O surrealismo francês e sua reverberação na Tchecoslováquia
Inicialmente concebido pelo artista francês André Breton
na metade da década de 1920, o Surrealismo buscou diferentes formas de representar
artisticamente o irracional e o subconsciente. Como descrito por seu idealizador,
almejava-se o encontro com o maravilhoso, com o efeito poético puro, numa busca
pela centelha que nasce da justaposição de dois objetos de contextos díspares. Buscavam
a beleza paradigmática definida nos Cantos de Maldoror de Lautréamont: belo
como o encontro fortuito de um guarda-chuva e uma máquina de costura numa mesa de
dissecação.
A publicação
do Manifesto Surrealista, assinado por Breton em outubro de 1924, marcou
historicamente o nascimento de um movimento que propunha a restauração dos sentimentos
humanos e do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para
isso, era preciso que os homens adquirissem uma visão totalmente introspectiva de
si mesmos e encontrassem o lugar do espírito no qual ambas as realidades, interna
e externa, seriam percebidas completamente isentas de contradição. (BRETON, 2001).
O espírito subversivo
do movimento surrealista reunia raízes comuns a outros movimentos artísticos do
início do século XX, como a rejeição às formas artísticas estagnadas em modos de
representação amplamente conservadores e a revolta contra a moral hipócrita de uma
sociedade intolerante e opressiva. Seus adeptos defendiam a transgressão dos valores
sociais e morais dominantes e julgavam a academia irrelevante. Além disso, ainda
que participassem de um movimento de cunho artístico, apoiavam também a dessacralização
do próprio artista e de sua importância.
Na Tchecoslováquia,
o surrealismo foi berço para diversas manifestações artísticas de resistência ao
repressivo contexto político. O cinema, em particular, se destacava como uma plataforma
que conseguia habilmente, através de seus meios particulares, “dar vida” (animação,
anima) aos ideais deste movimento.
É importante salientar que o movimento surrealista tcheco não obteve reconhecimento
mundial como o francês. Este cinema – assim como a literatura e demais artes – sofreu
não apenas com as barreiras linguísticas existentes entre os idiomas ocidentais
mais clássicos e as línguas eslavas do leste europeu, mas também com as barreiras
políticas que o contexto do “Muro de Ferro” da Guerra Fria impunha ao longo da segunda
metade do século XX. Assim sendo, para que possamos analisar com mais propriedade
a animação foco deste artigo, torna-se interessante uma breve exposição da história
do movimento surrealista tcheco, tão pouco difundida na história ocidental.
A Tchecoslováquia foi o primeiro país a ressoar o movimento surrealista francês.
Podemos citar, entre os muitos artistas que se engajaram ativamente no desenvolvimento
dessa corrente artística no país, Karel Teige, Nezval, Jindrich Styrsky e Toyen.
[1] Em suas frequentes viagens à França,
este grupo de artistas estabeleceu importantes laços com a vanguarda surrealista
francesa, em especial André Breton e Paul Eluard. Após esse primeiro intercâmbio,
foi a vez de Breton viajar à Tchecoslováquia, a convite de Teige, Nezval e do grupo
“Frente de Esquerda”, onde ministrou palestras e conferências no intuito de fortalecer
e internacionalizar o movimento. Os textos “A Posição Política da Arte de Hoje”
e “Situação Surrealista do Objeto”, ambos de 1935, foram produzidos em conferências
ministradas por Breton em suas visitas à Tchecoslováquia.
Uma vez em terras
tchecas, o surrealismo encontrou terreno fértil no descontentamento político presente
entre seus artistas. Para aqueles que aderiram ao movimento, a arte precisava ser
subvertida. A subversão se mostrava a única maneira de quebrar com as correntes
artísticas dominantes na época, que não se mostravam suficientes na sua forma para
expressar as aflições de um duro momento pós-guerra, ou tampouco exprimir as amarguras
posteriormente vividas no longo período sob controle ditatorial comunista soviético
(1945-1990). O sofrimento de toda uma geração, até então reprimido, se tornou combustível
para uma nova e contestatória forma de arte, que parecia permitir ao inconsciente
humano emergir e agir como em um sonho.
Entre os artistas
que aderiram a essa subversiva proposta artística estava o animador tcheco Jan Švankmajer, que em 2016 concedeu uma entrevista a respeito da influência
surrealista na sua obra e de seus compatriotas.
Há muitos mal-entendidos
sobre o surrealismo. Historiadores de arte o incluíram entre as direções de avant-garde
dos artistas da primeira metade do século XX. Do ponto de vista deles, o surrealismo
está morto há pelo menos sessenta anos. O termo surrealismo entrou no vocabulário
geral como descrição de algo sem sentido, absurdo. Primeiramente, é importante dizer
que o surrealismo não é arte. Não há pintura surrealista ou filme surrealista, podemos
falar sobre o surrealismo na arte, na pintura ou no cinema. Isso ocorre porque não
existe uma estética surrealista, nenhum método surrealista ou escola. O surrealismo
é uma maneira de perceber a vida e o mundo. Eu descreveria isso como uma visão mágica
da vida e do mundo. Eu aprendi três coisas com o surrealismo: primeiro, ele (o surrealismo)
me libertou do medo da coletividade, porque o surrealismo é uma aventura coletiva.
Em segundo lugar, desenvolveu minha imaginação de maneiras imprevisíveis e, finalmente,
ensinou-me que há apenas um tipo de poesia e que não importa o que significa, o
que importa é que escolhemos compreendê-lo. [2]
Nessa entrevista,
Švankmajer procura deslocar o surrealismo presente em seu trabalho do movimento
inscrito na história da arte, ampliando seu sentido para além do oficialmente estabelecido
pela crítica acadêmica. Referindo-se ainda ao fato do termo ter entrado para o léxico,
ele afirma que o surrealismo pode até encontrar manifestação nas mais diversas artes,
mas não se configura propriamente como estilo, nem porta regras que o mantenham
restrito ao que muitos compreendem como um movimento. O que ele considera digno
de nota, segundo suas declarações, é a potencialidade presente no surrealismo de
permitir o fluir da imaginação e a liberdade de seu processo criativo.
O movimento surrealista e a psicanálise
Não obstante a enorme influência que o contexto político-econômico
europeu do início do século XX exerceu no desenvolvimento da arte surrealista, foram
os textos de Sigmund Freud que forneceram ao movimento uma parte considerável de
sua inspiração e teoria. Um tema em particular da obra de Freud foi amplamente absorvido
pelos artistas surrealistas: a importância dos sonhos. Os mecanismos básicos da
lógica onírica, tal como tematizados por Freud, fascinaram aqueles envolvidos com
o movimento surrealista, que acreditavam ser possível construir uma forma de arte
baseada em tais princípios. Intentavam mimetizar – no plano artístico e a seu modo
– os processos psíquicos e analíticos descritos por Freud.
Tais mecanismos
são valiosos para a compreensão das escolhas estéticas surrealistas, que tanto enfatizam
os processos e dispositivos do inconsciente e exploram a linguagem e o funcionamento
dos sonhos. Por trabalhar com tal repertório de símbolos freudianos, o surrealismo
sugere a existência de mitos e fantasias coletivas que teriam predominância na vida
social e psíquica da época. Uma vez que a teoria freudiana destaca-se, portanto,
como um dos pilares bibliográficos do próprio surrealismo, algumas temáticas freudianas
merecem, por consequência, ser enfatizadas por sua recorrência tanto nos trabalhos
surrealistas em geral quanto na estética do próprio Švankmajer que buscava sugerir
um tipo de fantasia coletiva ou estabelecer mitos que predominavam na vida social
e psíquica da época.
