quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

RODRIGO MARCÓ DEL PONT | Maura Baiocchi, a Taanteatro Companhia e o trabalho com a mitologia [trans]pessoal



A primeira vez que ouvi falar de Maura Baiocchi foi por volta de 2002, em Córdoba. A Taanteatro Companhia apresentou uma de suas obras no âmbito do Festival Internacional do Mercosul e conduziu workshops organizados pela Universidade Nacional de Córdoba. Infelizmente não pude ver aquele espetáculo e tampouco fiquei sabendo das oficinas. Ao trabalhar com Sergio Osses na criação do espetáculo solo Palavras, palavras, palavras, ele opinou que poderia ser muito útil para mim, fazer aulas com a Maura para treinar e aprofundar o estudo de “movimentos lentos”. Nessa percepção ecoava talvez uma ideia que circulava em Córdoba acerca da relação de Maura com o Butoh. Hoje me pergunto se Sérgio não se referia naquela época também à presença cênica de Maura e da Taanteatro Companhia. Ou se somente imagino isso agora como uma memória inventada, por saber que, de fato, esse treinamento da presença está tão integralmente ligado ao treinamento e aos espetáculos da companhia.

A sugestão do Sergio não parava de dar voltas na minha cabeça, mas foi somente em 2007 que pude concretizar o desejo de estudar com Maura Baiocchi. Vi uma chamada para participar da Taanteatro Oficina Residência na sede rural da companhia. Candidatei-me, enviei meu currículo e uma carta de motivação. Estava nervoso porque constava da convocatória que aceitariam apenas 12 participantes, e eu temia não cumprir as condições de seleção. Recebi um e-mail do Wolfgang Pannek, confirmando que eu poderia participar, acompanhado por instruções de chegada, datas exatas e um programa de atividades (que me surpreendeu e me deixou muito curioso). Dizer que fiquei feliz seria um eufemismo.

Aquela oficina com duração de 15 dias na sede paradisíaca da Taanteatro em São Lourenço da Serra foi um divisor de águas, não só na minha experiência profissional como ator, dramaturgo e diretor, mas também na minha vida. Uma experiência tão intensa e comovente que é difícil de descrevê-la com palavras. As atividades começaram no início da manhã. Depois de tomar café, limpávamos o espaço de trabalho (enorme, sem paredes, imerso na natureza) e começávamos os exercícios do esforço coordenados por Wolfgang. Para mim foram muito difíceis. Uns vieram da Capoeira, outros da acrobacia, outros do Chi Kung, outros, não sei. Entre a/os participantes, muita/os se dedicavam à dança e os realizavam com facilidade. Fiz o melhor que pude, sem desistir, tentando acompanhar. Lembro-me de trocar de camisa duas ou três vezes ao dia, de tanto que transpirávamos durante o treinamento. E algo ali começava a florescer e a dar frutos. Então, gradualmente, a Maura nos transmitiu o maravilhoso mandala de energia corporal (MAE). Que imenso prazer descobrir essa forma de preparar nosso corpo (de forma psicofísica, como ela apontava) e nossa mente criativa (embora, evidentemente, eles não separem essas noções, mas as integrem de uma forma que considerei reveladora, no conceito de pentamusculatura, também chamada de ecorporalidade, uma corporalidade “eco” que se integra a outros ecossistemas humanos e não humanos).

Desde os primeiros dias, começaram a nos comunicar de que maneira entendiam o trabalho com a mitologia [trans]pessoal do performer e a propor um método de criação de cenas (embora comentassem que se podia também criar um espetáculo inteiro com ele), com um passo a passo bastante sistematizado, que se iniciava com um questionário, seguido por uma entrevista, por uma investigação de símbolos e de assuntos abordados por diferentes disciplinas, por um trabalho pictórico que sintetizava visualmente aquele universo e, sobretudo, por uma exploração corporal e vocal progressiva de todo esse mundo, com ações concretas no espaço, a partir de sucessivos MAEs e outras atividades como a caminhada (uma proposta simples e concreta que permite concentrar-se na investigação de certos aspectos da criação, deixando outros fixos, como por exemplo a direção do deslocamento no espaço).

Algo se juntava, tomava forma. Construía-se uma dramaturgia (textual e cênica ao mesmo tempo), muito pessoal, enriquecida por contribuições de colegas e pela direção da performance. Maura e Wolfgang nos ensinaram a montar um roteiro grade, muito prático, para organizar todos os materiais a serem utilizados em diferentes momentos da performance, para visualizar todos os elementos de uma cena e para ver como uma linguagem (p. ex., o som ou a luz) evoluía no decorrer da obra. Até hoje, continuo a usar essa ferramenta, especialmente quando dirijo e ao construir a dramaturgia de um espetáculo. Também a ensinei às minhas alunas e aos meus alunos, pois o roteiro grade contribui para a autonomia criativa do ator e da atriz por possibilitar que consigam pensar na encenação enquanto se envolvem com o trabalho de atuação.

Naquela época, eu fazia um trabalho, ao mesmo tempo muito visceral e delicado. Trabalhei com um assunto que necessitava abordar: a experiência de ser um rapaz gay em contextos homofóbicos, mesclada com o tema do exílio familiar, quer dizer, o tema da construção de identidade e do questionamento permanente dela. Escolhi fragmentos de um romance de Marguerite Yourcenar, escrevi textos próprios, utilizei uma boneca preciosa adquirida na feira de artesanato de uma cidade próxima, um manto também obtido na feira, uma linda hortênsia do jardim de Maura e Wolfgang, e música mexicana. Podíamos performar em qualquer espaço. Minha performance começou num declive do jardim, como um menino com sua boneca. Depois passava por um bambuzal (eu tinha medo de ensaiar nesse local habitado por cobras, o que provocava risos em Maura e Wolfgang, acostumados a conviver com diferentes seres naquele ecossistema). A seguir, com a hortênsia entre os dentes e falando sobre a monstruosidade, eu saía do bambuzal e entrava em um pequeno tanque de água onde deitava quieto como um crocodilo que de repente começava a se mover de maneira lenta e abrupta. Meu imaculado terno branco estava enlameado. Junto com a flor, formava uma imagem inspirada em uma pintura sobre Ofélia. Parecia um morto na água. Então, magicamente (por sugestão de Wolfgang), a água de uma pequena cachoeira começou a cair sobre meu rosto. A música tocava naquele exato momento. Foi como um renascimento. E foi aproximadamente neste momento que minha performance terminou.

