GUY
MADDIN
Do cinema mudo canadense, pouco mais de trinta filmes de qualidade
duvidosa foram resgatados pelos historiadores. O mais caro foi um sucesso, segundo
alguns críticos, e um fracasso, segundo outros: Prossiga, sargento (Carry on Sergeant,
1928), de Bruce Bairnsfather, sobre a participação canadense na Primeira Guerra
Mundial, que resistiu duas semanas em cartaz num cinema de Toronto graças ao aluguel
bancado pelos produtores.
Durante muito tempo os artistas canadenses tentaram fazer carreira
em Hollywood – e alguns até se tornaram grandes nomes do cinema americano, como
Mary Pickford, Mack Sennett e Walter Huston. Com a criação do National Film Board
of Canadá pelo documentarista escocês John Grierson, a produção de documentários
e animações experimentais por cineastas nacionais e estrangeiros no Canadá conquistou
o mundo, com destaque para a obra do animador Norman MacLaren, no período de 1940
a 1975.
Na metade dos anos de 1970 surgiu uma geração de cineastas canadenses
inovadores, que se tornaram célebres por seus filmes originais e impactantes: David
Cronenberg, Atom Egoyan, Dennys Arcand
e, no campo experimental,
trabalhando num diapasão diferente de seus colegas, o “marginal” Guy Maddin.
Nascido em Winnipeg, Maddin é o caçula de uma família de quatro filhos,
incluindo Janet, Cameron (falecido) e Ross. O pai
de Maddin, Charlie, jogador do time nacional de hóquei, levava o pequeno e ultrassensível
Guy ao Estádio Nacional de Winnipeg, onde o encarregava de ficar no banheiro dos
jogadores, entregando-lhes toalhas durante as chuveiradas. Maddin se recorda dessas
sessões destacando que sua cabeça batia na altura da cintura dos jogadores.
A visão que o menino Maddin
tinha dos genitais daqueles jogadores de corpos musculosos e suados, nus e molhados,
despertou nele sensações estranhas. A experiência insólita marcou seu imaginário
e sua própria sexualidade: uma heterossexualidade homosssexualizada ou uma homossexualidade
heterossexualizada caracteriza seus personagens e explica tanto sua obsessão por
hóquei quanto os delírios sexuais de seus filmes.
Guy Maddin estudou Economia
na Universidade de Winnipeg, trabalhando ao mesmo tempo como caixa de banco e pintor
de casas. Também frequentou as aulas de cinema do Professor George Toles, que convidava alguns alunos para ver em sua casa os
filmes que emprestava do acervo da faculdade e projetava na parede da sala – cópias
em 16mm desgastadas de clássicos do cinema mudo. O jovem Maddin via várias vezes
os mesmos filmes. O professor ia dormir. E quando acordava, de manhã, Guy continuava
lá, projetando os mesmos filmes em películas desgastadas, manchadas, cheias
de riscos.
Maddin nunca
havia pensado em fazer cinema até que viu A idade de ouro (L’Age d’or, 1929), de Luis Buñuel. Amou tanto esse filme que o viu sessenta
vezes. E percebeu que também ele poderia fazer um filme daquele tipo, primitivo
e selvagem, sem precisar frequentar uma escola de cinema.
Outro filme fundamental para Maddin foi A marcha nupcial (The Wedding March, 1928), de Erich von Stroheim, que ele afirmou ter
visto cem vezes. Maddin mergulhou na linguagem desses filmes silenciosos para contar
histórias insólitas com a textura das cópias ruins desses clássicos que viu à exaustão.
Mais tarde Maddin comprou
uma câmara digital e gravou aqueles filmes mudos que via projetados na parede da
sala da casa do professor para ver depois as cópias em sua casa, numa qualidade
de imagem ainda pior. Isso explica a qualidade
não de cinema mudo dos filmes de Maddin,
mas a qualidade de cinema mudo em cópia ruim
deles.
Em 1976, depois de uma bebedeira, Maddin engravidou a jovem Martha
Jane Waugh, e teve de casar-se com ela. “Foi uma história de David Lynch… mas nossa
bebê não se parece com o bebê de Eraserhead.”
(MADDIN, in BISHOP, 2014). A filha Jilian seria atriz-mirim em seus primeiros filmes.
Maddin separou-se de Martha em 1979. Agora um adulto formado, pai de uma filha,
com 26 anos, Maddin descobriu que desejava expressar-se artisticamente
de alguma forma, sem saber o porquê – talvez apenas para ser amado pelas mulheres:
Quando um homem
é jovem, tudo – trabalho, carisma, interesse sexual – está enrolado numa grande
bola ou força de energia que faz você seguir adiante sem que questione o que está
acontecendo. Eu sabia apenas que queria me expressar. Eu primeiro quis ser escritor,
já que não tinha nenhuma habilidade com artes plásticas, e sabia também que não
podia atuar no palco – até tentei algumas vezes, mas com resultados catastróficos
e hilários! O problema era que sendo um bom juiz de escrita eu sabia que nunca seria
um bom escritor. Na melhor hipótese seria um escritor medíocre, e a mediocridade
não é sexy. Então, descobri um grupo de cineastas na minha cidade natal. Eles não
eram apurados tecnicamente, mas com essa vontade primitiva de fazer, eles ainda
conseguiam realizar coisas excitantes. […] Então, por que eu não poderia fazer um
filme primitivo? Passei a assistir alguns experimentos cinematográficos canônicos,
entre eles os primeiros e notáveis trabalhos de Luis Buñuel e algumas coisas de
George Kuchar, e fiquei impressionado. Ganhei 5 mil dólares de uma doce tia minha
e comprei uma câmara, algumas luzes e um monte de película, e comecei a filmar imediatamente.
