Próspero é um personagem notável criado
por Shakespeare. A peça “A tempestade”, a última do poeta, o seu testamento espiritual
para os homens, a sua dádiva, é personificada em Próspero, este nobre espoliado
e roubado que, numa ilha perdida, cria a sua filha, Miranda, e domina os elementais
e espíritos da natureza. Ariel, o invisível Ariel, o etéreo espírito do ar, lhe
diz:
—
Aos seus pensamentos sou fiel. Qual é o seu desejo?
É este nobre, poderoso por seu controle
da natureza e das energias sutis, que abdica de sua prodigiosa construção espiritual
e dissolve os seus domínios esotéricos em favor do casamento e da felicidade da
filha, que nos adverte:
— Esses nossos atores, como lhe antecipei,
eram todos espíritos e dissolveram-se no ar, em pleno ar, e, tal qual a construção
infundada dessa visão, as torres cujos topos deixam-se cobrir pelas nuvens, e os
palácios, maravilhosos, e os templos, solenes, e o próprio Globo, grandioso, e também
todos os que nele aqui estão e todos os que o receberam por herança se esvanecerão
e, assim como se foi determinado e desaparecendo essa apresentação insubstancial,
nada deixará para trás, um sinal, um vestígio. Nós somos essa matéria de que se
fabricam os sonhos, e nossas vidas pequenas têm por acabamento o sono. (trad.
Beatriz Viégas-Faria. Edição L&PM)
O nosso tempo também teve um homem que era
íntimo de Éolo, o Deus do vento, e Ariel, o espírito do ar. Não era a criação de
outro homem, como Próspero, sonho de Shakespeare, mas invenção de si mesmo. E fez
muitas mágicas. A seu modo, volumoso e falante e amigo de destilados, como há décadas
me contou Pietro Maria Bardi, era um inesperado alquimista. Transformava matérias
inertes e formas abstratas em seres vivos. O seu nome era Alexander Calder. E, à
diferença de Próspero, todas as suas magias e ilusões deslumbrantes, as suas invenções
do espírito, não se desintegraram no ar, mas permanecem entre nós, cada vez com
mais visibilidade.
Calder fez objetos escultóricos que se movimentavam,
com muitas hastes, folhas, recortes abstratos, formas não figurativas e minuciosos
detalhes. Equilíbrio e desequilíbrio, tudo se movimentava, se transmutava, poetizava
o espaço. Fez também obras fixas, imóveis, matéria pesada, monumentos ou formatos
pequenos, chamadas Stábile, nome inventado para ele por Hans Arp (depois, na França,
passou a assinar Jean Arp), que percebeu a sua grandeza. Arp, extraordinário escultor
do século vinte, capaz de sugerir a mais delicada e sensível atmosfera, uma poética
imemorial, totêmica, com formas no limite da forma.
Num destes Stábile de Calder, gigantesco,
figurativo, em Chicago, nomeado “Flamingo”, de 1973, uma estilização do pássaro,
caminhamos por entre as suas colunas. E antes dos móbiles, Calder fez esculturas
em madeira e figuras filiformes, estruturadas com arame, que deslumbram pela capacidade
de tornar o desenho em tridimensionalidade e a tridimensionalidade em estruturas
vasadas e desenho. Neste caso, a sensibilidade de Alexander Calder trabalhou com
a fronteira, o seu espaço de invenção estava entre o desenho e a escultura, entre
a alegoria e o memorialismo e o humor explícito de comunicação. Alexander Calder
conservou, desde o princípio e até o fim de sua jornada, a característica de operar
na fronteira dos gêneros; é artista e artesão, adulto e criança, escultor e anti-escultor,
revolucionário e comunicador visual, abstrato e figurativo e, em toda a sua atuação,
é sempre um marco e uma referência a nos indicar que o caminho está em construção.