Apresentamos todos os trabalhos para um público formado por amigos e integrantes da Taanteatro Companhia. Foi particularmente emocionante ver o trabalho da/os colegas da residência, meticulosamente construído, com tanta paixão e esforço, durante aqueles 15 dias incríveis. E ver como aquilo que vimos nos primeiros mandalas pictóricos (desenhos, colagens, até uma tela queimada), como primeira síntese ou hipótese de trabalho, havia chegado em uma forma particular, coerente, com regras próprias, sempre muito pessoal e surpreendente. Durante aquela oficina, também fiquei muito impressionado com a experiência de participar do rito de passagem, um exercício parateatral coletivo que inclui dramaturgia, encenação e atuação, e que é ótimo para a/o performer, o grupo e o desenvolvimento de projetos criativos específicos.

Recordo-me ainda com muita clareza de uma conversa que tive com Maura, a orientadora de minha performance, sobre a essência da dança e que seria melhor para meu trabalho como ator “dançar mais”. Inesquecível. Lembro-me disso hoje e fico tão emocionado quanto naquele dia. Senti então (e o confirmo agora) que era um grande privilégio, um lindo presente da vida, ouvir a Maura Baiocchi falar comigo sobre sua concepção da dança e me transmitir um legado muito precioso. No taanteatro, não se fala em dançarinos e atores, mas de “performers” para evitar aquela divisão estrita (e nociva) entre teatro e dança no Ocidente. É por este motivo que a pesquisa e a prática artísticas que desenvolvem há trinta anos é também conhecida como teatro coreográfico de tensões.

Em 2009, voltei para São Lourenço da Serra. Como em 2007, havia ali participantes de diversos países, o que enriqueceu muito a experiência. Mais uma vez, aproveitei bastante toda a residência, começando de manhã com o Esforço e as Caminhadas, até a reafirmação do aprendizado do MAE (uma prática complexa em desenvolvimento contínuo que exige muito tempo para ser incorporada e aproveitada para o treinamento e a criação). Desde 2007, tínhamos material bibliográfico da autoria de Maura e Wolfgang (tive a honra e a alegria de traduzir um de seus livros por ocasião da edição feita por El Apuntador e do Editorial da Universidade Nacional de Córdoba, em 2011), que nos ajudava a visualizar e compreender melhor os conceitos (advindos da prática e também de uma profusa investigação teórica) que Maura e Wolfgang foram consolidando (muitas vezes também inventando nomes, uma linguagem e um glossário particular que aparece como a Dança dos Conceitos em seus últimos livros).

Naquele ano, praticamos novamente o Rito de Passagem, que para mim foi totalmente diferente da vez anterior. Havia outras pessoas envolvidas no processo e eu mesmo precisava transitar por um outro tipo de "liminaridade" (já pensando na minha futura viagem à Europa para viver em Bruxelas junto com meu companheiro Daniel Deybe, uma experiência nova para mim, marcada por incertezas e interrogações). Assim como em meu primeiro rito, optei por desenterrar os livros que meus pais tiveram que enterrar antes de partir para o exílio. Desta vez, meu rito (repleto de personagens grotescos e engraçados, com máscaras e trajes de cores berrantes) tratava da transição de um purgatório cinzento e enfadonho, passando por um inferno temível (povoado por personagens assustadoras), rumo a um paraíso futuro e prometido na Terra (regado por bebidas espirituosas, travessas de frutas, danças e personagens cheios de sensualidade e alegria vital).

Quanto à performance, ela era igualmente visceral e pessoal, mas radicalmente diferente daquele trabalho com a boneca e o monstro no pântano. Surgiu uma personagem singular com asas nos pés, um Mercúrio moderno com uma mala (na vida real minha viagem era iminente), bandagens no corpo e um coração (uma manga) com espinhos de cacto, imagem que apareceu durante uma das caminhadas. Quase não havia texto, eu corria bastante, havia muito humor, um humor particular e enigmático. Desta vez, meu coordenador foi Wolfgang.

Em 2019, voltei novamente para São Lourenço da Serra. Estávamos de volta de Bruxelas e eu precisava (digo isso com total certeza de que a necessidade era vital e urgente) de minha 'dose' de taanteatro. Voltei depois de muitas experiências como migrante, depois de aprender muitas coisas valiosas, fazer novos amigos, dirigir várias peças teatrais, criar com Daniel e com amiga/os o Melting Teatro (uma companhia intercultural com participantes convidada/os para os diferentes projetos) e eu sentia uma demanda de “voltar às fontes”, àquela experiência intensa das oficinas com Maura e Wolfgang que transforma a vida inteira.

Na Bélgica, com os participantes dos projetos do Melting Teatro e da companhia Achtli, com a qual co-criamos diferentes espetáculos, usei o que aprendi junto ao taanteatro sobre a [des]construção de performance a partir a mitologia [trans]pessoal da/o performer. Usei o questionário para o levantamento da mitologia [trans]pessoal (modificando-o de acordo com as características de cada projeto e dos participantes), a entrevista, as caminhadas, alguns elementos do MAE, a exploração do Dicionário de Símbolos, [1] a investigação a partir de cruzamentos com a História, Antropologia e outras disciplinas e a apresentação de performances para um público de pessoas conhecidas e queridas, como parte de uma dinâmica de trabalho.

Em particular, lembro-me da performance A carne moída de meus sentimentos, de Alexander Vivas Misel, uma obra bela e profunda com base em sua própria biografia e em seus tópicos pessoais mais ardentes naquela época. Esta performance deu origem à obra Loco Afán que criamos juntos a partir de textos de Pedro Lemebel. Nenhuma cena da performance foi diretamente incorporada ao espetáculo, mas algo da dinâmica e estética de Loco Afán teve origem naquele trabalho.

E acima de tudo, o trabalho na performance nos proporcionou uma importante confiança mútua, a ele como ator e a mim como diretor, graças à metodologia da [des]construção, à entrega que ela propõe, à abertura ao outro e à necessidade de trabalhar de forma aberta, sincera e profunda os temas que vinham surgindo. E por gerar um espaço de liberdade para escolher as formas que vêm definir a si mesmas. Forças & Formas é o título do mais recente livro da Taanteatro Companhia [NT: em português] e sempre me parece bom lembrar da potência dessa conjunção para a criação teatral (e outras artes também, claro). Em uma colaboração com a companhia Achtli, trabalhei com a mitologia pessoal de uma das atrizes, Kathy Contreras Manzanilla, mas não com os demais atores, uma vez que o texto propunha dois mundos bem diferenciados e opostos. Assim, trabalhar com duas metodologias distintas permitiu abordar o trabalho corporal, vocal e criativo de formas muito distintas, o que ajudou a gerar uma dinâmica que potencializava os sentidos possíveis do texto.


