Nephelibata, Sol Negro, Poexílio: três selos artesanais
O que pretende nosso editorial é conversar com três editores de casas que surgem como opções de vitalidade de catálogo em relação ao desgastado ambiente literário do mercado editorial brasileiro. O desaparecimento de um suporte crítico na imprensa que fosse porta-voz de novas perspectivas editoriais gera uma preocupação sobre a origem do ovo, tema que equivale ao da descoberta da pólvora. Conversar com três editores que atuam como freio à voracidade de mercado, como pedras de toque em relação à angústia do leitor ansioso por um livro ausente, ou pequenos sinais de que o mundo não tem que ser mesmo essa bola gigante regida por um capricho em isolado. Livros sempre foram afirmativos no sentido de que não há Deus, mas sim deuses. Línguas, culturas, gente correndo de uma parte a outra, afirmando ou escapando de uma vertigem programada, um culto rimado, o bordado de uma falsa realidade, o extrato parcial de uma conversa que teremos agora com três editores brasileiros.
As três casas editoriais se chamam, por ordem de surgimento, Nephelibata (Santa Catarina), Sol Negro (Rio Grande do Norte) e Poexílio (Brasília). Seus diretores, respectivamente, são os escritores Camilo Prado, Márcio Simões e Antonio Miranda. Nem de longe o tema aqui se esgota, pois, como recorda um deles, Antonio Miranda, há muitas editoras “em atividade ou desativadas que se encaixam na categoria que estamos discutindo”. No entanto, é bom de ver como os três casos aqui reunidos primam pela configuração de um denso catálogo, seja pela qualidade intrínseca das obras como pelo papel histórico de resgate de títulos e autores. Apresso-me em deixar o leitor ao convívio deles mesmos, não sem antes situar aqui as páginas web das três editoras e respectivos e-mails para contato:
Edições Nephelibata
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| Camilo Prado
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Sol Negro Edições
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| Márcio Simões
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Poexílio Edições
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| Antonio Miranda
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FM | Como é possível definir um ambiente em determinada cultura de livros cuja ausência de conhecimento pressupõe fragilidade dela própria e seu convívio inevitável com outras culturas?
CAMILO PRADO (Edições Nephelibata) | É muito difícil definir-se um ambiente livresco aqui. Só creio na possibilidade disso quando se manifestam em guetos, como pequenos pontos de resistência à dita “cultura de massa”. Quando exponho meus livros em público, por exemplo, e normalmente é em ambiente “intelectual”, sempre me sinto como um extraterrestre. É como se vendesse livros de marciano; sempre aparece alguém para dizer de um autor: “Nunca ouvir falar”. E de certa feita ouvi isso da boca de uma moça licenciada em Letras: “Teus livros são bons, mas são muito intelectuais”.
Mas há saudáveis grupos livrescos em distintas partes do país. Tenho notícias de pessoas interessantes fazendo coisas interessantes em toda parte. Mas são sempre pequenos grupos, no conjunto, no âmbito nacional, não vejo saída; no fim do túnel há um paredão de pedras de imbecilidade. Quando um garoto cresce lendo nas cartilhas da escola que nossas grandes obras literárias são A moreninha, Dom Casmurro e Macunaíma, obra que parece um Frankenstein de garagem de subúrbio, ou passa a odiar literatura ou fica sem parâmetros. E quando não se tem parâmetros não há como medir nada. Eu por muitos anos desprezei toda a literatura brasileira por conta disso. Hoje não tenho a menor dúvida de que o mais interessante, o mais louco, o mais visceral dos nossos escritores é Adelino Magalhães, sempre referido como alguém que fez o que Joyce, Virginia Woolf e os surrealista fariam poucos anos depois. Mas, pela época em que viveu, Adelino tem um grande defeito: ele não era paulista. Tenho amigos que acham muito caro um livro por dez reais, mas gastam com facilidade vinte numa mesa de bar. Preferem o prazer do paladar ao do espírito, a estupidez da televisão e da internet ao invés de um livro. É assim a maioria da população; não vejo saída. Sempre fomos uma minoria, e continuaremos a ser.