(FERREIRA, 2009).
Maddin não tinha
ideia do processo e gastou todo o dinheiro rápido demais, devendo esperar meses
para finalizar seu primeiro projeto. Percebeu que cometera erros ridículos durante
o percurso, mas foi bastante esperto para incorporar os equívocos na trama e transformá-lo
em estilo pessoal, à maneira da arte naif
e da arte das crianças.
Maddin elaborou uma estética singular, a partir de sua obsessão pelo
cinema mudo, mesclando os estilos das principais vanguardas dos anos de 1920: o
futurismo italiano, o expressionismo alemão, o impressionismo francês, o surrealismo
franco-espanhol e o construtivismo russo.
Mas Maddin evoca o cinema mudo a partir de um mundo alternativo: seus
filmes alternam intertítulos com diálogos e trilhas modernas, trabalhados em película
de 8mm e vídeo ampliado, para que a textura das imagens se assemelhe a uma memória
distante, alternando ainda a fotografia colorida com a fotografia em preto &
branco. Para obter imagens esfumadas passa vaselina na lenta da câmera, usa máscaras para
enquadrar uma parte da imagem num círculo negro e edita as cenas com cortes frenéticos.
Deste modo, um filme de Maddin só poderia ser confundido com algum
clássico do cinema perdido há décadas por um espectador sem noção, pois suas imagens
granuladas e sem nitidez, captadas por uma câmera instável, revelam um universo
delirante, quase pornográfico, saturado de irrealidade, que jamais poderia ser o
do cinema mudo dos anos de 1920.
O resultado de sua alquimia são filmes modernos
com técnicas anacrônicas, contando as histórias
mais aberrantes só concebíveis no mundo atual, onde o erotismo perverso é largamente
celebrado, pelo que Maddin foi chamado pelos críticos de “o David Lynch canadense”. Sem
trair sua inocência de criança perversa, Maddin atualiza o cinema primitivo e o cinema clássico
em parábolas perturbadoras e divertidas, como “contos de fadas impróprios para crianças”.
Os filmes de
Maddin podem causar repulsa, horror e mal-estar aos espectadores acostumados com
a estética dos blockbuster. Figurinos extravagantes, iluminação
sofisticada, erotismo aberrante, bizarrice temática, vacuidade proposital, europeísmo
nostálgico, alienação política, conservadorismo revolucionário, dandismo decadente,
poesia surrealista, cenografia expressionista, fotografia esfumada e suporte multiformato
(super-8, vídeo, 16 mm, 35 mm, digital) são as marcas do seu cinema. Mas Maddin conta com um pequeno público de fanáticos
seguidores que o estimula a continuar produzindo suas fantasias loucas e anacrônicas.
Maddin gostaria
de escrever todo dia, especialmente em seu diário, mas é preguiçoso e só o faz quando
realmente precisa. Uma pena, pois produz belos ensaios sobre o cinema mudo, como
o que escreveu para a edição da Criterium
de As docas de Nova York (The Docks of New York, 1928), de Joseph von
Sternberg (MADDIN, 2010). Prefere terminar seus filmes, pois adora filmar, sobretudo
para ter o filme pronto nas mãos.
O diretor tem
ideias às vezes difíceis de serem realizadas: uma vez, seu assistente de produção
saiu para alugar diversos animais para uma sequência ambientada durante uma tempestade
em que choveriam cães e gatos. O assistente pensava em jogar os bichos em cima dos
atores, mas isso seria inviável. A experiência ensinou a Guy Maddin que, no cinema,
é preciso imaginar as cenas pensando nos colaboradores e de maneira eficiente.
A seu ver, quando
um filme mudo atinge seu ápice, ele o faz recordar os contos de fadas de Hans Christian
Anderson ou dos irmãos Grimm, algumas óperas e algumas peças de Shakespeare, “as
lendas do mundo englobadas em uma só”.
Para Maddin,
a pantomima e o silêncio dos atores aproximam o filme mudo do balé, dos contos de
fadas, das óperas, das tragédias de Shakespeare e da mitologia mundial, colocando-os
na direção da obra de arte comprometida, além do mero entretenimento:
Eu vejo filmes
mudos como uma prece para que os cineastas considerem a si mesmos como artistas
que têm a opção de manter os atores calados, como os pintores têm a opção de usar
qualquer tamanho de pincel ou tela, ou a escolha de não usar pincéis. (MADDIN, in
FERREIRA, 2009).
Maddin costuma
trabalhar em pequenos cenários, controlando a luz e a câmara, fotografando seus
filmes. Só necessita de ajuda em lugares maiores, quando recorre ao fotógrafo Ben
Kasulke, que sabe bem quais efeitos ele busca e aproxima as cenas, com suas luzes,
das imagens antigas. O diretor rouba o que lhe agrada de outros filmes. Mas as coisas
roubadas são colocadas em novos contextos para que o “roubo” não seja identificado.