Além da noção
de “estranhamento”, são também comuns nas obras surrealistas as referências à “loucura
e histeria”, sobretudo quando ligadas à imagem e papel social da mulher e também
inspiradas na discussão que Freud faz sobre o tema. Mas, especialmente devido à
sua presença constante na obra de Švankmajer, é o conceito de “canibalismo” o ponto
de confluência que mais nos interessa. Assim o define a psicanálise moderna, a partir
dos estudos freudianos:
Termo empregado
para qualificar relações de objeto e fantasmas (fantasia) correlativos da atividade
oral, por referência ao canibalismo praticado por certos povos. O termo exprime
de modo figurado as diferentes dimensões da incorporação oral: amor, destruição,
conservação do interior de si mesmo e apropriação das qualidades do objeto. (LAPLANCHE
E PONTALIS, 1986)
Em Totem e
Tabu (1912-13) a noção de “canibalismo” foi primeiramente exposta. Acerca dessa
prática dos “povos primitivos”, Freud sublinha a crença de que a ingestão de partes
do corpo de uma pessoa concede igualmente a apropriação das propriedades que a elas
pertenceram, o que o levou a conceber os conceitos de "parricídio primordial"
e "refeição totêmica", noções freudianas de considerável alcance.
Um dia, os irmãos
[...] reuniram-se, mataram e devoraram o pai, pondo desse modo fim à horda primitiva
[...]. No ato de devorar realizaram a identificação com ele, pois cada um se apropriou
de uma parte da sua força. (LAPLANCHE E PONTALIS, 1986)
Qualquer que
seja o valor da perspectiva antropológica de Freud, o termo "canibalismo” assumiu
na psicologia psicanalítica uma clara acepção. Na edição de 1915 dos seus “Três
Ensaios”, Freud introduz a ideia de “organização oral”. Essa fase do desenvolvimento
psicossexual seria primordialmente caracterizada pelo “canibalismo”. Na sequência,
Freud expõe o que entendia por “fase oral”, sublinhando "[...] determinadas
características da relação do objeto e das suas qualidades. As relações estreitas
que existem entre a relação do objeto oral e os primeiros modos de identificação
estão implicadas na própria noção de canibalismo." (LAPLANCHE E PONTALIS, 1986)
Mesmo com a discordância
manifestada por Freud quanto à apropriação de suas teorias pela corrente artística
surrealista, elas inegavelmente garantiram certa homogeneidade ao movimento, uma
vez que não se pode falar exatamente em unidade de estilo nas obras surrealistas,
como muito bem sublinhou Jan Švankmajer em seu depoimento. Embora cada artista surrealista
manifestasse características estéticas bem próprias em seus trabalhos, era a intensa
presença do universo onírico nas mais diferentes obras destes artistas que garantia
considerável coesão e convergência à sua arte. O surrealismo propunha assim, coletivamente,
se comunicar através da ruptura com o mundo real e moderno, numa fusão do mundo
externo com o interno. Esperavam retratar ao observador um mundo interior imaginário
que resultasse na desorientação das expectativas habituais – algo que o artista
e a animação focos de nosso artigo realizam com maestria.
A arte pela arte
já não satisfazia mais os ideais artísticos, além de subvertê-la era necessário
transformar o mundo. Se, como dito anteriormente, o principal motivo da atividade
surrealista é encontrar o ponto de união entre o consciente e o inconsciente, a
arte vai se estabelecer como o meio mais adequado para alcançar tal objetivo, pois
o inconsciente se pensa por imagens e arte formula imagens. É importante ressaltar
que o inconsciente não é apenas uma dimensão psíquica explorada com maior facilidade
pela arte devido a sua familiaridade com a imagem, mas uma configuração da própria
dimensão da arte. A arte é a comunicação vital do indivíduo por meio de símbolos.
(BENJAMIN, 1993)
Podemos perceber
que o surrealismo emerge em um momento de crise da civilização, negando a arte pela
arte. Perante a repressão imposta pela ditadura comunista, era preciso mais do que
apenas a subversão da arte. Fazia-se necessário também uma mudança brusca e urgente
da vida social e política. Foi através desta urgência por transformação que o surrealismo
despontou como força motriz e filosófica, cuja finalidade era revolucionar o século
XX.
Não surpreendentemente,
esse opressivo cenário político e cultural e o espírito subversivo que ele suscitou
impulsionou Švankmajer a seguir, como outros, um caminho estético de resistência
em seu trabalho: engajado social e politicamente e profundamente reflexivo quanto
aos rumos da humanidade.
Gostaria de dizer
que considero todos os meus filmes muito engajados politicamente. Mas eu nunca os
reduzi a um sistema totalitário, como, por exemplo, um artista dissidente faria.
Porque percebi que se a civilização permite a criação e a existência de algo tão
doente como o Fascismo ou Stalinismo, então toda a civilização é doente, algo está
errado. Eu sempre quis penetrar no núcleo desse problema. Não apenas concentrar
na superfície da atividade política. Portanto, meus filmes são universais, eles
podem se comunicar com audiências fora da República Tcheca. Então, só porque a situação
política mudou na Tchecoslováquia, não significa que o universo ou a civilização
mudou ao mesmo tempo. Estou tanto quanto preocupado que não há razão para mudar
meu inimigo. Ele sempre será o mesmo. (JACKSON, 1997. The Surrealist conspirator:
an interview with Jan Svankmajer. In: Animation World Magazine.)
Foi sob forte
influência desse sentimento que se construiu o cinema de Jan Švankmajer. Seus filmes
buscam ilustrar e enfraquecer tal cenário amargo e autoritário através de uma iconografia
dura, sombria e realista, mas não inteiramente esvaziada de esperança quanto à potencialidade
de fuga proporcionada pelos sonhos.
A oposição entre
a realidade severa e a fuga propiciada pelos sonhos é uma contradição típica presente
não somente na obra deste diretor, mas na produção cinematográfica de todos os países
sob influência comunista. Nesses territórios, a possibilidade de liberdade artística
de expressão residia, quase que inteiramente, numa visão e retrato metafórico do
mundo.
O grotesco
Não seria prudente fomentar uma reflexão mais detalhada
sobre a obra de Jan Švankmajer sem antes discutir brevemente o grotesco, categoria
estética bastante aplicada em suas animações.
O grotesco surgiu
e foi definido a partir da descoberta, durante escavações na Roma do século XVI,
de um tipo de pintura ornamental presente nas paredes de porões de antigos palácios
romanos (assim a referência à grota – galeria escura, subterrânea). Esse
tipo de pintura apresentava seres híbridos, assimetrias e outros atributos que anulavam
as ordens da natureza. O desconforto que essas representações causavam fez com que
fosse cunhado o adjetivo “grotesco”, que designava o que era monstruoso, irreal.
O sentido do adjetivo foi posteriormente estendido e passou a descrever também aquilo
que possuí caráter lúgubre, abismal, diante do qual se sente certa vertigem.
Assim define
Wolfgang Kayser:
O termo migrou
para a literatura e através dos séculos se manifestou, com maior ou menor vigor,
nos mais diversos ramos das artes. W. Kayser assim demonstra a manifestação do grotesco
em E.T.A Hoffmann e seus contos:
Contrastes agudos
que nos tiram o chão debaixo dos pés, os jogos macabros com as figuras de cera e
os mecanismos endemoninhados, o horror sempre do novo reconfigurado ante um mundo
que se vai alheando e, com exemplos mais gritantes, as visões abismais no Discurso
do Cristo morto proferido do alto do edifício cósmico, segundo o qual não existe
Deus. (KAYSER, 1986)
Freud contribuiu
fornecendo dimensões psicanalíticas a essa categoria ao abordar, no já citado “O
Homem de Areia”, de Hoffmann, a ideia de estranhamento. A noção de grotesco acabou
sendo extremamente útil ao movimento artístico surrealista, considerando sua luta
contra a lógica e o racionalismo, em cuja jaula teria sido comprimida a cultura
moderna. O grotesco não somente é um dos elementos de grande presença na corrente
surrealista como também marca, certamente, a animação de Svankmajer, seja através
de seus elementos oníricos, da sua subversão da lógica ou do estranhamento que ele
provoca ao dar vida a seres inanimados. Bonecas e roupas que se movimentam, seres
híbridos, o devorar, a histeria e os duplos são todos temas recorrentes na obra
do animador tcheco que nos causam essa vertigem própria dos elementos grotescos.