MÁRCIO SIMÓES (Sol Negro Edições) | A questão educacional – aí tendo em mente não apenas as escolas mais o nosso ambiente cultural – é o ponto fundamental quando se pensa em livros e leitura. Nossa educação pública é um horror e a das empresas privadas (também chamadas colégios) não anda muito melhor. De maneira geral, nossa educação tem se dado através da mídia, o que é um passo certo para o desastre. Daí essa fragilidade que apontas. Nesse ambiente, trabalhar para oferecer edições de boa qualidade e ampliar o leque de ofertas editoriais e culturais disponíveis (incluindo aí autores de outras nacionalidades) é uma meta que vale a pena perseguir, mesmo numa microeditora.
ANTONIO MIRANDA (Poexílio Edições) | Wilfred Lancaster vaticinou, nos anos 60 do século passado, a paperless society, a morte do livro. Ele morreu, o livro continua… Com todo respeito ao cientista da informação, o livro é uma instituição e permanece desde suas origens atualizando sua tecnologia de produção e disseminação. Não importa se no suporte de um pergaminho, em tábuas, papéis ou se exposto no formato digital. O livro é um dos recursos que permitem o “conhecimento objetivo” preconizado pelo filósofo Karl Popper. Os suportes mudam, os conteúdos se atualizam, as formas de registro se multiplicam. Vivíamos numa sociedade que praticava a “leitura intensiva”, que folheava e lia longitudinalmente textos inteiros ou, excepcionalmente, saltando páginas… Hoje lemos de forma prismática, randômica, hipertextualmente, sem lineraridade, no sentido da “comunicação extensiva” (SIMEÃO & MIRANDA), valendo-nos de formas mais dinâmicas como sejam a intertextualidade, a interação, fenômenos da convergência tecnológica da era digital que amalgamam tudo num formato único de comunicação: texto, imagem, som - ou seja, a animaverbivocovisualidade sonhada pelos concretistas. Lugar para e-books e redes sociais. Mas o livro tradicional também se renova. Livros alternativos, de arte ou de artistas continuam sendo produzidos por tipógrafos tradicionais, mas também por webdesigners, artistas gráficos que combinam diversas tecnologias. No fundo, o que temos é uma diversidade fantástica de possibilidades.
No nosso entendimento, o maior problema do livro era o da distribuição, da intermediação entre o autor, o editor e o leitor. Um e-book vai ao leitor por dispositivos eletrônicos. Os livros impressos viajam de ônibus, avião. Uma modalidade não exclui a outra, são alternativas e podem ser complementares.
Quem gosta de livro, quer o livro impresso. Você substitui o livro técnico e o de texto por um smart-book, mas não abre mão de um livro-objeto para folhear e manusear ritualmente, como fazem os leitores mais experientes em boa leitura, em belas edições; e até colecionam em estantes convencionais…
Sempre existiram leitores superficiais, os que leem por obrigação, que não têm intimidade com a leitura. Antes por causa do nível de analfabetismo e pelo baixo nível de cultura. Hoje pelo consumismo literário de best-sellers, livros de auto-ajuda, religiosos de obrigação, ou para uso prático. Também é legítimo, mas precisamos formar formadores de boa leitura e para tanto precisamos de bons livros para animar este sonho…
FM | O surgimento de uma opção virtual de consulta e aquisição de livros em sebos em todo o país, como é o caso da Estante Virtual, de que modo interfere em um mercado alheio à história e interessado unicamente em converter o leitor em consumidor?
CAMILO PRADO | Penso que não interfere em nada. Pelo contrário, todas essas opções virtuais, Mercado Livre, Livronauta, Amazon (que vem chegando aí) etc., são empresas e enquanto tais visam vendas e lucros, venderiam as suas mães se elas tivessem algum valor; muitos pulam o primeiro item e vão direto apenas ao lucro, que é o caso das empresas de cartões de crédito, Pay-Pal e outras de mesma índole, que na prática não vendem nada, apenas fazem mediações, mas estão por trás de todos os “books”. Não faz muito tempo a Estante Virtual fez a campanha “Ler por prazer”. Eu, na minha ingenuidade, achei muito interessante, pois é um tipo de leitura bastante incomum hoje. Mas logo em seguida percebi o que a palavra “prazer” fazia ali. A Estante Virtual, e demais sítios do tipo, agem como cafetões do prazer de quem lê.
