segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Agulha Revista de Cultura | Fase II | Número 12 | Editorial


Cultura em desafio - A América Latina que nos falta


Em 2012 a Agulha Revista de Cultura concebeu este projeto, infelizmente não realizado pela ausência de parceiros na área de captação e gestão de recursos. Uma vez que ainda o consideramos como atual e necessário, aqui reproduzimos seu primeiro capítulo, com o espírito de compartilhar ideias que poderiam enriquecer culturalmente nosso país.


Os Editores


ESTRUTURA GERAL E BASE CONCEITUAL | O projeto ora apresentado constitui naturalmente delineamento técnico, formação de pessoal, atuação junto a mercado, além de diversos outros detalhes. Anexos oportunamente darão conta do planejamento e adequação às perspectivas de produção e curadoria. O que interessa a princípio é referir seu campo de ação, de acordo com os tópicos que seguem:

1. Estabelecimento de linha estratégica de diálogos entre produtores culturais nos 20 países que constituem a América Latina em sua configuração ibérica.
2. Estabelecimento de protocolo de permuta de informações sobre história, atualidade e perspectiva dos mecanismos de produção cultural em cada país.
3. Gravação de uma série de programas que permita registro das discussões sobre conquistas e obstáculos das ações de política cultural em cada país, com abertura para a identificação e proposição de políticas comuns.
4. Definição de parcerias junto à TV estatal no Brasil e equivalentes em toda a América Latina, além dos canais abertos ao ambiente cultural em países como Estados Unidos, Espanha e Portugal.

O objeto final do projeto se define pela produção de uma caixa com três DVDs e um libreto, contendo a edição principal da série de gravações, assim como textos informativos e críticos (português, espanhol, inglês) e breve ensaio fotográfico. A edição destina-se, em primeira instância, a facilitar a retransmissão dos programas nas redes de televisão – estatal e privada –, tanto no Brasil quanto em todos os demais países envolvidos. Adentrando os bastidores de sua produção, cabe listar alguns pontos nevrálgicos:

1. Identificar em cada país um representante que possa propiciar intermediação entre meios privados e institucionais de difusão televisiva.
2. Precisar o raio de ação em coberturas televisivas do projeto em si, de maneira que se possa já a partir daí estabelecer relações institucionais entre os países convidados.
3. Definir zonas comuns de interesse em projetos culturais já existentes em cada país, a exemplo de festivais de cinema, dança, teatro, música e incentivos de criação e pesquisa junto a universidades e outros veículos de apoio ao pensamento crítico.

A realização do mesmo envolve um tripé com a seguinte configuração de parceiros:

1. Concepção e regência: Agulha Revista de Cultura.
2. Produção e promoção: a definir.
3. Realização e edição final: a definir.

Como parceiros na área promocional e de expansão em sua difusão, deverá buscar essencialmente uma ampla divulgação do mesmo em todo o território nacional.