Os cinéfilos percebem que seus filmes se referem a outros filmes, mas nem sempre
os identificam.
Apesar de conhecer
toda a filmografia dos colegas mais famosos, Maddin nunca fez parte do meio cinematográfico
canadense, tendo desenvolvido seu próprio ecossistema, “como um ornitorrinco da
Nova Zelândia, distante de outros fatores evolucionários”. Seus temas relacionam-se
consigo mesmo, suas preocupações sobre a perda da memória e seus mitos de infância.
Busca obsessivamente descobrir a história de sua família: “Muitas coisas estranhas
e encantadas aconteceram comigo na minha infância que dá para preencher 40 filmes.”
(MADDIN, in FERREIRA, 2009).
Nos seus primeiros
filmes, Maddin trabalhou com o famoso produtor Greg Klymkiw graças a uma coincidência:
o pai de Klymkiw jogava no mesmo time de seu pai, Charlie. Estreou na direção com O pai morto (The
Dead Father, 1986), uma fantasia mórbida que lembra o universo de David Lynch.
Depois de morrer, o pai recusa descansar em seu túmulo: ele retorna ao lar para
assombrar toda a família, voltando a dormir em sua cama, comparecendo à mesa para
tomar o café da manhã e presidir o almoço e o jantar. Por fim, para se livrar desse
incômodo morto-vivo que recusa descansar em paz, o Filho tenta devorar o Pai.
No primeiro longa-metragem de Maddin, Contos do Hospital Gimli
(Tales from The Gimli Hospital, 1988), vítimas de uma estranha epidemia tentam
se recuperar num hospital onde bizarros relacionamentos ocorrem entre pacientes
e enfermeiras. Tudo lembra o universo mórbido de David Lynch, mas com um toque de
humor grotesco.
Na edição final nasceu Fragmento do hospital (Hospital Fragment, 1988), um curta-metragem
sem trama definida: apenas quatro minutos de cenas retiradas de Contos do Hospital
Gimli. Essa se tornará uma prática comum de Maddin, sem compromisso com os circuitos
comerciais de exibição, realizando seus filmes para festivais de cinema, museus,
circuitos de arte, para um público de cinéfilos que desejam ver todos os filmes
e também todos os fragmentos produzidos por sua mente criativa e ensandecida.
BBB (1989) é um minidocumentário
sobre os estilos de cabelo que agradam às mulheres de meia-idade de classe média.
A investigação sociológica se confunde com as imagens decadentes de Maddin para
produzir uma peça excêntrica de cinema primitivo na tradição dos Irmãos Lumière.
Outra miniatura, Mauve
Decade (1989), apresenta um grupo
de bon-vivants indolentes que encena um
acidente a fim de arrecadar dinheiro para bebidas alcoólicas. O tiro sai pela culatra
quando um dos conspiradores é preguiçoso demais para cumprir a tarefa que lhe cumpria
no esquema. Os outros têm pouco tempo para lamentar o fracasso do raro empreendimento
do grupo, pois, numa deliciosa sequência pixelada, eles são achatados por um caminhão
de carvão.
Arcanjo (Canadá, Archangel, 1990), é um bizarro melodrama de amor obsessivo
passado durante a Primeira Guerra na Rússia Imperial, filmado no estilo dos filmes
soviéticos do realismo socialista dos anos de 1930.
O curta-metragem Tyro (1990) a história de doze horas
angustiantes na vida de um pobre padeiro vienense inexplicavelmente algemado por
seu pai e caluniado junto à polícia como se ele fosse um matador de cães.
Outra miniatura, Indigo
High-Hatters
(1991), conta a história verdadeira
de uma banda de jazz canadense dos anos de 1920 na qual seus músicos sempre tocam
amordaçados e imobilizados por cordas que prendem suas mãos e pés. A música que
a banda produz sem poder usar suas bocas e quatro membros é um triunfo comovente
da superação do homem sobre as adversidades que ele próprio absurdamente impõe a
si mesmo.
Em Cuidadoso (Careful, 1992), Maddin cria uma parábola
sobre uma sociedade que toma tantos cuidados para não ser destruída que se torna
presa fácil de uma inesperada catástrofe. A certa altura, um
bebê fica cego ao espetar um olho num alfinete de roupa. Isso ocorreu ao avô de
Maddin que, bebê, perdeu um olho dessa forma.
O curta-metragem As
pompas de Satã (The Pomps of Satan, 1993) é a história de Roleta
Ruby, uma solteirona manca e aterrorizada que trabalha nos barcos como Lake Winnipeg,
enfrentando qualquer jogador, apostando-se contra o dinheiro frio de seus parceiros.
Ela perde um torneio particularmente alto para um velho comerciante de frango frito
de Manitoba do Norte, que a leva como sua amante de volta a um pequeno inferno branco
gelado nas margens da baía de Hudson. Um aviador que faz um pouso forçado de seu
barco voador imediatamente se apaixona por Ruby. O novo casal luta contra as forças
da natureza fugindo do vingativo comerciante de frangos.
Em 1995, Maddin casou-se com Elise Moore e
ganhou o Prêmio
Telluride pelo conjunto de sua obra. Realizou outra miniatura, A festa dos tapas (Sissy Boy Slap Party, 1995), que apresenta um harém de homossexuais
que se agita quando seu daddy os deixa à vontade para se estapearem, voltando
apenas no final da orgia para repreendê-los.