Eu tirei da Estante os livros da Nephelibata por conta do Pague-no-Pau (Pay-Pal em inglês): o livro tem um valor X, eu, enquanto vendedor, teria que pagar uma porcentagem para a Estante e outra para o Pague-no-Pau, mais um valor fixo de R$0,60 por cada livro vendido, ou seja, eu teria que aumentar o valor do livro e o leitor então pagaria o livro, os Correios (que é um dos mais caros do mundo), a Estante, o Pague-no-Pau e mais os R$0,60 fixos. Tudo isso chegaria quase ao dobro do valor do livro. E mais, eu só poderia ter acesso ao que o leitor pagou de imediato quando somasse 200 reais, se precisasse do dinheiro antes de acumular esse valor, teria que pagar 20% para o Pague-no-Pau. É claro que de uma perspectiva de mercado é um negócio vantajoso. Você aumenta o preço do livro, todo mundo ganha e o leitor (que se foda) paga tudo. E a coisa funciona então com uma lógica de bordéis, e os empressários-cafetões podem dizer: “Seu prazer, caro leitor, é o nosso lucro”. Mas eu tenho a liberdade, apesar da pressão do ambiente, de não me prostituir nesses bordéis e prefiro vender os livros diretamente para os leitores, de maneira que eles pagam apenas o valor justo do livro e o valor do frete que, dependendo da quantidade de livros, pode ser zero. Enfim, o espaço virtual nos facilitou o acesso aos livros, mas a intermediação capitalista se aproveita disso a sua maneira, perversa e injusta como sempre, e o leitor permanece sendo tratado do mesmo modo, um reles “consumidor”. Eu escolhi não ajudar a sustentar esses cafetões. Vendo um pouco menos de prazer. Mas continuo sendo uma puta independente.
MÁRCIO SIMÓES | A Estante Virtual e os sebos de maneira geral são importantes veículos de circulação e mesmo de preservação de acervo, na medida que colocam novamente à disposição livros e obras fora de catálogo, fazendo-os ir para a mão dos interessados, normalmente a preços mais acessíveis. Mas é difícil mensurar sua interferência no mercado. A EV, sendo uma plataforma que permite a busca de um mesmo livro em sebos de todo Brasil, terminou por funcionar no sentido de uma padronização dos preços, e livros novos em geral só têm aparecido por lá com preços próximos às livrarias, enquanto os mais raros assumem valores exorbitantes. Sem dúvida ajuda na circulação, reaproveitamento e relocações de acervos, democratizando o acesso, mas não parece alterar essencialmente a lógica do mercado ou do leitor convertido em mero consumidor.
ANTONIO MIRANDA | Efetivamente, a existência de livrarias virtuais de livros novos e usados permite um processo de escolha mais ampla que a tradicional. Não apenas para quem sabe o que está buscando, como para quem tem um tema, mas não sabe o que está disponível. Uma grande livraria oferece um conjunto de obras, uma rede de livrarias oferece quase tudo… Ferramenta fundamental para quem não tem livrarias em sua cidade ou região. Em tese, promoveria uma competição saudável, pressionando o rebaixamento dos preços. Mas nem sempre… Livreiros mal informados sobre o valor real dos livros podem subestimar ou especular, e outros seguem os parâmetros. Mas também aparecem boas oportunidades para quem sabe garimpar…
Também as editoras estão aproveitando esta tecnologia e oferecem seus livros pela web. Sem a intermediação de livreiros. E podemos afirmar que algumas editoras só existem por causa da internet. No caso da poesia, mais ainda porque muitas livrarias não aceitam a poesia em suas prateleiras… Muito menos os distribuidores, salvo no caso dos autores clássicos e dos célebres, sobretudo se estão indicados em programas escolares. Ou traduções de obras consagradas. A cadeira produtiva do livro comercial é draconiana. Autor, editor, distribuidor, livreiro. Quem leva vantagem nesta linha de produção? Se as edições são pequenas, como no caso dos livros de poesia dos novatos, fica inviável o produto em termos mercadológicos. Daí o surgimento de tantos editores alternativos, ou de edições dos próprios autores, que trabalham com blogues e páginas para a promoção de suas tiragens limitadas.
FM | A memória de livros no Brasil, no que diz respeito a nossos autores, é um deplorável histórico de cegueira editorial e voracidade estúpida de herdeiros de toda espécie. Há casos inúmeros de decisão financeira imposta por simpatizantes incultos ou cultos a uma simpatia criada em cativeiro. Como recuperar de si mesma a cultura literária brasileira?
