sábado, 19 de setembro de 2015

CRUZEIRO SEIXAS | Lembranças afetivas do Surrealismo


1. Depoimento sobre Eugenil Granell, concedido a Francisco Lopes-Barxas
Não tenho grande memória e as datas sempre habitaram uma zona de grandes nevoeiros, que se tem agravado com a idade. Creio que escrevi a Granell sob o impacto fortíssimo de obras suas, quando realizei em Lisboa, (e depois tornei itinerante) uma expo “Phases” organizada a meu pedido por Edouard Jaguer, isto em 1978.
Depois começou uma intensa correspondência, e transcrevo, de cartas de Granell, “Qué formidable sorpresa recibir mi livro com tus bellisimas ilustraciones sobre los motivos de los dibujos de Ludwig Zeller. No me canse de mirarlos una y otra vez. Y ahora pasa a  ser una  de las joyas más hermosas de mi biblioteca-pinacoteca. Aún ahora, después de haber visto cada dibujo incontables veces, no pude resistir la tentación de hacerlo nuevamente. Ya sabes cuánto me encantan tus dibujos y pinturas. Absolutamente inconfundibles, cargados siempre de un misterio y novedad que solo por su enorme fuerza poética, contribuyen a que sea vivible este mundo cada día más irrespirable”. E numa outra carta de 1968; “Uno se  pregunta qué hado maléfico gravita sobre creaciones tan extraordinarias como la tuya. Que se ignore tu obra en el mundo, que no se conozca según debería conocerse y estimarse, es solo indicativo del momento de miserabilismo espiritual por el que estamos pasando. Uno se indigna, salta hasta el techo, pero y no puede hacerse nada! Sólo nos queda continuar en lo nuestro, seguir por nuestra parte hacia adelante, sin dar mayor importancia a esas miopías y poquedad universales. Tus dibujos tienen siempre un misterio poético y una indivualidad admirables, por los cuales puede reconocerse inmediatamente al gran artista que los creo inconfundible”.
Assim se proporcionou durante anos, uma correspondência de grande e mutua admiração.
Já não sei dizer quantas vezes estive frente a frente com Granell. Tenho o testemunho fotográfico da sua passagem em Lisboa, em 1990. E de uma das visitas a sua casa em Madrid onde me ofereceu (isto em 1982) o seu livro “La Novela del Índio Tupinamba” e “Estela de Presagios”. Mais tarde ofereceu-me “La Chambre Noir” e “Ile Coffre Mythique”, com esta belíssima dedicatória: “A mi admirado amigo Artur, que sabe, como yo, que no hay precio bastante para el disfrute de la Libertad…”
Uma das telas que Granell enviara para a já referida expo “Phases”, “El Aprendiz de Jinete” foi-me generosamente oferecida. Dela foi feita uma admirável tapeçaria (1,50x1,85) na Manufactura de Portalegre. Outras obras suas e minhas viajaram entre Madrid-Lisboa e vice-versa.
Tentei interessar galerias de Lisboa por uma expo individual sua, mas infelizmente jamais o consegui. Tendo por algum tempo dirigido galerias, nelas sempre que organizei expôs colectivas, figuraram obras de Granell.
Para além do Surrealismo, do Amor e da Liberdade em que acreditávamos, uma grande simpatia se foi afirmando encontro a encontro.
Infelizmente os meus papéis estão na maior desordem, assim como as cartas que de Granel recebi, e que são sempre admiráveis documentos humanos.
Destes contactos guardo o reflexo de um homem com um profundo conhecimento do mundo. E com enorme simpatia por Portugal. Também algumas vezes África foi tema das nossas conversas pois lá permaneci 14 anos de inolvidável aprendizagem, e conhecimento de uma outra civilização, barbaramente destroçada.
