes afirmação de uma perspectiva outra a ser considerada. Arte
não impõe, o que faz é discordar de mecanismos viciados, e o faz não teoricamente
mas sim com a presença estética de suas pretensões.
(Entrevista concedida a Mário Montaut, 2002)
2. SURREALISMO
JB ¿Existe el surrealismo hoy, dónde, cómo?
FM Siguen existiendo dos perspectivas del surrealismo:
la formación grupal, que todavía se puede verificar en varios países – en nuestro
continente, en Brasil, Chile y Estados Unidos, por ejemplo –, y la afirmación de
un estado de espíritu, la búsqueda de las fuerzas del instinto, del sueño, del subconsciente,
al mismo tiempo que una afirmación de la realidad. Todo esto, de una manera y otra,
absolutamente integrado con la libertad y el amor, al decir de Pellegrini, que “configuran
la vida integral del hombre”.
(Entrevista concedida a Jorge Boccanera, s/d)
*****
MS Probablemente el siglo de los ismos… ¿No te parece que podría ser interpretada
como una opción “trasnochada” la de reivindicar el surrealismo a principios del
siglo XXI, practicamente un siglo después de su nacimiento y teniendo en cuenta
que también el pensamiento freudiano –su indudable base– ha sido superado por la
propia psicología?
FM Certa vez
o inglês A. Alvarez lembrou que o Romantismo recebeu, no Surrealismo, um novo impulso,
não propriamente em função dos escritos de Freud, mas sim “por intermédio de uma
versão nebulosa e inflada do que se pensava que Freud queria dizer”, ou seja, não
era a psique que estava na alça de mira dos surrealistas, mas antes todo um mistério
que envolvia o assunto. Não queriam compreender os sonhos mas vivê-los, expressar-se
através da criação “da mesma forma e com a mesma força que os sonhos”. Disse Magritte
que “o surrealismo reinvindica para a vida desperta uma liberdade parecida com a
que temos no sonho”. E Arp acrescentou um molho poético: “Nossos atos são atos de
sonhadores, de nadadores enigmáticos”. Baudelaire, graças a seu “gosto pelo Infortúnio”,
no dizer de Éluard, era considerado pelos surrealistas um poeta fundamentalmente
moderno, juntamente com Lautréamont e Rimbaud. O sentido de rebelião que se buscava
no Romantismo interessava aos surrealistas, embora Breton tenha frisado que somente
se atingisse um paroxismo, caso contrário se tornaria “uma aventura barata” – o
que é lícito dizer de qualquer instância. Agora, a atualidade do Surrealismo pode
ser vista a partir de uma colocação de Breton: “Não se trata aqui de uma poética:
entregamos o produto do pensamento pelo que vale”. Concluímos o século XX com uma
ideia completamente fraudulenta do valor intrínseco das coisas. É como se o homem
deixasse de ser o homem e sua circunstância e passasse a ser apenas a circunstância.
Me parece que o Surrealismo tem sido observado mais pelos erros do que pelos acertos.
O estado de ânimo a que se referia Artaud para justificar a existência do Surrealismo
me parece essencial trazê-lo para nosso tempo. Vivemos em uma sociedade inteiramente
domesticada, alheia ao motor da inércia que a define. O Surrealismo ainda pode atuar
através de um sentido de libertação do espírito. Se o problema é de corte histórico,
que se mude o nome, não importa que não se chame mais Surrealismo. Seguirá valendo
a urgência de mais realidade.
(Entrevista concedida a Mónica Saldías, 2002)
*****
MEG Tu consideras-te um poeta surrealista?
FM Eu diria que a minha poesia não se afasta
de mim em momento algum, que está intimamente ligada ao que eu sou e faço. Por qualquer
ângulo que se observe – o político, o amoroso, o poético –, a minha vida integra-se
à perfeição à matéria queimante de meus versos. Não caberia, portanto, ater-te a
ortodoxia de espécie alguma, o que me torna um surrealista, sim, desde que não se
limite, de má fé, sua ação a uma condicionante historicista em isolado.
MEG Sabes que a tua poesia, como a de tantos
outros poetas, mesmo os da tua antologia, só é classificável como surrealista por
motivos históricos e de depoimento formal dos autores, e aliás é preciso acreditar
neles quando dizem: “Eu sou, ou era surrealista!”. Do ponto de vista poético, ela
é moderna, manifesta como a de todos nós o contacto com as obras surrealistas, mas
não há nela nenhuma conformação com imposições formais… À parte a escrita automática,
de resto abandonada, como é que tu identificas um poema surrealista? E mesmo a escrita
automática, como saber se é automática ou não, mesmo que o autor garanta que sim?
FM O automatismo, a perspectiva onírica, o mergulho
mais intenso no erotismo da linguagem, a percepção de uma dimensão insondável do
selvagem, o dilaceramento das imagens culminando com certa atmosfera visionária,
o elo intrigante com o barroco no sentido do transbordamento (fulgor) das formas,
são aspectos que podem ser observados para além de um diapasão genérico do moderno,
ou seja, aspectos que não podem ser encontrados nas manifestações do cubismo, por
exemplo. Acrescentemos ainda aí o fascínio pela aventura em seu caráter primordial
de entrega ao desconhecido, os relatos de deriva, de amores loucos etc. Creio que
tanto na forma como no discurso é plenamente possível se perceber a presença do
Surrealismo, mas sempre atento ao fato que não se deve restringir-lhe a atuação
a um plano estético isoladamente.
MEG O que há no surrealismo de tão sedutor, que
continua a congregar poetas no Brasil e nos outros países da América Latina?
FM É bem possível que a sedução venha desse
princípio irredutível de liberdade que orienta o Surrealismo. Mas é também possível
que se veja aí algum artifício de certo facilismo
da criação poética. Daí a leitura equívoca de que tudo o que não faz sentido é surreal,
como se costuma ouvir com relativa frequência. Diz o poeta guatemalteco Luiz Cardoza
y Aragón que “escrever não é cifrar nem decifrar: é balbuciar o estupor de ser”.
Pois bem, essa identificação mútua e ampla, no sangue e na letra, com o que se faz,
com a criação, é o que revela o Surrealismo como sendo o princípio maior a ser buscado,
aquilo a que o argentino Enrique Molina se referia como sendo um “humanismo poético”.
