JUAN GUSTAVO COBO BORDA | José Juan Tablada: sua poesia ideográfica
Em todo caso, também Tablada parte de um modernismo ao pé da letra para
situar-se, logo, no centro das preocupações da poesia contemporânea - o Concretismo
brasileiro, por exemplo -fazendo do movimento, e não o contrário, um de seus propósitos
centrais. A inovação era a pauta, e o caráter experimental de sua tarefa acabaria
por refletir-se no irregular de seus resultados.
Jorge Cuesta, em sua Antología de la poesía mexicana moderna (1928),
dizia:
Sua curiosidade inteligente
o lançou a todas as aventuras da poesia contemporânea. Este papel de inquietador
constante, desde os tempos da Revista Moderna até nossos dias, fez de Tablada um
ponto de mira, um índice das conquistas novas na poesia mexicana.
É claro que não sem
perigo podemos dar esses saltos de Baudelaire a Guillaume Apollinaire; deste último
aos poetas japoneses, e deles a Ramón López Velarde. O resultado, salvo o mérito
incontestável de pequenas realizações, é a volubilidade estética do artista, cuja
evolução procedeu, sempre, por ondas excêntricas.
Guillermo Sucre, por sua vez, já em nossos dias, e referindo-se ao último
livro de Tablada, La feria (1928), escreveu: “é um pouco discursivo: Tablada não
consegue manter de todo a nitidez e a transparência de sua melhor escritura”, o
que é muito evidente em poemas como “O ídolo no pátio” ou “O papagaio”. Ramón Xirau,
por último, expressará: “aquela ‘Epopéia Nacional’ dedicada a Porfirio Díaz é nítida
e simplesmente má”.
Qual é então a importância de Tablada dentro da reação pós-modernista?
Uma viagem ao Japão em 1900 foi considerada como decisiva: lhe permitiu encontrar-se
a si mesmo. O resultado foram livros como Un día (1919), Li-Po y otros
poemas (1920) e El jarro de flores (1920), nos quais seu japonesismo
modernista, evidente já desde um poema como “Japão”, de seu primeiro livro, concentrava-se
e refinava-se ao máximo. Tornava-se outra coisa.
Era o hai-kú trazido por ele, pela primeira vez “à lírica castelhana,
ainda que não fosse senão como reação contra a maltrapilha retórica”.
“Poemas sintéticos” e “Disociaciones líricas”: assim intitulou aqueles
livros, e neles suas “imagens livres”, que ainda permaneciam aprisionadas dentro
das estruturas tradicionais de seus poemas anteriores, libertaram-se, tornando-se
autônomas. Como disse Enrique Diez Canedo: “Os hai-kai de Tablada pegam em pleno
vôo algumas imagens em que tremula a poesia do vivo”.
“Adâmica como a surpresa e sábia como a ironia”, considerava a arte como
“aéreo alfinete” que crava “as borboletas do instante”, e em uma carta sua de 1910
sintetiza sua concepção assim:
Creio já em perpétuo
movimento e em contínua evolução como os astros e como nosso próprio corpo. A vida
universal pode sintetizar-se em uma única palavra: movimento. A arte moderna está
em marcha e, dentro dela, a obra pessoal também o está sobre si mesmo como o planeta
e ao redor do sol.
“Miniaturização do modernismo”, chamou com razão José Emilio Pacheco
a estes poemas. Utilizando o mesmo vocabulário que traz consigo o modernismo, ouro
e âmbar, por exemplo, seu resultado é de todo diferente. “Terno sauz, quase ouro,
quase âmbar, / quase luz…”. Em outros a cor e a luz resultam ampliadas pelo humor:
“Pavão real, largo fulgor, / pelo galinheiro democrata / passas como uma procissão”,
ou apresentados como uma iminência de revelação, na qual o poema diz mais do que
enuncia: “O pequeno macaco se vê… / ¡Quisera dizer-se algo de que se esquece!”.
Finalmente a anterior desmesura americana, cantos ao Niágara e ao Tequendama, as
selvas e os guerreiros incas, ao estilo Chocano, termina por nos dar uma fresca
aquarela de autêntico sabor tropical: “Do verão, vermelha e fria / gargalhada, fatia
de melancia!”. Trata-se de uma autêntica libertação, por redução.
Outra veia renovadora instaurada por Tablada seria a de sua poesia ideográfica.