Inesquecível a sua casa cheia de livros, e da presença de obras de gentes ilustres. A vida de Granell é uma história apaixonante! Em sua casa encantava-me particularmente um armário onde se guardava a sua colecção de “Bonecas Kachina” dos índios Hopi. E no meio de tudo isto, como uma fada, a inesquecível presença de Amparo, sua mulher.
Em Maio de 2001 realizou-se em Aveiro uma grande expo que reunia obras de Granell (36 telas) e de minha autoria. Granell não podia acreditar quanto é venenoso este meio português e sem ouvir os meus protestos e esclarecimentos, amigavelmente me obrigou a esta expo. As suas obras, “à la hauter du cri” como dizia Péret, não mereceram aqui uma palavra dos Senhores críticos e ensaístas, do que me envergonho.
Em 1981, para uma sua expo, Granell pediu-me um prefácio, e nele referia eu aquele sorriso seu aos 89 anos, puro como o de uma criança!Muito bem, diz Granell que “el museo asesina al artista” e que “el sueño de los monstruos produce la razón”! Assim, talvez de facto sejamos pouco conhecidos, para além das fronteiras que nós próprios traçamos no nosso dia a dia.
As figurações que pôs neste mundo, nada têm a ver com este mundo que nos metem pelos olhos dentro; as suas figurações são como faróis de mistérios e de inteligências. Essas figurações vejo-as integradas em obras de Rembrandt, de Cravage, de Rousseau ou de Gustave Moreau, o Surrealismo está em Granell, como a água está na nascente. A Liberdade que exigimos para o homem é tanto a interior como a exterior.
Esta pintura que refiro com tanta admiração, é reflexo desses anos 40, de tanto horror, mas também de tanta esperança. Se a paisagem que temos actualmente é precária não será de mais o labor de tentar tornar o homem meio pássaro meio máquina, meio vidro, meio árvore, meio palavra, meio vento, meio lágrima, meio diamante. Sem poesia não há realidade…
Evidentemente que aquilo que eu expus em Aveiro não estava a altura da obra de Granell, essa obra de um barroquismo espanhol, apaixonado e comunicativo, que não deixa duvidas quanto ao seu conteúdo humanista.
Granell por sensibilidade, e também por certo por contactos com Cesariny mostrava-se conhecedor do Surrealismo daqui, que no entanto perfez (ou perfaz ainda?) um muito acidentado caminho, que tem talvez tudo a ver com o saber-se que os portugueses, desde sempre, preferiram sonhar a realizar os sonhos. Aqui nada é fácil.
O que mais admiro em Granell é a totalidade que ele é, e o afirma como um ser excepcional. Depois de tantas decepções, e com o peso dos meus 82 anos, continuo apaixonado apesar de tudo pela vida, não obstante o medo que, afinal, também o mundo, parece ter de realizar o futuro …
Digo que aqui tudo é difícil e esclareço que por exemplo o Surrealismo esteve desde sempre silenciado no ensino, embora seja reconhecidamente uma das grandes esperanças do séc. XX! A todas as outras filosofias o Surrealismo se adiantou pois o seu programa foi antes de mais o indivíduo. Só com indivíduos, que sejam capazes de encontrar dentro de si a LIBERDADE, reconhecendo a Liberdade dos outros, se poderá ter acesso a um TEMPO OUTRO. Quem não tiver liberdade dentro de si, em vão a esperará dos políticos.