No curta-metragem Odilon Redon
(Odilon Redon: The Eye Like A Strange Balloon,
1996), um pai e um filho viajam sobre os trilhos em sua poderosa locomotiva. Testemunhando
um acidente entre dois outros trens, eles resgatam a sobrevivente solitária, Berenice,
e fazem dela parte de sua família. Tudo está bem até que pai e filho se tornam rivais
pelo afeto da menina.
Maddin faz uma releitura de Edgar Allan
Poe através do pintor simbolista Odilon Redon: um épico em camadas, no qual
o autor cria um emaranhado de significados numa narrativa extremamente complexa
que se desenrola absurdamente em alguns poucos minutos. O título refere-se a um
desenho do pintor simbolista Odilon Redon que já prefigura o Surrealismo.
Maddin bebe aqui nas mais diversas fontes: o feérico mundo submarino
criado em aquários dos filmes fantásticos de Méliès; o ritmo frenético da edição
do clássico do impressionismo francês A roda
(La roue, 1923), de Abel Gance; o imaginário febril do filme-manifesto do
surrealismo Um cão andaluz (Le chien andalou, 1929), de Luis Buñuel e
Salvador Dalí…
Em Crepúsculo das ninfas de gelo (Twilight of the
Ice Nymphs, 1997), Maddin narra o retorno de um prisioneiro político à sua terra
natal, Mandrágora, no coração de uma floresta encantada, vagamente inspirada na
de Os Nibelungos (Die Nibelungen, 1924), de Fritz Lang.
Mas essa floresta
“encantada” é habitada por personagens perversos. O jovem logo percebe que todos
os mandragorianos estão passando por crises devidas a complexos problemas amorosos.
Ele mesmo acaba dividido entre o amor de uma bela viúva que vive na floresta onde
se cultua uma estátua de Vênus e uma jovem ruiva que habita o castelo de um médico
que coleciona objetos estranhos.
A cientista Anna descobre que o coração do mundo está doente, e o planeta
aproxima-se do Apocalipse. Estando o próprio coração da bela cientista dividido
entre o amor por dois irmãos – um empreendedor fabricante de caixões e um ator que
interpreta Cristo num filme sobre a Paixão, ela decide vender seu corpo para um
capitalista sujo, conseguindo, assim, a verba necessária para continuar suas pesquisas
científicas e evitar a terrível catástrofe que se aproxima.
Em 2002, Maddin divorciou-se de Elise Moore e realizou It’s a Wonderful Life (2002), um videoclipe
do grupo Sparklehorse, com uma estética de filme mudo – uma
lanterna mágica onde um jovem rouba flores do cemitério para cumular sua(s) amada(s)
de buquês funestos ao som da melancólica canção It’s a Wonderful Life, da banda de indie-rock americana Sparklehorse, liderada pelo cantor e multi-instrumentista
Mark Linkous.
Linkous sofreu uma overdose ao tomar um coquetel de antidepressivos,
Valium, álcool e heroína num quarto de hotel em Londres, em 1996, durante uma turnê
pela Europa com o Radiohead. Ficou inconsciente e com as pernas dobradas sob o corpo
por 14 horas. Quando seu corpo foi erguido, seu coração parou. Foi operado e por
pouco não teve as duas pernas amputadas.
Depois de passar seis meses numa cadeira de rodas, Linkous lançou o
sombrio álbum Good Morning Spider (1998),
seguido de It’s a Wonderful Life (2001),
considerado seu melhor trabalho e coroado com o belo clipe de Maddin, onde Likous
canta e toca diversos instrumentos (optigan,
melotron, casio e sampler). Como declarou
Joe Tangari, “algumas letras de Linkous são tão surreais que é difícil imaginar
que sejam até mesmo metáforas de algo.” Em 2010, Linkous se matou em Knoxville,
no Tennessee, com um tiro no peito.
Também em preto
e branco, Os covardes se ajoelham (Cowards Bend The Knee, 2003), primeiro
filme de uma “trilogia autobiográfica”, narra uma história surreal que se desenrola
dentro de uma gota de esperma! Captados pelas lentes de um microscópio, humanoides
revivem o imaginário clássico do expressionismo e do surrealismo, com suas perversões
ainda mais pervertidas.
Assim, os braços
que sacodem a coqueteleira servindo de campainha em Um cão andaluz, associam-se
à mania do personagem em “tocar campainha” no ânus do colega de time de hóquei durante
o banho no vestiário; as mãos mutiladas em As mãos de Orlac (Orlacs Hände,
1923), de Robert Wiene, remetem à pornográfica sugestão do uso sexual do punho na
sedução da proprietária do salão de beleza que é também uma clínica de abortos.
Muitos personagens desse filme e de todo o cinema de Maddin são baseados
na própria família do cineasta, cuja infância foi marcada pela ausência afetiva
do pai e pela relação neurótica com a mãe, que ele ama e odeia na mesma medida.
Seu verdadeiro pai foi o Professor George Toles, na casa de quem viu filmes que
o salvaram da normalidade e de quem ele continuará grande amigo, escrevendo roteiros
loucos com ele (Arcanjo, Brand Upon the Brain!, It's My Mother's Birthday Today, A música mais triste do mundo…) e o levando
a atuar em seus filmes em pequenos papéis, como a Condessa Knotgers de Cuidadoso.