Mencionei minha última ida para São Lourenço da Serra, em 2019. Desta vez, não praticamos o rito de passagem, mas, sim, o rito do xamã, um processo que eu nunca havia experimentado e que me parecia muito comovente, profundo e bonito. Havia novos exercícios de esforço, conheci o abecedário sonoro e a caligrafia corporal (formas lúdicas de desenvolver o trabalho vocal e corporal). Candelaria Silvestro deu aulas de Aikido, uma arte corporal interessante porém difícil para mim. Praticamos o mandala de energia corporal com Maura e Mónica Cristina Bernardes. Exercitamos o traajeto, uma dramaturgia espacial que serve como estrutura e ferramenta de criação. Como nas ocasiões anteriores, participantes de diversos continentes estiveram presentes, enriquecendo a experiência ainda mais em função do intercâmbio cultural e da abertura a diferentes formas de ver e perceber o mundo.

Nesta oportunidade, eu trouxe um texto que queria explorar em minha performance: o Ubu Rei de Alfred Jarry. Em meu mandala pictórico apareceram um rato, um tigre, Cristina Kirchner, um mundo dividido entre luzes e sombras, e uma gueixa. Trabalhei com a Maura como coordenadora. Com base nos citados elementos e meus comentários a respeito do mandala pictórico (dessa vez as entrevistas ocorreram entre colegas, uma experiência muito rica, aliás), ela sugeriu que eu abordasse a questão do medo. No texto de Jarry, o tema do poder estava implícito.

Por fim, a performance ganhou o título Poder e Medo. Nela surgiu um personagem bastante grotesco com uma imensa cauda de rato (feita de uma toalha e fita adesiva preta), pintura corporal feita por Candelaria Silvestro (rosto branco, lábios e olhos vermelhos pintados de gueixa e cabelos, unhas e manchas no corpo, bem como uma espiral desenhada na então proeminente barriga), uma coroa dotada de duas antenas feitas de copos de leite de plástico (material recuperado do acervo taanteatro) e com flores azuis em forma de borboletas nas mãos. A imagem das borboletas apareceu em decorrência de meu rito do xamã. Durante o rito, queimei as roupas que estava usando, depois de transformá-las em farrapos. A seguir, maquiei meu corpo, dancei sozinho e, depois, com os outros, bem leve. A missão de meu xamã era ligada à memória coletiva, pelo menos foi o que eu imaginei. À tarde, ao recolher os restos das roupas, vi uma linda e gigante borboleta azul pairando acima deles. É um exemplo daquilo que Maura chama de Musculatura absoluta e tem a ver com o mistério, o inexplicável, algo que parece mágico e que simplesmente acontece (porque outros procedimentos, mecanismos e práticas já entraram em marcha).

Lembro-me especialmente de um momento em que Maura trabalhava comigo (eu vestido daquele jeito grotesco) com os diferentes Estados da Matéria. [2] Foi aí que entendi, de outra maneira, (e agradeci) a indicação dada por Sergio Osses em 2002 de estudar com ela. Lembro-me desse momento como particularmente precioso. Eu aprendendo com Maura a mover-me como o ar, sentindo como meu corpo (estendido) se metamorfoseia em diferentes elementos e como isso poderia gerar diferentes atmosferas que contribuem para o performativo a partir de lugares bastante sutis, mas fortemente perceptíveis. Minha performance terminou com uma dança deste personagem, uma dança muito lírica, com uma música emocionante. Segundo Wolfgang, havíamos conquistado algo ligado à estética surrealista, em todo caso uma forma muito peculiar de abordar a personagem de Jarry.

É que essa forma de trabalhar faz com que as criações se tornem muito singulares. Fazendo com que a fusão de elementos de mundos distintos enriqueça a obra, agregando possíveis camadas de sentido. Ampliar a presença cênica ao desenvolver uma consciência da pentamusculatura em que aquilo que é feito com os ossos, músculos, tendões etc. é tão importante quanto o que é feito com a imaginação (que é parte da musculatura transparente na terminologia taanteatro), e tão importante como o que fazemos com os elementos cênicos, os outros corpos (mesmo que façamos um solo, tudo muda se dissermos um texto a poucos centímetros do público, ou a vários metros) e com o espaço. Tão importante quanto a incorporação do acaso, do fortuito, do "maravilhoso" que surge num instante e que gera aquela atmosfera particular e irrepetível.

O trabalho sobre a mitologia [trans]pessoal do performer, tal como o aprendi com Maura e Wolfgang, permaneceu muito presente em minha produção artística – (na verdade, o último espetáculo que dirigi, Sinais particulares: nenhum, foi baseado nos poemas de Circe Maia e na mitologia pessoal da atriz Paz Sapriza, e para a sua criação utilizamos a metodologia do taanteatro, passo a passo) – e em minha atividade docente, nas aulas de interpretação, nas quais os alunos criam performances a partir desta forma de trabalho, e no ensino de dramaturgia (na oficina que ministramos com Martín Marcou sobre as “modalidades do (auto)biográfico na escrita teatral”, a [des]construção de performance a partir da mitologia [trans]pessoal é uma das propostas que partilhamos com os alunos, desde os conceitos que a sustentam até o próprio método criativo).

Ainda que brevemente, eu gostaria de dedicar alguns parágrafos à experiência de ver Maura Baiocchi como performer (em espetáculos em que ela também fez a dramaturgia e a direção e com as quais Wolfgang e outros membros da Taanteatro Companhia colaboraram, exercendo funções diversas). Assisti a quatro espetáculos de Maura. Todas as quatro vezes foram experiências muito intensas e inesquecíveis. Ao falar de presença cênica, eu me referia a isso. Ver Maura em cena é algo muito diferente de ver outras pessoas no palco. Já vi muito teatro, mas raramente a presença de um ator ou de uma atriz me comoveu e me impactou tanto. Trata-se de uma experiência física que te atravessa e que fica na memória por décadas.

Assisti à Subtração de Ophelia em 2007. Depois da experiência com a oficina residência em São Lourenço da Serra, organizei, junto com meus colegas de um instituto de formação de professores em Ushuaia, um congresso dedicado a Shakespeare. Eu sabia que Maura e a Taanteatro Companhia tinham esse espetáculo, mas não cheguei a vê-lo. Insisti em convidar a companhia para apresentar o espetáculo e dar uma oficina por ocasião da conferência.