Não fui de facto um activo combatente de esquerda, no sentido em que o foi Granell, envolvido numa horrível guerra civil. A minha família errou, e transmitiu-me o seu erro. É que depois de um tempo de constantes revoluções que se seguiram aqui à Implantação da República em 1910, muitos portugueses facilmente se sentirem cansados e desiludidos. Meus avós paternos e maternos foram convictos republicanos, mas os meus pais eram salazaristas. Erraram, mas hoje pergunto-me se erraram menos os que se ligaram ao estalinismo. Tempos perturbadores. Descoberto enfim o caminho, por duas vezes fui chamado à PIDE (Gestapo portuguesa), e são diversas as referências encontradas nas terríveis fichas dessa polícia politica, após o 25 de Abril de 1974. A minha ânsia é de ser livre, e julgar com liberdade; assim não pertenço a qualquer partido político. E por vezes é enorme o desânimo perante as insuficiências desta democracia, em muitos aspectos hipócrita escondendo uma terrível miséria material e moral. O ensino esquece ainda hoje milhões de crianças! Perante tudo isto, tento pôr-me a hipótese de que estamos a sofrer as dores de parto de um novo mundo, de tal maneira novo, que já não seja fácil os da minha idade o aceitarem… Muito gostaria de poder voltar cá daqui a uns 50 anos… Tanto quanto posso e sei é de posições morais que sobrevivo.
Quanto à morte ela nunca me aterrorizou, Sempre circulou ao meu lado entre outros grandes mistérios. Foram muitos os que estimei e me estimaram e que a morte levou, mas sempre os mantive vivos ao meu lado. Metafísico é o dia a dia. Repito; não temo a morte, pois já morri mil vezes. O que mais me dói na morte é a sua espectaculosidade eu que sempre da espectaculosidade fugi. Porque não é a morte uma evaporação?
Durante a minha já tão longa vida, não tive tempo de me considerar “um artista”. E há pouco se radicou em mim a ideia de que, é na morte, que está a eternidade. E é de lá que nos vem os mais fortes acenos, como os de Artaud, de Rimbaud, ou de Granell.
De facto a minha obra não foi feita com consciência de “artista”, mas como uma forma de LIBERDADE. O que desenhei e pintei é como uma chave (falsa?) da liberdade, que coloco acima de tudo, pois julgo que o AMOR É LIBERDADE.
No que fiz nunca houve preocupação técnica; são centenas e centenas de desenhos em papeis de acaso, que não são pensados, e que logo após serem feitos são esquecidos. Trata-se apenas de um documento, de um depoimento, de um testemunho. Mas talvez por serem menos compreendidos de tudo o que realizei, como essa chávena que tem (como nós) a asa por dentro, prefira os “Objectos”.
Há no mundo de hoje, incompreensivelmente, ainda uma grande dificuldade em reconhecer, em tempo útil, gente como Granell, ou aqui, por exemplo, um poeta como António Maria Lisboa. Mas as figurações de Granell, com o seu humor, estão sempre ao meu lado. E como dar a conhecer António Maria Lisboa, se a poesia é tão dificilmente traduzível? Julgo que um e outro exprimem a surrealidade  com “a consciência poética do real”.
Se as minhas figurações são nocturnas, isso não significa uma escolha. O sol atravessou todas as minhas mais tenebrosas noites. Tudo acontece, como reflexo do MISTÉRIO, na minha alma. Por certo espero, inconscientemente, que da escuridão surja plenamente a LUZ. A minha vida certamente tem estado mais do lado da obscuridade, e assim, a luz tem sido persistentemente imaginada.
Eu sei que devo muito a África, mas também sei que isso não é imediatamente visível no que desenhei e pintei. A África por certo esteve desde sempre dentro de mim, e é por isso que toda a minha poesia é datada de Áfricas, tratando-se talvez de duas Áfricas, a África que sou, e a África geograficamente existente com o seu drama.