Creio que esta é a raiz essencial da sedução do Surrealismo, e o que o torna sempre
atual, pois além de todo tempo.
MEG Floriano, tu dizes que no Brasil o surrealismo
é ignorado deliberadamente. De que modos práticos se manifesta esse abafamento e
em favor de quê?
FM Essencialmente em favor da tradição formalista,
racionalista, cartesiana, positivista, cientificista, da cultura brasileira. Acrescente-se
aí as manifestações castradoras do nacionalismo, em suas diversas facetas. Não nos
esqueçamos que os dois principais momentos de uma presença do Surrealismo entre
nós coincidem com o Modernismo e o Concretismo. Agora, por outro lado, é preciso
cuidar também para não criar uma versão falseada desse abafamento. Há que se discutir
claramente todas as zonas de conflito de uma cultura que, regra geral, tem sido
escrita privilegiando focos de interesses particulares em detrimento da veracidade
dos fatos.
(Entrevista concedida a Maria Estela Guedes, 2002)
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FF Usted mantiene una “relación entrañable” con el surrealismo, pero no se considera
un surrealista, sino un defensor del surrealismo, alguien que ha hecho suya la defensa
del surrealismo… ¿Por qué?
FM Eu não sei se cabe mais esta afirmação, de
ser um poeta surrealista. Evidente que ao ler a minha poesia não há como não pensar
na forte influência, no diálogo intenso com o surrealismo. Mas há outros componentes,
uma aclimatação do surrealismo a outras instâncias no âmbito da configuração de
uma poética. No Brasil o único ismo que
vingou foi o modismo. Eu tenho chamado atenção para a importância do surrealismo,
suas percepções e derivações ao longo da cultura brasileira, mas ninguém quer saber
disto. Há uma geração nova interessada, mas isto também pode ser apenas mais uma
onda.
FF ¿Del surrealismo en nuestro continente se tiene una idea bastante imprecisa?
FM Absolutamente imprecisa. No próprio caso
venezuelano podemos pensar em Vicente Gerbasi, Juan Sánchez Peláez e Juan Liscano
como figuras referenciais desta imprecisão. O primeiro teve uma participação importante
em forma de diálogo e difusão, sem admitir vínculo expresso em momento algum; o
segundo declarou sempre sua filiação oscura;
e o terceiro buscou restringir o campo de ação do surrealismo e negou qualquer influência
que sua poesia tenha sofrido, mesmo em um livro como Cármenes. E depois esta cegueira do Stefan Baciu – por sinal, jamais
contestada pelos venezuelanos –, de situar José Antonio Ramos Sucre como um precursor
do Surrealismo. A imprecisão, em âmbito continental, vem em grande parte da ignorância,
do desconhecimento do que houve, da maneira como o surrealismo era percebido nos
diversos países. É plenamente possível conversar com alguém entendido em Surrealismo
na Colômbia e ele não saber da existência de um surrealista no Paraguai ou na Guatemala,
por exemplo. Sem falar na rejeição natural ao que vinha da Europa, a necessidade
do novo mundo fundar a sua própria existência – como se isto fosse possível sem
antecedentes & afinidades. Nos anos 60, por exemplo, em várias partes do continente
há uma boa revitalização do Surrealismo, mesclando situações não tão distintas como
Beat Generation e Nadaístas, El Techo de la Ballena e El Corno Emplumado etc.
(Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
3. POÉTICA E PROCESSO CRIATIVO
FF ¿El verdadero protagonista de sus poemas es usted, o es una figura a medias
real, a medias mítica: el poeta?
FM É sempre uma mescla, porque nós mesmos temos
algo de mítico e até mesmo de real. Há quem duvide da parcela de realidade que caracteriza
a existência de um poeta? Pois esta dúvida é justamente a raiz de todo grande poema.
(Entrevista concedida a
Franklin Fernández, 2006)
*****
LF A poesia de
Floriano Martins parece se apresentar (me corrija se estiver errado) com uma forte
carga racional, embora não dispense o lado emocional. Fale, explique de onde vem
e como nasce a poesia desse nordestino.
FM Eu não vejo
motivo para separar tais elementos. Não o separamos em nenhum instante de nossas
vidas, de maneira que fazê-lo em relação à identificação de uma poética é contribuir
para o afastamento entre arte e vida. A poesia nasce sempre de um atrito, é fruto
de uma zona conflitante do ser em seu convívio com o outro que traz consigo. Se
estamos a falar do poema e não da poesia, ou seja, como surge este objeto mágico,
em meu caso há certa complexidade, porque geralmente crio interiormente, como se
fossem esboços, embriões, todo um traçado imaginário de um livro inteiro, ou quando
menos de um largo poema, que sempre se mostra como capítulo de um livro e de tal
forma se articula com os demais trechos, de maneira a estabelecer uma unidade. Mas
evidente que este riscado originário vai se modificando, consciente e inconscientemente,
até que chega um momento em que se decide a saltar para o papel, a assumir um corpo.
Este segundo momento é medido por certa volúpia da escrita, quase uma possessão,
onde simplesmente deixo que jorre toda aquela matéria ígnea que vinha se desenhando
em meu íntimo. Desconfio que esta descrição mínima dê para se fazer uma ideia acerca
do estalo da criação em mim.
(Entrevista concedida a
Lorenzo Falcão, 2006)
*****
AS O que te impulsiona a escrever? Já sofreu
alguma violência?
FM Não creio na criação artística que não seja
um descarnar-se, uma violação de códigos, travas, conceitos, de maneira que o artista
busque desentranhar-se, compreender-se, afirmar-se. Um elemento muito forte em minha
poética está relacionado com o sentimento de perda, seja a dor de quem perde alguém
querido ou a dor de alguém se desfazendo de si mesmo, perdendo contado com sua humanidade
intrínseca.
AS Na sua obra você dá maior ênfase sempre à
transgressão sexual? Você acha que essa é uma transgressão privilegiada?
FM Toda a violência do mundo tem por componentes
centrais a religião e a sexualidade. Por vezes confundem-se entre si. Não esqueçamos
que a transgressão é intrinsecamente uma violência. Cercear ou romper: nos dois
casos a presença de um radicalismo. E conceitos como beleza e bondade também possuem
uma ordem a ser violada. A sexualidade é o componente básico de nossas sociedades
reprimidas. A seu redor se cultiva toda natureza de preconceitos e impedimentos
de uma compreensão real dos fatos. Mas qual transgressão sexual seria possível hoje,
quando um falso liberalismo se implanta e faz com que os tolos da terra se sintam
plenos de liberdade?