Para a apresentação do espetáculo, conseguimos o salão de um hotel muito belo. O fundo do palco era formado por uma parede de vidro com visão para um jardim cheio de árvores iluminadas. Maura somente nos pediu um galho de uma árvore para a cenografia. Deixamos as cortinas abertas e, a certa altura, através dos janelões, via-se a neve caindo enquanto Maura-Ophelia dançava no espaço, multiplicada mil vezes no vidro. Qual era a imagem real e qual era a refletida? Não sabíamos. Um momento inquietante e mágico.

Num dado momento e para o espanto do público, Maura levantou sua saia (mais tarde soube que era seu próprio vestido de noiva ressignificado neste solo) revelando uma cabeleira pubiana imensa, uma peruca ou máscara da qual nunca soubemos como chegou lá. Um gesto de efeito engraçado e surpreendente. Logo, algumas pessoas me repreenderam; aquela cena lhes parecia "inadequada". De fato, eu não tinha visto o espetáculo antes, mas depois de conhecer Maura e de vê-la ensinar exercícios e falar sobre teatro e dança, eu estava convencido de que vê-la no palco seria uma experiência única. E foi.

Ainda me recordo daquela Ophelia que permanecia imóvel por tanto tempo até acordar, seus movimentos lentos e intensos pelo palco, sua dança às vezes frenética, o humor da peça, seu antigo vestido de noiva que incorporava conchas de cerâmica que estalavam e flores secas acopladas, e um chapéu de malha muito especial. Fiquei impressionado com a formidável denúncia obtida com [o que parecia ser; NT] o intertexto do texto de Heiner Müller, [3] a validade daquela Ophelia de Shakespeare, nossa contemporânea, como diria Jan Kott, em Ushuaia, em 2007.

A segunda vez foi justamente após a segunda oficina em São Lourenço da Serra. A Taanteatro Companhia foi convidada a participar de um festival em Londrina (organizado pela Universidade, se bem me lembro), com o espetáculo Frida Kahlo: uma mulher de pedra dá luz à noite (um lindo subtítulo que foi dado de presente a Maura por um monge budista) em que Maura e duas outras performers atuaram-dançaram. Fui novamente surpreendido tanto pelo trabalho das performers (o de Maura em particular, pela presença acima referida) como pela encenação, muito original e inovadora. As imagens criadas a partir das pinturas de Frida (lembro das melancias na escada e do cabelo cortado, em particular) eram impressionantes e lindas. A certa altura, as três performers não estavam no espaço do palco (ou talvez estivessem imóveis) e uma locução enchia o espaço. Foi muito estranho, durava muito tempo e dava a sensação de que nada estava acontecendo. Foi uma aposta ousada e experimental, que me surpreendeu àquela altura e da qual hoje, muitos anos depois, ainda recordo.

Isto também é a Taanteatro Companhia: a possibilidade de questionar legados e convenções, de brincar com a expectativa do público ao assistir a uma peça, a possibilidade de experimentar e quebrar algumas "regras" recorrentes das artes performativas. É um espaço de liberdade. Para criadores e criadoras, para alunos e alunas e para espectadores e espectadoras.

A terceira vez foi em Bruxelas. Maura fazia um giro pela Europa com o espectáculo TRANS. Com o Melting Teatro, organizamos uma apresentação-discussão (que incluiu também a exibição do tríptico audiovisual Cerrado Ancestral, uma magnífica obra dirigida e executada por Maura e filmada por Randal de Andrade, que faz parte do trabalho DAN - devir ancestral) e uma oficina especialmente focada no MAE. Todas as atividades foram muito bem recebidas e o trabalho de Maura teve um grande impacto. Mais uma vez, o humor esteve presente nesse tipo de Frankenstein-Golem que criticava incisivamente a sociedade capitalista de consumo e falava poeticamente de nossos desejos e de nossas monstruosidades.

E a quarta vez foi em Córdoba, em Artaud, le Momo, concebido, dirigido e interpretado por Maura e que incluía, como parte do dispositivo cênico, uma obra de videoarte resultante de uma mistura de desenhos dos pintores argentinos Candelaria Silvestro e Roque Fraticelli. Novamente, a admiração pela capacidade de Maura de se metamorfosear em diferentes seres e entidades. Pedra, animal, fogo, Artaud multiforme, palhaço, flor, fumaça. E o humor associado a um texto contundente e profundo, capaz de nos questionar numa encenação comovente que fica na nossa memória.

Nas quatro vezes também fiquei impressionado com a forma como Maura dança com sua cabeleira, algo que eu nunca tinha visto antes. De repente, é uma cobra, uma chama, um redemoinho, uma entidade com vida própria. Maura faz lembrar algo disso quando fala da pentamusculatura e da importância de não deixar nada de fora do trabalho com o corpo ampliado (ou pentamuscular, como propõem). Os outros trabalhos da companhia eu vi em vídeo e posso intuir como seria vê-los ao vivo. Ver, ouvir, perceber Maura com todos os sentidos é sempre uma experiência impactante, comovente e única, uma experiência transformadora e indelével.

Saúde! À Taanteatro Companhia, ao amigo Wolfgang e aos novos e não tão novos membros (Mónica, Jorge e Candelaria). E "Saúde!" à minha querida e admirada Maura Baiocchi. Por trinta anos mais de teatro e de taanteatro. Viva la vida, como disse Frida Kahlo. Muito obrigado.

 

NOTAS

Uma nota do Autor: Eu queria participar das comemorações dos 30 anos da Taanteatro Companhia e deste número especial da Agulha Revista de Cultura, dedicado ao trabalho artístico e pedagógico da companhia e em particular de sua fundadora, Maura Baiocchi, contando como o contato com eles impactou a minha própria prática.

Tradução de Wolfgang Pannek.

1. O autor refere-se ao Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

2. Estados da Matéria é uma das danças do Mandala de Energia Corporal (MAE).

3. De fato, trata-se de um texto composto por Baiocchi, que mescla excertos do Livro Egípcio dos Mortos, Hamlet de Shakespeare e de cantigas infantis.

 

 

RODRIGO MARCÓ DEL PONT | Maura Baiocchi, la Compañía Taanteatro y el trabajo con la “mitología (trans)personal del performer”

 


La primera vez que escuché hablar de Maura Baiocchi fue cerca del año 2000, en Córdoba. La compañía Taanteatro había presentado alguna de sus obras en el marco de un festival y desarrollado talleres organizados por la Universidad Nacional de Córdoba. Lamentablemente yo no pude ver ese espectáculo y tampoco me enteré de los talleres. Trabajando con Sergio Osses en la creación del espectáculo unipersonal Palabras, palabras, palabras me comentó que había oído hablar de Maura y me dijo que pensaba que tomar clases con ella me vendría muy bien como entrenamiento para profundizar sobre “los movimientos lentos”. Quizá en esa percepción estaba la idea que circulaba en Córdoba de la relación de Maura con el Butoh. Ahora pienso si Sergio no habló también en aquel momento del trabajo sobre la presencia escénica de Maura y la compañía Taanteatro. O si eso lo armo ahora como un recuerdo inventado, sabiendo que, efectivamente, ese entrenamiento de la presencia está tan presente tanto en los talleres como en los espectáculos de Maura, Wolfgang Pannek y la Compañía.