Granell deu-se com alguns dos nomes míticos do Surrealismo, como Breton, Duchamp. Peret, etc. Eu, preso em Lisboa tão longe do mundo, tenho como amigo o Eduard Jaguer. E a morte levou, cedo demais um outro grande amigo, José Pierre, senhor de uma notável bibliografia, que tinha grandes projectos em que me envolvia. Com ele organizei uma importante expo em 1987, em que reunia Matta, Man Ray, Silbermamn, Svanberg, Télémaque, Toyen, Camacho, Klapheck, Lam, Miro, Maddox, etc., etc., e que por desrazões nacionais, foi silenciada… Estimei sempre muito a obra de Philip West, e na Holanda conheci ainda alguns dos pioneiros do Surrealismo naquele país. E há um entendimento profundo com Jorge Camacho, como havia uma amizade com Francisco Aranda que criou o primeiro cineclube espanhol e que tanto deu a conhecer a força revolucionária de Buñuel. Há ainda os Amigos da República Checa, e há um muito admirado editor de Cuenca, o Juan Carlos Valera com uma paixão talvez só possível em Espanha. E aquele grupo Surrealista de Chicago, tão empreendedor, que torna mais evidente e dolorosa a ausência de actividade colectiva e o silêncio que aqui é imposto. Cito ainda André Coyné amigo íntimo do grande poeta que foi César Moro, e cito o romeno Perahim. Encontros inesquecíveis, trocas de obras, colaborações em “Cadavres-Exquis” e, sempre, a confirmação de um caminho.
Fujo do dinheiro tanto quanto é possível, pois ele é a arma mais terrivelmente mortal deste tempo que atravessamos….


2. Sobre o Objecto “Chávena com a asa por dentro, como a maioria de nós…”
É vastíssima a bibliografia do Surrealismo, mas nos anos em que me aconteceram os primeiros Objectos, era pouquíssimo o que me tinha chegado às mãos. Nos anos 40, o nosso grande mérito, foi o de reinventar por conta própria Dada. Picasso e os seus Papiers Collés, os Readymade de Duchamp, os Merz de Schwitters, são no entanto de 1912! Os primeiros Cadavres-exquis são de 1925. E a primeira exposição de Objectos realizou-se em Paris (que então era o centro do mundo), em 1936. Nada disto chegava a Portugal, e felizmente (ou infelizmente?) coisas destas são ainda hoje da maior actualidade.
Em qualquer dicionário se encontrarão definições do Objecto Surrealista. Lichtenberg, em 1798 deixou-nos um curioso inventário de uma colecção de Objectos Absurdos, em que figura uma dupla colher para alimentar crianças gémeas!
Como resistir a encontros como este? Trata-se de verdadeiros “coup de foudre”. É o inusitado, mas principalmente o sentido poético.
Considero os Objectos que realizei como sendo o melhor da minha obra; produzi centenas de desenhos e pinturas, mas apenas guardo comigo avaramente os Objectos, o que mostra a profundidade a que se encontram no mar da minha alma.
Mário Cesariny tem um verso que considero muito belo, de que ele próprio numa entrevista disse ignorar o sentido; Ama como a estrada começa. O mesmo direi do meu Objecto de 1951, “L’Opresseur”, que junta um cubo branco, uma esfera preta, uma velha torneira, uma pluma, e que no entanto figura num dicionário (“Fernand Hazan Éditeur”, 1973), pela mão de um dos próximos colaboradores de André Breton, o Jose Pierre, que de certa forma renovou a crítica pictural, publicando textos nas revistas surrealistas “La bréche”, “Le surréalisme même”, “L’Archibras”; etc., etc.
No Objecto está sempre presente “L’amour fou” com os encontros mais inesperados. Que sabemos nós de um búzio exposto lado a lado com uma chave fora de uso na Feira da Ladra? O Conde de Lautréamont refere, genialmente, o encontro sobre uma mesa de anatomia de uma máquina de costura com um chapéu-de-chuva.
Por certo um excesso de liberdade foi posto nas mãos dos homens, pois parece que, muito mal dela sabemos ainda hoje fazer uso…
O Objecto pode testemunhar de um encontro sublime, mas também pode contrariar a função de um produto industrial, como fez Man Ray no seu “Cadeau”, um ferro de passar roupa, em que a parte que deve deslizar sobre os tecidos está cravejada de pregos.