AS Quando você escreve sente estar escrevendo
contra alguém, contra algum autor ou contra algum determinado estado das coisas?
FM Ninguém escreve a favor, nem mesmo o texto
de uma campanha publicitária ou de apresentação de metas de um candidato a qualquer
cargo. Toda escrita é contra. A reflexão é um dispositivo de discordância, mesmo
quando concordamos com algo. O que importa saber é se tornamos a escrita indicativo
de uma vingança pessoal ou de afirmação de um princípio. Contra o que escrevo? Contra
o isolamento que o homem impôs a si mesmo.
AS Você se arrepende de algum excesso?
FM Não, não. Os excessos não foram feitos para
o arrependimento.
(Entrevista concedida
a Alex Sanghikian, s/d)
*****
FF ¿La muerte constituye un motivo poético en su poesía?
FM Há sempre duas perspectivas envolvendo um
tema dessa natureza: a apreensão do conceito em si e a experiência particular. A
morte me toca mais por este segundo plano, considerando que convivi com a perda
de toda a minha família. Houve aí um insight
que fez aparecer leituras de infância, que despertou motivos, conexões etc. Naturalmente
este ambiente se amplia, define toda uma perspectiva estética, e hoje a morte funciona
como um motivo bem acentuado, considerando
a perspectiva criminal que lastimavelmente define a sociedade humana.
(Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
*****
AP Cuéntanos de tus “presentaciones integrales” en variados lugares, donde poesía,
imagen visual y elementos sonoros conforman el universo de Floriano Martins.
FM Las variaciones ocurren de acuerdo con las posibilidades físicas del espacio
para el que me invitan. Ya fue posible realizar una lectura dramática de un collage
de textos míos y de William Burroughs, montado mediante la técnica del cut-up usada por Burroughs. En el escenario,
cuatro actores, una escenografía improvisada y la voz en off del propio Burroughs y algunas canciones de él con Tom Waits. Esto
fue en San Pablo, donde también, en 2008, di una conferencia sobre fotografía digital
incluyendo la proyección de imágenes fijas y en movimiento y canciones. Cierta vez,
en Panamá, fue posible montar, en un adorable ambiente de creación colectiva, un
espectáculo ligando poesía, música y danza. En Ceará, en 2007, hice una lectura
de poemas mezclada con proyección de imágenes fijas y en movimiento, canciones y
banda sonora. Como trabajo también con letras de canciones, fotografía, collage,
lo que he intentado es crear un espectáculo teatral reuniendo todos estos elementos.
Para 2009, preparo una muestra de collages, fotografías digitales, objetos, poemas,
video, canciones y banda sonora, elementos que actuarán conjuntamente en torno a
un punto estético único. Por supuesto que esto no me aparta del libro, este temor
absurdo que se tiene de que las tecnologías suplanten al libro. Al contrario, refuerza
la idea de que el arte necesita siempre ampliar su espectro de manifestación, de
que no le interesa la sustitución sino el incremento, la suma, la multiplicación.
(Entrevista concedida a Alfonso Peña, 2009)
4. COLAGEM
FFF Como cuidas das
figuras que recortas?
FM Não recorto figuras para um arquivo, tanto
quanto não faço anotações para poemas. Tenho a dificuldade em mim das coisas se
guardarem para depois, dado o desprendimento de minha natureza, talvez. O tempo
da colagem, cada trabalho em si, possui a extensão do que a peça julga necessário
para se concluir. Creio que se dá uma espécie de convulsão interior, até que tudo
se dissipe. O que faço, isto sim, são anotações de memória; vão se tecendo insinuações,
pequenos traços, sombras etc. Em parte, recorto figuras de memória; em parte, me
entrego ao vertiginoso jogo do acaso. Creio que as figuras que não forem localizadas
naquele momento em que me sento para definir a colagem, digamos, para montá-la,
não estavam, por uma outra razão, prontas para aquela peça. Como as imagens de um
poema – ainda que traga comigo uma necessária ideia geral daquilo que pretendo.
Nada mais que isto.
FFF Gostaria que falasses
um pouco do teu entendimento de colagem como um teatro de imagens, um drama, uma
representação.
FM Criamos desde o silêncio, desde o invisível.
Toda a criação é diálogo, ou seja, busca estabelecer um diálogo entre ser e mundo.
Tudo o que julgamos fundar: a representação de um desejo, um dramatizo, o drama
coletivo de nossas experiências individuais. Não vejo razão para a colagem ser dissociada
do poema, do teatro, do cinema. Lidamos com imagens, em toda e qualquer circunstância
da expressão artística. Creio que reside na fusão do dramático com o lírico o toque
mais fascinante, mais profundo, que se pode imprimir ao objeto artístico. A dinâmica
de uma colagem deve ser também a dinâmica de uma representação, de um teatro de
imagens.
FM Segundo o Budismo, o que vivemos como homens
é o estagio mais elevado do Carma. Assim me parece que a ação que sofre a imagem
no âmbito da colagem, qualquer que seja o estágio anterior, irá viver ali o seu
grande momento de esplendor, de magnitude. Algo como um ressurgimento, mas baseado
na ideia de que esteve anteriormente em preparo para a debulha de seu fulgor.
FFF De que maneira
tua poesia penetra na colagem e vice-versa? Existe realmente uma realmente uma relação
direta, tal como se observa nos trabalhos de Sérgio Lima, nos quais ele transcreve,
quase que literalmente, suas colagens para a poesia?
FM Não vejo razão para que se estabeleça, em
meu caso, uma dissociação entre poema e colagem. Fazes referência ao Sérgio Lima
e poderíamos acrescentar o chileno Ludwig Zeller. Se acaso nós fizéssemos um filme
ou uma escultura, decerto esta outra faceta de nossa expressão artística comungaria
com as demais. Isto se dá por uma afinidade de natureza estética, de principio estético.
