segunda-feira, 1 de abril de 2019

ANDRÉ COYNÉ | Duas cartas a Floriano Martins


I | Montpellier, 22 de julho de 1996.
Querido Floriano,
Nossas primeiras cartas cruzaram-se. A semana passada, respondi brevemente à tua segunda com um envio de livros; espero que já [tenhas recebido].
Agora vão dois envelopes grandes com fotocópias e mais livro. Suponho que com isso já terás bastantes elementos para planear o livro em projeto.
Outra boa notícia: Amálio Pinheiro, tradutor de Vallejo para brasileiro, que já conhecia pelas suas traduções, me contatou em São Paulo, e nos vimos no último momento um quarto de hora. É professor numa das universidades paulistas e me perguntou sobre a possibilidade de eu dar um curso sobre Poesía Siglo XX na sua universidade (às vezes – nem sempre concordo contigo – universidade pode prestar. Nesse caso, sim). Total, eu escrevi para ele, desde aqui, propondo um programa insistindo em Pessoa e Breton, Vallejo e Pound; quatro línguas e quatro figuras, em certa forma, opostas; uma “esquerda” e uma “direita” da poesia… Mesmo hoje, recebi breves linhas dele, entusiasta. Vai me escrever com mais detalhes sobre as datas e condições. Será uma maneira de voltar ao Brasil e [vermo-nos].
Na tua entrevista a Sábado/O Povo, falas de José Albano. Em Fortaleza conheci a sua filha (não sei se ainda está viva). Eu nasci numa aldeia perto de Montauban, a cidade onde ele está enterrado; foi aí que meu pai morreu.
Sobre Moro deves ter agora mais material e indicações mais precisas. Seu caso é especial. Se Qué, de Pellegrini, é a primeira manifestação do surrealismo na América Latina, Aldo conheceu o surrealismo desde Buenos Aires, então a cidade mais informada do continente (julgo que a única viagem de Pellegrini a Paris se deu no final dos anos ’60, quando eu estava em Buenos Aires; escapou-se da sua mulher, boa burguesa insípida, com uma moça, para viver o “amor louco”; mas não deu o resultado esperado, e pronto regressou à mãe dos seus filhos, à qual, em compensação, comprou uma pequena livraria – boa livraria, com muitos livros ligados ao surrealismo). Moro viajou a Paris em 1925; cria que a sua primeira vocação era a pintura e participou em duas exposições. Os seus poucos poemas de juventude não têm um interesse maior. Só quando se aproximou aos surrealistas (1928) e aderiu totalmente ao movimento (1929), não abandonou a pintura, mas deu o primeiro lugar à poesia, optando ao mesmo tempo por escrever sua poesia em francês (voltou ao espanhol, só para La tortuga ecuestre e alguns poemas avulsos); continuou escrevendo em francês até seus últimos meses (Amour à mort et autres poèmes).
Los anteojos de azufre é o título que dei às “prosas críticas” de Moro, separata da Revista de la Biblioteca, de San Marcos, onde um amigo as inseriu (não tínhamos dinheiro para fazer melhor). Os textos mais característicos foram recolhidos por Julio Ortega na sua edição pela Monte Avila (seção: Textos em prosa). O ensaio meu que figura nessa edição de Ortega é só um fragmento da palestra que dei no Instituto de Arte Contemporânea de Lima, quando em 1956, com o pintor Fernando de Szyszlo, organizamos uma exposição iconográfica e, sobretudo, dos “pasteles” que Moro pintou em 1953-55 – que compraram seus amigos –, o que me permitiu realizar as primeiras edições de La tortuga ecuestre e outros poemas espanhóis, e Amour à mort e últimos poemas franceses.
Pela minha introdução a Ces poèmes… (“Ahora, al médio siglo”), que te enviei ultimamente e por meu artigo de Hueso  Húmero (“Uma edición y varias discrepâncias”), que te adjunto agora, podes ver como Ricardo-Silva Santisteban entrou em possessão de cópias de muitos inéditos de Moro, que eu destinara a Ortega, e desde então sentiu-se dono deles, sem conhecer circunstâncias nem nada. A sua Obra Poética I, de todas as maneiras serviu para difundir mais textos de Moro, pois era bilíngue, embora certas arbitrariedades do seu Prólogo (o livro incluía também um Prefácio meu, que me surpreendeu, pois o escrevera havia anos para uma revista francesa, Opus Internacional) […] [frase truncada no original] L’ombre du paradisier et autres textes acabava de sair quando eu estive em Lima, em 1988 ; foi apresentado como “um novo livro” de Moro; eu protestei com o editor; o constituem uma reunião de textos avulsos, alguns dos quais já foram traduzidos na revista colombiana Eco, com uma apresentação minha, como você poderá verificar na cópia adjunta. Desde então, R-SS publicou dois volumes com o mesmo título: Prestigio del amor – selección, traducción y prólogo de Ricardo-Silva Santisteban; não figuram já os originais franceses de Moro, só os seus títulos ou primeiros versos, e o Prólogo é sempre a reprodução daquele de Obra Poética I (te adjunto “anche” uma cópia).
Passando ao teu artigo sobre Escrituras surrealistas na América, tens razão em desconfiar de Stefan Baciu. O papel que atribui a Méndez Doriché exagerado; a sua definição de Moro, poeta da tartaruga equestre, enquanto Westphalen da tartaruga voadora, não resiste aos textos. A tartaruga de Moro também voava; na antologia de Ortega, de Monte Avila, relê o poema “Libertad-Igualdad”, que Moro escreveu em 26 de abril de 1940 (ignoro por que Ortega suprimiu a data) e que dá a chave do livro: o tigre, o amado, e a tartaruga, o amante – arrebatados num voo cósmico.
James Higgins é ainda pior crítico universitário de poesia do que Baciu.
O grupo da Mandrágora podia admirar os peruanos. A recíproca não é certa. Talvez porque os seus integrantes começaram a escrever numa revista de Huidobro, contra quem Moro e Westphalen lançaram El obispo embotellado. Aliás, em 1938, Moro passou a México; no índice da revista Las Moradas, dirigida por Westphalen até 1949, não aparece nenhum surrealista chileno. Eu conheci Gómez-Correa num navio italiano (na terceira classe para imigrantes) que ia de Gênova a Valparaíso; quando ele soube que no Callao, que para ele era escala, Moro me esperaria, pediu-me para que os apresentara; o que naturalmente fiz; Moro depois me repreendeu: ¿Y por qué me presentaste esse señor, cuyo nombre nunca había oído? (humor dele, mas significativo). Também não esquecer que Octavio Paz, já diretor de Taller, manifestou seu desprezo pela Exposição Internacional do Surrealismo, de 1940, no México (organizada por Breton, Moro e Paalen); para ele o surrealismo era um movimento do passado; foi só a partir de 1942 que conheceu Péret e começou a mudar de opinião.
Gostaria que me dissesses quais são os poetas que incluis na tua antologia: do Peru, Argentina e México, os países que mais conheces. Tens a Antología de la poesía viva latino-americana, de Aldo Pellegrini (Barcelona: Seix Barral, 1966) (no Peru, acrescentou Carlos Germán Belli, o poeta mais importante e original de sua geração, a minha, que ele desconhecia  e lhe descobri quando cheguei a Buenos Aires. Falando de Pellegrini, a última seção da sua introdução
chama-se “Los poetas negros”; o conceito de “poesia negra” tomou-o em Daumal, que precisamente inclui entre os “negros”; é um contrassenso total; se queres te envio um artigo meu sobre “Daumal” em que esclareço essa noção no sentido do fundador de Le grand jeu, que não foi nada um grupo “para-surrealista”.
Envia-me mais informação tua e alheia para um artigo que prometi escrever sobre Surrealismo no Brasil para os Cuadernos Hispanoamericanos de Madrid, um número inteiramente dedicado à literatura brasileira.
Um fortíssimo abraço do
André.