CAMILO PRADO | Não sei se é passível de ser recuperada... Creio que, apesar de hoje poucos escritores viverem de seus escritos, preserva-se ainda uma ilusão de “valor” sobre direitos autorais, como se fossem minas de dinheiro. E quanto menos o herdeiro conhece de literatura, mais intensa é essa ilusão.
Quanto à “cegueira editorial”, o país tem um baixo número de leitores, isso é uma realidade crônica; e para muitos hoje o livro está morrendo; há uma geração crescendo com um troço de plástico nas mãos chamado “tablete”; o conhecimento “oficial” está cada vez mais “informatizado”, ou seja, reduzido a imagens em movimento acompanhadas por vozes gravadas; já existe gente combatendo a edição de livros em papel por ser algo “antiecológico”; cada dia mais as pessoas dizem “estou sem tempo”, ora, tempo é essencial para ler. Enfim, seria de se perguntar, por que publicar um livro como Aristo, de Rodrigo Octavio nos dias de hoje? Se eu conseguir dez compradores ficarei muito feliz, mesmo assim irei editá-lo. Agora, suponha que a Cia. das Letras decida editá-lo seguindo seu padrão de pagar a Folha de São Paulo ou a Veja para publicar uma resenha elogiosa de algum ensebado uspiano, venderá um milheiro por conta disso? Com certeza, não. Se vender cem exemplares será motivo de festejo. Dentro de uma lógica capitalista é mais vantajoso ficar atento ao último best-seller americano. Atualmente os editores são pessoas de boa visão; mas vêem por uma perspectiva diferente da nossa. Da minha, pelo menos.
Agora, historicamente, de fato é muito triste... Seria algo interessante, uma história das edições de livros no Brasil, desde o incêndio criminoso da Tipografia Nacional no século XIX até essa profusão de pequenos editoriais. Mas voltando a atualidade... O que falta, me parece, é um pouco de loucura, de ousadia, isso a cada dia parece mais raro no nosso meio cultural. Acredito que faço a minha parte, minha pequena parcela de insanidade editorial, mas não vejo isso como contribuição à salvação de nossa cultura literária.
MÁRCIO SIMÓES | Novamente a questão me parece remeter a um problema de natureza cultural e educacional. Continuamos tratando a cultura como algo de segundo plano, exterior a nós. E quando nos voltamos para ela é sempre do ponto de vista do espetáculo, do mais fácil e do menos crítico. Se tivermos em mente que o principal veículo de formação de opinião é a mídia, basta dar uma olhada em como a cultura é tratada (e retratada) em publicações de grande veiculação para termos uma ideia do caminho que estamos trilhando. Alguns veículos de mídia parecem ter um programa intencional de banalização e descrédito dos bens culturais, voltados unicamente para a reafirmação estratégica dos valores ideológicos das empresas de que fazem parte. As exceções seguem sendo os indivíduos, ainda capazes de agir (e pensar) por si próprios.
ANTONIO MIRANDA | Existem as bibliotecas e também as coleções particulares. Desde os acervos monumentais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro à Biblioteca Pública Mário de Andrade. Tem o exemplo, que não é único, do acervo de José Mindlin, agora na USP. E muitos acervos públicos, muitos deles sendo digitalizados para ampliar o acesso aos estudiosos e interessados. Existem milhares de blogues e páginas sobre a melhor literatura, embora também divulguem material de menor qualidade, assim também edições medíocres. Mas é assim mesmo, sempre foi assim. Como sou bibliotecário, vivo sempre o dilema de respeitar a vontade e o gosto dos “usuários”, mas alimentando o desejo de preservar e divulgar o que existe de melhor… Daí porque criei o Portal de Poesia Ibero-americana e agora iniciei uma bibliografia de e sobre poesia brasileira em livros de arte, edições especiais e alternativas, incluindo também muitas obras raras e até as comerciais de boa qualidade. (ver: www.antoniomiranda.com.br/ensaios/poesia_em_livros_de_arte.html) E estamos organizando, na Universidade de Brasília, um seminário sobre o livro de arte no Brasil para avançarmos no estudo do tema com a contribuição dos especialistas. É fundamental que sigamos perseguindo o ideal de realização de levantamentos, a promoção de estudos – hoje em dia há um declínio da crítica literária, mas há um considerável incremento da produção de estudos acadêmicos.
