1. Depoimento sobre Eugenil Granell, concedido a
Francisco Lopes-Barxas
Não tenho grande memória e as datas sempre
habitaram uma zona de grandes nevoeiros, que se tem agravado com a idade. Creio
que escrevi a Granell sob o impacto fortíssimo de obras suas, quando realizei
em Lisboa, (e depois tornei itinerante) uma expo “Phases” organizada a meu
pedido por Edouard Jaguer, isto em 1978.
Depois começou uma intensa correspondência, e
transcrevo, de cartas de Granell, “Qué formidable sorpresa recibir mi livro com
tus bellisimas ilustraciones sobre los motivos de los dibujos de Ludwig
Zeller. No me canse de mirarlos una y
otra vez. Y ahora pasa a ser una de las joyas más hermosas de mi
biblioteca-pinacoteca. Aún ahora, después de haber visto cada dibujo
incontables veces, no pude resistir la tentación de hacerlo nuevamente. Ya
sabes cuánto me encantan tus dibujos y pinturas. Absolutamente inconfundibles,
cargados siempre de un misterio y novedad que solo por su enorme fuerza
poética, contribuyen a que sea vivible este mundo cada día más irrespirable”. E
numa outra carta de 1968; “Uno se pregunta qué hado maléfico gravita
sobre creaciones tan extraordinarias como la tuya. Que se ignore tu obra en el
mundo, que no se conozca según debería conocerse y estimarse, es solo
indicativo del momento de miserabilismo espiritual por el que estamos pasando.
Uno se indigna, salta hasta el techo, pero y no puede hacerse nada! Sólo nos
queda continuar en lo nuestro, seguir por nuestra parte hacia adelante, sin dar
mayor importancia a esas miopías y poquedad universales. Tus dibujos tienen
siempre un misterio poético y una indivualidad admirables, por los cuales puede
reconocerse inmediatamente al gran artista que los creo inconfundible”.
Assim se proporcionou durante anos, uma
correspondência de grande e mutua admiração.
Já não sei dizer quantas vezes estive frente a
frente com Granell. Tenho o testemunho fotográfico da sua passagem em Lisboa,
em 1990. E de uma das visitas a sua casa em Madrid onde me ofereceu (isto em
1982) o seu livro “La Novela del Índio Tupinamba” e “Estela de Presagios”. Mais
tarde ofereceu-me “La Chambre Noir” e “Ile Coffre Mythique”, com esta belíssima
dedicatória: “A mi admirado amigo Artur, que sabe, como yo, que no hay precio
bastante para el disfrute de la Libertad…”
Uma das telas que Granell enviara para a já
referida expo “Phases”, “El Aprendiz de Jinete” foi-me generosamente oferecida.
Dela foi feita uma admirável tapeçaria (1,50x1,85) na Manufactura de
Portalegre. Outras obras suas e minhas viajaram entre Madrid-Lisboa e
vice-versa.
Tentei interessar galerias de Lisboa por uma
expo individual sua, mas infelizmente jamais o consegui. Tendo por algum tempo
dirigido galerias, nelas sempre que organizei expôs colectivas, figuraram obras
de Granell.
Para além do Surrealismo, do Amor e da Liberdade
em que acreditávamos, uma grande simpatia se foi afirmando encontro a encontro.
Infelizmente os meus papéis estão na maior
desordem, assim como as cartas que de Granel recebi, e que são sempre
admiráveis documentos humanos.
Destes contactos guardo o reflexo de um homem
com um profundo conhecimento do mundo. E com enorme simpatia por Portugal.
Também algumas vezes África foi tema das nossas conversas pois lá permaneci 14
anos de inolvidável aprendizagem, e conhecimento de uma outra civilização,
barbaramente destroçada.
Inesquecível a sua casa cheia de livros, e da
presença de obras de gentes ilustres. A vida de Granell é uma história
apaixonante! Em sua casa encantava-me particularmente um armário onde se
guardava a sua colecção de “Bonecas Kachina” dos índios Hopi. E no meio de tudo
isto, como uma fada, a inesquecível presença de Amparo, sua mulher.