Seja como for, discordo quando falas em transcrição literal, o que acabaria por
tornar dispensável uma das duas expressões: o poema ou a colagem. Creio que há um
diálogo e uma complementação, em uma palavra: comunhão. Reitero aqui a minha atração
pelas bodas do dramático com o lírico. Através do poema, tenho conseguido expressar
melhor esta minha intenção. Sou um aprendiz ainda menor no que diz respeito a colagem.
De qualquer forma, por esta vertente sigo e me enrosco e torno a seguir. O poema
me parece também ter equacionado melhor os aspectos rítmicos. O fato é que o pouco
exercício da colagem (incluindo o pensar menos nela – e isto por uma razão mesma
do envolvimento maior com o poema) faz com que pese mais um prato da balança, porém
isto não interfere no acima declarado. Imagine que canções não comporia Modigliani
ou que poemas não escreveria Keith Jarrett…
(Entrevista concedida a Fernando Freita Fuão, 1998)
5. FORMAÇÃO, INFLUÊNCIAS, INFÂNCIA
AS Até que ponto você se vê como um transgressor?
Seus hábitos são contestatários?
FM Eu diria que sou naturalmente contestatário.
Franco-atirador desde jovem, tendo abandonado escola, cidade, amores, e saído em
busca de alguma razão de ser, desde então tenho a vida pautada pelo que se poderia
chamar de exceção. Aí havendo transgressão de códigos, não resta dúvida.
AS Quais são suas influências literárias?
FM Eu tenho menos influências literárias do
que musicais, pictóricas e teatrais. Na verdade, me interessam aqueles artistas
que buscam uma totalidade, cuja obra está arraigada por um sentimento de mundo que
ultrapassa os limites do meramente artístico, o ato estético em isolado. Citar nomes
por vezes sugere equívoca presunção. Mas há uma trilha bem medida de diálogos que
me leva de William Blake a Roberto Piva, por exemplo, passando por José Lezama Lima,
Georges Bataille e Robert Graves.
(Entrevista concedida
a Alex Sanghikian, s/d)
*****
GB Cuales son las influencias más fuertes en
tu escritura?
FM O ritmo vertiginoso
que encontro na música de Keith Jarrett, o transbordamento de imagens que sugere
a poesia de Lezama Lima, a multiplicidade de vozes que confirmam um diálogo entre
poética e plástica em William Blake, a descida aos subterrâneos do mito na obra
ensaística de Robert Graves, eis aí algumas identificações, muito mais do que propriamente
influências.
GB Cómo nace tu pasión por la poesía hispanoamericana?
Hablanos un poco de tu trabajo al respecto…
FM Nasce de um
espanto meu ao descobrir a grandeza de vozes como Vallejo, Herrera y Reissig e Huidobro,
ao mesmo tempo em que confirmação de minha ignorância completa a respeito do tema.
O pouco que antes havia lido, em Cardenal, Borges (poemas) e Neruda, jamais havia
provocado tal espanto. Desde então tomei como tarefa quase única minha tratar de
descobrir essa poesia e difundi-la em meu país. Naturalmente que isto requer uma
disciplina e mesmo uma teimosia impressionantes. Os obstáculos são muitos, tanto
no sentido de se descobrir autores e livros quanto, e principalmente, no sentido
de se encontrar meios para a difusão desta poesia em um país completamente cego
a tal realidade poética.
(Entrevista concedida
a Gabriela Bruch, 2002)
*****
FF ¿Desde cuándo escribe? ¿Podría recordarnos algún suceso que
ilustrará en torno a los orígenes de su vocación poética?
FM Algo como uma queda da escada ao buscar livros
mais ao alto na biblioteca de meu pai ou então a mãe brigando comigo por haver recortado
figuras em suas revistas sagradas? Estes são indícios de uma vocação poética? Haverá
uma vocação poética? A predestinação acaso não é uma discreta forma de presunção?
Na adolescência eu roubava livros em livrarias e amigos poetas me repreendiam com
sua altíssima moral baseada na propriedade privada. Até que ponto a vocação confunde
talento e teimosia? Algum talento eu devo ter, mas o que pesa mesmo deve ser uma
incorrigível obstinação.
FF ¿Cuál es su relación con las artes plásticas?
FM Muitos livros em casa, na infância, casa
de meus pais, revistas em quadrinhos (comics),
edições fascinantes chamadas de fotonovelas, que eram adaptações de clássicos da
literatura mundial, e também o nascedouro da televisão; as manhãs de domingo que
meu pai me levava ao cinema; tudo isto teve um peso extraordinário. Eu usava guache
e reproduzia algumas das ilustrações dessas revistas, capas de romance, e ao mesmo
tempo recortava figuras como quem está montando um pequeno acervo. Mas fazia tudo
isto de forma embaralhada, ouvindo música de todo tipo e devorando os livros da
biblioteca de meu pai, que era uma biblioteca absolutamente caótica, onde se encontrava
a literatura clássica russa, o teatro elisabetano, manuais de fabricação de aviões
de guerra, comics do western italiano
etc.
FF ¿Influencias en su poesía? ¿Las
hay?
FM Sim, há poetas e livros que foram fundamentais
para mim. Posso recordar tanto um livro como A luta corporal, do brasileiro Ferreira Gullar, quanto meu primeiro
contato com uma antologia do chileno Humberto Diáz-Casanueva. Nos dois casos havia
tanto de voracidade existencial quanto de requinte de linguagem. Mas o território
das influências – sempre prefiro o termo diálogo
– jamais se limitou às leituras, menos ainda apenas de poesia. Na infância foram
de grande importância para mim, ao lado da leitura de uma romance como Crime e Castigo, de Dostoievski, ou dos comics, a presença da música, seguida, na
adolescência pelas artes plásticas, o cinema e o teatro. Mas evidente que há um
denominador comum nisto tudo, e eu diria que é a tragédia, no aspecto teatral do
termo.
(Entrevista concedida a
Franklin Fernández, 2006)
6. CONTEMPORANEIDADE
HAT El estado de la poesía brasileña
cuando comenzaste a publicar.
FM He comenzado a publicar tempranamente, y en realidad considero una infelicidad
asomarse tan de inmediato a los primeros escritos. Pero es un desafío que creo haber
vencido. Me siento por completo ajeno a mi generación, dado que había una patología
del yo, un egocentrismo excesivo del cual yo no me sentía partícipe. Luego esa condición pasó a ser una decoración;
es decir, el descubrimiento del yo hacía posible llegar a una comprensión del mundo
en el que el hombre no fuera simplemente víctima. Pero los poetas no tenían mucho
más que su propio ego para ofrecer. Y un ego, separado de la vida misma, no puede
ser más que una decoración.