II | Montpellier, 4 de febrero de 2003.
Floriano querido,
Te escribo en español porque lo escribo más corrido que el portugués. Tu carta del 20-XX pasado tardó más de un mes, pues la recibí el sábado último, al salir de una clínica, donde sufrí una pequeña intervención que, espero, me alivie el cansancio que jodió todo el año 2002 y redujo considerablemente mi actividad.
Toda la obra plástica de Moro que está entre mis manos (la otra mitad, la tenía Westphalen, pero creo que, después de su muerte fue dispersada por sus hijas) – bueno, lo que tengo yo está en Madrid, donde el Círculo de Bellas Artes le va a dedicar una gran exposición, que después irá a Tenerife, y probablemente a Las Palmas de Gran Canaria. De modo que me veo obligado a mandarte reproducciones sacadas de “El Surrealismo entre Viejo y Nuevo Mundo”, primera exposición en la que le reservaron un espacio propio (precisamente en Las Palmas, en diciembre de 1989).
Te adjunto otros documentos que te pueden interesar:
1. Mi epílogo a una reciente publicación de La tortuga ecuestre en Madrid. No sé si quedan ejemplares del libro; en cuyo caso, podrías escribirle de mi parte a quien hizo la edición, Luís Iñigo-Madrigal.
2. Un texto sobre el Surrealismo visto por Juan Larrea (alguien con quien tuve cierta amistad, hasta que nos opusimos públicamente en Argentina). Ese texto lo escribí para Sérgio Lima, quien me contestó que lo serviría para el segundo volumen de su A aventura surrealista, que ignoro si llegaría a salir, pues he perdido el contacto con Sérgio. Mientras tanto, el estudio fue recogido en mi libro Medio siglo con Vallejo, publicado en Lima, en 1999.
3. La parte dedicada a Moro en una especie de biografía mía, entre intelectual y espiritual, que ha de salir en el próximo número (anual) de la revista Política Hermética, de la asociación de mis nombre, de l’Escola Pratique des Hautes Études.
Cuando reciba tus libros anunciados, propondré un comentario a una revista doble –Rimbaud Revue y Neruda Internacional– la 1ª en francés, la 2ª en español. en la que a veces colaboro.
¿Por qué no me incluyes entre los poetas surrealistas de América, pues viví 20 años por aquellos pagos, soy miembro corresponsal de la Academia de la Lengua peruana, y tanto en el Perú como en México y Argentina, más tarde en el Brasil tuve mucha amistad poética (a propósito va también el artículo que publiqué en Barcelona al año de la muerte de Enrique Molina y la trapa de una antología mía del mismo Molina, de 1971, la primera que haya salido en España)?
Por si acaso te interese, te mando poemas míos publicados en mis años americanos, traducidos o escritos directamente en español.
La Poesía Completa de Moro en “Archivos” tarda como toda obra colectiva, sometida a criterios universitarios y otros de la colección. Colabora conmigo en la elaboración Julio Ortega, profesor en Brown University, en los USA, quien dispone de medios técnicos que yo no tengo. Iba a venir a Francia en octubre, y nos íbamos a ver; pero no vino. De todos modos, supongo que todo saldrá este año.
Abrazos, con la esperanza que no demore tanto mi envío como tu última carta.
La próxima semana pienso ir a Madrid para revisar el Catálogo de la 1ª exposición de Moro. Luego pasaré a Portugal, de manera que quedaré ausente hasta principios de marzo.
André Coyné.


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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Leila Ferraz (Brasil, 1944)


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 131 | Abril de 2019
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