Após esta breve
exposição sobre as questões sócioculturais tchecas que precederam e motivaram a
produção dessas animações de notável relevância artística, prosseguiremos para um
aprofundamento da análise das estruturas e elementos mais presentes no trabalho
do diretor Jan Švankmajer, no intuito de melhor compreender o compêndio de símbolos
e referências – surrealistas, grotescas e estranhas – utilizadas na elaboração de
suas animações.
Em nossa tentativa
de compreender os mecanismos utilizados neste cinema de relações associativas, analisaremos
a lúcida visão do diretor Jan Švankmajer e do compositor Zdeněk Liška a respeito
de suas escolhas estéticas, sempre buscando elucidar os significados obtidos na
interação entre imagem e som. Focaremos, consequentemente, em entender como o discurso
sonoro proposto pelo compositor busca se articular às peculiares imagens presentes
em Jabberwocky.
A construção do cinema de animação de Jan Svankmajer
em Jabberwocky
Uma das características mais marcantes da arte surrealista
de Jan Švankmajer é sua habilidade
de manipular, de forma muito expressiva, os recursos fílmicos característicos da
animação com a finalidade de produzir, no espectador, efeitos, sensações e sentimentos
específicos. Através de calculadas estratégias de produção [4] que se utilizam
de um conjunto de regras estabelecidas pelo diretor, a obra não apenas sugere ao
público possíveis interpretações para seus elementos e sentido, mas conscientemente
o direciona. Muitos dos contornos aparentemente incompreensíveis ou non-sense
dos elementos presentes na animação foram, na realidade, conscientemente concebidos
e aplicados por Švankmajer com a finalidade
de transmitir ao espectador – na fantasia do irreal – um determinado sentido para
o mundo (real) em que vivemos. É essa sutil relação de subordinação em que se encontra
o espectador de Jabberwocky um dos pontos que mais interessa à nossa análise.
Como exposto
anteriormente, muito desse processo de direcionamento é fruto das relações associativas
que emergem da fusão entre imagem e som. É no confronto entre imagens e sons aparentemente
desconexos que se cria uma narrativa capaz de fornecer sentidos que muito transcendem
os signos que tais elementos originalmente
carregariam quando isolados uns dos outros. Esta articulação possibilita, em outras
palavras, “relações associativas que vão além dos domínios das representações padronizadas
do tempo e do espaço, privilegiando o psicológico e emocional” (WELLS, 1998).
Seja ela resultante
de processos de justaposição, fusão, contraponto ou paralelo, a tensão provocada
por essa articulação entre o campo imagético e sonoro constitui um dos efeitos mais
interessantes tanto dessa obra em específico quanto da animação surrealista de Švankmajer como um todo. A determinação surrealista em subverter
a arte acabou por subverter, consequentemente, os próprios métodos tradicionais
de se contar histórias.
Tradicionalmente,
recai ao som a função dramática específica de estabelecer o clima e a atmosfera
de um filme, primordialmente através da escolha do ritmo e sua ênfase. Nas animações
surrealistas de Švankmajer, entretanto, a trilha
sonora é responsável ainda por criar o vocabulário através do qual os códigos visuais
do filme são compreendidos e os significados ocultos da narrativa afloram. Como
discorreremos adiante no texto, a função que a trilha sonora desempenha nessa animação
merece uma abordagem consistente e cuidadosa, considerando sua capacidade de expressar
sentimentos íntimos e complexos de serem representados, como a repressão, as imposições
de gênero, a educação autoritária, a busca frenética pela padronização como solução
para a rejeição ao que é diferente etc.
Os mecanismos
surrealistas utilizados na composição desta animação – em parte característicos
do movimento, em parte específicos ao estilo de Švankmajer – despertam em seu público, independentemente das diferenças
culturais existentes entre a obra e seus espectadores, sentimentos universais como
repulsa, desconforto, comicidade e até choque. Como o próprio diretor explica em
entrevista acima mencionada, suas animações visam referenciar problemas políticos
universais pertinentes e pertencentes ao conjunto da civilização, ao invés de abordar
realidades políticas limitadas a um contexto histórico-geográfico específico. Afinal,
como o próprio Švankmajer afirma, a existência
do Fascismo e Stalinismo seria prova de que não apenas uma parte, mas a totalidade
da civilização estaria na realidade doente.
Jan Svankmajer, Zdenek Liska e Jabberwocky
A animação em stop-motion Jabberwocky
(1971) é livremente inspirada pelo poema
homônimo de Lewis Carroll, encontrado no livro Through the Looking-Glass
and What Alice Found There (Alice Através
do Espelho e o Que Ela Encontrou Lá – 1871). [5]
Em aspectos gerais,
essa animação, assim como o poema, é um compêndio de
símbolos. Predominam imagens que tiveram suas formas habituais e cotidianas
subvertidas pelo grotesco e uma trilha sonora pouco comum em termos de timbres,
desenvolvimento temático e dissonâncias. Interligadas, essas imagens e sons conferem
a esta obra contornos peculiares. Essa fusão pouco habitual de imagens e sons comuns
que em outros contextos nos seriam cotidianamente familiares almeja ressignificar
a realidade. Consequentemente, as possibilidades de sentido são tão múltiplas quanto
em um quebra-cabeça ainda não montado.
O universo imagético
dessa animação é, em larga medida, constituído por objetos da cultura de massa antiga/não-contemporânea,
onde brinquedos inanimados – produtos dessa produção massificada – comportam-se
dotados com uma pós-vida (mortos-vivos), como previamente referido por Freud em
seu estudo, O Estranho (1919).
A temática da animação gira em torno de uma crítica à educação infantil e
o papel designado ao gênero na definição ditatorial de comportamentos. Através de
uma inculturação viciosa de valores, garotas seriam educadas para serem pacíficas
e submissas, enquanto garotos seriam incentivados a adotarem comportamentos bélicos
e imperialistas. A animação também denuncia os reflexos automáticos de obediência
retratados no comportamento mimético das bonecas – que acabam revelando-se objetos
ideais para ilustrar a transformação das mulheres em autômatos, nesse caso sujeitos
às manipulações do animador. Há aqui um empoderamento do artista pela oportunidade
de condensar em um só elemento as ideias e mensagens que ele deseja transmitir,
a forma que escolhe transmiti-las e a forma propriamente dita do gênero stop-motion.
Ao controlar o avanço das imagens quadro por quadro, ele demonstra não estar apenas
sob controle absoluto, também quadro a quadro, de todos os movimentos das bonecas,
como revela ser igualmente capaz de manipular, como um marionetista das emoções,
os sentimentos dos espectadores para um estado de grande desconforto, estranhamento.
É importante ter consciência do papel que os recursos oferecidos pela técnica
do stop-motion tiveram nas escolhas estéticas do diretor. Devido às particularidades
desta técnica,
o espectador é direta e constantemente confrontado por uma construção desarticulada
e staccata [6] do que normalmente pareceria fluido e natural na superfície
fílmica (ainda que esta aparência em si seja sempre uma ilusão, não importa a quantidade
de quadros por segundo). Em cada mudança de quadro existe o
testemunho da interferência do artista no quadro anterior. Há uma constante presença
estranha, uma assombração que está por trás de cada imagem animada em Jabberwocky.