A obra-prima de Maddin talvez seja o totalmente
surrealista A música mais triste do mundo (The Saddest Music in the
World, 2003), onde a mutilada Rainha da Cerveja, dona da maior cervejaria do
Canadá, a dominadora Lady Port-Huntly (Isabella Rosselini), vitimada num acidente
erótico, no qual perdeu as pernas, volta a andar com próteses de vidro cheias de
cerveja.
Criadas por um inventor apaixonado por ela, as próteses de vidro cheias
de cerveja são de todas que ela experimentou as únicas que se ajustaram perfeitamente
aos seus dois cotos. As pernas de vidro cheias de cerveja dão à Rainha da Cerveja
uma nova chance de amar.
Para celebrar seu renascimento em plena Depressão no Canadá de 1933,
a Rainha da Cerveja promove um concurso para eleger o país possuidor da canção mais
triste do mundo, premiando o vencedor com US$ 25 mil. Enquanto os competidores se
apresentam, do flamenco da Espanha à percussão de Camarões, sucedem-se as canções
mais dramáticas jamais compostas, cada uma mais deprimente que a outra.
Entrementes, o representante dos EUA, um falido produtor da Broadway
(Mark McKinno), faz de tudo para ganhar o concurso. Ele não hesita em atropelar
os verdadeiros artistas, usando de métodos desonestos e escusos de recrutamento
para criar seu número: ele agrega músicos de diversos países já desclassificados;
a namorada e cantora Narcisa (Maria de Medeiros), que perdeu a memória e se esqueceu
do ex-marido; o apocalíptico concorrente da Sérvia, Roderick Kent, “O Grande Gravillo”
(Ross McMillan); e a própria juíza do concurso, a Rainha da Cerveja, de quem por
interesse se tornou amante.
A parcialidade do Júri presidido pela Rainha da Cerveja, que classifica
em primeiro lugar e premia os EUA, que visivelmente corrompeu os países perdedores,
a pobre desmemoriada e a própria presidenta do Concurso, revolta a todos. A paixão
frustrada do músico da Sérvia faz então de seu violino uma arma inusitada, poderosa,
cujas vibrações fazem estourar as pernas de vidro da Rainha da Cerveja, mergulhando
o concurso no caos.
Com roteiro do
escritor Kazuo Ishiguro, retrabalhado por Guy Maddin e George Toles, o filme é a
nostalgia satírica de um passado que nunca existiu e uma fábula louca sobre a livre-concorrência,
a corrupção e o imperialismo. Além
da história delirante e das interpretações antológicas, A música mais triste do mundo traz
um espetacular trabalho de cenografia, mesclando diversos estilos,
do expressionismo ao Art-déco.
No curta-metragem Luxo, luxo, sendo rica (Fancy, Fancy Being
Rich, 2003), Maddin encena o surrealismo na película em preto e branco, onde
mulheres evocam a luxúria através de um canto absurdo da ópera Powder Her Face,
composta por Thomas Adès, com libretto de Philip Hensher.
Sombra dolorosa (Sombra dolorosa,
2004) é um videoclipe surrealista e perturbador,
apesar do colorido esfuziante. É a história de uma viúva mexicana (Talia Pura) que
desafia El Muerto para uma luta de boxe a fim de salvar seu marido da morte. Ela
usa de golpes sujos, mas falha; enquanto sua filha tenta o suicídio, sendo salva
por um Samaritano, El Muerto precisa comer o corpo do defunto antes do eclipse solar
para que a alma dele renasça de sua barriga.
Em Drácula:
Páginas do diário de um virgem (Dracula: Pages From A Virgin’s Diary, 2004),
filmando a coreografia de Mark Godden para o Royal Winnipeg Ballet baseada no Drácula
de Bram Stoker, Maddin aproxima suas imagens do Nosferatu (Nosferatu,
1922), de Friedrich Murnau. O vampiro é interpretado pelo bailarino oriental Zhang
Wei-Qiang.
No curta-metragem
Meu pai tem 100 anos (My Dad is 100 Years Old, 2005) Federico Fellini,
Alfred Hitchcock, David Selznick, Charles Chaplin, Orson Welles, Ingrid Bergman
e Isabella Rossellini conversam sobre o cinema e suas diversas formas e linguagens
com a gigantesca barriga do cineasta Roberto Rossellini, que fez cem anos em 2005.
A belíssima e ousada Isabella interpreta todos os personagens do filme:
Fellini, Hitchcock, Selznick, Chaplin, Welles, sua mãe Ingrid Bergman, seu barrigudo
pai Rossellini e ela mesma. É um pequeno filme surrealista e genial, escrito pela
própria Isabella.
O minidocumentário
The Making of Brand upon the Brain! traz uma entrevista com
o diretor na qual ele descreve os 2% de realidade que
o filme contém e revela que sua mãe era uma louca possessiva e seu pai um alcóolatra.
Memórias pessoais e fantasia enlouquecida mesclam-se no universo gótico de Maddin,
cuja infância evoca um pesadelo de filme mudo de ficção científica.
A ação tem lugar
na ilha de Black Notch, onde o inocente Guy Maddin é criado por uma mãe possessiva,
carente, autoritária e puritana que o vigia e controla o tempo todo, empoleirada
no topo de um farol, por meio de um telescópio e de “aerofones”, uma invenção prática
do pai, um cientista louco sempre encerrado em seu laboratório. O aerofone permite
que a mãe se comunique com os filhos, que precisam sempre carregá-lo ao sair de
casa.