Mas a magia, o deslumbramento mais evidente,
o gosto do mundo, são os Móbiles, nome inventado por Marcel Duchamp para definir
estas estruturas. Duchamp é um mago das palavras multiformes e de objetos inusitados
que se tornou referência permanente das vanguardas dos últimos 100 anos. Também
neste caso, o das formas flutuantes de Calder, a precisão de Duchamp foi cirúrgica.
E Duchamp não é o mestre do não-fazer como é crença comum entre tantos adeptos,
ele é o lento construtor de formas. Ele realiza o sonho do artista ao levar oito
anos para construir uma de suas obras memorialistas (“Le grande Verre”, Philadelphia
Museum of Art). Duchamp nomeia a forma de Calder porque entende a forma.
Até Jean-Paul Sartre, mestre pensador francês,
homem indagador, cético, transbordante, de produção diluviana, incessante, ancorada
firmemente no cotidiano e na possível transformação do cotidiano, na invenção de
uma ética da consciência sem Deus, se tomou de emoção ao descrever a forma alada
de Alexander Calder que se desinformava e novamente tornava a ser forma. O mestre
existencialista se encantou com a escultura que não era escultura, com formas que
se transformavam em novas propostas e que, por sua leveza, mobilidade, desenho espacial,
negavam o caráter da escultura, o peso da escultura, o desenho na escultura, o mundo
fixo da escultura. “Se é verdade que a escultura deve gravar o movimento no imóvel,
seria um erro aparentar a arte de Calder à do escultor”. Para Sartre este trabalho
de Calder inaugurava um novo gênero. Diz o filósofo:
A escultura sugere o movimento, a pintura
sugere a profundidade ou a luz. Calder não sugere nada: captura verdadeiros momentos
vivos e lhes dá forma. Seus móbiles não significavam nada, não remetem a nada além
de si mesmo: eles são, e isso é tudo; são absolutos.
(Catálogo da exposição “Alexander Calder: Móbiles, Stábiles, Constellations”. Galeria
Louis Carré, 1946. Tradução de Roberta Saraiva, in “Calder no Brasil”, Roberta Saraiva
(org). CosacNaify).
ELEGIA
EM CINZA, de Mário Quintana
Nas cidades de puro cimento, onde
a palavra “folha” é menos que um fantasma,
só o vento nos resta… Meu Deus! E se tu
fizesses agora mais uma das tuas
mágicas – ao menos para colorir o vento!
(Edição
comemorativa dos 80 anos. “Malagoli visto por Quintana”. 1985. Textos de Walmir
Ayala e Jacob Klintowitz. Léo Christiano Editorial.)
E quem não se encanta com essas esculturas-não-esculturas
que se constroem instantaneamente no espaço diante do nosso olhar, e se desintegram
no espaço, e voltam a ser formas espaciais? E, talvez, colorem o vento.
Calder nos devolveu o prazer, o lúdico,
a infância, um mundo que se constrói, se desmancha e se formaliza novamente diante
dos nossos olhos, como uma magia; nosso universo em construção e, poeticamente,
nos dizendo que tudo é possível. Nos devolve a infância perdida numa época de inacreditável
brutalidade e de transmissão instantânea da notícia da brutalidade. É a esperança
que retorna à uma arte, em boa medida, marcada pelo desencanto.
Alexander Calder, um homem do século vinte.
Mestre dos ventos, do ar e dos sonhos. Parceiro de Éolo, de Ariel, das crianças,
dos sonhadores, dos amantes do novo. E, sim, também das crianças, pois, apesar da
intuição vanguardista, do caminho lógico de sua linguagem escultórica em linha direta
para a experimentação e o novo, a sua obra tem parentesco sensível com os brinquedos
infantis, esses que percorrem o mundo, que se perdem no espaço e no imaginário.
Pietro Maria Bardi, um dos inventores da museologia brasileira, mestre crítico de
arte, gestor cultural, inventor de comunicações, lembrou-se de balões infantis.