Objetos aparecem e desaparecem em um piscar de olhos, quase como se fossem invisíveis.
Torna-se nítido o fato de que, nos trabalhos de Švankmajer, a ilusão de fluidez
raramente é o efeito desejado.
A respeito do ritmo fornecido por Zdeněk Liška, o diretor comenta:
Nos primeiros
filmes que fiz com Liška, não havia muitas ações em si. Foi ele quem colocou toda
a ação principal na música. O ritmo sempre foi muito importante para mim, e ele
encontrou ritmo nos meus filmes, sem eu fazer ideia de que estavam lá. Foi fascinante.
Ele escolhia muitos ritmos mais sutis que eu não tinha consciência alguma. "Ritmos
inconscientes", ele os chamava. [7]
Além desta contribuição rítmica, a trilha musical utiliza-se uma construção
que se afasta, de certo modo, dos padrões (códigos) culturais cinematográficos,
por meio de combinações pouco habituais de timbres e articulações audiovisuais inesperadas.
Uma simples mudança nos arranjos da melodia principal transforma o que uma vez soou
belo e familiar – aos ouvidos do espectador – em bizarro e estranho. O tema principal
da trilha musical de Jabberwocky cria e assim está em uma relação paralela
com a ideia imagética da animação, através da composição de mesmos significados
na medida que se transforma; ao decorrer do filme, esta melodia principal se relaciona
de forma intrínseca à trama através da repetição melódica, da incorporação de novos
elementos musicais e variações sobre o mesmo tema, através da demarcação estrutural
narrativa, [8] contribuindo assim para um significado
único obtido através da somatória som e imagem, impossibilitando assim qualquer
forma de dissociação entre elas.
Figura 1 – Tema principal |
A figura 1 transcreve a melodia principal da animação. Executado pela
primeira vez em voz feminina, este motivo musical é trabalhado diversas vezes ao
longo da obra, podendo por isso ser considerado o tema principal do filme. Ao longo
de suas demais exposições, esta melodia é modulada, transposta para voz masculina
e incorporada a elementos eletroacústicos, numa constante reconfiguração de sua
forma inicial. Devido a essa variedade de formas, o tema acaba desenvolvendo funções
antagônicas: por vezes abranda determinadas cenas, em outras intensifica momentos
de clímax e reforça a sensação de estranhamento.
Ainda que aproveite
múltiplas oportunidades para trabalhar a repetição do mesmo tema e de suas variações, é nítida a escolha que o compositor faz por sempre executá-lo
em uma voz. A opção por utilizar a voz como um instrumento (sem palavras) não é
aleatória, sendo uma constante no trabalho de Liška, que foi pioneiro na utilização das vozes como um recurso puramente instrumental.
Ele foi realmente o primeiro compositor a usar a voz humana propriamente
como parte integral da música instrumental, ou seja, sem palavras. Afirmou o mestre de coro Pavel Kuhn no
documentário de 2000. Como ele mesmo [Z.Liska] dizia, a voz acrescenta certa
expressividade e emoção à peça instrumental, tornando-a mais humana. [9]
É possível entender mais profundamente o impacto da subversão das formas
e funções tradicionais da trilha sonora proposta por Liška se considerarmos
o papel da trilha musical no cinema narrativo clássico como
delineado na teoria de Claudia Gorbman. Em sua obra, Gorbman (1987) argumenta
que a trilha musical – no que entendemos como cinema narrativo tradicional – teria
como principal função envolver emocionalmente o espectador, desarmando seu espírito
crítico e permitindo-o “adentrar”" o filme. A absorção da música pelo público
seria, sob essa perspectiva, uma ação passiva e inconsciente.
Como já salientado
anteriormente, a concepção de Liška sobre o
papel da trilha musical caminhava em direção oposta. A trilha sonora neste caso, deveria ser elaborada para ser ativa e conscientemente
ouvida pelo público, pois caberia ao som, como recorrentemente demonstrado por Liška ao longo
de Jabberwocky, fornecer à obra sentidos não sugeridos originalmente só pela imagem [10] e que contribuísse assim para um expectador ciente dos eventos. De acordo
com a teoria de valor adicionado [11] idealizada por
Michel Chion (1994), todo som, qualquer que seja, quando incorporado a uma imagem,
fornece à mesma um significado específico. Em outras palavras, a manipulação dos
sons que dialogam com as imagens podem alterar significativamente o caráter de uma
obra. Até mesmo o silêncio compartilha desse potencial narrativo transformador,
como podemos bem observar em Jabberwocky.
Mas as divergências entre o que Gorbman percebe como sendo função primordial
da trilha sonora e o papel que Liška delega à sua composição em Jabberwocky vão ainda mais além. A trilha musical,
no entendimento de Gorbman, deveria induzir o espectador a – inconscientemente –
sentir que ele escuta uma música que os personagens não ouvem, mas que revela sua
história, fantasias e intimidade. Essa noção, que ela denomina “inaudibilidade”,
contribuiria ainda para transformar enunciação em ficção e reduzir a percepção do
público quanto à natureza tecnológica do discurso fílmico, garantindo assim um maior
envolvimento do espectador com a obra.
As implicações dessa noção no desenvolvimento de trilhas musicais são significativas.
Segundo Gorbman, a consciência do conceito de “inaudibilidade” leva muitos compositores
a elaborarem trilhas sonoras que visam influenciar as ações narrativas de um filme
sem ocupar, no entanto, o primeiro plano. Nesse casos, a escolha dos materiais,
timbres, técnicas e estilos de composição passa a depender gradativamente da eficácia
da composição em cumprir (dentre outras) essa função.
Esse não é o
caso da ‘audível’ trilha sonora desenvolvida por Liška para Jabberwocky,
que contraria e subverte o comportamento convencional das trilhas musicais
do cinema clássico. Os dois artistas tchecos em questão parecem decididos a primar
pela consciência do espectador também sobre o que ele ouve, gerando uma somatória
de elementos não-fluidos (imagem) e audíveis (som). Sobre o papel assumido pelas
trilhas sonoras de Zdeněk Liška e a forma como cooperavam, Jan Švankmajer comenta:
A maioria dos
meus filmes tiveram a música composta por Zdeněk Liška. Entendemos
juntos, porque ele não era a favor de trilha musical conhecida como atmosférica,
que simplesmente evoca na audiência sentimentos de extrema emotividade, assim como
o papel de um violino em cenas de amor americanas. Liška era um compositor de minha
inteira confiança. Nós concordamos em geral sobre o caráter da música e, em seguida,
ele a compunha livremente. Não me lembro de pedir para refazer algo. Ele encontrou
ritmos que eu desconhecia nos meus filmes, ritmos, originados intuitivamente. [12]
(KUBÁTOVÁ. 2013)
Por ser Jabberwocky
(1971) fundamentalmente uma animação de caráter surreal, dotada de simbologias
complexas e propostas audiovisuais pouco convencionais, uma minuciosa decupagem,
pontuada por partes, dos elementos usados – e sentidos produzidos – pela interação
entre som e imagem pode mostrar, com mais clareza, os significados sugeridos pela
animação e ainda indicar caminhos para um melhor entendimento das outras obras produzidas
pela parceria entre Jan Švankmajer e Zdeněk Liška.
A primeira parte,
ou introdução, começa com uma marcante pulsação em ¾, explicitada por uma grande
mão adulta dando três palmadas – em sincronia com o pulso musical – nas nádegas
de um bebê. Na parada brusca destas palmadas,
essas batidas rítmicas continuam a ecoar, como se alguém estivesse a bater à porta
de um grande salão vazio. As batidas que marcam o pulso inicial do filme também
se espaçam, visual e auditivamente, por um espaço interior misterioso e inquietante.