Em Maio de 2001 realizou-se em Aveiro uma grande
expo que reunia obras de Granell (36 telas) e de minha autoria. Granell não
podia acreditar quanto é venenoso este meio português e sem ouvir os meus
protestos e esclarecimentos, amigavelmente me obrigou a esta expo. As suas
obras, “à la hauter du cri” como dizia Péret, não mereceram aqui uma palavra
dos Senhores críticos e ensaístas, do que me envergonho.
Em 1981, para uma sua expo, Granell pediu-me um
prefácio, e nele referia eu aquele sorriso seu aos 89 anos, puro como o de uma
criança!Muito bem, diz Granell que “el museo asesina al
artista” e que “el sueño de los monstruos produce la razón”! Assim, talvez de facto sejamos pouco conhecidos,
para além das fronteiras que nós próprios traçamos no nosso dia a dia.
As figurações que pôs neste mundo, nada têm a
ver com este mundo que nos metem pelos olhos dentro; as suas figurações são
como faróis de mistérios e de inteligências. Essas figurações vejo-as integradas
em obras de Rembrandt, de Cravage, de Rousseau ou de Gustave Moreau, o
Surrealismo está em Granell, como a água está na nascente. A Liberdade que
exigimos para o homem é tanto a interior como a exterior.
Esta pintura que refiro com tanta admiração, é
reflexo desses anos 40, de tanto horror, mas também de tanta esperança. Se a
paisagem que temos actualmente é precária não será de mais o labor de tentar
tornar o homem meio pássaro meio máquina, meio vidro, meio árvore, meio
palavra, meio vento, meio lágrima, meio diamante. Sem poesia não há realidade…
Evidentemente que aquilo que eu expus em Aveiro
não estava a altura da obra de Granell, essa obra de um barroquismo espanhol,
apaixonado e comunicativo, que não deixa duvidas quanto ao seu conteúdo humanista.
Granell por sensibilidade, e também por certo
por contactos com Cesariny mostrava-se conhecedor do Surrealismo daqui, que no
entanto perfez (ou perfaz ainda?) um muito acidentado caminho, que tem talvez
tudo a ver com o saber-se que os portugueses, desde sempre, preferiram sonhar a
realizar os sonhos. Aqui nada é fácil.
O que mais admiro em Granell é a totalidade que
ele é, e o afirma como um ser excepcional. Depois de tantas decepções, e com o
peso dos meus 82 anos, continuo apaixonado apesar de tudo pela vida, não
obstante o medo que, afinal, também o mundo, parece ter de realizar o futuro …
Digo que aqui tudo é difícil e esclareço que por
exemplo o Surrealismo esteve desde sempre silenciado no ensino, embora seja
reconhecidamente uma das grandes esperanças do séc. XX! A todas as outras
filosofias o Surrealismo se adiantou pois o seu programa foi antes de mais o
indivíduo. Só com indivíduos, que sejam capazes de encontrar dentro de si a
LIBERDADE, reconhecendo a Liberdade dos outros, se poderá ter acesso a um TEMPO
OUTRO. Quem não tiver liberdade dentro de si, em vão a esperará dos políticos.
Não fui de facto um activo combatente de
esquerda, no sentido em que o foi Granell, envolvido numa horrível guerra
civil. A minha família errou, e transmitiu-me o seu erro. É que depois de um
tempo de constantes revoluções que se seguiram aqui à Implantação da República
em 1910, muitos portugueses facilmente se sentirem cansados e desiludidos. Meus
avós paternos e maternos foram convictos republicanos, mas os meus pais eram
salazaristas. Erraram, mas hoje pergunto-me se erraram menos os que se ligaram
ao estalinismo. Tempos perturbadores. Descoberto enfim o caminho, por duas
vezes fui chamado à PIDE (Gestapo portuguesa), e são diversas as referências
encontradas nas terríveis fichas dessa polícia politica, após o 25 de Abril de
1974. A minha ânsia é de ser livre, e julgar com liberdade; assim não pertenço
a qualquer partido político. E por vezes é enorme o desânimo perante as
insuficiências desta democracia, em muitos aspectos hipócrita escondendo uma
terrível miséria material e moral. O ensino esquece ainda hoje milhões de
crianças! Perante tudo isto, tento pôr-me a hipótese de que estamos a sofrer as
dores de parto de um novo mundo, de tal maneira novo, que já não seja fácil os
da minha idade o aceitarem… Muito gostaria de poder voltar cá daqui a uns 50
anos… Tanto quanto posso e sei é de posições morais que sobrevivo.