Sartre, tão adulto e severo, lembrou-se de memórias infantis e lúdicas. Ferreira
Gullar, poeta do poema do espanto, do achado, do improviso, do surgido do nada,
sentiu nessa obra a atmosfera criativa infantil. Mesmo Mário Pedrosa, ícone da crítica
de arte latino-americana, adepto da apreciação e do entendimento fundados na historicidade
da linguagem, descreveu detalhadamente os móbiles como a construção de um invento,
um objeto quase mágico, ao mesmo tempo em que é um objeto de linguagem, alguma coisa
que se constrói, um objeto artístico criado entre os objetos artísticos de seus
pares, um rigoroso percurso histórico de linguagem, que também lembra a criação
ancestral e coletiva de brinquedos e danças infantis.
Essa forma que dura o breve instante de
um olhar, que se desmaterializa diante de nós e que se constrói novamente em fração
de segundos, não lembra as mandalas tibetanas, feitas de areia, por monges e que
duram um instante, pois os ventos as descontroem a nos afirmar por sua breve existência
que a vida humana é transitória, uma fração do nada? A mandala é uma configuração
da verdade permanente, mas a forma pode ser impermanente. Da mesma maneira que um
móbile de Calder, uma verdade permanente num suporte impermanente.
Alexander Calder age, atua, interfere, no
nosso conceito do movimento humano e cronológico e sobre a nossa sensação do tempo.
O seu é um tempo eternamente organizado e sempre o mesmo. E eternamente desorganizado
e sempre diferente. A forma se forma e se deforma, retorna ao formato inicial e,
em seguida, transforma-se em elemento voador, mas sempre obedecendo um roteiro que
rege a indeterminação. Ou um roteiro que ilustra a indeterminação. O seu é um tempo
não eternamente parado, imóvel, como o tempo divino, mas um tempo previsível e programado
pelo espírito humano, O universo que se move. O universo mutável, permanente na
sua essência sob o comando da energia que regula o movimento. Os móbiles estão no
Paraíso concebido por um homem, um local onde todas as coisas se relacionam.
Os homens sentem tanta saudade do Paraíso!
Seguidamente de um Paraíso inteiramente fabulado, profano, mesclado de desejos idealizados.
Costumam inventar um paraíso e ter saudades do que nunca existiu. A saudade não
exatamente de um Paraíso ancestral, mas de uma fábula imaginária de um paraíso perdido
que, possivelmente, é a saudade do próprio homem primevo que acreditamos ter existido.
Não é o caso de Calder. Nele o que existe é a – quase inexistente na nossa civilização
– centralidade.
Não costumamos ter uma centralidade irradiante
justamente por termos abolido o totem sagrado, o marco referencial do transcendente
e da relação homem-divino. Não temos mais o ancestral totem (ou pretendemos não
ter) sagrado que assinala a aliança com o divino. E com a sua ausência também mantivemos
distante o conceito da divindade centralizadora. A nossa estrutura nessa questão,
se podemos chamar de estrutura, o desenho da nossa situação, é o espraiamento, a
horizontalidade, a planície. Em Calder, na sua obra, ao contrário, temos a ideia
da centralidade. A verticalidade. Em Calder temos o eixo. O móbile, tão em perfeita
ação e transformação permanentes, ocupa o lugar central no qual todas as coisas
obedecem a uma ordem perfeita. Perfeita na nossa medida. Perfeita na imperfeição.
Uma ordem humana, já se vê, e por isto desejosa da permanência.
Olhar e a sensação de que tudo é possível.
Os móbiles de Alexander Calder podem ser como as nuvens, a cada momento uma nova
combinação a compor uma inusitada paisagem.
Se
não podes imaginar algo, tampouco o podes criar. Mas todo/tudo o que podes imaginar
é real. Alexander Calder.