O mistério aterrorizante do que estaria por trás da porta fechada reflete o mistério,
não menos perturbador, do choque e trauma que a dicotomia entre o fascínio da infância
e seu assombramento provoca na psique humana quando colocada entre a inocente nádega
do bebê e a punitiva mão adulta. Culpa e inocência refletem, nesse momento
da animação, paradoxos definidores da educação infantil. Surge então uma misteriosa voz lírica feminina, que entoa a melodia
principal da animação e nos conduz à segunda parte da obra.
Nesta segunda parte,
a voz entusiasmada de uma garota (Alice?) nos introduz o poema Jabberwocky (1871),
que dá nome à animação. Podemos supor se tratar da própria personagem Alice, do
conto de Lewis Carrol. Neste trecho recitativo não há nenhuma trilha sonora acompanhando
a voz da menina, o que evidencia a preferência por deixar a poesia em primeiro plano,
com total atenção à entonação da criança e ao ritmo que decorre de uma combinação
de palavras dotadas de forte efeito musical, porém sem significado conhecido. Sobre
os primeiros signos formados por meio do poema, Ellestrom conclui:
Obviamente, este
poema está longe de ter sentido. Ainda que muitas palavras não possam ser facilmente
descritas e se refiram a objetos que o leitor tem a liberdade de criar, o poema
exibe uma ampla gama de características de mídia evocadas por sinais simbólicos
e sua própria disposição no texto. De um ponto de vista formal, o poema claramente
apresenta uma estrutura simétrica em suas sete estrofes com quatro linhas dispostas
em um padrão simples, sendo a primeira e a última estrofe idênticas (com exceção
de uma letra, provavelmente um erro de impressão). Ao ler o poema, pode-se discernir
um claro e consistente ritmo iâmbico, juntamente com o som de rimas bastante regulares
e rimas internas, como aliterações e assonâncias. Essas características formais
de mídia interagem com o conteúdo criado na mente do receptor quando os sinais simbólicos
visuais do poema são decodificados. As palavras descrevem claramente alguns personagens,
suas interações e uma série de eventos, o que significa que o poema forma uma narração. [13]
(ELLESTROM, 2014)
Estes neologismos carregam sonoridades que se articulam com imagens em nosso
imaginário, possibilitando assim uma interpretação para os mesmos. [14]
Na terceira parte,
ainda com a trilha sonora em momento recitativo, a animação nos mostra um quarto
repleto de objetos antigos. Uma marcante fotografia de um senhor, enquadrada na
parede, e um grande guarda-roupas estão cenograficamente em evidência. O tema musical
principal (já introduzido na cena das palmadas) é retomado pela voz lírica feminina,
desta vez acompanhada de outros instrumentos. [15] Uma menina aparece e desaparece
rapidamente da imagem enquanto aparenta brincar com sua boneca. Pouco depois, o
segmento recitativo se encerra.
Na sequência,
o quarto aparece quase esvaziado. A imagem foca a boneca, o retrato e o guarda-roupas.
A boneca ganha vida momentânea. Pouco depois, o guarda-roupas, aberto, revela uma
roupa de menino (um macacão) que também ganha vida e passa a dançar alegremente
frente a um fundo simples. Uma síntese simples para representar
o simples propósito da infância: brincar. Enquanto a cena se desenrola de forma bem-humorada
e lúdica, o tema principal passa a ser vocalizado também por um intérprete masculino.
Ao se contraporem, as vozes costuram as primeiras variações sobre o tema central.
Até este momento,
a animação basicamente propõe ao espectador uma metáfora
para o crescimento. À medida que o garoto dança e brinca ao redor do quarto, galhos
secos de árvore emergem das paredes. Aos poucos, os ramos ganham folhas e frutos,
que com o tempo amadurecem e caem. Uma vez no chão, os frutos revelam estar cheios
de larvas, podres por dentro. No ciclo da vida representado nessa cena, o amadurecimento
e envelhecimento externos são acompanhados, internamente, pela inevitável perda
da inocência. Ao fim, a instância da morte.
Não muito depois,
as mesmas vozes param, seguidas pela percussão. Um marcante silêncio domina os próximos
poucos segundos e antecipa uma mudança importante e iminente. Essa atmosfera de
espera captura bem a atenção consciente do espectador. Na tela, a imagem de um quebra-cabeças,
algo como um quadro que se monta e desmonta, seguido de uma linha que passa a percorrer
– erroneamente – um labirinto. Ao espectador cabe aguardar – inquieto – o desfecho.
A trilha sonora retorna repentinamente, como num grito de susto, acompanhando a
imagem repentina de um gato preto que aparece na tela. Dessa vez, a voz masculina
é acompanhada por diferentes instrumentos de percussão.
Na quarta parte,
o tema retorna mais uma vez na voz feminina, acompanhado da guitarra, baixo e percussão,
numa instrumentação idêntica ao início. A articulação do tema aqui já é dotada de
um contraste interessante: remete concomitantemente à infância, na lembrança da
agradável cena anterior, e ao grotesco e bizarro, provocado pela forma naturalizada
com que a música adorna a incômoda imagem de uma grande boneca sendo rasgada por
outras bonecas menores que nascem em seu interior. Deste momento em diante, muitas
imagens e sons perturbadores serão utilizados para distorcer, retorcer e ressignificar,
de forma crescente, as lembranças guardadas em nossa psique.
Na quinta parte,
apresenta-se pela primeira vez um tema musical diferente dos até aqui trabalhados.
O novo tema fomenta sensações contrastantes ao apresentar formas musicais antagônicas.
Isoladamente, a melodia possui um timbre pungente, jocoso e com moderada distorção.
Acompanhada pelo baixo, torna-se dissonante, bizarra, grotesca e ligeiramente desagradável
(fig. 2). Para reforçar ainda mais a sensação de mal-estar, um ruído grave que remete
a um motor é adicionado à variação deste tema. A imagem, por sua vez, nos mostra
as bonecas nascidas na cena anterior indo a uma casa de bonecas, onde se movimentam
de forma esquizofrênica [16] numa tentativa de arrumar a casa. Ao tocar de
um sino (manipulado pelo macacão do menino), estas bonecas simplesmente se atiram
desmedidamente em um moedor de café, sem questionamento algum. Sugere-se, dessa
maneira, uma intensa crítica à educação infantil calcada nos mais nocivos estereótipos
de gêneros perpetuados pela sociedade. Às mulheres restaria a submissão e o sofrimento
de uma obediência forçada. Vale lembrar que a aparição inicial das bonecas as retrata
como brinquedos perfeitamente inocentes e acontece em um trecho da animação em que
tanto trilha sonora quanto imagem sugerem, de forma leve e lúdica, a pureza da infância.
Entretanto, o que vemos são as mesmas bonecas rapidamente sendo transformadas em
seres submissos cujo nefasto destino é serem moídas em uma grotesca exibição canibal
do círculo da vida. As lembranças esperançosas da infância dão assim lugar aos retrógrados
papéis reservados às mulheres no processo educativo: viverão seus dias como trabalhadoras
domésticas e “parideiras”.
Figura 2 |
É importante
notar que o clímax musical acontece ao mesmo tempo em que se atinge o ápice da crítica
à educação feminina. Ao mesmo tempo em que a música se encontra em um maravilhoso
frenesi, nossos olhos vislumbram bonecas desmembradas sendo cozidas em um
fogão. Esse retorno ao tema musical principal recorre a uma instrumentação similar
à utilizada inicialmente, sendo, porém, executado agora em 6/8, o que fornece um
balanço, ritmo e exaltação não demonstrados até então pelo tema. O ruído, imitando
uma espécie de trem, pontua o tempo marcando sempre o um e dois do 6/8.