(Entrevista concedida a Harold Alvarado Tenorio,
2002)
*****
AS Você julga que sua escrita é mais transgressora,
mais radical do que a de seus contemporâneos?
FM Qual a extensão de minha contemporaneidade?
A todo instante descubro alguém de quem nunca havia ouvido falar. Melhores, piores?
Há uma imensa dose de bobagem em tudo isso. Não somos piores ou melhores em relação
a nada. Cabe somar e não diminuir. O que se passa com minha aparente contemporaneidade
é que se confunde sujeição ao mercado, afeições burocráticas e influências de ordens
diversas (incluindo o nepotismo), com renovação de valores, confirmação de uma tradição,
riscos a serem cumpridos. Nada que diferencie minha geração – se há uma identificável
– do que lhe é anterior.
(Entrevista concedida
a Alex Sanghikian, s/d)
*****
GB Cual es el panorama de la poesía actual
en Brasil?
FM Quase nada
se alterou no panorama da poesia brasileira ao longo do século XX. Ou seja, segue
havendo uma inclinação ao formalismo e ao monólogo, e tal inclinação define o que
se poderia chamar de tradição oficial. Ao mesmo tempo, encontramos um largo rio
subterrâneo, de vozes que nadam contra a corrente dessa tradição. Tornar este rio
subterrâneo conhecido requer um esforço gigantesco e nisto se encontram empenhados
alguns raros abnegados.
FM Naturalmente
como uma contra-tradição, sobretudo se pensarmos em um elo que se percebe ali entre
Barroco e Surrealismo, ponte mágica impedida em um Brasil que jamais buscou relacionamento
algum com a riquíssima poesia hispano-americana.
(Entrevista concedida a
Gabriela Bruch, 2002)
*****
AAF Por fim, em que a poesia de Portugal se diferencia
da do Brasil e em que a poesia do Brasil se diferencia da de Portugal. Qual o benefício
dessa informação poética entre os poetas dos dois países?
FM Estas comparações correm um sério risco de
estabelecer equívocos de âmbito hierárquico. Após o período áureo das vanguardas,
a margem de lá do Atlântico retomou seu apego pela tradição, e talvez se possa ver
aí demasiado receio de meter-se em novas aventuras estéticas. Na margem de cá, criou-se
um estado frenético de obsessão pela vanguarda, rejeitando estruturas poéticas enganosamente
entendidas como tradicionais (ou mesmo caducas). Mas isto em linhas gerais. Seria
quando menos ingênuo (ou mesmo irresponsável) determinar um comportamento padrão
nas duas situações. Inclusive porque sempre haverá dois planos em que se move a
criação artística: a superfície em que reinam as virtudes do imediato e do transitório,
e o rio subterrâneo por onde teimam os pecados do apuro e da permanência.
(Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria,
2008)
*****
FF Algo que me llama la atención de usted, es el contacto permanente con jóvenes
poetas, aconsejándoles sobre el verdadero sentido de la poesía. ¿Qué le recomienda
a los poetas emergentes de mi país?
FM Absolutamente nada, porque os conselhos nunca
existiram para ser seguidos. Que se danem, que tratem de encontrar uma voz própria,
que morram, que se irritem, que desistam, qualquer coisa.
(Entrevista concedida a
Franklin Fernández, 2006)
7. MODERNISMO,
NACIONALISMO, PROVINCIANISMO
RM
Qual é a opinião que sustentam (ainda que não seja totalmente uniforme) perante
as grandes figuras canonizadas posteriores ao Modernismo (Bandeira, Drummond, Murilo
Mendes, Cabral de Melo Neto, etc.).
FM
Particularmente vejo que o Modernismo no Brasil ainda enfrenta um considerável dilema:
a relação entre as vozes que não foram amplamente discutidas e uma leitura excessiva
das contribuições daqueles nomes centrais. Trata-se de um duplo problema: de caráter
interno, de interesses na definição de um cânone, e externo, pela ausência de comparação,
por exemplo, com o equivalente período na América Hispânica, o que certamente nos
permitiria alcançar uma visão menos passional dos desdobramentos estéticos ocorridos
no Brasil.
(Entrevista concedida a
Rodolfo Mata/Regina Crespo, 2001)
*****
AS O que você acha sobre o marketing da rebeldia
atual? Ou seja, muitos são rebeldes apenas para posar como tais na mídia.
FM A pergunta já traz consigo a resposta. Estamos
rendidos pelas campanhas publicitárias, articulações no congresso etc. Somos um
país em franco estado de degradação humana. Há um falso humanismo anunciado pelo
sociólogo que nos preside. Quaisquer pontos estatísticos que anunciem uma melhora,
o fato é que carecemos de compreensão de nosso papel no mundo, os brasileiros não
sabem o que representam, são sempre essas vítimas do futebol ou das grades de armação
política, faturação irregular, ajustes fiscais. Falar em rebeldia entre nós é uma
piada. Mas poderíamos dizer: algo funciona no Brasil: a anulação de disjunções?
Se concordamos eliminamos toda uma suposta categoria de dissidentes. Mas vamos:
música, teatro, dança, poesia, romance etc., onde localizamos essa afirmação de
um novo pensar, de uma confirmação estética, desdobramento anímico, segmento onírico,
tradição, o que seja? Em parte alguma. Afirmar um Brasil quando menos curioso pela
indigesta relação ao que representa internacionalmente sua cultura e a medíocre
condição de gestor de um folclore distorcido e castrador, este sim, é um marketing
a ser discutido, contestado, sim, desde que se apresente algo e em tal sentido,
por mínimo que seja.