Além de controlar
os filhos Guy Maddin e Sis, a Mãe dirige um orfanato sinistro, onde todas as crianças
têm marcas na cabeça porque – descobriremos apenas no final do filme – têm seu “néctar”
sugado pelo cientista louco que, com ele, produz uma poção mágica que rejuvenesce
a Mãe.
A interpretação
de Gretchen Krich como essa Mãe enlouquecida de Guy Maddin é digna dos maiores clássicos
do cinema mudo. Em meio a eventos misteriosos, o garoto Maddin apaixona-se pela
linda cantora Wendy Hale. Mas esta, enamorada de Sis, assume o disfarce do detetive
Chance, aproximando-se da família para investigar o mistério do orfanato.
Durante sua
missão, Chance seduz Sis com luvas de beijar e de despir que, de forma obscura,
preservam seu disfarce masculino. Formam-se dois triângulos amorosos cujo vértice
é Wendy/Chance, provocando situações “fortes demais para Guy” e que o fazem desmaiar.
Também Savage Tom (Andrew Loviska), com seus rituais diabólicos, produz calafrios
e desmaios no sensível Guy.
Numa sequência antológica, a Mãe enlouquecida (Gretchen Krich) conta
a história de sua família para um grupo atento de crianças do orfanato: duas lindas
irmãs, uma totalmente careca e grávida, outra de longos cabelos, sentiam tanta inveja
uma da outra que, sem perder tempo, de facas na mão, a careca escalpelava a irmã
de longos cabelos enquanto esta rasgava a barriga da grávida, que se abria como
uma janela, da qual caía o bebê que veio a se tornar a Mãe enlouquecida. Todas as
narrações são de grande qualidade, mas a de Isabella Rossellini tem um brilho insuperável.
Brand Upon the Brain!
foi primeiramente concebido como um filme-concerto, para ser projetado
com acompanhamento de orquestra e narração ao vivo, um pouco como os filmes mudos
no Japão, apresentados por um ator-narrador chamado benshi. O filme de Maddin, que é puro surrealismo, foi apresentado como
um concerto ao vivo em diversas cidades do mundo, acompanhado de orquestra, conjunto
de fole, um castrato (Dov Houle) e um narrador-celebridade: Isabella Rosselini, Guy Maddin,
Laurie Anderson, John Ashbery, Crispin Glover, Louis Negrin e Eli Wallach. O narrador-celebridade
ora sincronizava sua fala com a fala sem som dos atores, ora descrevia a cena. Depois
a narrativa foi gravada na película.
Outra obra-prima
de Maddin é, sem dúvida, a última parte de sua trilogia autobiográfica, Minha Winnipeg (My Winnipeg, 2008), realizado
sob o lema: “A verdade é relativa”. Trata-se de uma parábola sobre sua cidade natal,
que ele parece detestar: “Antes de se falar em mudança climática, Winnipeg era considerada
a segunda cidade mais fria do mundo; espero que volte a ser de novo, com a Sibéria,
uma das primeiras cidades congeladas”.
A imagem dos personagens passeando entre as cabeças dos cavalos mortos
de frio num lago que se congelou, de modo que apenas suas cabeças são visíveis na
paisagem totalmente nevada, é de um surrealismo poético inesquecível.
Para Leon Cakoff, “Maddin alerta sobre a velocidade que altera o tempo
natural e esvazia os valores simples da vida, levando à perda da inocência” (CAKOFF,
2008). Poético, divertido e absurdo, Minha
Winnipeg conquistou o prêmio de Melhor Produção Canadense no Festival de Toronto.
Odin’s Shield Maiden
(2007) é um
pequeno poema dedicado ao Mar, deus celibatário a quem a Morte é oferecida como
noiva: esse é o delírio de uma donzela de Gimli que chora a ausência do amado, o
pescador Mundi, afogado num trágico acidente, enquanto carpideiras acompanham seu
luto.
O
curta-metragem It’s My Mother’s Birthday Today (2008) é um videoclipe da tradicional canção-título interpretada pelo
castrato Dov Houle. Um homem de meia-idade
acorda exaltado por ser o dia do aniversário de sua mãe. Ele canta junto com um
passarinho na gaiola enquanto prepara ovos para o café da manhã. Os ovos são sobrepostos
aos testículos e uma imagem mostra um homem de peito nu rasgando a cueca com os
dentes e as mãos. Mais tarde, o homem é
seduzido por uma mulher e a mãe assiste ao ato, horrorizada, morrendo
de um fulminante ataque cardíaco.
Realizado durante as filmagens de Spanky, to the Pier & Back (2008) é outro curta-metragem silencioso
e frenético, onde a câmera acompanha o passeio agitado de um cachorrinho de sua
casa até a doca, e de volta à casa. A edição sincopada, triturando as imagens, oferece
apenas impressões da corrida resfolegante, como a querer nos proporcional a visão
que o próprio cachorrinho tem dos lugares que ele fareja e percorre.
O curta-metragem de sete minute filmado
em Super 8, Send Me to the ‘Lectric Chair
(2009) é um delírio infernal editado como um filme mudo soviético por John Gurdebeke
ao ritmo da música histérica de Jason Staczek.