Sozinha, a imagem
já instiga fortes sensações de absurdo (pela própria natureza da cena), mas quando
contraposta à trilha sonora, a já perturbadora cena ganha ainda mais contornos de
surrealismo macabro. Se assemelha a um pesadelo infernal instigado pelas lembranças
de um trauma coletivo de abuso e dominação, resultado de um processo educacional
autoritário e impiedoso.
A sexta parte retrata um casual encontro de bonecas, algo como um chá da
tarde. Salta aos olhos o tom natural e cotidiano com que é representada uma cena
de canibalismo em que o alimento dividido são as bonecas cozinhadas na cena anterior.
A trilha sonora se renova com a volta do tema musical principal, retomado agora
em ¾ – como proposto no início – porém com a guitarra dessa vez executando arpejos
e contrapondo liricamente a melodia. A naturalidade dessa cena, articulada à retomada
do tema principal original, sugere um retorno ao ciclo vicioso da educação comportamental
da mulher.
Na sequência,
temos o retorno da montagem do quadro com enigma, que reaparece acompanhado de uma
percussão que o pontua como blocos de madeira se movimentando para um possível encaixe.
A cena seguinte, obedecendo à montagem anterior, mostra o labirinto sendo erroneamente
preenchido, acompanhado de um profundo silêncio. A trilha sonora é repentinamente
retomada com a reaparição do gato. Esta sequência se repete algumas vezes na animação,
demonstrando uma contenção e em sua última aparição, a fuga. Esta repetição pode
ser compreendida como um mecanismo consciente do diretor que nos remete inevitavelmente
à reflexão de Sigmund Freud sobre o tema em questão:
Pois é possível
reconhecer, na mente inconsciente, a predominância de uma ‘compulsão à repetição’,
procedente dos impulsos instintuais e provavelmente inerente à própria natureza
dos instintos – uma compulsão poderosa o bastante para prevalecer sobre o princípio
de prazer, emprestando a determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco,
e ainda muito claramente expressa nos impulsos das crianças pequenas; uma compulsão
que é responsável, também, por uma parte do rumo tomado pelas análises de pacientes
neuróticos. Todas essas considerações preparam-nos para a descoberta de que o que
quer que nos lembre esta íntima ‘compulsão à repetição’ é percebido como estranho. (FREUD, 1996)
Na sétima parte,
uma pequena entrada de flauta piccollo dá início à execução de uma variação
do tema musical principal por uma banda marcial. O tema, desta vez em 4/4, adota
uma postura rígida com a marcação sempre no tempo forte dos 4 tempos, criando uma
atmosfera masculina, rígida e inflexível. A imagem mostra um pequeno exército de
soldados de brinquedo saindo da manga da roupa da criança mostrada anteriormente.
O exército de brinquedo marcha sobre uma escrivaninha infantil de maneira ordenada
e implacável. Após esse desfile militar vemos a aparição de um forte, montado por
peças de brinquedo de madeira, do qual sai uma espécie de barco que batalha com
os soldados que marchavam. Evidencia-se nessa sequência a visão menos drástica que
Švankmajer tinha sobre o destino que a educação tradicional
reservava aos meninos, especialmente quando comparado à submissão que se esperava
das mulheres. Dos meninos cobrava-se um futuro mais relevante, sendo a infância
um primeiro treinamento para que desenvolvessem um comportamento agressivo, calcado
no militarismo, que os permitiria no futuro desempenhar funções socialmente mais
importantes. Na animação, o desenvolvimento dos meninos é representado por símbolos
como o macacão de marinheiro, o cavalo de brinquedo e o massacre dos soldados de
brinquedo. Ao menino não é dado um corpo, como é feito com as meninas-bonecas (embora
seus corpos não sejam realmente seus próprios). Ao invés disso, ele é representado
apenas por roupas (macacão), com o cabide que fica em sua cabeça e ombros garantindo
ao modelo uma forma básica humana.
Ainda que os símbolos escolhidos para representar os papéis masculinos sejam
mais brandos do que os usados para os papéis feminino, o objetivo dessas representações
é único: denunciar, pela exposição grotesca dos códigos de vestimenta e papéis sociais
pré-determinados, uma educação tradicional moralista e autoritária que condena o
indivíduo à infelicidade ao retirar dele a liberdade de escolha do futuro que almeja
e do consequente papel social que deseja exercer.
Após a cena militar, há uma nova aparição do enigma e da imagem do labirinto,
seguido por uma reaparição repentina do gato preto.
Uma dançante valsa em 6/8 inicia a oitava parte, com um um novo tema musical
apresentado pela guitarra, acordeón, voz e percussão. Acompanhando visualmente a valsa
temos a imagem de uma pequena estátua colada a uma faca executando piruetas e dançando
de forma estranha. Inesperadamente, a faca corta o próprio objeto (uma estátua feminina)
e o que vemos é um banho de sangue sobre a toalha branca. Tanto a morte pela lâmina quanto o sangue sobre a toalha confrontam o espectador
com o ápice da violência simbólica, reforçando novamente as relações entre violência
e submissão do gênero feminino.
Após esta sequência, somos novamente levados à montagem do enigma, a qual
dá lugar, mais uma vez, à imagem do labirinto. Pela terceira vez, a linha que o
percorre o labirinto não encontra a saída, sendo, como das outras vezes, interrompida
pela repentina aparição do gato preto, que desmonta a cena.
Começa então a nona parte. O quarto, que inicialmente era cheio de objetos,
encontra-se quase vazio, com exceção da presença de uma pequena escrivaninha, papéis
e a fotografia do velho homem na parede. Os papéis escolares de uma pasta ganham
vida e tornam-se navios e aviões em origami. A trilha musical retoma o tema
principal, desta vez ligeiramente modificada pela presença de intervalos menores
harmônicos e pelo acompanhamento de arpejos em uma guitarra. Na sequência, um close
no chamativo homem do retrato na parede o mostra colocando sua língua para fora
e cuspindo peças de um jogo de dominós. A trilha musical continua com a voz lírica
feminina em primeiro plano, porém agora como um mickeymousing representando
o homem do quadro (que neste momento age de forma rebelde), acompanhado por uma
voz masculina que contrapõe a feminina. Vemos então diferentes ações acontecendo
simultaneamente ao longo do próximo minuto. Enquanto as peças cuspidas de dominó
e os origamis se juntam aos seus pares para formar diferentes imagens, uma
boneca dança freneticamente em uma cadeira. O tema principal retorna, dessa vez
com intervalos maiores, transmitindo ao espectador uma sensação de júbilo. Trompetes
passam então a anunciar a alegria que sentimos enquanto aviões de origamis
alçam voo pela janela aberta e barquinhos de papel encontram um lugar para navegar.
Tudo parece funcionar como deveria, com os objetos finalmente praticando as funções
reais que supostamente deveriam exercer. Não surpreendentemente, somos, como espectadores,
tomados por uma sensação de alívio.
A décima – e última – parte começa mostrando mais uma vez o enigma seguido
da linha percorrendo o labirinto. Dessa vez, porém, não há gato preto, pois a linha
finalmente se liberta de seu confinamento. Podemos ouvir a trilha sonora sendo transformada
em um alegre canto de vitória, com um ritmada flauta acompanhando um coro que vibra
a fuga do labirinto. A linha, agora livre, segue para as paredes do quarto e, como
em um último e desafiador lampejo de juventude, rabisca toda a fotografia do homem
sério emoldurada na parede. Com o quadro todo infantilmente rabiscado, o guarda-roupa
da primeira cena reaparece. Um forte e grave ruído pontua a abertura de suas portas.