Se ve que esa idea de Sergio me siguió dando vueltas en la cabeza, pero recién en 2007 pude concretar ese deseo de ir a estudiar con Maura. Vi que había una convocatoria para participar de una “oficina residencia” (oficina se llama en Brasil lo que en español llamamos un taller) en la sede rural de la Compañía Taanteatro. Postulé, envié mi cv y una carta de motivación. Estaba nervioso porque decía en la convocatoria que sólo aceptaban a 12 participantes, y temía no reunir las condiciones para ser elegido. Me llegó un mail de Wolfgang indicando que podía participar y dando las indicaciones para llegar, las fechas precisas, el programa de actividades (que me encantó, me sorprendió y me dio muchísima curiosidad). Decir que estaba feliz es poco.

Aquel taller que duró como 15 días, en ese lugar paradisiaco que es la casa de Maura y Wolfgang en São Lourenço da Serra, marcó un antes y un después, no sólo en mi experiencia profesional como actor, dramaturgo y director, sino también en mi vida. Es una experiencia difícil de describir en palabras, por lo intensa y por lo conmocionante.

Desde la mañana temprano empezaban las actividades. Después del desayuno limpiábamos por duplas el espacio de trabajo (enorme, sin paredes, inmerso en plena naturaleza) y empezábamos los ejercicios del Esfuerzo coordinados por Wolfgang. Para mí eran muy difíciles, algunos venían de la Capoeira, otros de la acrobacia, otros del Chi Kung, otros no sé. Entre mis compañeros y compañeras muchos se dedicaban a la danza y los hacían muy fácilmente. Yo los hacía como podía, sin darme por vencido, intentando seguir el ritmo. Recuerdo haberme cambiado dos o tres veces por día de remera, tanto transpirábamos en ese entrenamiento. Y algo ahí empezaba a florecer y a dar sus frutos.

Luego Maura nos transmitía, gradualmente, el maravilloso Mandala de Energía Corporal (MAE). Qué placer inmenso descubrir esa manera de preparar (psicofísicamente, como señalaba ella) nuestro cuerpo y nuestra mente creativa (aunque claramente ellos no separan estos conceptos, sino que los integran de una manera que para mí fue como una revelación, en el concepto de “pentamusculatura” que también llaman en algunos textos una “e-corporalidad”, una corporalidad eco, que se integra con otros ecosistemas humanos y no humanos).

Ya desde los primeros días nos empezaron a hablar de cómo entendían ellos el trabajo con la “mitología (trans) personal del performer” y a proponer un método de creación de escenas (aunque comentaron también que se podían crear espectáculos enteros con él) que tenía pasos muy sistematizados que empezaban con un cuestionario, seguían con una entrevista, con una investigación sobre los símbolos y sobre temas abordados por distintas disciplinas, con un trabajo plástico que sintetizaba ese universo y sobre todo, con una exploración progresiva de todo ese mundo que iba apareciendo con el cuerpo, con la voz, con acciones concretas en un espacio, a partir de los sucesivos MAE y de otras actividades como las Caminatas (una propuesta simple y concreta que permite concentrarse en determinados aspectos de la creación dejando otros fijos, como los desplazamientos en el espacio).

Algo se iba armando, iba tomando forma, se iba construyendo una dramaturgia (textual y escénica al mismo tiempo), muy personal, y enriquecida con los aportes de los compañeros y de quien dirigiera la performance. Maura y Wolfgang nos enseñaron a armar un guion en forma de casilleros, muy práctico, para ir organizando todos los materiales que participaban de los distintos momentos de la performance y muy útil para visualizar, por un lado, todos los elementos de una escena y por otro como un mismo lenguaje (como el universo sonoro o la luz, por ejemplo) variaba durante todo el trabajo. Esa herramienta la sigo usando hoy, sobre todo cuando dirijo, para ir construyendo la dramaturgia escénica de un espectáculo. También se la he enseñado a mis alumnos y alumnas, ya que colabora en la autonomía creativa del actor y de la actriz, que pueden pensar la puesta en escena a la vez que se involucran desde el trabajo actoral.

En aquella oportunidad hice un trabajo muy visceral y al mismo tiempo delicado. Trabajé con un tema que necesitaba abordar: el de la experiencia de ser un chico gay en contextos homofóbicos, mezclado con el tema del exilio familiar, es decir, el tema de la construcción de la identidad y su cuestionamiento permanente. Tomé fragmentos de una novela de Marguerite Yourcenar, escribí textos yo mismo, utilicé una muñequita preciosa comprada en un mercado artesanal de un pueblo cercano, un vestuario de manta también conseguido en ese lugar, una hortensia hermosa del jardín de Maura y Wolfgang, música mexicana. Podíamos elegir el espacio que quisiéramos de la casa y del jardín. Mi performance empezaba en un lugar del jardín como niño con su muñeca, luego atravesaba un bambuzal (donde me daba miedo ensayar por las serpientes que lo habitaban, lo que les provocaba risa a Maura y Wolfgang, acostumbrados a convivir con diversos seres en ese ecosistema particular), salía con la flor entre los dientes hablando sobre la monstruosidad, luego me metía en un estanque y me quedaba quieto como un cocodrilo, que de repente empezaba a moverse de manera particular. Mi traje blanco impoluto quedaba todo embarrado. Formaba con la flor en el agua una imagen inspirada de una pintura sobre Ofelia. Quedaba como muerto en el agua. Luego, mágicamente (y por sugerencia de Wolfgang) una cascada empezaba a caerme sobre la cara. Una música sonaba en ese preciso momento. Era como un renacimiento. Y ahí más o menos terminaba mi performance.

Presentamos todos nuestros trabajos frente a amigos de Maura y Wolfgang y a miembros de la Compañía Taanteatro. Fue particularmente intenso y emocionante ver el trabajo de mis compañeros y compañeras, construido minuciosamente y con tanta pasión y esfuerzo durante esos 15 días increíbles. Y ver cómo lo que habíamos visto en los primeros mandalas gráficos (dibujos, collages, hasta una tela quemada) como síntesis primera y como hipótesis de trabajo, había tomado una forma particular, coherente, con sus propias reglas, siempre muy personal y muy sorprendente.