Em 1953, Germain Bazin, então Conservador-chefe
do Museu do Louvre, escreveu uma Histoire
de L’Art, De la Préhistoire à nous jours, publicada pela Editions Garamond.
Na parte em que nos diz da nossa época, Germain Bazin dedica a Alexander Calder
exatas três linhas. E exalta o dinamismo da idade da máquina e relaciona com os
Estados Unidos e o seu esforço de fazer as grandes massas humanas entender as formas
da arte contemporânea.
E isto que boa parte da história de Calder,
especialmente os seus primeiros anos, os anos de iniciação afirmativa e reconhecimento,
se passou em Paris e na Europa. Não é só o acaso que fez com que os termos Stábile
e Móbile tenham sido criados por dois importantes artistas europeus… Talvez Bazin
se surpreenderia com a importância que a obra de Calder alcançou para nós.
Aliás, por uma coincidência trágica e cômica,
o Museu do Louvre participa dessa dificuldade de reconhecer a arte dos nossos dias.
Quando da Segunda Guerra Mundial e a eminência da invasão nazista na França, o Louvre
ajudou a enviar muitas obras para locais distantes da França. Peggy Guggenheim propôs
que o Louvre ajudasse no translado da sua Coleção de Arte Contemporânea. O Museu
do Louvre, após exame do conjunto de obras, do acervo modernista reunido por Peggy,
declarou que não valia a pena, devido à baixa qualidade das obras de Picasso, Miró,
Salvador Dalí, Max Ernst, Jean Arp, Paul Klee, Giacometti, Constantin Brancusi,
entre outros. No documentário sobre o seu percurso e a construção de sua Coleção,
feito com grande número de depoimentos de Peggy, ela mostra com que entusiasmo fez
o discurso de inauguração da grande mostra de sua coleção no próprio Museu do Louvre
no pós-Segunda Guerra Mundial, quando lembrou a avaliação do Louvre sobre a coleção
e a sua recusa em ajudá-la em salvar a Coleção.
Nem sempre foram móbiles e nem eles determinaram
o fim do percurso. Não foi o começo, não foi o fim. Calder tinha a paixão da forma
e da iconografia. Ao final, em uma expressividade inteiramente figurativa, recortou
figuras humanas em chapas de metal. Criou multidões de homens anônimos. O caminho,
em Alexander Calder, era um percurso infindável. Tudo em mudança, desde as figuras
circenses, os animais e humanos feitos de arame, as esculturas em madeira. Só não
mudou o gosto pelo lúdico. Transição, o caminho da forma em Calder. Do Stábile ao
Móbile e aos recortes de multidões.
Em 1973 Calder pintou um avião da Braniff
International Airways. Um poema voador. Era o Boeing 727-200, prefixo N408BN. No
mesmo ano pintou o Flying Colors of the United States, em comemoração ao bicentenário
do país. Este projeto foi exposto, em 1975, em Paris Air Show. O terceiro projeto,
F. Colors of México, não foi completado e não se realizou porque Calder faleceu
em 1976.
No seu extraordinário percurso Alexander
Calder não se mostra messiânico. Ele nos poupa disso. Não diz como devemos sentir
e nem o que fazer. Não tem a pretensão de “abrir” a nossa percepção. Apenas se mostra.
Ele diz, por sua obra, como é. Manteve a simplicidade ou conquistou a simplicidade.
A profecia coube aos seus comentadores.
Mário Pedrosa, o farol da crítica de arte brasileira, foi um dos melhores estudiosos
da obra de Calder. Escritor de talento e erudito, pensava na arte como também um
instrumento de desenvolvimento do humanismo. O pós-Segunda Guerra Mundial permitia,
entre outras coisas, a esperança numa espécie de renascimento. Pedrosa viu em Calder
um sinal dos novos tempos. Sensível, percebeu o enigma do encantamento que a obra
de Calder produzia. Achou que a maravilha-encantamento estava no toque do público
– pode tocar! – e isto também era verdade. É o aspecto lúdico e o retorno à infância.