Quando em 1967 percorri algumas cerâmicas propondo a realização desta Chávena, a recepção era a mais hostil, como se lhes estivesse a propor a obscenidade das obscenidades.
Não quero deixar de lembrar que, tendo enviado ao Areal uma fotografia desta Chávena, ele sobre essa fotografia pintou, em 1971, um líquido tinto de sangue, de onde lutam para se evadir dois terríveis personagens.
Somos obrigados a reconhecer que as palavras não são suficientes para DIZER o homem. E a sua insuficiência tem-se tornado dramática; resta-nos a poesia, a revolta, a blasfémia, a liberdade interior!
Embora seja enormíssima a parte de humor expressa no Objecto Surrealista, será prudente que ninguém se deixe ficar apenas por aí. Essa é por certo uma das armadilhas que nos põe esta superior forma de comunicação. De facto o Objecto Surrealista está sempre pleno de humor negro, e foi dentro desse espírito que pus a circular a seguinte frase:Chávena com a asa por dentro, como a maioria de nós…


3. Texto sobre Arte Africana
Parece que ainda não se acertou na designação a dar à arte do continente africano. Começa a reconhecer-se que ela é tão ARTE como a “arte francesa” a “arte italiana”, a “arte espanhola”, etc., etc., mas admitamos que as definições são na sua grande maioria imprecisas…
Sabe-se da descoberta desta arte por Braque, Picasso ou Derain em 1900. E sabe-se da preferência dada à arte da Oceânia por André Breton – em duas palavras, por lhe parecer mais imaginativa. Também por esse tempo de tão ricas descobertas, a arte dos índios Hopi com as suas Kachinas, apaixonou gentes de superior sensibilidade.
Portugal que tanto navegou através do mundo, só em 1975 teve enfim o seu Museu Nacional de Etnologia; no entanto, pelo menos o escultor Diogo de Macedo, nos anos 20, já possuía algumas peças de África. E um irmão de Teixeira de Pascoaes, caçador de elefantes, tinha guardado algumas belas esculturas no solar de Amarante.
De admirar me parece que estas obras ainda hoje sejam vistas como etnologia, quando deveriam ter lugar no Museu das Janelas Verdes, junto a Nuno Gonçalves ou Gerónimus Bosch. Ou poderiam/deveriam povoar a Torre de Belém acompanhando o Rinoceronte que figura num dos ângulos da Torre.
Parece-me evidente, que sempre se trata da mesma carga estética e humana. O que se procura tocar é o lado fugidio da alma do homem! E é derrubando fronteiras que vamos construindo a liberdade.
É certo que (como os animais), estamos condenados a viver em sociedade; a sabedoria está em conseguir conquistar em cada minuto do dia a dia a liberdade interior, que é a única liberdade livre. Só pela inteligência somos livres, e talvez por isso, desde os anos 40, o surrealismo é a minha política. Foi assim que o inconsciente e o subconsciente, me conduziram a África.
Se lemos Levy-Stauss, ou nos tão distantes anos 20 deparamos com a referência na revista “Revoluction Surrealiste” às Kachinas, verificamos com desespero quanto temos recuado.
Lembro Durer, em 1520, posto perante obras vindas das grandes civilizações que se localizaram no México: J’ai vu les choses qu’on a rapportees du noveau pays de l’or; toutes sortes d’objects étonnants á divers usages, bien plus beaux que tout ce qu’on avait déjà vu. De ma vie je n’ai rien vu qui mait fait autant de plaisir. Ce sont des objects d’art étonnants, et j’ai étè frappe du genie étrange des hommes de ses pays.