De ese primer taller me impactó muchísimo también la experiencia de participar del “ritual de pasaje”, un ejercicio parateatral, colectivo, que incluye dramaturgias, puestas en escena y actuación y que es buenísimo para quien actúa, para el grupo y también para desarrollar proyectos creativos específicos. Y también recuerdo con mucha claridad una charla que tuve con Maura, que era mi orientadora en la performance, sobre qué es la danza y lo bueno que era para mi trabajo como actor “danzar más”. Inolvidable. Lo recuerdo hoy y me emociono como aquel día. Sentía entonces (y lo confirmo ahora) que era un gran privilegio, un hermoso regalo de la vida, estar escuchando a Maura Baiocchi hablándome de lo que era la danza para ella y transmitiéndome un legado muy precioso. En el taanteatro se habla más bien de “performers” para evitar esa división tan estricta (y nociva) que se da en Occidente entre el teatro y la danza. Y por eso también se conoce a la investigación y a la práctica artística que desarrollan desde hace treinta años como “teatro coreográfico de tensiones”.


En 2009 volví a ir a São Lourenço. Había, como en 2007, personas de distintos países participando, lo que enriquecía muchísimo la experiencia. De nuevo aproveché mucho todo el taller, desde las mañanas de Esfuerzo y Caminatas, a la reafirmación del aprendizaje del MAE (es una práctica que se sigue desarrollando con el tiempo, ajustando, modificando, y a la vez es compleja, por lo que necesita mucho tiempo para poder ser incorporada y para poder sacarle todo el jugo para el entrenamiento y la creación).

Ya desde 2007 contábamos con material bibliográfico de apoyo, escrito por Maura y Wolfgang (uno de esos libros tuve el honor y la alegría de traducir para su edición con El Apuntador y la editorial de la Universidad Nacional de Córdoba, en 2011) que nos ayudaba a visualizar y comprender mejor los conceptos (provenientes de la práctica y de una profusa investigación teórica también) que Maura y Wolfgang iban consolidando (muchas veces inventando también los nombres, un lenguaje y un glosario particular, lo que últimamente se engloba dentro de los capítulos titulados “la danza de los conceptos” en sus libros).

Ese año también hicimos el “Ritual de Pasaje”, que para mí fue totalmente distinto del anterior. Había otras personas involucradas, yo mismo necesitaba transitar otro tipo de “liminaridad” (pensando ya en mi futuro viaje a Europa para vivir en Bruselas junto con mi compañero Daniel Deybe, experiencia muy nueva para mí y que estaba en ese momento llena de incertidumbres e interrogantes.

Así como en el primer ritual había elegido desenterrar los libros que mis padres habían tenido que enterrar antes de irse al exilio (con unos personajes bastante grotescos y graciosos, con medias máscaras y vestuarios de colores chillones) esta vez el ritual tenía que ver con transitar de un gris y aburrido purgatorio, al infierno tan temido (con unos personajes que daban miedo, al menos a mí me espeluznaron bastante) y al futuro y prometido paraíso en la tierra (con bebidas espirituosas, platones de frutas, danzas y personajes llenos de sensualidad y de alegría vital).

En cuanto a la performance, esta vez también cambió radicalmente. Fue apareciendo un personaje muy singular, con alas en los pies, como un moderno Mercurio, con una valija (mi viaje era inminente en la vida real y no me asombra que el tema del viaje apareciera en el trabajo), vendas en el cuerpo y un corazón de mango con espinas de cactus (imagen que vino en una de las Caminatas). Esta vez mi coordinador fue Wolfgang. El trabajo que presenté fue bien diferente a aquel con la muñequita y el monstruo del pantano. Casi no había textos, corría mucho, tenía mucho humor, un humor particular y enigmático. Fue, también, muy visceral y muy personal.

En 2019 volví a ir a São Lourenço. Habíamos regresado hacía poco de Bruselas con Daniel y yo necesitaba (y esto lo digo con total certeza de que la necesidad era vital e impostergable) mi “dosis” de taanteatro. Volvía después de muchas experiencias como migrante, de aprender muchas cosas muy valiosas, de haber conocido amigos y amigas nuevos, de haber dirigido varias obras, de haber creado con Daniel y amigos y amigas el Melting Teatro (una compañía intercultural con invitados e invitadas para los diferentes proyectos) y necesitaba algo que sentía como “volver a las fuentes”, a esa experiencia intensa y que modifica la vida entera, de los talleres con Maura y Wolfgang.

En Bélgica, con los participantes de los proyectos de Melting Teatro y de la Compañía Achtli con la que co-creamos distintos espectáculos utilicé bastante lo que había aprendido con Maura y Wolfgang sobre la “des-construcción de performances a partir del trabajo con la mitología (trans) personal del performer”. Utilicé el cuestionario (que iba modificando según las características de cada proyecto y de los participantes), la entrevista, las Caminatas, algunos elementos del MAE, la exploración del Diccionario de Símbolos, la investigación a partir de cruces con la Historia, la Antropología y otras disciplinas y la presentación de performances para un público de gente conocida y querida, como parte de una dinámica de trabajo.

Recuerdo particularmente la performance La carne molida de mis sentimientos, de Alexander Vivas Misel, trabajo bello, visceral y profundo sobre su propia autobiografía y los temas más candentes para él en ese momento. Ese trabajo fue el origen de la obra Loco Afán que creamos juntos en base a textos de Pedro Lemebel. No hubo ninguna escena que se incorporara tal cual en el espectáculo, pero había algo de la dinámica, de la estética que tenía su origen en aquel trabajo. Y sobre todo, nos dio una confianza mutua importante, a él como actor y a mí como director, construida gracias a esa metodología y la entrega que propone, a la apertura hacia el otro y a la necesidad de trabajar de manera abierta, sincera y profunda los temas que iban apareciendo. Y de generar un espacio de libertad para elegir las formas que se fueron definiendo. “Fuerzas y formas” es el título del último libro de la Compañía Taanteatro y me parece que siempre está bueno recordar que en esa conjunción hay algo muy poderoso para la creación teatral (o de otras artes también, por supuesto).

En un trabajo que hicimos con Achtli trabajé con la mitología personal de una actriz, Kathy Contreras Manzanilla, pero no con los otros actores ya que el texto proponía dos mundos bien diferenciados y opuestos. Entonces, trabajar con dos metodologías distintas, permitió que ellos abordaran el trabajo corporal, vocal y creativo, de maneras bien diferentes, lo que ayudó a generar una dinámica que potenciaba los significados posibles del texto.