Quanto à morte ela nunca me aterrorizou, Sempre
circulou ao meu lado entre outros grandes mistérios. Foram muitos os que
estimei e me estimaram e que a morte levou, mas sempre os mantive vivos ao meu
lado. Metafísico é o dia a dia. Repito; não temo a morte, pois já morri mil
vezes. O que mais me dói na morte é a sua espectaculosidade eu que sempre da espectaculosidade
fugi. Porque não é a morte uma evaporação?
Durante a minha já tão longa vida, não tive
tempo de me considerar “um artista”. E há pouco se radicou em mim a ideia de
que, é na morte, que está a eternidade. E é de lá que nos vem os mais fortes
acenos, como os de Artaud, de Rimbaud, ou de Granell.
De facto a minha obra não foi feita com
consciência de “artista”, mas como uma forma de LIBERDADE. O que desenhei e
pintei é como uma chave (falsa?) da liberdade, que coloco acima de tudo, pois
julgo que o AMOR É LIBERDADE.
No que fiz nunca houve preocupação técnica; são
centenas e centenas de desenhos em papeis de acaso, que não são pensados, e que
logo após serem feitos são esquecidos. Trata-se apenas de um documento, de um
depoimento, de um testemunho. Mas talvez por serem menos compreendidos de tudo
o que realizei, como essa chávena que tem (como nós) a asa por dentro, prefira
os “Objectos”.
Há no mundo de hoje, incompreensivelmente, ainda
uma grande dificuldade em reconhecer, em tempo útil, gente como Granell, ou
aqui, por exemplo, um poeta como António Maria Lisboa. Mas as figurações de
Granell, com o seu humor, estão sempre ao meu lado. E como dar a conhecer
António Maria Lisboa, se a poesia é tão dificilmente traduzível? Julgo que um e
outro exprimem a surrealidade com “a consciência poética do real”.
Se as minhas figurações são nocturnas, isso não
significa uma escolha. O sol atravessou todas as minhas mais tenebrosas noites.
Tudo acontece, como reflexo do MISTÉRIO, na minha alma. Por certo espero,
inconscientemente, que da escuridão surja plenamente a LUZ. A minha vida
certamente tem estado mais do lado da obscuridade, e assim, a luz tem sido
persistentemente imaginada.
Eu sei que devo muito a África, mas também sei
que isso não é imediatamente visível no que desenhei e pintei. A África por
certo esteve desde sempre dentro de mim, e é por isso que toda a minha poesia é
datada de Áfricas, tratando-se talvez de duas Áfricas, a África que sou, e a
África geograficamente existente com o seu drama.