(Entrevista concedida a
Alex Sanghikian, s/d)
*****
WL Há alguns anos,
tem surgido revisões críticas do Modernismo tanto no âmbito ensaístico, como se
vê nos trabalhos de Paulo Franchetti e Rodrigo Petronio, quanto em teses acadêmicas
defendidas em universidades gaúchas e nordestinas. Exemplifico a direção dessa revisão
com um breve trecho de Paulo Franchetti; para Franchetti a eleição do Modernismo
como ponto de culminância de nossa atividade literária acarreta dois problemas:
“Em primeiro lugar, essa escolha tende a
gerar uma apreciação esquemática dos períodos imediatamente anteriores, que, por
necessidade argumentativa e pela adoção das bandeiras modernistas pelo historiador
literário, acabam sendo apresentados como zonas cinzentas, sem relevo, em que apenas
se destacam os anúncios do que está por vir. (…) Em segundo lugar, a mesma ideia
de chegada promove uma narrativa em que a literatura brasileira vai se formando
como organismo ou sistema ao mesmo tempo em que a nação, sendo esse momento de autonomia
ou completude a segunda fase modernista. Essa perspectiva promoveu (…) um recrudescimento
da identificação romântica entre o nacional e o estético, entre a construção nacional
e a construção estética, que durante os anos 1960/1970 deu origem à perversa polarização
entre ‘esteticismo’ e ‘participação’ que marcou os debates literários e a cena cultural
brasileira de modo geral”. Sua posição sobre o modernismo, sobre Mário e Oswald
em especial, tem sido ambivalente. Poderia falar um pouco a respeito.
FM
Ambivalente? Será que perdi alguma parte da conversa? Vamos fazer o seguinte:
reproduzo aqui, como reforço à tua lembrança da boa reflexão do Paulo Franchetti
um trecho de ensaio do Lêdo Ivo, uma valiosa analogia que traça entre o “Ensaio
sobre a história da literatura brasileira” (1836), de Gonçalves de Magalhães e as
artimanhas de nosso Modernismo de 22. Diz lá o poeta: “A teoria literária de Magalhães
não se limita, pois, a pregar a autonomia estética, numa correlação de forças que,
abrangendo a apropriação do pecúlio romântico ocidental, corresponde ao primeiro
movimento de antropofagia cultural do Brasil, nesse particular antecipando o Modernismo
de 1922, o qual, em muitos dos seus aspectos, é uma rumorosa e festiva repetição
do primeiro e seminal Modernismo deflagrado em 1836, como o comprovam os seus manifestos
assemelhados, a postura selvático/internacionalista de alguns de seus corifeus,
e ainda a presença de um francês em seu processo de detonação. Em lugar de Ferdinand
Denis, como anunciador de uma nova verdade estética, temos a figura de Blaise Cendrars,
cujo Kodak foi decerto o espelho em que
Oswald de Andrade se mirou para produzir Pau
Brasil.” Este ensaio, não fosse mais ampla a luz que lança sobre o cenário de
nosso Modernismo, valeria tão-somente pela centelha de curiosidade em relação a
aspectos pouco conhecidos de nossa história literária. Não sei onde detectas ambivalência
no que penso acerca de Mário e Oswald de Andrade. Jamais declarei a mínima simpatia
pela poesia de ambos, menos ainda no que diz respeito a teorias e regências do Modernismo.
Mas confesso que o tema já me aborrece, demasiado monocórdio, como se essas fossem
acaso as peças fundamentais desse momento
na cultura brasileira.
(Entrevista concedida a Wanderson Lima, 2010)
8. ESCRITOR
& SOCIEDADE
FM El
tema ha perdido vigencia, porque ha sido ubicado de una manera imperativa. La participación
social o política del poeta debe partir de él mismo, no puede imponérselo la sociedad.
El poeta tiene derecho a no querer nada con nada. Su escritura es ya un compromiso.
Es curioso que a los poetas se les pida una posición política, pero no se le exige
a los políticos una posición poética.
(Entrevista concedida aos editores da revista
Tropel de luces, 2004)
*****
FM Creio que já venho respondendo a esta pergunta
nas passagens anteriores. Há um conjunto de forças em pleno vigor que levam a esse
entorpecimento do desejo. A criação artística não parte senão de uma afirmação individual
e tal afirmação se dá sempre no sentido de questionar os valores do tempo em que
se vive. O artista é essencialmente alguém que se interpõe a qualquer padrão sistêmico
de condução social. O que se dá é que o “amortecimento progressivo” a que te referes
age em todos os sentidos, brutalizando ou idiotizando a existência humana. Seu raio
de ação, contudo, não interfere exatamente na criação, mas antes revela o caráter
abjeto de uma espécie de gente que oportunamente se faz passar por artista. O idiotismo
imperante é que nos torna a todos reféns de uma indústria cultural.
(Entrevista concedida a Mário Montaut, 2002)
*****
AS Como você se situa politicamente, esquerda
ou direita?
FM A situação, em se tratando de política, já
de muito não passa de um jogo de interesse. O Brasil é um país de larga experiência
de prevaricações políticas. Toda a nossa história está pautada por negociações que
extrapolam a noção de política como uma ciência humana. Interessa-me a honestidade
intelectual e a busca de um humanismo poético. Não me servem de nada os gastos conceitos
de direita e esquerda.
AS Você já se sentiu discriminado, maldito,
como escritor?
FM Sim, sim. Vivo em uma terra maldita. Daqui
saíram artistas como José de Alencar, Alberto Nepomuceno, Antonio Bandeira, Chico
Anísio, e jamais foram percebidos como, digamos, orgulhos da terra. Sou o tradicional
maldito na própria casa.
(Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
9. CÂNONE LITERÁRIO
AS Qual a sua opinião sobre os escritores canônicos,
os que privilegiam o estético ante o conteúdo? Como você se situa a nesse sentido?
Você acha que um dos dois lados tem maior importância? O transgressor ou o canônico?
FM O canônico é uma imposição ou uma aceitação?
A tentativa de um clássico imposto goela abaixo soa patético. A ideia de um cânone
como defendida por Harold Bloom é restritiva e pouco salutar para a compreensão
dos desdobramentos estéticos em nossas culturas. Não tenho pela conta de canônico
um privilégio do estético. Mas pensemos: se invertemos a polaridade, o equívoco
se reproduz. Se me apresentas o transgressor como alguém que cultua o conteúdo acima
do aspecto estético, então estamos perdidos, de um lado ou de outro. A velha máxima
sobre arte revolucionária: chorar a morte da mãe ou caprichar no batom não significa
nada isoladamente.
(Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
10. POESIA E LITERATURA HISPANO-AMERICANA
RM
O contato com o universo hispano-americano é uma prioridade da revista Agulha? Por quê?