Dentro do guarda-roupas podemos ver o gato preto preso em uma pequena gaiola. Ao fundo, apenas
uma voz masculina e uma percussão. Pendurado agora no
cabideiro do armário se encontra um terno de negócios. O macacão, inevitavelmente substituído,
se encontra esquecido em um canto do armário. A vida adulta finalmente tomou o lugar
da infância.
Essa cena final nos
apresenta uma bela metáfora de esperança para as possibilidades de reconquista da
liberdade que o opressivo e enrijecido mundo adulto nos furta. A linha, até então
confinada ao labirinto, não só se liberta como provoca e desafia o próprio paternalismo
ao desconfigurar, como que em uma pichação, a séria figura do homem no retrato.
Seria esse homem uma representação da autoridade máxima paterna, como o homem de
areia mencionado no início deste texto?
Uma coisa é certa:
a libertação do labirinto e o subsequente ataque a essa figura paterna, que constantemente
vigiava a todos, simboliza o fim não apenas da animação, mas de uma violenta jornada
de envelhecimento que gradativamente nos afasta da inocência infantil e nos transforma
em adultos.
Reflexões finais
Em sua ânsia por exprimir a própria animosidade contra
a estupidez e falta de humanidade que compreende ser produto da burocracia em todas
as formas de totalitarismo, Švankmajer lança mão de
composições imagéticas que unem o inanimado ao animado, ressignificam objetos, provém
vida ao que não é vivo e transformam a existência dos vivos em um inferno grotesco.
Seu apelo a processos mentais conscientes e inconscientes provoca no público a sensação
de que o filme passeia por suas psiques, e transforma a obra em um veículo crítico perfeito para comunicar – de forma
exploratória e profunda – a essência de sua mensagem.
Considerando que toda animação é resultado de um trabalho coletivo, vale
ressaltar novamente a imprescindibilidade da contribuição de Zdeněk Liška à construção e sucesso de Jabberwocky (1971). A parceria entre Švankmajer e Liška foi longeva e frutífera, com os dois trabalhando
juntos em inúmeros outros projetos, como Punch and Judy (1966), Et Cetera
(1966), Historia Naturae (Suita) (1967), The Flat (1968), Don Juan
(1969), The Ossuary (1970), Leonardo’s Diary (1972) e The Castle
of Otranto (1979). [17]
A respeito da relação entre o poema Jabberwocky (1871), de L. Carrol,
e a homônima animação de Jan Švankmajer, é possível notar que o diretor propõe ao
poema uma nova interpretação. Uma análise mais superficial e apressada dessa relação
poderia até sugerir que a animação em questão objetivava ilustrar, em determinados
momentos, ideias contidas no poema de L. Carrol. Porém, um estudo mais minucioso
e contundente da mesma relação revelaria que Švankmajer tinha, na realidade, objetivos
bem próprios ao produzir sua animação. O diretor parece mais interessado em expor
os sombrios aspectos da vida moderna e suas consequências do que trazer para sua
animação os aspectos visuais do poema. Não obstante, parece haver uma forte conexão
entre as duas obras na maneira como as representações simbólicas se relacionam com
as representações visuais. Em ambos a linguagem se desenvolve em estreita associação
à percepção e interação que temos com o mundo à nossa volta.
Como bastante
evidenciado ao longo desse artigo, muitos pontos relativos a manipulação da imagem
e do som em Jabberwocky (1971) merecem nossa atenção e admiração. Não obstante,
o grande mérito artístico dessa obra é a capacidade demonstrada – tanto por seu
diretor quanto seu compositor – de constantemente desconstruir, transmutar e resignificar
elementos visuais e sonoros ao longo da animação. Seja pela habilidade de Švankmajer de dotar objetos existentes com novos significados e
funções, ou pela estratégia de Liška de repetir, rearranjar ou redesignar o mesmo
tema a cenas diferentes, cada vez com uma intenção e resultado distinto, não há
dúvidas de que o denominador comum à contribuição dada por cada um deles é a aplicação
da transmutação como meio para alterar os significados do que é usual e esperado.
Ambos transformam com sucesso nossas expectativas e dotam com novos e desconfortáveis
significados o que esperávamos entender e sentir.
NOTAS
1. Vítězslav Nezval
(1900-1958) foi um dos mais prolíficos escritores tchecos de vanguarda na primeira
metade do século XX. Foi co-fundador do movimento surrealista na Tchecoslováquia
e também membro do grupo vanguardista de artistas Devětsil (“Nove Forças’.
O nome é uma referência aos nove membros fundadores do grupo). Os membros de Devětsil foram artistas
checos prolíficos em sua geração. Em 1922, o grupo Devětsil incluía Vítězslav Nezval,
Jindřich Štyrský, Jaroslav Seifert, Karel Teige e Toyen (Marie Cerminová). O grupo
se voltou para a França na busca por inspiração para uma possível literatura de
vanguarda calcada na ideologia política marxista. Embora o Estado tchecoslovaco
tenha sido formado pouco após a Primeira Guerra Mundial, predominava entre sua geração
mais nova a sensação de que ainda havia espaço para melhorias e que uma solução
mais radical seria necessária caso o país almejasse uma verdadeira libertação. A
maioria desses intelectuais manifestou entusiasmo pela revolução ena Rússia e fidelidade
a Lenin. Nezval, entretanto, assim como outros em seu grupo, não aceitaram esse
regime como representativo de suas crenças e objetivos. Optaram por expressar, em
seus escritos, preferência pela consciência marxista-internacionalista de solidariedade
de classe. Nezval também foi figura central para o poetismo checo, uma direção dentro
de Devětsil teorizada principalmente por Karel Teige. Sua produção
consistia em uma série de coleções de poesia, peças experimentais, romances, memórias,
ensaios e traduções. Juntamente com Karel Teige, Jindřich Štyrský e
Toyen, Nezval viajou com frequência à Paris, onde pode compartilhar seus ideais
com os surrealistas franceses. Sua estreita amizade com André Breton e Paul Éluard
foi fundamental para a fundação, em 1934, do Grupo Surrealista da Checoslováquia,
um dos primeiros grupos surrealistas fora da França.
2. ‘There are many misunderstandings about
surrealism. Art historians have included it among artists avant-garde directions
of the first half of the twentieth century. From their point of view, surrealism
has therefore been dead for at least sixty years. The term surrealism has entered
the general vocabulary as description of something nonsensical, absurd. First of
all, it’s important to say that surrealism is not art. There is no surrealist painting
or surrealist film, we can talk about surrealism in art, in painting, or in film.
This is because there is no surrealist aesthetics, no surrealist method or school.
Surrealism is a way of perceiving life and the world. I would describe it as a magical
outlook on life and the world. I have learned three things from surrealism: first,
it has freed me of my fear of collectivity, because surrealismo is a collective
adventure. Secondly, it has developed my imagination in unforeseen ways, and finally,
it has taught me that there is only one kind of poetry and that it doesn’t matter
what means we choose to grasp it.’ (Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=e5Pkep8pUcc . Acessado em:
25/02/2017. ŠVANKMAJER, 2016. Entrevista On surrealism)
3. Em 1919, Freud
publica um texto com o título "Das Unheimliche" (O Estranhamente
Familiar). Trata-se de uma análise bastante original para a época, uma abordagem
psicanalítica do conto de Hoffmann, "O Homem da Areia" (Der Sandmann).
Freud foca sua análise na interpretação da questão relativa aos olhos. O ‘homem
de areia’ seria aquele que vem jogar areia nos olhos das crianças.
