MARIA ESTELA GUEDES |
Eduardo, a ideia que eu tenho do Surrealismo em Portugal
é indissociável dos cafés…
EDUARDO LANGROUVA | Quando tinha 22 anos não era um “habitué” de nenhum café de Lisboa. Mas ia
com certa frequência à Brasileira e ao Montecarlo.
MEG | Eu só frequentei o Montecarlo para comer um bife com batatinhas-palha muito
saboroso que lá serviam, mas antes reuniam-se ali muitos artistas…
EL | Havia o Montecarlo, havia a Leitaria Garrett. Mal se cabia na Leitaria Garrett,
porque estava sempre cheia. No Montecarlo e na Brasileira encontrava poetas, pintores
e dramaturgos surrealistas…
MEG | No meio deles vejo sobretudo Luiz Pacheco e Mário Cesariny. Como eram as
relações entre eles?
EL | Eu não era amigo deles. Só conheci de mais perto, ao nível do falar, o Pedro
Oom, que era poeta, escritor, escrevia para revistas ligadas ao mundo surrealista.
Lembro-me de uma revista que era o “O GRIFO”. Lembro-me de ter nas minhas mãos o
"Grifo". Para o "Grifo" escrevia muita gente ligada ao surrealismo
português. Era uma revista muito bem feita, com um nível gráfico excelente. Havia
pintores, desenhadores que ilustravam certas páginas da revista. Conversei, mais
no Montecarlo, com o Luiz Pacheco, que frequentava o Montecarlo e também a Brasileira.
Conversávamos e depois saíamos a dar uma volta a pé. O Virgílio Martinho, que era
dramaturgo e com quem eu falei, frequentava também o Montecarlo. Eu era mais um
ouvinte que um interlocutor. Era muito jovem. Eles eram vinte anos mais velhos e
eu tinha naturalmente curiosidade pelo que se passava à minha volta. As relações
entre eles… Lembro-me de o Luiz Pacheco, numa entrevista que li há tempos, numa
revista relativamente recente, dizer que eles eram “muito mauzinhos uns para os
outros”.
MEG | A ideia que eu tenho desses grupos é que eram círculos fechados, tão opressivos,
nesse aspecto, como as academias.
EL | Não sei. Como eu não fazia parte de nenhum grupo, lembro-me de sentir, nesse
meio, que eles cultivavam o sentido de humor, o sarcasmo. Lembro-me de ouvir as
gargalhadas do Luiz Pacheco. Lembro-me de estar sentado na mesma mesa que o Pedro
Oom no café Montecarlo. Saía da tropa e vinha direito ao Montecarlo. Eu andava à
procura sobretudo de anarquistas, mas nunca os encontrei. Eu era anarquista, no
sentido libertário. Mas só encontrei grupos comprometidos de longe ou de perto com
a extrema esquerda. Cá não havia anarquistas. Se fosse em Espanha ou em França,
o Brassens, o Léo Ferré…
MEG | Eram muito arrogantes esses
grupos surrealistas? Fazia-se sentir o peso das lideranças?
EL | Se havia lideranças nesses grupos
surrealistas, eu não dava por isso.
MEG | E não ficava muito artista à
margem, com mérito, mas cuja timidez o levava a auto-excluir-se?
EL | Não vi artistas à margem destes
grupos nem a auto-excluírem-se.
MEG | Pelo menos um quadro surrealista
pintaste, o que agora mostramos nesta página. E porque não mais?
EL | Pintei um quadro e fiz alguns
desenhos que estão nos meus arquivos (num dos cadernos de capa preta). Acontece
que nessa altura da minha vida eu não desenhava nem pintava muito. Dedicava-me mais
à literatura. Lia bastante, sem ser dos livros que a classe dominante indicava.
Não me lembro porque não pintei mais. Podia ter feito uma carreira como pintor surrealista,
mas já não me lembro porque deixei de pintar. Mais tarde retomei a pintura através
da cópia de clássicos que vendia no metro, em 73-74, depois da tropa. Vendia bem.
Depois fui convidado para trabalhar num estúdio de cerâmica e fiz cerâmica durante
sete anos. Também vendia bem em feiras de artesanato e para lojas urbanas. Entretanto
decidi frequentar a Escola de Belas Artes de Lisboa.
MEG | Os teus quadros de índios expostos
no Triplov são muito belos, muito dramáticos. Porquê guardar o talento só
para ti? Não sentes impulso para pintar mais?
EL | Sinto. Mas tenho que mudar.
Tenho que dar uma volta por dentro para aprofundar mais o que possa chamar a minha
pintura.
MEG | Aliás tens cultivado várias
artes: além da pintura e da cerâmica, ainda há a fotografia….