Granell deu-se com alguns dos nomes míticos do
Surrealismo, como Breton, Duchamp. Peret, etc. Eu, preso em Lisboa tão longe do
mundo, tenho como amigo o Eduard Jaguer. E a morte levou, cedo demais um outro
grande amigo, José Pierre, senhor de uma notável bibliografia, que tinha
grandes projectos em que me envolvia. Com ele organizei uma importante expo em
1987, em que reunia Matta, Man Ray, Silbermamn, Svanberg, Télémaque, Toyen,
Camacho, Klapheck, Lam, Miro, Maddox, etc., etc., e que por desrazões nacionais,
foi silenciada… Estimei sempre muito a obra de Philip West, e na Holanda
conheci ainda alguns dos pioneiros do Surrealismo naquele país. E há um
entendimento profundo com Jorge Camacho, como havia uma amizade com Francisco
Aranda que criou o primeiro cineclube espanhol e que tanto deu a conhecer a
força revolucionária de Buñuel. Há ainda os Amigos da República Checa, e há um
muito admirado editor de Cuenca, o Juan Carlos Valera com uma paixão talvez só
possível em Espanha. E aquele grupo Surrealista de Chicago, tão empreendedor,
que torna mais evidente e dolorosa a ausência de actividade colectiva e o
silêncio que aqui é imposto. Cito ainda André Coyné amigo íntimo do grande
poeta que foi César Moro, e cito o romeno Perahim. Encontros inesquecíveis, trocas
de obras, colaborações em “Cadavres-Exquis” e, sempre, a confirmação de um
caminho.
Fujo do dinheiro tanto quanto é possível, pois
ele é a arma mais terrivelmente mortal deste tempo que atravessamos….
2. Sobre o Objecto “Chávena com a asa por dentro,
como a maioria de nós…”
É vastíssima a bibliografia do Surrealismo, mas
nos anos em que me aconteceram os primeiros Objectos, era pouquíssimo o que me
tinha chegado às mãos. Nos anos 40, o nosso grande mérito, foi o de reinventar
por conta própria Dada. Picasso e os seus Papiers Collés, os Readymade de
Duchamp, os Merz de Schwitters, são no entanto de 1912! Os primeiros
Cadavres-exquis são de 1925. E a primeira exposição de Objectos realizou-se em
Paris (que então era o centro do mundo), em 1936. Nada disto chegava a
Portugal, e felizmente (ou infelizmente?) coisas destas são ainda hoje da maior
actualidade.
Em qualquer dicionário se encontrarão definições
do Objecto Surrealista. Lichtenberg, em 1798 deixou-nos um curioso inventário
de uma colecção de Objectos Absurdos, em que figura uma dupla colher para
alimentar crianças gémeas!
Como resistir a encontros como este? Trata-se de
verdadeiros “coup de foudre”. É o inusitado, mas principalmente o sentido
poético.
Considero os Objectos que realizei como sendo o
melhor da minha obra; produzi centenas de desenhos e pinturas, mas apenas
guardo comigo avaramente os Objectos, o que mostra a profundidade a que se
encontram no mar da minha alma.
Mário Cesariny tem um verso que considero muito
belo, de que ele próprio numa entrevista disse ignorar o sentido; Ama
como a estrada começa. O mesmo direi do meu Objecto de 1951, “L’Opresseur”,
que junta um cubo branco, uma esfera preta, uma velha torneira, uma pluma, e
que no entanto figura num dicionário (“Fernand Hazan Éditeur”, 1973), pela mão
de um dos próximos colaboradores de André Breton, o Jose Pierre, que de certa
forma renovou a crítica pictural, publicando textos nas revistas surrealistas
“La bréche”, “Le surréalisme même”, “L’Archibras”; etc., etc.
No Objecto está sempre presente “L’amour fou”
com os encontros mais inesperados. Que sabemos nós de um búzio exposto lado a
lado com uma chave fora de uso na Feira da Ladra? O Conde de Lautréamont
refere, genialmente, o encontro sobre uma mesa de anatomia de uma máquina
de costura com um chapéu-de-chuva.
Por certo um excesso de liberdade foi posto nas
mãos dos homens, pois parece que, muito mal dela sabemos ainda hoje fazer uso…
O Objecto pode testemunhar de um encontro
sublime, mas também pode contrariar a função de um produto industrial, como fez
Man Ray no seu “Cadeau”, um ferro de passar roupa, em que a parte que deve
deslizar sobre os tecidos está cravejada de pregos.
Quando em 1967 percorri algumas cerâmicas
propondo a realização desta Chávena, a recepção era a mais hostil, como se lhes
estivesse a propor a obscenidade das obscenidades.