O País carece de projetos estruturantes em leitura. À parte do, ou em consonância com o PNLL, seria adequado ter um programa com a dimensão (em aporte de recursos econômico-financeiros), abrangência e visibilidade de um “Plano de Aceleração do Desenvolvimento”, o qual vinculasse às parcerias público-privadas a manutenção de espaços de formação de leitores, como estratégia de desenvolvimento e reputasse às bibliotecas o papel de formação da consciência informacional e da prática da leitura como fatores indutores de inovação social.
FM | Como atuam vocês? As três casas editoriais, no que se distinguem ou são cúmplices, como se definem e atuam: o que pretendem?
CAMILO PRADO | Talvez o que mais nos aproxima é que atuamos com mais paixão do que discernimento “empresarial”. Sei que a Poexílio do Miranda e a Sol Negro do Simões se voltam mais para a poesia. No entanto, o primeiro título da Poexílio foi um livro de arte, e tenho em andamento duas antologias de contos a sair pela Sol Negro, além de algumas co-edições. A primeira delas foi o livro Mattinata do Fernando Monteiro, de poesia, mas temos algumas prosas em vista para o ano que vem. A Nephelibata ganhou certo “glamour” publicando poesia, Seféris, Ritsos, Campana, Delmira Agustini e principalmente Os poemas de Kaváfis, mas hoje estou cada vez mais obstinado em ampliar o número de prosas, principalmente de contos e novelas na Coleção Nimbus. Também estou trabalhando há quase um ano sobre um conjunto de três antologias de contos: Contos decadentes franceses, Contos decadentes brasileiros e Contos decadentes hispano-americanos. São cerca de 80 autores e uma centena de contos, na maioria autores do tipo “nunca ouvi falar”, mas que, no entanto, são excelentes, alguns muito importantes em seus países de origem. Algo de pouca viabilidade econômica, mas que satisfaz o meu ego, e minha loucura. No entanto, a Nephelibata continua aberta a outras obras, as de filosofia, por exemplo; também estão prontos para sair os dois volumes de entrevistas com J. L. Borges (organizado e traduzido por Floriano Martins); e para o ano que vem um pequeno volume de diálogos de Marcel Schwob, O amor, a arte e a anarquia, que provavelmente será ilustrado pela artista gaúcha Aline Daka, que também ilustra o volume brasileiro de contos decadentes. Mas o grosso do catálogo da Nephelibata será cada vez mais de prosas: contos, novelas e alguns romances.
O que pretendo? Continuar cavando um espaço no anêmico universo de leitores brasileiros, dos bons leitores evidentemente, pois longe de mim os leitores dos “mais vendidos”, os leitores de resumo de livros de vestibular e os assinantes da Folha! Não tenho a menor vocação para ser messias e salvar leitores da imbecilidade. Cada um tem a liberdade de ler o que quiser, inclusive de não ler nada, eu faço livros para certos leitores que gostam de certo tipo de literatura. Não me importam os outros.
MÁRCIO SIMÓES | Não posso falar pelos outros. No caso da Sol Negro, a pretensão é de ser uma casa editorial independente, sem vínculos nem com o poder público nem com a iniciativa privada. Os livros são vendidos pela internet, diretamente no site da editora. E a intenção é ter uma atuação editorial diferenciada, até mesmo pessoal, na constituição de um catálogo pautado pela edição de autores que ofereçam uma alternativa crítica ao “mais do mesmo” que é ofertado nas livrarias pelas grandes editoras. Até o final do ano sairão títulos de Yvan Goll (O fruto de saturno), William Blake (Visões das filhas de Albion), Aldo Pellegrini (Construção da Destruição), o de Floriano Martins, em parceria com a Viviane de Santana Paulo (Abismanto), dentre outros.