Um jovem tenta salvar a amada (Isabella Rossellini) do orgasmo que ela experimenta na cadeira elétrica, enquanto
dois atraentes demônios de peito nu colocam em ação máquinas de produzir prazer
(construídas por Richardo Alms, Rick Gilbert e Andy Byers), que rodam em ritmo cada
vez mais frenético.
Os close-ups
do rosto martirizado de Falconetti usando uma coroa de espinhos estilizada em O martírio de Joan d’Arc (La Passion de Jeanne d'Arc, 1928), de Carl
Dreyer, veem logo à mente, assim como a imagem da mulher-robô atada a uma cadeira
enquanto ganha vida com raios elétricos no laboratório do cientista louco de Metropolis (Metrópolis, 1927), de Fritz Lang. Teria Maddin ainda se inspirado para
seu pesadelo erótico na canção homônima de Bessie Smith, Send Me to the 'Lectric Chair (1927), de Hugh Laurie?
Em 2010, Maddin casou-se com Kim Morgan e realizou o curta-metragem
Night Mayor (2010), produzido pelo National Film Board do Canadá em comemoração
aos seus 70 anos de existência, mostra um cientista tentando captar o éter da aurora
boreal e destilá-lo em forma de música celestial e imagens animadas, o que resulta
num experimento vanguardista com belas imagens referenciais do cinema mudo, no estilo
louco dos filmes de Maddin.
Para o filme
coletivo Mundo invisível (2012) realizado
no Brasil durante o Festival Internacional de Cinema de São Paulo, por diversos
diretores presentes ao evento, a convite de Leon Cakoff, em torno do tema “invisibilidade
no mundo moderno”. Maddin contribuiu com o segmento Gato colorido.
Keyhole (2012), realizado em preto e branco
nos EUA, é um filme de gângster surrealista ambientado numa casa assombrada pelo
passado. O gângster Ulysses Pick (Jason Patric) retorna depois de longa ausência,
rebocando o corpo de uma adolescente e um jovem amarrado e amordaçado. Sua gangue,
que já esperava por ele, apresenta-se conflitada. Mas antes de resolver os prementes
problemas, Ulisses busca a esposa Hyacinth (Isabella Rossellini) de quarto em quarto,
até encontrá-la em sua suíte, no andar de cima. Essa é a odisseia de Ulisses, uma
turnê emocional, como os estranhos recantos e fendas da casa revelando os segredos
da misteriosa família Pick.
Nos últimos
anos, Maddin associou-se com os brilhantes irmãos Evan e Galen Johnson, e seus filmes realizados a seis mãos tornaram-se tecnicamente
mais perfeitos, ganhando efeitos especiais mágicos, uma fotografia nítida e uma
edição precisa, mesclando um preto e branco apurado a cores vibrantes.
O trabalho mais
marcante e radical do trio Guy Maddin & Irmãos Evan e Galen Johnson talvez seja
A névoa verde (The Green Fog, 2017), onde os três comparsas se desafiaram a “refilmar”
Um corpo que cai (Vertigo, 1958), de Alfred Hitchcock. Não
como o fez Brian DePalma, a seu modo, em Trágica
obsessão (Obsession, 1976), mas a
partir de uma compilação de 98 filmes e de três séries de TV com locações em San
Francisco. O resultado foi uma “versão de universo paralelo”, segundo Maddin (apud
CAIRNS, 2018).
O filme foi
encomendado ao trio para as comemorações dos 60 anos do Festival Internacional do
Filme de San Francisco. Os cineastas viram 200 filmes e pilharam as cenas de metade
deles sem se importarem com pagamentos de copyright,
simplesmente pegando o que precisavam e manipulando as imagens (razão pela qual
o filme não pode ser exibido comercialmente).
Essa técnica
de pilhagem assemelha-se um pouco com aquela praticada por Woody Allen em seu primeiro
filme, O que há, tigresa? (What's Up, Tiger Lily?, 1966), em que se apropriou – mais simplesmente
– de um único filme de ação japonês, Kokusai himitsu keisatsu: Kagi no kagi (1965),
para a base visual da nova trama, que girava em torno de uma receita secreta de
salada de ovo.
Bill Morrison
também fez algo parecido ao “refilmar” Frankenstein (1941), de James Wahle, ou “readaptar” diretamente
o romance de Mary Shelley, em Spark of Being (2010), usando cenas
de arquivo de filmes antigos, sugerindo que o seu compilado era o próprio monstro
criado com pedaços de cadáveres.
A fumaça verde
tem ainda pontos em comum com a “sinfonia da cidade” Los Angeles
Plays Itself (2003), de Thom Andersen, um compilado de quase três horas de filmes
americanos com cenas filmadas em Los Angeles, com inteligentes comentários sobre
arquitetura e cinema. Os cineastas americanos souberam promover as cidades horrorosas
de seu país, que hoje o mundo inteiro conhece como se fossem as mais interessantes
atrações turísticas.
A trilha musical
de Jacob Garchik e do Kronos Quartet é
inspirada nas trilhas compostas por Bernard Herrmann e A fumaça verde quase não tem diálogos, apenas justapondo as
cenas selecionadas que lembrariam a trama de Um corpo que cai, incluindo
uma única do próprio, a de sua abertura: uma mão em grande plano agarrando o cano
de uma escada de incêndio que leva a perseguição do bandido pela polícia até o telhado
de um prédio.
