Ce fut au surréalisme où j’ai fait mes humanités.
Jacques Prévert
Pouco importa ou exporta: Jacques Prévert é surrealista. Sua poesia transita
pelos mesmos caminhos que os surrealistas seguem: o “umor”, a revolta contra os
que oprimem o ser humano, a exaltação do amor e do sonho que levam à revolução.
Para determinar o encontro de Jacques Prévert com o Surrealismo (depois ele
se encontraria com os surrealistas), podemos marcar três momentos. O primeiro se
dá no fim de 1924 na livraria Les amis du livre, de Adrienne Monnier onde,
além de entrar em contato com a revista La Révolution Surréaliste, a qual
muito lhe impressiona e entusiasma, Prévert tem acesso a uma literatura surrealista
avant la lettre: os Cantos belos e terríveis de Maldoror, do Conde
de Lautréamont, os Campos Magnéticos, de Philippe Soupault e André Breton,
Le mariage du Ciel et de l'Enfer, de William Blake, Le refrain du Décervelage,
do Roi Ubu de Alfred Jarry.
O segundo encontro com o Surrealismo ocorre quando, de um ônibus, pelo fim
do mesmo ano de 1924, Prévert e o pintor Yves Tanguy, que então moravam com Marcel
Duhamel na famosa Rue du Château 54, avistam numa vitrine da galeria Paul Guillaume
em Paris o quadroCerveau d’enfant, de Giorgio de Chirico, o qual lhes mostra
a escritura dos sonhos. De acordo com Yves Courrière, Yves Tanguy sofreu um inpacto
tão grande ao ver essa tela que, ao chegar em casa, destruiu alguns de seus quadros
por considerá-los ingênuos demais.
No início de 1925, Marcel Duhamel conhece Breton e o leva para uma visita
na Rue du Château; Breton fica tão entusiasmado com Prévert, Duhamel e Tanguy que
passa a utilizar a casa como um dos locais de reunião do grupo surrealista.
Durante sua passagem pelo grupo de 1925 a 1929, Prévert não publica nada,
não participa de sessões de hipnose, não relata seus sonhos nem exerce qualquer
tipo de escritura automática. Participa apenas das “pesquisas sobre a sexualidade”,
recolhidas nos “Archives du bureau surreáliste”. Os únicos manifestos que subscreve
voltam-se para a defesa de dois artistas com quem mantém afinidades poéticas. Um
deles é: "Hands off love", publicado na edição de outubro de 1927 da revista
"Révolution Surrealiste", a favor de Charles Chaplin, que era acusado,
judicialmente, de maltratar sua esposa; o outro é "Permettez", no qual
Raymond Queneau protesta contra a inauguração de uma estátua em homenagem a Arthur
Rimbaud.
Ajuda a criar o "cadavre exquis", atividade que consistia em produzir
um texto coletivo em que cada participante continuava um texto, acrescentando uma
parte da frase sem saber o que vinha antes, daí resultando em criações livres de
qualquer associação lógica. No primeiro texto, Prévert escreveu "le cadavre
exquis", em um papel dobrado e o passou a um outro participante que, em segredo,
prosseguiu acrescentando "boira"; um terceiro, nas mesmas condições, concluiu
o jogo e o texto com "le vin nouveau".
Gérard Guillot considera que, graças ao grupo surrealista, Prévert pôde experimentar
coisas novas e entrar em contato com várias modalidades de arte. Nas palavras do
próprio Prévert, o surrealismo era
une rencontre de gens qui n’avaient pas de rendez-vous mais qui sans se ressembler
se rassemblaient. Militaires, religieuses, policières, les grandes superencheries
sacrées les faisaient rire. Leur rire, comme leurs peintures et leurs écrits, était un rire agressivement
salubre et indéniablement contagieux. (Prévert, 1996)
Em 15 de janeiro de 1930, Prévert rompe com Breton, ao participar com seu
primeiro texto “Mort d’un Monsieur, no panfleto “Un cadavre”, que ele e outros 11
dissidentes do Surrealismo dirigem como resposta aos ataques pessoais que Breton
promovera no Segundo Manifesto. Em “Mort d’un Monsieur”, num estilo e num
humor que caracterizarão seus poemas, Prévert começa lamentando o desaparecimento
daquele que o fazia rir: “Hélas, je ne reverrai plus l’illustre Palotin du Monde
Occidental, celui qui me faisait rire! (Prévert, 1996).
Depois, Prévert ataca os relatos de sonhos de Breton, dizendo que um dia
num sonho, após se olhar seriamente (ou seja, sem humor) no espelho, ele se achou
belo. Para Prévert, foi o fim de Breton, que passou a confundir “le désespoir et
le mal de foie, la Bible et les Chants de Maldoror, Dieu et Dieu, […] la Révolution
Russe et la Révolution Surréaliste. (Encore… et toujours la plus scandaleuse du monde) (Prévert, 1996).