Comentaba mi última ida a São Lourenço, en 2019. Allí no hubo “Ritual de Pasaje” pero sí “Ritual del Chamán”, una práctica que nunca había experimentado y que me pareció muy movilizadora, muy profunda y muy bella. Hubo esta vez nuevos ejercicios de Esfuerzo con Wolfgang. Conocí el Alfabeto Sonoro y la Caligrafía Corporal (maneras lúdicas de desarrollar el trabajo vocal y corporal). Candelaria Silvestro nos dio clases de Aikido, práctica interesante y difícil para mí. Trabajamos el Mandala de Energía Corporal con Maura y con Mónica Cristina Bernardes. Ejercitamos el “Traayecto”, un desplazamiento prefijado que sirve como estructura y que es una buena herramienta para la creación. Como las veces anteriores hubo participantes de distintos continentes, lo que hizo la experiencia aún más profunda y rica por el intercambio cultural que se produjo y la apertura hacia distintas maneras de ver y percibir el mundo.

Esta vez, para mi performance había llevado un texto para trabajar. Elegí Ubú Rey, de Jarry. En mi mandala pictórico apareció una rata, un tigre, Cristina Kirchner, un mundo dividido entre luces y sombras, y una geisha. Esta vez trabajé con Maura como coordinadora. Me sugirió, a partir de esos elementos y de lo que yo fui comentando al explicar mi mandala (esta vez las entrevistas fueron entre compañeros, una experiencia muy rica por cierto), que trabajara sobre el tema del miedo. El tema del poder estaba implícito también en la elección del texto de Jarry. La performance se tituló, finalmente Poder y miedo. Apareció un personaje bastante grotesco, con la panza (prominente en aquel momento), dibujada con un espiral por Candelaria, con una cola de rata inmensa, que fabriqué con una toalla y mucha cinta de embalar negra, maquillaje corporal (pelos, uñas y manchas también dibujados por Candelaria), una corona con dos antenas de calas plásticas en la cabeza (recuperadas de los elementos que Maura y Wolfgang guardan para ser utilizados como vestuarios o accesorios en talleres y obras) y flores azules en las manos a la manera de mariposas.

Esta imagen de las mariposas vino de algo particular que ocurrió durante mi Ritual del Chamán. Quemé la ropa que tenía, después de haberla hecho jirones, y luego me maquillé el cuerpo, dancé solo y con los demás, muy ligero. Mi chamán tenía como “misión” algo vinculado a la memoria colectiva, al menos eso me imaginé yo. Por la tarde, cuando fui a buscar los restos de la ropa vi que había una mariposa azul hermosa, gigante, revoloteando allí. Un ejemplo de lo que Maura y Wolfgang llaman la “musculatura absoluta” y que tiene que ver con el misterio, con lo que no se puede explicar, con algo que es como mágico y que sucede sin más (pero sucede porque se han puesto en marcha otros procedimientos, mecanismos y prácticas).

Recuerdo particularmente un momento en el que Maura trabajaba conmigo (así vestido) los distintos “estados de la materia”. Ahí comprendí de otra manera (y agradecí) aquella indicación de Sergio de que fuera a estudiar con Maura, cerca del año 2000. Lo recuerdo como un momento particularmente valioso. Aprendiendo a moverme como el aire con Maura, sintiendo como mi cuerpo (entendido de manera amplia) se iba metamorfoseando en distintos elementos y como eso podía generar distintas atmósferas que contribuían a lo escénico desde lugares más bien sutiles, pero fuertemente perceptibles. Terminaba con una danza de este personaje, una danza muy lírica, con una música emocionante. Según Wolfgang, habíamos logrado algo vinculado a la estética surrealista, una manera en todo caso muy peculiar de abordar el personaje de Jarry.

Y es que esta manera de trabajar hace eso, que las creaciones sean muy personales. Y que la fusión de elementos provenientes de mundos distintos enriquezca el trabajo, agregue capas posibles de sentido. Y que la presencia escénica se amplifique al ir desarrollando una conciencia sobre esa “pentamusculatura” en la que es tan importante lo que se hace con los huesos, los músculos, los tendones, etc., como lo que se hace con la imaginación (parte de la “musculatura transparente” en terminología taanteatro), como lo que hacemos con los elementos escénicos y con los otros cuerpos (aún si hacemos un unipersonal, todo cambia si decimos un texto a unos centímetros de los espectadores, o a varios metros) y con el espacio. O cómo incorporamos lo azaroso, lo fortuito, lo “maravilloso” que aparece en un instante y que genera esa atmósfera particular e irrepetible.

El trabajo sobre la “mitología (trans) personal del performer, tal como lo aprendí de Maura y de Wolfgang ha seguido muy presente tanto en lo que hecho como artista (de hecho el último espectáculo que dirigí, Señas particulares: ninguna, estaba basado en los poemas de Circe Maia y en la mitología personal de la actriz, Paz Sapriza y para su creación utilizamos la metodología del taanteatro, paso a paso) y en mi actividad docente, tanto en las clases de actuación, en la que los alumnos y alumnas crean performances a partir de esta manera de trabajar, como en las de dramaturgia (en el taller que dictamos con Martín Marcou sobre las “modalidades de lo (auto)biográfico en la escritura teatral” es una de las propuestas que compartimos con los estudiantes, desde los conceptos que la sostienen hasta el método creativo en sí mismo).

Quisiera, brevemente, dedicar unos párrafos a la experiencia de ver a Maura como performer (en espectáculos en los que también hizo la dramaturgia y la dirección y en los que colaboraron desde distintos roles Wolfgang y otros miembros de la Compañía Taanteatro).

Vi cuatro unipersonales de Maura. Las cuatro veces fueron experiencias muy intensas e inolvidables. Cuando hablaba de la presencia escénica antes es a esto a lo que me refería. Ver a Maura en escena es algo muy diferente a ver a otras personas en escena. He visto mucho teatro, pero pocas veces me ha conmovido e impactado tanto la presencia de un actor o actriz. Es una experiencia física que te atraviesa y que se queda ahí en la memoria, por décadas.