Não quero deixar de lembrar que, tendo enviado
ao Areal uma fotografia desta Chávena, ele sobre essa fotografia pintou, em
1971, um líquido tinto de sangue, de onde lutam para se evadir dois terríveis
personagens.
Somos obrigados a reconhecer que as palavras não
são suficientes para DIZER o homem. E a sua insuficiência tem-se tornado
dramática; resta-nos a poesia, a revolta, a blasfémia, a liberdade interior!
Embora seja enormíssima a parte de humor
expressa no Objecto Surrealista, será prudente que ninguém se deixe ficar
apenas por aí. Essa é por certo uma das armadilhas que nos põe esta superior
forma de comunicação. De facto o Objecto Surrealista está sempre pleno de humor
negro, e foi dentro desse espírito que pus a circular a seguinte frase:Chávena
com a asa por dentro, como a maioria de nós…
3. Texto sobre Arte Africana
Parece que ainda não se acertou na designação a
dar à arte do continente africano. Começa a reconhecer-se que ela é tão ARTE
como a “arte francesa” a “arte italiana”, a “arte espanhola”, etc., etc., mas
admitamos que as definições são na sua grande maioria imprecisas…
Sabe-se da descoberta desta arte por Braque,
Picasso ou Derain em 1900. E sabe-se da preferência dada à arte da Oceânia por
André Breton – em duas palavras, por lhe parecer mais imaginativa. Também por
esse tempo de tão ricas descobertas, a arte dos índios Hopi com as suas
Kachinas, apaixonou gentes de superior sensibilidade.
Portugal que tanto navegou através do mundo, só
em 1975 teve enfim o seu Museu Nacional de Etnologia; no entanto, pelo menos o
escultor Diogo de Macedo, nos anos 20, já possuía algumas peças de África. E um
irmão de Teixeira de Pascoaes, caçador de elefantes, tinha guardado algumas
belas esculturas no solar de Amarante.
De admirar me parece que estas obras ainda hoje
sejam vistas como etnologia, quando deveriam ter lugar no Museu das Janelas
Verdes, junto a Nuno Gonçalves ou Gerónimus Bosch. Ou poderiam/deveriam povoar
a Torre de Belém acompanhando o Rinoceronte que figura num dos ângulos da
Torre.
Parece-me evidente, que sempre se trata da mesma
carga estética e humana. O que se procura tocar é o lado fugidio da alma do
homem! E é derrubando fronteiras que vamos construindo a liberdade.
É certo que (como os animais), estamos
condenados a viver em sociedade; a sabedoria está em conseguir conquistar em
cada minuto do dia a dia a liberdade interior, que é a única liberdade livre.
Só pela inteligência somos livres, e talvez por isso, desde os anos 40, o
surrealismo é a minha política. Foi assim que o inconsciente e o subconsciente,
me conduziram a África.
Se lemos Levy-Stauss, ou nos tão distantes anos
20 deparamos com a referência na revista “Revoluction Surrealiste” às Kachinas,
verificamos com desespero quanto temos recuado.
Lembro Durer, em 1520, posto perante obras
vindas das grandes civilizações que se localizaram no México: J’ai vu
les choses qu’on a rapportees du noveau pays de l’or; toutes sortes d’objects
étonnants á divers usages, bien plus beaux que tout ce qu’on avait
déjà vu. De ma vie je n’ai rien vu qui mait fait autant de plaisir. Ce sont des
objects d’art étonnants, et j’ai étè frappe du genie étrange des hommes de ses
pays.