FM O espaço latino-americano é nossa ambientação
indiscutível, política e culturalmente. Em toda a história os brasileiros não consideraram
tal perspectiva. Muitos dos males que nos afligem radicam nessa ausência de percepção
para um diálogo entre culturas. Isto para nós, sim, é que é prioritário. Como há
um abismo visível no que respeita à América Hispânica, entende-se que cuidar de
fundar laços seja essencial para a revista. Está certo. E temos feito mais neste
sentido do que todos os governos e empresários da cultura em nossos países. E não
o fazemos movidos por um frisson expansionista,
de afirmação de fronteiras, mas antes na busca de se estabelecer um lugar de encontro
onde possam conviver as particularidades. De qualquer maneira, o universo editorial
da Agulha não se esgota aí.
(Entrevista concedida a Rodolfo Mata/Regina Crespo,
2001)
*****
HV Hace un tiempo, como unos treinta años, Octavio Paz en su libro de ensayos
El signo y el garabato, planteó una interrogante
polémica en torno a la literatura hispanoamericana y la brasileña: “La literatura
iberoamericana es doble: la escrita en portugués y la escrita en castellano”. De
alguna manera nos lleva a pensar en una geografía dividida. A estas alturas de la
historia iberoamericana y sus nuevas relaciones políticas, podemos afirmar que éstas
han cambiado lo suficiente. Tú, que eres un conocedor de la realidad literaria del
continente crees que se puede, de una vez por todas,
pensar en una poesía latinoamericana. No sientes que aún hay barreras entre nosotros.
Nos interesa más un autor impuesto por el mercado del libro, que un libro de un
autor nuestro.
FM No creo que tenga habido cambios significativos. Personajes como Octavio Paz,
por ejemplo, están marcados por cierta ambigüedad: sus acciones no corresponden
al color de sus críticas. Los principales intelectuales, los más influyentes y actuantes,
en Latinoamérica, dime, ¿cuántos efectivamente trabajaron o trabajan en nombre de
esa integración? Los encuentros decisivos entre culturas se logran a través de la
acción sistemática de que son ejemplos ediciones de libros y revistas, traducciones,
organización de eventos internacionales etc. Ya no se puede decir que los gobiernos
sean los únicos culpables, porque artistas e intelectuales han cumplido también
su papel de mantener la cultura ibero-americana aislada entre sus 20 países, independiente
del hecho de que 19 de ellos hablen español e solamente uno hable portugués. El
problema jamás estuvo en el idioma.
(Entrevista concedida
a Hermes Vargas, 2010)
11. MÚSICA
FM Acho valioso o trabalho do Almir Chediak,
de grande importância em um país onde não se percebe a presença de um projeto estético
em quase nenhum de nossos intérpretes. Todos atiram a esmo à espera de uma aprovação
do mercado. Chediak sistematizou uma série de valiosos encontros entre bons intérpretes
e alguns de nossos melhores compositores. É uma lástima deparar-se com a lassidão
ou negligência de repertório em intérpretes como Alcione ou Gal Costa, além do desperdício
imenso de talento em uma Paula Toller ou na Cássia Eller – esta, a exemplo da Elis
Regina, deixou-se estupidamente morrer. Aos poucos a chamada MPB foi se tornando
essa pasta babosa que inclui todo um musak preparado para atender à pista de imbecilidade
da televisão. O curioso é que boa parte do elenco que poderia ao menos conduzir
este processo com um pouco menos de indulgência, fez questão de tornar-se seu propagador,
quase um emissário. Não há rock nacional. Esta é outra bobagem. Há apenas rock.
Mesmo que um chinês componha um bom tango, ninguém na China o entenderá como um
tango nacional. Será sempre tango. Como sempre jazz. Como sempre samba. O Cazuza
se aproximou melhor do blues do que propriamente do rock. A essência da cultura
brasileira é a mestiçagem. O que temos de mais rico está baseado justamente na mistura.
O choro ou a bossa nova, por exemplo, vêm desse sentimento nato de mestiçagem.
(Entrevista concedida a Erico Baymma, 2007)
*****
FM Acho que nosso samba sincopado seria bem recebido pelo Zappa. Imaginemos
a patética situação de um kamikaze quando em pleno vôo de morte falha o motor e
não há como atingir o alvo ou sequer como retornar. Por vezes olho a maneira como,
no Brasil, toda uma faixa criativa, uma parcela a priori sensível de uma cultura, vem reagindo
aos próprios impulsos, como toda uma sociedade artística se mostra, como estão todos
reagindo em função de mercado, pensando da maneira mais frívola, enfim: não há mais
ação, uma atitude surpreendente, tudo é ajuste contratual e ajuste sempre
em favor do contratante. A despersonalização, por sua vez, não é sinalização de
autismo. A afirmação esnobe de um ego comporta mais isolamento do que a despersonalização
quando esta mergulha no sem nome para fazer emergir uma compreensão de aspectos
que nos identificam, que nos são comuns. Evidente que isto está muito presente no
caso do universo poético de um Chico Buarque. A maneira como ele é “muitos e muitas”
é uma coisa interessante. Observe que, no geral, as pessoas lêem – não os críticos,
não os acumuladores de teses vazias – Fernando Pessoa como sendo o mesmo em qualquer
heterônimo. Todos somos influenciados apenas por Pessoa, sobretudo os que negam
tal influência. Claro que a evidência de uma obra está diretamente ligada
ao raio de sua influência. Contudo, evidência não quer dizer importância, é certo.
Há evidências frustrantes. Como entender que Francisco Mignone tenha influenciado
bem menos os músicos brasileiros do que Villa-Lobos? Como entender o esquecimento
em que caiu toda a obra de Abel Ferreira? Como entender que raramente se fale entre
nós de Camargo Guarnieri? Desta maneira é que ninguém toca no aspecto da despersonalização
na poética de Chico Buarque, pelo simples fato de que somos corruptíveis pelo ego,
somos uma cultura de aparências, onde raramente a visão aprofundada da realidade
tem uma compreensão, o entendimento de uma maneira de ser. Frank Zappa é uma referência
muito cara ao nosso diálogo justamente por essa ausência de ruptura que se verifica
na cultura brasileira. Quem rompe com o que em todo um itinerário de nossa criação
artística? Não temos alguém que tenha sido tão cáustico na crítica ao way of
life brasileiro, e não me venha ninguém dizer que o jeitinho brasileiro
não equivale de alguma maneira ao way of life estadunidense. Pessoa expôs
toda uma sociedade, entre afirmação, chacota e recusa, percebeu maneiras distintas
de tratar de cada assunto. É um caso extremo de despersonalização no sentido de
afirmação de algo bem maior, na arte, do que um gozo de umbigo. Zappa esteve no
mesmo fio, percebeu o quanto era (e a situação piora) ágrafa a sociedade que se
estava implantando nos Estados Unidos. Ironizava-a, de todo modo, mas sem perder
a conexão com uma perspectiva visceral da existência humana. Zappa é uma espécie
de último grande romântico ativo. Neste sentido, Chico Buarque se aproxima dele.