ANTONIO MIRANDA | A única solução para este cenário é transformar os desafios em oportunidades. E elas existem. Há lugar para o livro impresso e para o digital, e podem conviver. Depende dos propósitos, do entendimento dos interesses das pessoas e da capacidade de criar leitores para estas novas modalidades. Não adianta reclamar e achar que antes era melhor. Nunca foi assim tão bom o mercado livreiro para a poesia, mesmo nos tempos ditos áureos quando o livro era a única opção de leitura. Os tempos são outros, os meios também. Cada casa editorial tem a sua proposta. No nosso caso, da Poexílio, não temos fins lucrativos, mas precisamos de sustentabilidade para as nossas edições. Queremos divulgar a poesia e conquistar o público que aprecia livros bem impressos, não somente os bibliófilos, mas também os leitores mais sofisticados. Daí porque estamos publicando livros de arte e edições especiais, em pequenas tiragens (12, 4o, 50 exemplares) e ao mesmo tempo oferecendo os e-books gratuitamente. O e-book não compete com o livro impresso nesta modalidade de edição. São públicos diferentes. E se o hábito da leitura se propaga, tanto melhor para autores, editores e leitores. Há quem leia o e-book e depois adquira o livro, há quem compara duas edições de um mesmo autor e opta pela mais cara ou pela mais barata segundo suas possibilidades ou desejos de consumo.
A Poexílio Edições surge de uma parceria entre dois empreendedores que desejam produzir livros bem feitos, numa escala progressiva, aprendendo e desenvolvendo as habilidades. Zenilton de Jesus Gayoso Miranda é artista plástico e cientista da informação, é ilustrador artístico e também científico e tem habilidades como encadernador. Combinação rara entre nós. No meu caso, Antonio Miranda, sou bibliotecário e cientista da informação, poeta e divulgador da poesia ibero-americana pelo sítio www.antoniomiranda.com.br há dez anos. Queria ser também editor de meus próprios livros e de autores contemporâneos e pretéritos de minha admiração. Embora tenhamos o mesmo sobrenome Miranda, não somos parentes. Mas temos em comum a familiaridade com livros, leitura e editoração de livros. Uma combinação positiva para os propósitos. Não vivemos dessa atividade, mas não consideramos que seja um hobby, mas uma forma de criação e realização. Estamos apenas começando. Livros de e sobre poesia: poemas e ensaios, ilustrações, livros-objetos, experimentação. Começamos com o livroImagem&Ação, com poemas e vinhetas criadas por mim (22 exemplares ), depois Poesia breve, de Lêdo Ivo, com um ensaio do acadêmico Antonio Carlos Secchin, ilustrações (e projeto editorial) de Zenilton de Jesus Gayoso Miranda (40 exemplares); estamos terminando de lançar Pantanal-Mar de Xaraés, de Antonio Miranda, com fotos das comitivas de pantaneiros (50 exemplares) e estamos trabalhando nas edições de Prisioneiro do Arco-Íris, de Cassiano Nunes, Animália, do poeta e ensaísta Carlos Felipe Moisés, e um livro com um ensaio e poemas de César Vallejo, em edição bilíngue. Mas já estão na linha de produção uma obra inédita de Floriano Martins, um ensaio sobre e com poemas de Affonso Ávila, além de uma caixa com poesia visual, depois uma seleta de Junqueira Freyre… Edições assinadas pelos editores e, quando for o caso, também pelos autores.
FM | A partir do ambiente estético buscado por cada um de vocês, há algum aspecto que seja merecedor de um esforço igual de recuperação em nossa cultura? Podem sugerir algo fora do ambiente literário, claro está.
CAMILO PRADO | Creio que livros de arte brasileira — e me refiro aos figurativos, que são os únicos dignos de memória. Pintores como Almeida Junior, Belmiro de Almeida, Eliseu Visconti, entre outros, mereciam ter suas obras impressas para além dos catálogos de museus. Mas, no meu caso, como é muito caro de se editar e se trata de arte, algo que passa pelos “lobbies” dos museus e do mercado judaico, fica apenas em sonho. Porém, não está descartada a possibilidade de publicação, no futuro, de um livro só de imagens de Aline Daka. Sei que há muitas publicações de artistas plásticos pelo país, mas, via de regra, trata-se daquelas coisas no sense que qualquer um faz. E a Daka tem uma singularidade nos seus desenhos que impressiona, por certa angústia e desespero transmitido pelos olhares, pelos gestos e as deformidades de suas figuras, algo que remete a uma espécie de grotesco urbano, talvez único no nosso país. Penso que vale o esforço de tentar registrá-la em livro. É algo que irei lhe propor.