Substracción de Ophelia en 2007. Después de la experiencia con el taller en São Lourenço organicé junto a mis colegas de un instituto de formación docente en Ushuaia, unas jornadas dedicadas a Shakespeare. Sabía que Maura y la compañía Taanteatro tenían este espectáculo, pero no lo había visto. Insistí para que invitáramos a Maura y a Wolfgang para presentar el espectáculo y dar un taller en el marco de las jornadas. Conseguimos un salón de un hotel muy bello para el espectáculo. Maura nos pidió una rama de un árbol para la escenografía. Dejamos las cortinas abiertas. Por los ventanales en un momento se empezó a ver la nieve que caía mientras Maura-Ophelia danzaba por el espacio, multiplicada mil veces en los vidrios. ¿Cuál era la real y cual la imagen reflejada? No lo sabemos. Un instante inquietante y mágico. En un momento y para asombro de la platea, Maura levantó la falda que llevaba (que luego supe que era su propio vestido de novia resignificado para esta obra) y se vio una pelambre inmensa, una peluca o máscara que nunca supimos cómo llegó allí. Generaba un efecto gracioso y sorprendente. Luego algunas personas me increparon por esa escena, ya que les había parecido “inadecuada”. Yo la verdad no había visto el espectáculo, pero habiendo conocido a Maura y viéndola mostrarnos los ejercicios, y escuchándola hablar sobre el teatro y la danza, estaba convencido de que verla en escena sería una experiencia única. Y lo fue. Aún recuerdo esa Ophelia que permanecía tanto tiempo inmóvil hasta que despertaba, sus desplazamientos lentos e intensos por el escenario, su baile frenético por momentos, el humor de la obra, el vestuario que incorporaba unos objetos cerámicos que estallaban y unas flores secas junto a su vestido de novia de varios años atrás y un gorrito muy particular, tejido, la denuncia formidable que lograba con el intertexto del texto de Müller, la vigencia de esa Ophelia de Shakespeare, nuestra contemporánea, como diría Jan Kott, en Ushuaia, en 2007.

La segunda vez fue, justamente, después del segundo taller en São Lourenço. La compañía Taanteatro estaba invitada para participar de un festival en Londrinas (organizado por la Universidad, si no recuerdo mal), con el espectáculo Frida, una mujer de piedra da luz a la noche (hermosísimo título que fue dado como regalo por Min Tanaka a Maura, como al pasar) en el que actuaban-danzaban Maura y otras dos performers. Allí me sorprendió otra vez tanto el trabajo de las performers (el de Maura particularmente, por la presencia antes evocada) como la puesta, muy original y muy innovadora. Las imágenes que se creaban a partir de los cuadros de Frida (recuerdo las de la sandía en la escalera y las del pelo cortado, particularmente) eran impactantes y bellas. En un momento las tres performers no estaban en el espacio escénico (o quizá estaban inmóviles) y una voz en off llenaba el espacio. Era muy raro, duraba un largo rato, daba la sensación de que no pasaba nada. Era una apuesta osada y experimental, que en su momento me sorprendió y que hoy, muchos años después recuerdo. Eso también es la Compañía Taanteatro: la posibilidad de cuestionar legados y convenciones, de jugar con lo que los espectadores esperan cuando van a ver una obra de teatro, la posibilidad de experimentar y de romper algunas “reglas” frecuentes en las artes escénicas. Es un espacio de libertad. Para los creadores y creadoras, para los alumnos y las alumnas y para los espectadores y las espectadoras.

La tercera fue en Bruselas, Maura andaba girando por Europa con el espectáculo Trans, y organizamos, con Melting Teatro, una presentación-conversatorio (que incluyó también la proyección del tríptico audiovisual Cerrado Ancestral, magnífico trabajo interpretado por Maura y filmado y editado por Wolfgang) que forma parte de la obra DAN-Devenir Ancestral y un taller especialmente focalizado en el MAE. Todas las actividades fueron muy bien recibidas y el trabajo de Maura impactó muchísimo. De nuevo el humor estaba presente en esta especie de Frankenstein-Golem que criticaba incisivamente la sociedad de consumo capitalista y hablaba poéticamente de nuestros deseos y nuestras monstruosidades.

Y la cuarta fue en Córdoba, con Artaud, el Momo interpretado, dirigido y concebido por Maura y que incluía un trabajo de videoarte hecho por Wolfgang que era parte del dispositivo escénico. Una vez más el asombro frente a la capacidad de Maura de metamorfosearse en distintos seres y en distintas entidades. Piedra, animal, fuego, Artaud multiforme, payaso, flor, humo. Y el humor asociado a un texto contundente y profundo, capaz de increparnos, de interpelarnos en una puesta conmovedora, que permanece en la memoria.

Las cuatro veces también quedé impactado por cómo danza Maura con su cabellera, algo que yo nunca había visto. De repente es serpiente, llamarada, remolino, una entidad con vida propia. Algo que recuerda Maura cuando habla de “pentamusculatura” y de la importancia de no dejar nada afuera en el trabajo extendido con el cuerpo (en el sentido ampliado que proponen). Los otros trabajos los he visto en video y puedo intuir lo que puede llegar a ser verlos en vivo.

Ver, escuchar, percibir a Maura con todos los sentidos es siempre una experiencia impactante, conmovedora y única, una experiencia transformadora e indeleble.

Salud a la Compañía Taanteatro, salud al amigo Wolfgang y a los nuevos y no tan nuevos integrantes (Mónica, Jorge y Candelaria) y salud a mi querida y admirada Maura Baiocchi.

Por treinta años más de teatro y de taanteatro.

Viva la vida, como dice Frida Kahlo.

Gracias por tanto.

 

 

 


RODRIGO MARCÓ DEL PONT | Dramaturgo, ator, professor e diretor de teatro. É Bacharel e Professor em História (UNC), Mestre em Artes de Espetáculos ao Vivo (ULB) e Especialista em Dramaturgia (UNA). Seus espetáculos foram apresentados em diversos países e festivais.

 

 

 


CANDELARIA SILVESTRO | Artista argentina nacida en Córdoba, en 1977. Expone desde el año 1998 en salas de arte, galerías y Museos públicos y privados. Su obra forma parte de colecciones públicas y privadas, nacionales e internacionales de Argentina, Brasil, Holanda, Estados Unidos. Desde el año 2000 colabora con la Compañía Taanteatro de São Paulo en la realización de escenografía, vestuario, video animación, objeto escénico y performer. Sus trabajos más recientes son una participación en el film internacional La Peste de Antonin Artaud junto a la Compañía Taanteatro, en 2020; además de una participación especial en el Festival de Ecoperformance 2021 (Compañía Taanteatro); una exposición de pinturas de gran formato inspirada en el paisaje de la Mar Chiquita “Bandada de Flamencos”; la performance Ophelia de Ansenuza, concepción, dirección y coreografía de Maura Baiocchi (Compañía Taanteatro); y participación en el filme Apokalypsis, dirección de Maura Baiocchi y Wolfgang Pannek – todo esto en 2021.
 

 

Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 03

Número 202 | fevereiro de 2022

Artista convidada: Candelaria Silvestro (Argentina, 1977)

Traduções de Wolfgang Pannek e Vadim Nikitin

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

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