A América Latina caracteriza-se essencialmente pela diversidade de aspectos culturais. A própria presença das matrizes coloniais assumiu tons distintos no encontro com a pluralidade da cultura em cada região. Contudo, ao longo da história esses povos, que foram construindo uma biografia repleta de paralelismos, perderam parcialmente o sentido de uma similitude de culturas, o que certamente teria propiciado melhor argumentação dos incansáveis focos de resistência ou assimilação das culturas provenientes de outras partes do planeta que aqui vieram dar. É verdade que a mestiçagem prevaleceu e nos enriqueceu enormemente, porém nos faltou uma riqueza ainda maior, de superação das dificuldades pertinentes a cada cultura em particular, aquela gerada pelo intercâmbio entre as mais variadas formas de apropriação desse múltiplo caldo cultural. Inclusive a feliz interferência que poderia haver provocado a cultura nas relações políticas e econômicas.
O Brasil em inúmeras oportunidades poderia ter representado o papel de catalisador desse processo de sedimentação cultural, criando ambiente para a interlocução indispensável e permanente entre os 20 países que compõem a América Latina, fundados a partir da colonização ibérica. Estrategicamente situados em todo o continente americano, inclusive o Caribe, impressiona hoje que não tenha sido dada a devida atenção a esse mapa afortunado que poderia equivaler e mesmo transpor as conquistas propiciadas pela criação de uma União Europeia. A história costuma cobrar um preço muito alto por esses deslizes estratégicos. Ao mesmo tempo, o homem possui um talento natural para recuperar-se de imperícias de toda ordem.
Uma vez mais a oportunidade se verifica e seduz pela configuração política que se apresenta neste início de século, o que permite a argúcia na proposição de um projeto de arregimentação de diálogos entre as diversas culturas latino-americanas, interlocução esta que abre passo para o fomento de parcerias que tratarão de operar não somente no ambiente cultural, no convívio e consequente enriquecimento de nossas artes, como também em outros planos estratégicos que envolvem o estabelecimento de políticas de ações comuns em áreas como o turismo e a educação.
O enriquecimento crescente da tecnologia digital é hoje um saudável desafio a que institucionalmente a cultura comece a ser percebida como fator menos da área do entretenimento do que seu potencial estratégico permite. É inaceitável que o Estado não tome para si a tarefa de enriquecimento cultural, deixando de ser utilizado como mero patrocinador da produção artística. Neste sentido, o Brasil tem muito a aprender com as diretrizes históricas da política cultural mexicana, por exemplo. Inclusive com seus erros justamente no excesso a patrocínios na área de projetos individuais. A utilização da tecnologia digital permite hoje um planejamento de ações culturais que podem, de forma irrecusável, por uma vez mais em questão a necessidade de estabelecer laços entre os países da América Latina.
O projeto que aqui será apresentado tem intrinsecamente a ver com uma tomada de posição, no que diz respeito, em âmbito continental, a qual diretriz seguir ou qual mecanismo adotar. Ao apresentá-lo sob um título naturalmente provisório e tão assertivo não foi outra a intenção do que pôr em destaque a urgência em definir, mais do que uma meta, a conduta. O que o título apresenta como “Uma América que nos falta”, é um desafio à construção de uma América com que sonhamos, porque não cabe imaginar que brasileiros sonhem com uma Europa, sobretudo dentro de uma leitura que mescla exotismo e subdesenvolvimento, com a qual costumamos ser relacionados. Esta é, portanto, uma oportunidade de composição de um outro padrão de referência cultural em relação à América Latina, uma forma de fortalecer uma coautoria do Continente a partir da cultura.
Até aqui temos o delineamento de princípios que regem uma política cultural destinada a ser vanguarda em momentos decisivos da história nacional, e que agora se vê diante de assumir um papel histórico internacionalista. O presente projeto traz implícito, mais do que apenas sugestão retórica, o apontamento de um marco. Este é o momento de se criar condições para a concretização, através do efeito histórico da primeira pedra lançada, de uma União Latino-Americana. Não resulte no sonhado, nada representará equívoco ou investimento indevido, pois estará dado o grande passo para que a América Latina exista como unidade vigorosa a partir de sua pluralidade cultural.




ÍNDICE DESTA EDIÇÃO

ALCEBÍADES DINIZ MIGUEL | A beleza onírica do abismo (Dolphi Trost e o exílio perpétuo)

CHRISTIAN NÚÑEZ | Los límites del lenguaje: Manuel Iris

CLAUDIO WILLER | A poesia de Roberto Piva e o surrealismo

FLORIANO MARTINS | Surrealismo en América: últimas pistas

GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | La filosofia venezolana y su lugar en la América Latina

HAROLD ALVARADO TENORIO | La poesía de Carlos Drummond de Andrade

HERNÁN ORTEGA-PARADA | Enrique Gómez-Correa y la sobrevivencia del Surrealismo

IBRIELA BIANCA | Roberto Piva, leitor de P.P. Pasolini

LETÍCIA RAIANE DOS SANTOS | A vida como vertigem: aspectos surrealistas em O agressor, de Rosário Fusco, e O anjo, de Jorge de Lima

MARIA DE FÁTIMA NOVAES PIRES | Narrativa historiográfica, narrativa literária - a arte da escrita em João Gumes

[Artista convidado] ZUCA SARDAN | Duas versões do mesmo crime

1. KAZIMIR PIERRE | As espirais mesmerizantes. Passeio pela obra gráfica de Zuca Sardan
2. ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | O cálice emborcado. Tragicomédia sem ato falho











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