Segundo o crítico
David Cairns, em diversas cenas do compilado os personagens dos filmes escolhidos
assistem a outros filmes – Michael Douglas no seriado The Streets of San Francisco
(1972) admira as próprias nádegas nuas em Instinto selvagem (Basic Instinct, 1992), de Paul Verhoeven –
criando espelhos em abismo que aumentam a paranoia sobre uma fumaça verde que invade
a cidade.
O patchwork do trio canadense parece querer
provar que San Francisco, se não é uma das cidades mais fotogênicas do mundo, é
uma das locações prediletas dos filmes de ação e de suspense do cinema americano,
incluindo desde abacaxis como Massacre em São Francisco (Huang mian lao hu, 1974), de Wei
Lo, estrelado por Chuck Norris, até obras-primas como Um corpo que cai.
No recente curta-metragem
Desafie o adivinho (Stump the Guesser, 2020), do inseparável
trio Guy Maddin & Irmãos Johnson, um homem (Adam Brooks) trabalha no parque
de diversões como vidente. De repente, seus truques deixam de funcionar e ele se
apaixona por uma mulher que revela, mais tarde, ser a sua própria irmã (Stephanie
Berrington), que estava perdida.
O vidente pretende agora
refutar cientificamente a teoria da hereditariedade para se casar, assim que possível,
com a amada irmã reencontrada. Maddin e os irmãos Johnson lançam sucessivos fogos
de artifício neste curta carnavalesco e deslumbrante. É uma ode onírica ao cinema
soviético, com siris, feira de variedades, teorias genéticas e sugestões de incesto
– tudo visualizado em montagens alucinatórias e efeitos de cor neon em meio à monocromia.
Maddin continua
a produzir num ritmo alucinante, agora associado aos Irmãos Johnson, suas miniaturas
e seus painéis, seus pequenos e grandes frascos de irrealidade,
atualizando para o nosso tempo as perversões expostas no cinema das vanguardas históricas,
e que nunca deixaram de fascinar os cinéfilos.
Referências
BISHOP, Nancy, Filmmaker Guy
Maddin Talks About Surrealism and Silent Films. Gapers Block, 7 nov. 2014.
Diosponível em: http://gapersblock.com/ac/2014/11/07/filmmaker-guy-maddin-talks-about-surrealism-and-silent-films/.
CAIRNS, David. Vertigo Remade: Guy Maddin,
Evan Johnson & Galen Johnson's The Green
Fog. Notebook, 16 jan. 2018. Disponível em: https://mubi.com/pt/notebook/posts/review-vertigo-remade-guy-maddin-evan-johnson-galen-johnson-s-the-green-fog.
CAKOFF, Leon. Guy Maddin ousa mais com My Winnipeg.
Jornal da Mostra, nº 554, 31ª Mostra, 11 fev. 2008.
FERREIRA, Leonardo
Luiz. Perfil e entrevista com Guy Maddin. Criticos,
9 set. 2009. Disponível em: https://criticos.com.br/?p=1815&cat=2.
GONICK, Noam.
Guy Maddin Waiting for Twilight (Canadá,
1997, doc).
MADDIN, Guy. Mit Out Sound, Mit
Out Solution. Criterium, 13 ago. 2010.
Disponível
em http://www.criterion.com/current/posts/1556-mit-out-sound-mit-out-solution.
LUIZ NAZARIO | Professor Titular na área de Cinema e História na Escola de Belas Artes da UFMG. Doutor em História Social pela USP. Bolsista de Produtividade do CNPq entre 2003 e 2018, com pesquisas sobre Animação Expressionista e Cinema e Holocausto. Autor de diversos livros, dentre os quais: Autos-de-fé como espetáculos de massa (Humanitas, 2005); Todos os corpos de Pasolini (Perspectiva, 2007); e O cinema errante (Perspectiva, 2013).
JOHN WELSON (País de Gales, 1953). Poeta e artista plástico, Welson é um desses personagens admiráveis por sua incondicional obsessão pela criação. Desde a infância que se dedica à pintura, ao desenho, à cerâmica e logo dando início também à escritura poética. Resultado dessa voracidade criativa é que tem em sua agenda um registro de mais de 300 participações em galerias em vários países. Nas últimas décadas produziu um abstracionismo lírico cuja ótica central é a paisagem de seu País de Gales. A seu respeito escreveu John Richardson: Quer sejamos encantados com a poesia de John Welson, fascinados quando suas pinturas batem à porta de nosso inconsciente, ou nos encontremos iludidos por suas colagens enquanto conscientemente reordenam nossa visão de o que é e o que pode ser, é possível, acredito, discernir através do vidro as sombras, os traços e os impulsos que revelam seu compromisso com a liberdade e o surrealismo. […] Para John, a violência em tomar ou separar é apenas a primeira etapa necessária de uma grande obra de desconstrução, necessária para reconstruir e reconstruir, permitindo assim que a realidade latente da vida cotidiana, que a ideologia burguesa mascara, surja e se destaque. É dessa maneira orgânica que o Maravilhoso nos é revelado. Mais uma vez, ele nos oferece um vislumbre do que poderia ser.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 05
Número 204 | março de 2022
Artista convidado: John Welson (País de Gales, 1953)
Tradução: Susana Wald
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