A distância entre a palavra e a coisa, verbum e res, deve ser abolida, e dentro
desse propósito de apresentar a própria coisa, de que o poema não somente signifique
mas que seja, podem situar-se suas tentativas, posteriores em apenas muito pouco
tempo às de Apollinaire, Pound e Huidobro. Uma nova e ilustra tradição que de Mallarmé
indo para trás pode muito bem chegar à época alexandrina, com Teócrito e Símias
de Rodas, este último autor de poemas nos quais as letras do poema terminavam por
formar, graças à sua disposição, e sem perder a lógica do texto, um ovo ou um archote.
Poesia ideográfica, então, onde o próprio texto, o conceito que expressa,
e o espaço onde se encontra situado, têm igual importância, e que se compreende
melhor com um exemplo. Tablada desenha, com letras, a figura de um sapo. Que dizem
essas letras-sapo? “Um sapo que arremeda / sonoro / de Confúcio uma comparação /
e um grilo que ri zombeteiro”.
Se a linguagem, como bem o revelaram os modernistas, era matéria e energia,
também era forma, e como dizia Rubén Darío em seu “Colóquio dos centauros”: “Toda
forma é um gesto, uma cifra, um enigma”. Assim a forma vinha a ser uma cifra, alcançando-se
uma objetivação através da escritura: Ver o escrito. O poema, consequentemente,
como algo que se estrutura de maneira orgânica e funcional, e cujos valores são
também visuais, espaciais e morfológicos, tanto quanto sonoros e musicais. Verbo
encarnado, a estrutura lingüística se organiza, seja com a caligrafia ou a tipografia,
e graças à sua diversidade, tamanho e posição, transmitindo sua mensagem dentro
de um espaço gráfico de permutação e montagem. O poema como algo armado.
Embora no mencionado exemplo a sintaxe lógico-discursiva seja tipicamente
modernista com seu tom irônico dentro de sua alusão a uma filosofia oriental, ao
visualizar o que a palavra enuncia, ele, além do mais, dá a ver, criando uma nova
dimensão: a escritura como desenho. Como representação verbal e também visual da
coisa já não aludida, no tempo, mas sim diretamente representada, no espaço da página:
poema-sapo.
O texto, então, como algo que se compõe, decompõe, e recompõe, sem trégua,
introduzindo um elemento que seria decisivo na poesia ulterior: o espacial em detrimento
do temporal, linear e sucessivo. Lido o poema, em muitos casos resulta de todo convencional.
Visto é outra coisa. Captando seu jogo, a estrutura chega a ser um elemento essencial
de sua significação: sem ela não é nada. Algo que em certo sentido corresponde com
o que Chesterton escreveu em seu livro sobre São Tomás: “Todo poeta sabe que a forma
do soneto não é somente a forma do poema: é o poema”.
Em outros poemas, como “Noturno alternado”, incluído em Li-Po y otros
poemas, os versos levantados em semibreve e flauta se alternam, fazendo referência
a duas realidades distintas: a cosmopolita Nova York e a provinciana Bogotá. Contudo,
em ambas a lua é a mesma. Dois tempos, duas histórias, duas realidades, e duas morais
(em Bogotá, fortes grades; em Nova York, a alma petrificada) conjugam-se em um mesmo
corpo, conservando cada uma das suas peculiaridades, mas enlaçadas ambas por uma
terceira que as integra e supera: a lua. A velha lua, que com tantas metáforas crivou
Lugones. Assim o poema aproxima o distante, contrastando-o, e advertindo, ao final,
o elemento comum que une e enlaça esses mundos opostos.
Das duas noites fez uma só: esse “noturno alternado” que é o poema. Os
signos, entrelaçando-se sobre a página, criaram uma terceira entidade: aquela que
só vive na regularidade de seus versos de nove sílabas e na alternação deste novo
mundo fabricado pelo autor. O mundo do poema e suas leituras permutáveis. Tradição
e vanguarda.
Lemos assim três poemas em um: o de Nova York, “Nova-iorquina noite dourada”,
o de Bogotá, “frios muros de cal mourisca”, e o da própria lua, “E no entanto /
é uma / mesma / em Nova York / e em Bogotá / a lua”. Os poemas se alternam; os signos,
ao diferenciar-se tipograficamente, podem ser lidos de três maneiras distintas.
Abre-se, assim, uma nova opção dentro da estética que inaugurou o modernismo. Entramos
de cheio na modernidade.
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