4. Podemos entender
como estratégia de produção qualquer recurso fílmico que cause impacto no espectador,
como, por exemplo, metamorfose de objetos, dilatação do tempo, cenografia, fotografia,
enquadramentos, planos, montagem, trilha sonora, condução narrativa, cor, as interpretações
dos atores, figurinos, personagens etc.
5. ‘Through the Looking-Glass and What Alice
Found There é a continuação do célebre Alice’s Adventures in Wonderland
(Alice no País das Maravilhas), de 1865.
6. O termo Stacatto
é uma palavra de origem italiana comumente utilizada no universo musical. O significado
literal seria “destacado”. Porém a intenção de entendermos literalmente o significado
de uma articulação que deve ser executada de forma seca ou destacada assim como
na música foi o que nos levou a utilização do termo musical.
7. “In the films I made with Liška there wasn’t
much action as such. It was he who put all the main action into music. Rhythm was
always very important for me, and he found rhythms in them I had no idea were there.
It was fascinating. He’d pick out a whole lot of subtler rhythms I was quite unaware
of. ‘Unconscious rhythms’ he called them.”
8. Exemplificaremos adiante
por exemplo, a repetida cena do labirinto e o gato preto como um momento de repetição
que além de estar inserido no universo do ‘estranho’, contribui para uma forma mais
linear da narrativa a medida que se repete, demarcando seções.
9. “He was actually the first composer to use
the human voice without words as an integral part of instrumental music,” claimed
choirmaster and colleague Pavel Kuhn, also in the 2000 documentary. “As he said
himself, the voice adds a certain expressiveness and emotion to the instrumental
play, making it more human.”
10. Podemos traçar um paralelo
a respeito da escuta consciente da trilha sonora com a sensação de não fluidez e
nítida aparência dos movimentos em stop motion, construídos desta forma propositalmente.
11. O valor adicionado
ocorre na incorporação de uma trilha musical em uma obra audiovisual, uma vez que
esta, por si só, transcende a função de simplesmente traduzir em som o que já é
visto pela imagem – vai além de reforçar um signo já transmitido visualmente. Este
valor adicionado pela trilha musical inclui informações novas, ainda não agregadas
(adicionada/agregada). Michel Chion compreende que, além da força dramática, a música
exerce outras funções, como por exemplo, adicionar signos que a imagem não mostrou
à narrativa[1], gerando assim uma nova composição de significados em
contraponto com a imagem, em oposição ao simples reforço de informações já transmitidas
pelo visual.
12. Entrevista
de Jan Švankmajer concedida por
email a pesquisadora. O trabalho original encontra-se em tcheco: ‘K většině mých filmů /těch, ve kterých
je hudba/ napsal hudbu Zdeněk Liška. Byl
to geniální muzikant, který skládal hudbu přímo na střihacím stole. Rozuměli jsme si spolu, proto, že ani on nebyl příznivcem tak zvané atmosférické hudby, která ždímá z
diváků city ve vypjatých
emotivních scénách /viz housle v milostných scénách amerických kýčů/.Liška měl v psaní hudby zcela moji důvěru. Dohodli jsme
se rámcově na charakteru
hudby a pak měl volnou ruku.
Nepamatuji se, že bych ho nechal něco předělat. On nacházel
v mých filmech rytmy, o kterých jsem ani nevěděl, které vznikaly
intuitivně.“
13. ‘Of course, this poem is far from true nonsense. Although many of the words escape simple explanation and refer to objects that the reader is at liberty to create herself, the poem displays a wide range of compound media characteristics called forth by the symbolic signs and their arrangement on the page. From a formal point of view, the poem clearly shows a symmetric structure with its seven stanzas all having four lines arranged in a simple pattern, and the first and the last stanza are identical (with the exception of one letter, probably a misprint). When reading the poem, an iambic rhythm is clearly and consistently discerned together with the sound of fairly regular end rhymes and internal rhymes, such as alliterations and assonances. These formal media characteristics interact with the content created in the mind of the perceiver when the visual symbolic signs of the poem are decoded. The words clearly describe a few characters, their interactions, and a series of events, which is to say that the poem forms a narration.
14. É presente, tanto na obra de J. Svankmajer quanto nos trabalhos de L. Carrol, a preocupação em explorar as escuras e irracionais profundezas que estão por trás das aparências, através da incitação provocada pela arte, escavando assim relações absurdas e paradoxais de sentido e significado que estão subjacentes às nossas percepções cotidianas, elevando-as a uma superfície luminosa, contraditória e animada.
15. A instrumentação que
entendemos nesse momento como graciosa pode ser atribuida à questão tímbrica da
voz, guitarra (arpejos) e baixo elétrico, com ligeira percussão.
16. Para caracterizar esta esquizofrenia do movimento e o tom frenético com que a ação é executada pelas bonecas, o director utiliza a técnica de fast-motion.
17. A música
de Z. Liška’s para a animação de J. Švankmajer, Historia Naturae (Suita),
The Flat e The Ossuary, também foi utilizada no curta-metragem dos
animadores americanos “Irmãos Quay”, com o título The Cabinet of Jan Švankmajer
(1984).
Bibliografia
BENJAMIN, Obras
Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Editora Brasiliense. 1987.
BRETON, André.
Manifestos do surrealismo. Tradução e notas de Sergio Pachá. Rio de Janeiro: Nau. 2001.
CHION, M. Audio-Vision: Sound on Screen.
New York: Columbia University Press. 1994.
ELLESTRÖM, Lars. Media Transformation: e Transfer
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FREUD, S. (1913).
Totem e Tabu. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud. v. 13. Rio de Janeiro, Imago. 1990.
FREUD, Sigmund.
O estranho, 1919. História de uma neurose infantil. Rio de Janeiro: Imago, (Edição
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Gorbman, Cláudia. Unheard Melodies:: Narrative
Film Music. Bloomington, Indiana University Press. 1987.
KAYSER, Wolfgang. O grotesco: SP,
perspectiva.1986.
KUBÁTOVÁ, Lucie.
Zvukové aspekty v krátkometrážní filmové tvorbě Jana Švankmajera. Brno: Masarykova univerzita, Filozofická
fakulta, Ústav hudební vědy.(2013)
LAPLANCHE, Jean
e PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise, SP: Martins Fontes, 1986.
NOHEDEN, Kristoffer. The imagination of touch:
surrealist tactility in the films of Jan Švankmajer. Journal of Aesthetics
& Culture. Vol. 5. 2013.
J. KARL BOGARTTE | Nacido el 8 de septiembre de 1944, de ascendencia holandesa e irlandesa, formado en antropología, fotografía y diversas tradiciones esotéricas. Ha sido un participante activo en el surrealismo internacional durante más de 50 años. Actualmente vive en Santa Fe, Nuevo México. Bogartte, es a la vez artista y poeta, y ha publicado doce libros de escritos poéticos: While the night windmills through xylophone and…, And Still the Navigators, Spirits in the Albino Hotel Throwing Antlers, The Mirror held Up In Darkness, The Wolf House, Secret Games, Luminous Weapons, Primal Numbers, A Curious Night For A Double Eclipse, Auré, The Spindle’s Arc, and Antibodies: A Surrealist Novella. Alineado desde hace mucho tiempo con el surrealismo internacional, también es cofundador de La Belle Inutile Éditions. Su obra ha aparecido en las siguientes antologías: ANALOGON # 65, Melpomene, Hydrolith # 1 and # 2, La vertèbre et le rossignol # 4, Lithaire # 2, Peculiar Mormyrid # 2, Paraphilia, Silver Pinion and The Fiend online journal.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 04
Número 203 | fevereiro de 2022
Artista convidado: J. Karl Bogartte (Estados Unidos, 1944)
Traduções de Allan Vidigal e Susana Wald
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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