Penso que o encantamento tem muitos aspectos, e o principal deles é a representação
que a obra de Calder tem de um conceito de realidade. A sua obra engrandece a realidade
e nos traz um dado cósmico: o universo se movimenta.
Mário Pedrosa achava que – pode tocar! –
seria a arte do futuro. Não é. Mas faz parte do presente.
Em Alexander Calder o objeto, as partes,
o desenho, se tornam formas livres no espaço. Desentranha a escultura do volume
da escultura, retira o peso da escultura. A escultura deixa de ser um marco, um
sinal da terra, um monumento, para se tornar um sonho, uma fantasia, um espaço voador,
um brinquedo, uma nuvem.
No meu país, o Brasil, há sempre um grande
desejo de identificar artistas influenciados por grandes artistas estrangeiros ou
por movimentos culturais ocorridos em países importantes econômica e culturalmente.
Também, paralelamente a este desejo tão manifesto, discute-se a identidade nacional
do artista e sua arte. Talvez estes dois desejos, traduzidos em duas manias nacionais,
estejam fundamentados na história de novos países, países colonizados, povos imigrantes
e deslocados. Não faço parte desta característica brasileira. Penso que os artistas
e suas obras e sua proximidade ou correspondência (às vezes proximidades não aparentes)
se dão por afinidades espirituais e psíquicas. Muitas vezes isso nada tem a ver
com períodos históricos. São temas e indagações que, ao que parecem, são permanentes.
Constantes. Também não me motivo com a pesquisa do pioneirismo e nem acho que depois
de A teremos o B e o C. Não estou interessado nessa possível sucessão infinita de
nomes e obras, como um certo pensamento mecanicista, uma concepção darwinista da
cultura, onde ao A forçosamente deve se suceder o B, o C, o D. E o último grito,
o último aceno, a última concepção, fosse mais importante que as que lhe antecederam.
Em razão desta minha posição, não vou observar quais artistas brasileiros descendem
diretamente de Alexander Calder. Penso que é mais importante, no meu caso e para
mim, dizer alguns artistas que pertencem à mesma galáxia de Calder, à mesma família
sensível e espiritual. Artistas que liberaram o traço, soltaram o risco de sua necessária-desnecessária
vinculação com determinadas convenções. Aqueles artistas menos cartesianos.
Calder se encontrou com Piet Mondrian (1872-1944)
e isto foi o grande divisor de águas. “A ideia lhe veio de projetar no espaço e
de fazer girar aqueles painéis imaculados e estáticos, mas fortemente coloridos
do atelier de Mondrian” (Mário Pedrosa. Artigo: Alexander Calder, o escultor de
cata-ventos. 1944).
Calder:
22.6.1898- 11.11.1976
Lawnton – Pensilvânia
Pintor, ilustrador, joalheiro, escultor.
Precursor da arte cinética etc.
Na Europa conheceu e conviveu com Juan Miró,
Hans Arp e Piet Mondrian, acredita-se que ele fez flutuar os painéis estáticos de
Mondrian
Toda a obra de Calder, desde os seus primórdios,
é digna de atenção e possui um elemento distintivo, uma originalidade que a diferencia.
Ela chama a atenção, reúne em seu entorno pessoas de alta sensibilidade, porque
tem essa marca, a possibilidade de representar uma jovem sensibilidade, uma percepção
emergente. Acentuamos que o seu ponto máximo de encontro com o público é, sem dúvida,
os seus móbiles. É o móbile que nos oferece um espaço de sonho. Alguns críticos
encaram o trabalho de Calder de uma maneira fria, protocolar, como um ponto numa
curva onde se insere a arte cinética e o surrealismo. É pouco lírico, falam com
frieza de um anjo que criou um simulacro do Universo onde tudo se movimenta. Esse
é o ponto, é um espaço de sonho e é, igualmente, ou simultaneamente, uma proposta
de equivalência, trata-se de uma referência ao universo e ele é feito de movimento
e nós, os admiradores, também somos feitos de movimento. Por Calder nós também nos
sentimos parte do universo, semelhante a ele, e por isso o entendemos e sentimos
os móbiles como parte de nós.