É interessante que seja nome ligado a teatro, música, romance. Há uma ruptura natural
de gêneros e bem antes de todo esse modismo atual que não faculta senão o que pode
haver de mais amorfo e danoso em qualquer expressão artística.
(Diálogo com Mário Montaut sobre Frank Zappa,
2004)
12. TRADUÇÃO
GB Se puede traducir poesía? Hablanos de tus
traducciones mas importantes…
FM Claro que
se pode traduzir poesia. O que não se pode é achar que essa operação te torna um
poeta. Há também que cuidar para não deixar-se levar pela vaidade de querer melhorar
o original. Traduzir poesia é um ato indispensável de superação de uma condição
babélica que o homem impôs a si mesmo. Creio que importa mais falar do que propiciamos
com a tradução do que de seus obstáculos linguísticos, estilísticos etc. Em meu
caso a tradução é parte inseparável desse projeto de trazer para o Brasil toda a
riqueza de uma tradição poética hispano-americana.
(Entrevista concedida a Gabriela Bruch, 2002)
*****
FB No trabalho de tradução de um poema, quais
os recursos utilizados para se promover a fidelidade à subjetividade da obra?
FM Eis um tema sempre complexo, em grande parte
por sua simplicidade que por vezes soa como um insulto. A lendária solução diz que
não devemos nunca sofrer a tentação de tentar melhorar o original. Obviamente não
iremos muito longe sem o conhecimento da língua e certa sensibilidade poética para
desativar as minas rotineiras da tarefa tradutória.
(Entrevista concedida a
Fabrício Brandão, 2008)
*****
AAF Fale desse seu
trabalho de tradução e por que sua preferência para autores hispanos-americanos?
Como ocorreu essa aproximação com esses poetas e escritores?
FM A tradução é um
trabalho complementar da pesquisa e da edição. Não sou um tradutor profissional.
Mais recentemente traduzi uma antologia do venezuelano Juan Calzadilla (Letras Contemporâneas,
Sta. Catarina, 2005) e sai em abril, pela também catarinense Edições Nephelibata,
uma 2ª edição de A nona geração, volume de contos do costarricense Alfonso
Peña. Preparo agora o 2° volume de O começo da busca, cujo volume inicial
a Escrituras publicou em 2001. Este volume complementar tem seu ambiente ampliado,
incluindo poetas surrealistas de todo o continente. Para tanto, contei com a participação
de Éclair Antonio Almeida Filho, nas traduções do inglês e do francês. Este livro
se soma a uma 2ª edição de Un nuevo continente, abrangente antologia do surrealismo
em todo o continente, que se prepara para editar a Monte Ávila Editores, da Venezuela.
A rigor, devo mencionar que tanto Almeida Filho quanto a argentina Marta Spagnuolo,
têm sido cúmplices valiosos neste trabalho de tradução, o que tem permitido uma
mais ampla circulação de textos e autores. Graças ao Almeida Filho, por exemplo,
temos publicado mais recentemente na Agulha autores do Canadá e Estados Unidos.
Meu interesse pela literatura hispano-americana já ultrapassa a casa de 25 anos
e basicamente radica na necessidade de se fazer acordar este nosso país para fundar
um diálogo continental.
(Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria,
2007)
*****
AP Otra de tus pasiones es la traducción de textos poéticos y narrativos. Siempre
se ha considerado que el traductor “camina al borde del abismo”, “al filo de la
navaja”. ¿Eso se siente, Floriano, al traducir a Cabrera Infante y a García Lorca?
FM Mencionas dos variaciones del mismo crimen. La inclinación lúdica que propicia
la convivencia con la obra de los autores nombrados camina por regiones distintas.
Los diminutivos en García Lorca, por ejemplo, contrastan con los juegos semánticos
en Cabrera Infante. Traduje, del cubano, un libro en que los textos sufren variación
de lenguaje y abordaje mientras un mismo tema se mantiene como matriz. Traduje,
de García Lorca, una antología de poemas de amor preparada por la editorial que
me contrató. Los dos autores tenían antecedentes notables con referencia a sus traductores
en el Brasil. Yo tengo siempre mucho recato en lo tocante a esa confusión –cuyo
hilo conductor es puro ego– de considerar al traductor una especie de coautor. Bien
sabemos de la tendencia más ortodoxa que da al traductor el derecho de interferir
en el original, lo que en la práctica es un desastre, excepto cuando esta es una
operación inevitable. Me gusta mucho usar el cine como referencia para muchas cosas
en nuestro tiempo, no tanto por la manera como el arte cinematográfico envuelve otras artes, sino más que nada pensando
en conexiones prácticas, y aquí el ejemplo sería la presencia de leyendas en filmes
extranjeros, asunto válido en y para cualquier país. No hay mayores absurdos de
traducción que los que se cometen en las leyendas de las películas.
(Entrevista concedida a Alfonso Peña, 2009)
*****
Organização
a cargo de Márcio Simões e Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Fragmentos
de 25 entrevistas (1998-2010), selecionados e organizados por Márcio Simões
Artista
convidado | Floriano Martins
Imagens
© Acervo Resto do Mundo
Esta
edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura,
assim estruturado:
1
PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2
VIAGENS DO SURREALISMO, I
3
O RIO DA MEMÓRIA, I
4
VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5
VOZES POÉTICAS
6
PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7
VIAGENS DO SURREALISMO, II
8
O RIO DA MEMÓRIA, II
9
ACAMPAMENTO MUSICAL
A
Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial
de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia.
No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o
título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins.
Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de
Floriano Martins e Márcio Simões.
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