Da viagem de André Breton  “Chez les Hopi”, na selecção das suas notas, que fez José Pierre, retiro estas linhas: Refus complet de coopération avec amérique á la guerre; 30 jeunes gens emprisonnés pour refus de service militaire; on les relâche aprés quelques mois d’incarcération, dans l’espoir qu’ils se soumettent, mais ils restent inébranlables; on les enprisonne de nouveau et cela dure depuis 4 ans…
E transcrevo da “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”: Pouco tempo após a tomada de Cambambe, (1604), principiaram os angolas a atacar os portugueses, e a sua atitude de rebeldia foi-se sucessivamente transformando no propósito de nos expulsar. (…) Em 1611, quando assumiu o Governo-Geral de Angola, Bento Banha Cardoso, estava à frente dos angolas insubmissos um soba de grandes qualidades guerreiras chamado Quiluangi. A campanha para o aniquilar durou até 1615.
É que não sei separar; o meu desejo é unir, ou pelo menos aproximar. Acredito que TUDO põe em causa o próprio sistema universal, pois são inúmeras as correspondências de TUDO com TUDO. O que quero referir é o espírito das coisas invisíveis, que tanto afinal se afirmam. África?  Europa? Oceânia? E outras e outras civilizações? Como falar de arte sem falar do homem?
No meio de tudo isto, que importância tem a minha obra? Tenho dito e redito que amo muito mais a obra dos outros do que a minha, e daí a colecção que neste momento está exposta na SNBA, de espantar apenas porque não foi feito com o verdadeiro espírito de coleccionador. Nos anos que passei em Angola procurei permanecer o menos possível em Luanda, apesar do seu encanto. Era o “interior” que me atraía e inevitavelmente dessas longuíssimas e difíceis viagens, resultou também uma “colecção” sem consciência de coleccionador, para o que me faltava dinheiro e saber. Tratava-se de “viagens comerciais” e era no pouco tempo livre dessas tristes funções que entrava em apaixonado contacto com o que ainda restava daquela admirável civilização. Infelizmente quando do 25 de Abril, para subsistir, tive que vender essas obras. O que aprendi com elas? O que aprendi a quilómetros e quilómetros da “civilização”, em batuques que assombravam o próprio luar? E o que aprendi quando trabalhando numa barragem ouvia o leão que vinha assaltar a capoeira? Sou eu um primitivo? De facto, a mensagem do Douanier Rousseau ou a do Facteur Cheval tocam-me profundamente. Julgo que é a ausência desse “primitivismo”, que falta dramaticamente na sociedade contemporânea.
Volto àquilo que fiz, pois não saberia pôr aqui TUDO O QUE NÃO FIZ e quereria ter feito. Permaneci em África de 1950 a 1964, de onde fui “expulso” precipitadamente quando me quiseram DAR um metralhadora, e incluir-me em milícias.
Ali desenhei, pintei, fiz “Objectos”, escrevi poesia e expus, sempre como amador, pois nunca me senti impelido para o profissionalismo, que é a chave deste assustador momento que o mundo atravessa. Amei intensamente África, tanto as gentes como a sua arte riquíssima até nos pequenos artefactos de uso diário como os tachos de barro, as cabaças ou as esteiras, que são obras de arte únicas.
Trata-se de caminhos que vão muito mais longe do que me é possível, a mim: são caminhos onde podemos encontrar Grunewalde, Goya, Picasso, Cezanne ou Lam, e eu só faço aquilo que sei – ou seja aquilo que não sei. Não sei se algo de África estará nalgum dos inúmeros desenhos que fiz, e logo perdi.
Lembro que quando, regressado de África, as pessoas que em minha casa viam essas peças mostravam-se indiferentes, ou não se coibiam de censurar o meu mau gosto. Hoje já há, espalhados pela cidade um certo número de estabelecimentos comerciais mostrando “arte negra”, que certamente tem o seu público!
África sofreu brutais contactos com a Europa através dos séculos – afinal como nós hoje que trocamos a alma por frigoríficos, automóveis, computadores e as mais diversas maquinetas! A África foi obrigada a trocar a alma por pequenos espelhos, canivetes e inutilidades, que lhes eram oferecidas por missionários e comerciantes.









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