Descrição de Nancy Spector
(Obras maestras de la Colección Guggenheim)
Os móbiles de Pé, de Calder – híbridos formados
por elementos que se articulam livremente e uma base escultórica abstrata – são
anteriores aos seus móbiles de teto. Evoluíram a partir do desejo por parte do artista
de criar peças cinéticas para exteriores, impulsionadas pelo vento. A tripla base
do Móbile de Pé esta pintada de vermelho, azul e amarelo, e, talvez seja uma homenagem
a Mondrian, que era amigo de Calder.
Calder afirmou certa vez que buscava sua
inspiração estética no cosmo, …desde o princípio
da minha obra abstrata, ainda que não parecesse, eu pensava que não teria melhor
modelo para escolher que o universo… Esferas de diferentes tamanhos, densidade,
cores e volumes flutuando pelo espaço, atravessando as nuvens… correntes de ar,
viscosidades e odores, da maior variedade e disparidade.
Descrição de Joseph R. Wolin
(Obras maestras de la Colección Guggenheim).
Durante os primeiros anos trinta, Calder,
personagem pioneiro no desenvolvimento da arte cinética, criou esculturas nas quais
uns elementos equilibrados se movem, ora impulsionados por um motor, ora impelidos
pela ação das correntes de ar. Duchamp foi o primeiro em aplicar a denominação descritiva
de “Móbiles”, referidas apenas às que dependiam unicamente do ar.
Suas formas biomórficas recordam os motivos
orgânicos da pintura e da escultura surrealistas de seus amigos Miró e Arp.
Segundo o que o próprio Calder escreveu, a disparidade de forma, cor, tamanho, peso,
movimento é o que constitui uma composição… E o aparente acidente da regularidade
que controla o artista o que faz que a obra resulte efetiva ou um malogro.
Descrição de Vivian Endicott Barnett
(Obras maestras de la Colección Guggenheim)
As constelações são um tipo especial de
Stábiles que data da época da Segunda Guerra Mundial. Estão construídas à base de
peças de madeira e finas varas metálicas. Os Stábiles surgiram no princípio dos
anos 30 (na mesma época que os Móbiles) e foi Arp que lhes colocou este nome. Não
é nenhuma coincidência, eis que Arp havia criado constelações nos anos 30, como
também havia feito Miró, outro dos amigos de Calder…
Alexander Calder teve uma proximidade forte
com o Brasil. Ele esteve mais de uma vez no país, expôs no Museu de Arte de São
Paulo, teve relação próxima com o crítico de arte Mário Pedrosa, até hoje o símbolo
de uma critica participante e ativa no Brasil. Foi também Mário Pedrosa que escreveu
diversos textos ensaísticos sobre a obra de Calder. Fiel à sua concepção de uma
arte histórica e configurada por etapas evolutivas, Pedrosa viu em Calder sinais
do que seria a arte do futuro. Encantou-se com a possibilidade de o público tocar
na obra, interferir, configurar as suas relações internas, um sinal do futuro para
Pedrosa, um futuro radioso no qual o artista e o público estariam irmanados na criação
de uma obra de arte. Mas não só isto, pois Mário Pedrosa soube observar a qualidade
estética da proposta de Calder, entendeu e escreveu sobre as várias fases do artista
e, corretamente, em minha opinião, viu e anotou o humanismo dessa escultura otimista,
renovadora, capaz de nos relacionar com a natureza e, ao mesmo tempo, representar
o prodígio tecnológico de seus elementos constitutivos.