Da viagem de André Breton “Chez les Hopi”,
na selecção das suas notas, que fez José Pierre, retiro estas linhas:
Refus complet de coopération avec amérique á la guerre; 30 jeunes gens
emprisonnés pour refus de service militaire; on les relâche aprés
quelques mois d’incarcération, dans l’espoir qu’ils se soumettent, mais ils
restent inébranlables; on les enprisonne de nouveau et cela dure depuis 4 ans…
E transcrevo da “Grande Enciclopédia Portuguesa
e Brasileira”: Pouco tempo após a tomada de Cambambe, (1604),
principiaram os angolas a atacar os portugueses, e a sua atitude de rebeldia
foi-se sucessivamente transformando no propósito de nos expulsar. (…) Em 1611,
quando assumiu o Governo-Geral de Angola, Bento Banha Cardoso, estava à frente
dos angolas insubmissos um soba de grandes qualidades guerreiras chamado
Quiluangi. A campanha para o aniquilar durou até 1615.
É que não sei separar; o meu desejo é unir, ou
pelo menos aproximar. Acredito que TUDO põe em causa o próprio sistema
universal, pois são inúmeras as correspondências de TUDO com TUDO. O que quero
referir é o espírito das coisas invisíveis, que tanto afinal se afirmam.
África? Europa? Oceânia? E outras e outras civilizações? Como falar de
arte sem falar do homem?
No meio de tudo isto, que importância tem a
minha obra? Tenho dito e redito que amo muito mais a obra dos outros do que a
minha, e daí a colecção que neste momento está exposta na SNBA, de espantar
apenas porque não foi feito com o verdadeiro espírito de coleccionador. Nos
anos que passei em Angola procurei permanecer o menos possível em Luanda,
apesar do seu encanto. Era o “interior” que me atraía e inevitavelmente dessas
longuíssimas e difíceis viagens, resultou também uma “colecção” sem consciência
de coleccionador, para o que me faltava dinheiro e saber. Tratava-se de “viagens
comerciais” e era no pouco tempo livre dessas tristes funções que entrava em
apaixonado contacto com o que ainda restava daquela admirável civilização.
Infelizmente quando do 25 de Abril, para subsistir, tive que vender essas
obras. O que aprendi com elas? O que aprendi a quilómetros e quilómetros da
“civilização”, em batuques que assombravam o próprio luar? E o que aprendi
quando trabalhando numa barragem ouvia o leão que vinha assaltar a capoeira?
Sou eu um primitivo? De facto, a mensagem do Douanier Rousseau ou a do Facteur
Cheval tocam-me profundamente. Julgo que é a ausência desse “primitivismo”, que
falta dramaticamente na sociedade contemporânea.
Volto àquilo que fiz, pois não saberia pôr aqui
TUDO O QUE NÃO FIZ e quereria ter feito. Permaneci em África de 1950 a 1964, de
onde fui “expulso” precipitadamente quando me quiseram DAR um metralhadora, e
incluir-me em milícias.
Ali desenhei, pintei, fiz “Objectos”, escrevi
poesia e expus, sempre como amador, pois nunca me senti impelido para o profissionalismo,
que é a chave deste assustador momento que o mundo atravessa. Amei intensamente
África, tanto as gentes como a sua arte riquíssima até nos pequenos artefactos
de uso diário como os tachos de barro, as cabaças ou as esteiras, que são obras
de arte únicas.
Trata-se de caminhos que vão muito mais longe do
que me é possível, a mim: são caminhos onde podemos encontrar Grunewalde, Goya,
Picasso, Cezanne ou Lam, e eu só faço aquilo que sei – ou seja aquilo que não
sei. Não sei se algo de África estará nalgum dos inúmeros desenhos que fiz, e
logo perdi.
Lembro que quando, regressado de África, as
pessoas que em minha casa viam essas peças mostravam-se indiferentes, ou não se
coibiam de censurar o meu mau gosto. Hoje já há, espalhados pela cidade um
certo número de estabelecimentos comerciais mostrando “arte negra”, que
certamente tem o seu público!
África sofreu brutais contactos com a Europa
através dos séculos – afinal como nós hoje que trocamos a alma por
frigoríficos, automóveis, computadores e as mais diversas maquinetas! A África
foi obrigada a trocar a alma por pequenos espelhos, canivetes e inutilidades,
que lhes eram oferecidas por missionários e comerciantes.
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