EL | Já integrei uma exposição de
fotografia colectiva na Galeria Arcada do Estoril. Gosto muito de fazer fotografia.
Desenvolvi a fotografia por causa da pintura. É sempre útil quando se é pintor.
Capta-se muita coisa. A minha ideia era captar o que me interessasse para a pintura.
Mas o interesse que me despertou a fotografia ultrapassou as minhas expectativas
e passei a dedicar-me mais à fotografia.
MEG | Podíamos fazer aqui uma exposição
de fotografia tua.
EL | Tenho muitas imagens, muitos
slides que estão para aqui a estragarem-se. Essa ideia não me desagrada.
MEG | Também fizeste muito desenho
gráfico. Não imaginas o que sofro a aprender abcs do Photoshop, um programa de imagem…
É muito difícil para mim trabalhar este rectângulo, primeiro porque sou é de Letras,
segundo porque tudo está preso por umas molas ou suspensórios invisíveis para os
cibernautas, as tabelas, que são um inferno…Tens de dar uma ajuda nisto, afinal
és um bom gráfico, colaboraste na "Vogue", noutras revistas…
EL | Trabalhei muito antes da era
do computador. Já trabalhei com o Phototoshop, brinquei e diverti-me também com
ele, mas não sou um expert em Photoshop.
MEG | Tu achas que o Surrealismo está
ultrapassado, desapareceu sem deixar marcas, ou pelo contrário?
EL | Acho que o Surrealismo não desapareceu.
Ainda há pouco, em Junho de 2002, vi no Centro Pompidou, em Paris, uma grande Exposição
sobre o Surrealismo, com o título” La Révolution Surréaliste” que, nessa altura,
era considerada como o maior acontecimento cultural, em Paris. Todos os grandes
nomes do surrealismo internacional estavam representados, em inúmeras salas. Daí
acho que não desapareceu. No início dos anos 80, vi uma enorme exposição retrospectiva
da obra de Dali, no mesmo Centre Pompidou, em Paris. Aqui, em Portugal, não conheço
nenhum grande pintor surrealista. Infelizmente não temos nenhum Dali, nem nenhum
Miró. Por isso, às vezes, e até para me inspirar, tenho de ir a Madrid, ao Museu
Reyna Sofia. Estou a ver que tenho de lá voltar para alinhar as ideias. Pintei
os quadros dos índios, expostos no Triplov, logo a seguir à minha última
ida a Madrid, onde passei todo o tempo no Reyna Sofia, no Museu Thyssen e no Prado.
Tenho que voltar a nuestros hermanos. Espanha puxa-me para a pintura e não
só. Aliás faltam só 2kms para eu ser espanhol, pois nasci a 2 Kms de Espanha. Da
minha terra ouvia-se o sino de uma aldeia espanhola e eu ouvia falar espanhol em
criança. Muitas palavras espanholas ainda se mantêm no vocabulário da minha terra,
no norte de Potugal, no topo da Beira Alta, quase em Trás-os Montes. Em Madrid há
muito estrangeiro, mas há também uma energia própria de Espanha, de que me sinto
muito próximo.
MEG | É curioso ver onde nos reencontrámos,
porque eu já te conhecia há muitos anos, tu és uma figura muito característica no
meio artístico, ias muito à Galeria Diferença, eu fiz lá cursos, fui aluna do Ernesto
de Sousa, e tal… Mas nunca ninguém nos tinha apresentado. E então onde é que nos
conhecemos oficialmente? - nas actividades do Instituto São Tomás de Aquino, lideradas
por Frei José Augusto Mourão… E então fomos todos para Fátima, por causa de um seminário
num convento, missinha todas as tardes, e finalmente o José Augusto pôs-me a encenar
uma passagem da Bíblia que narra a decapitação de S. João Baptista, e tu estavas
com imenso medo de que eu enveredasse por uma solução naturalista, pois o decapitado
serias tu… Qual o teu interesse nestas iniciativas do I.S.T.A.?
EL | Achei divertido. O tema era
o messianismo, que me interessa bastante. Gosto de aprofundar o que tenha a ver
com teologia, num ambiente de descontracção e solidariedade de uma comunidade de
religiosos, neste caso dominicanos, cujo trabalho tenho acompanhado desde há bastante
tempo.São divertidos e profundos.
Página
ilustrada com obras de Sérgio
Bonzón (Argentina, 1959), artista
convidado desta edição.
*****
Agulha
Revista de Cultura
Número
109 | Abril de 2018
editor
geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor
assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo
& design | FLORIANO MARTINS
revisão
de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe
de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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os
artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
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todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
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