Acho o livro Calder no Brasil (Roberta Saraiva (org.) (Editora Cosacnaify, 2006)
um registro precioso da relação de Calder com o Brasil e com uma cuidadosa pesquisa
e reprodução de textos de Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Pietro Maria Bardi, tradução
do texto de Sartre, entre outros.
Alguns conceitos de Pedrosa (Calder no Brasil)
Graças ao novo material, porém, Calder obtém
aquela transparência do volume que procuravam construtivistas e cubistas, ou artista
individuais, como Lipchitz. Aliás, era este, em 1927, o problema que se havia posto
Lipchitz ao iniciar suas primeiras esculturas de tiras torcidas de bronze fundido,
à procura de “coisas aéreas e transparentes que pudessem ser vistas de todos os
lados simultaneamente”. Brincando, alcançava Calder essa organização espacial do
objeto.
…Foi nesse estado de espírito que recebeu
o “choque” de Mondrian. Ele conta, de fato, como, ao contemplar, pela primeira vez,
aquela ordem, aquela calma espacial, aquele purismo severo que era o ateliê do artista
holandês, reprodução exata de sua própria pintura, um mundo novo se revelou à sua
imaginação e lhe abriu a cortina para os horizontes ideais que procura sem saber;
o mundo da pura forma abstrata. (Note-se como suas influências decisivas vêm sempre
de pintores e não de escultores). Sua obra pode-se então dividir em pré e pós-Mondrian.
…A ideia lhe veio de projetar no espaço,
de fazer girar aqueles painéis imaculados e estáticos, mas fortemente coloridos
do ateliê de Mondrian. O mestre holandês horrorizou-se, naturalmente, com a ideia.
Mas esta venceu, pela própria lei mecânica que define o movimento como inseparável
do repouso. Uma vez criados os Stábiles, era forçoso que se seguissem os Móbiles.
JACOB KLINTOWITZ | Crítico de arte, cuja obra, de uma extensão rara, ultrapassando a casa de 200 títulos, se encontra dotada de espantosa singularidade, em especial pela luz que incide sobre o objeto de todos os seus estudos. Seus ensaios foram publicados nos principais jornais e revistas do país. Foi curador do Espaço Cultural Citi, em São Paulo, atuando também como conselheiro do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi e do Museu Judaico de São Paulo. Ganhou por duas vezes o prêmio Gonzaga Duque, da Associação Brasileira de Críticos de Arte. Escreveu sobre artistas e temas os mais variados e consistentes da cultura brasileira.
JOHN WELSON (País de Gales, 1953). Poeta e artista plástico, Welson é um desses personagens admiráveis por sua incondicional obsessão pela criação. Desde a infância que se dedica à pintura, ao desenho, à cerâmica e logo dando início também à escritura poética. Resultado dessa voracidade criativa é que tem em sua agenda um registro de mais de 300 participações em galerias em vários países. Nas últimas décadas produziu um abstracionismo lírico cuja ótica central é a paisagem de seu País de Gales. A seu respeito escreveu John Richardson: Quer sejamos encantados com a poesia de John Welson, fascinados quando suas pinturas batem à porta de nosso inconsciente, ou nos encontremos iludidos por suas colagens enquanto conscientemente reordenam nossa visão de o que é e o que pode ser, é possível, acredito, discernir através do vidro as sombras, os traços e os impulsos que revelam seu compromisso com a liberdade e o surrealismo. […] Para John, a violência em tomar ou separar é apenas a primeira etapa necessária de uma grande obra de desconstrução, necessária para reconstruir e reconstruir, permitindo assim que a realidade latente da vida cotidiana, que a ideologia burguesa mascara, surja e se destaque. É dessa maneira orgânica que o Maravilhoso nos é revelado. Mais uma vez, ele nos oferece um vislumbre do que poderia ser.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 05
Número 204 | março de 2022
Artista convidado: John Welson (País de Gales, 1953)
Tradução: Susana Wald
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
concepção editorial, logo, design, revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
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