MÁRCIO SIMÓES | A aposta inicial da Sol Negro tem sido em torno do ambiente poético. Tanto em autores vivos que seguem na contramão do mercado literário e suas vitrines, como autores estrangeiros de valor que não tiveram (nem nada indicam que fossem ter) edições nacionais, ou ainda autores do passado que não tiveram a devida consideração. Outra área de interesse editorial está relacionada às poéticas extra-ocidentais, como as indígenas. Enquanto a etnopoesia (para usar um termo de Jerome Rothenberg) tem sido central no ambiente poético de outros países (como nos Estados Unidos) sequer foi ainda traduzida e/ou decentemente estudada em nosso ambiente literário, salvo algumas raras – e valentes – exceções. Isso num país como o Brasil, onde o elemento indígena é constitutivo. Estamos tentando cooptar tradutores nesse sentido, e temos a caminho uma tradução poética doAyvu Rapita a cargo de Haroldo Brito (sopa d’osso).
ANTONIO MIRANDA | Nossa paixão é pela poesia, mas também pelas belas edições. Por exemplo, estamos projetando uma série de fólios com ilustrações científicas de fauna e flora e temas sobre o Brasil que exijam rigor na seleção e na apresentação do material textual e gráfico, para divulgação do patrimônio iconográfico, Mas, ao mesmo tempo, pretendemos revelar novos talentos. Artistas plásticos, poetas e cientistas cuja produção mereça uma divulgação em livro de arte ou mediante livros de artista, que não são a mesma coisa, mas que se conformam perfeitamente no nosso propósito editorial. Consequentemente, idealizamos os selos Poesia Ensaio – para publicação de ensaios sobre poesia; Dezenho, para publicação de Poesia Visual e Era, para publicação de iconografia brasileira. Sempre valendo-nos da dobradinha do livro impresso e do e-book, um elitizando e ou outro popularizando o acesso à literatura e à iconografia. Valendo-nos do binômio impresso-digital (livro impresso e e-book), pretendemos oferecer edições que devolvam ao leitor consciente do ato de ler, das tessituras do texto aos interstícios do suporte que o apresenta (ou seja, em sua arquitextura), os sentidos estéticos que devem estar presentes no objeto livro. No primeiro caso, instigando a fruição do livro como acontecimento lítero-plástico, no universo da cultura e, no segundo caso, popularizando o hábito da leitura de e sobre poesia, mediante ampla divulgação destes conteúdos em novas bases tecnológicas.
SUMÁRIO
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01 | MACARENA
BARAHONA | Alfonso Peña entrevista la poeta y
ensayista Macarena Barahona
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02 | FRANÇOIS JACOB & MICHÈLE SARDE |
Betty Milan entrevista François Jacob e Michèle Sarde
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03 | BENJAMIN PÉRET,
AIMÉ CÉSAIRE & ANDRÉ BRETON | Ensayo de Carlos M.
Luis sobre los poemas Aire Mexicano (Péret), Cuaderno de
un retorno al país natal (Césaire) y Oda a Charles Fourier (Bretón)
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04 | MARIA LÚCIA DAL FARRA |
Floriano Martins entrevista a poeta Maria Lúcia Dal Farra
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05 | FREDDY GATÓN
ARCE | Ensayo de José Alcántara Almánzar sobre
el poeta Freddy Gatón Arce
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06 | FERNANDO MONTEIRO |
Artigo de José Castello sobre livro de Fernando Monteiro
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07 | STANLEY KUBRICK | Ensayo de Luís Carlos Muñoz sobre el director Stanley Kubrick
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08 | SOPA D’OSSO |
Artigo de Márcio Simões sobre o livro Ypý-Opá, do poeta Sopa d'Osso
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09 | FLORIANO MARTINS |
Ensaio de Nicolau Saião sobre a fotografia de Floriano Martins
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10
| CÉSAR MORO | Ensayo de Omar
Castillo sobre el poeta César Moro
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11 | FERNANDO ARRABAL |
Samuel Vásquez entrevista el dramaturgo Fernando Arrabal
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12 | JOÃO CABRAL DE
MELO NETO | Ensaio de Selma Vasconcelos sobre o poeta João Cabral de Melo
Neto
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ARTISTA CONVIDADO | ENRIQUE
DE SANTIAGO | Ensayo
autobiográfico del artista chileno Enrique de Santiago
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Página ilustrada com obras de Enrique de Santiago (Chile), artista invitado de esta edición de ARC.
Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 4 | Setembro de 2012
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revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FLORIANO MARTINS
GLADYS MENDÍA | LUIZ LEITÃO | MÁRCIO SIMÕES
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