Depois de sua ruptura com Breton, Prévert decide fazer “route à part”, sem,
no entanto deixar de se reencontrar com o Surrealismo nem com o próprio Breton,
com o qual se reconcilia em 1937. A partir então de 1930, passa a escrever para
revistas como Biffurs, Documents, Commerce. Em 1932, torna-se dramaturgo do Groupe
Octobre, escrevendo peças teatrais inspiradas em acontecimentos, querendo fazer
a Revolução por meio do teatro. Com o fim do Groupe Octobre em 1936, passa a participar
ativamente como roterista de filmes com diretores como Jean Renoir e Marcel Carné,
com o qual realizou sua obra-prima, Les enfants du Paradis (1945).
Ainda em 1945, lança seu primeiro e mais famoso livro, Paroles, no
qual se dirige violentamente contra as instituições com letras maiúsculas: a Igreja,
a Família, a Propriedade, o Estado. Seguem-se a Paroles: Histoires (1947),
Spectacle (1951), Grand bal du Printemps (1951) Charmes de Londres
(1952), La pluie et le beau temps(1954), Fatras (1966), Imaginaires
(1970), com colagens do autor, e Choses et Autres (1972). Além desses livros,
Prévert escreveu outros a 4 (quatro) mãos com artistas ligados ao Surrealismo como:
Max Ernst (Les chiens ont soif), Picasso (Portraits de Picasso), Miró (Miró e Adonides)
e Georges Ribemont-Dessaignes (Arbres).
De acordo com Bersani, em seus poemas, Prévert realiza a síntese de duas
correntes que atravessam o Surrealismo: as correntes “dos jogos de linguagem” e
“a libertária”. Para Bersani, Prévert é um “poète qui joue des mots, qui sait, comme
le recommandait Breton, leur laisser “faire l’amour” pour mieux engendrer la merveille,
Prévert est aussi et en même temps celui qui se joue des mots pour mieux se jouer
de la société d’exploiteurs et d’oppresseurs qu’il vitupère”.
Por causa de seu humor (subversivo), Prévert figura na Anthologie de l’humour
noir, organizada por André Breton. De Prévert, Breton seleciona “Tentative de
description d’un dîner de têtes à Paris-France”, poema que abre Paroles.
A propósito de Prévert, escreve Breton que “il dispose souverainement du raccourci
(atalho, caminho abreviado) susceptible de nous rendre en un éclair la démarche
(conduta) sensible, rayonnante de l’enfance, et de pourvoir indéfiniment le réservoir
de la révolte”. (Breton, 1998).
Em toda sua obra poética, Prévert empreende a busca surrealista pelo surreal,
com a criação de uma realidade de liberdade, amor, poesia, sonho e revolução. Em
um dos mais belos poemas de Fatras, "La veille au soir", são as
crianças que ao sonhar sopram apagando a vela do vigilante da noite e dos sonhos.
Eis o poema:
La veilleuse du surveillant s'est éteinte
Et le surveillant dans la nuit
S´est éteint aussi
Les enfants en rêvant
Avaient soufflé sur lui. (Prévert, 1996).
S´est éteint aussi
Les enfants en rêvant
Avaient soufflé sur lui. (Prévert, 1996).
Num maravilhoso jogo de palavras, Prévert aproxima semanticamente veille
(vigília, privação do sono à noite), veilleuse (lanterna, vela e também o
feminino de veilleur, guardião da noite) e surveillant (vigilante).
Nesse jogo, imagina-se que um vigilante, um guardião do sono, munido de sua vela
e ao mesmo tempo sua companheira, vigia os sonhos das crianças, para depois puni-las.
Entretanto, estas são mais fortes que os guardiães, e, sonhando, destróem a realidade
que as oprime, apagando – isto é, eliminando seus opressores. Nas palavras de Breton,
no Primeiro Manifesto: “L’esprit qui plonge dans le surréalisme revit avec
exaltation la meilleure part de son enfance. […] C’est peut-être l’enfance qui approche le
plus de la “vraie vie” (Breton, 1986).
No poema “Ministère du ludique-action-publique” (que também dá título a uma
colagem de Prévert), o poeta apresenta um artigo dos direitos universais da criança
(e do ser humano), conforme o qual ela tem total liberdade:
Art. I
L’enfant n’a pas de contrat, il n’a pas signé son acte de naissance. Il est
libre de refuser tôt ou tard l’âge qu’on “lui donne” et d’en choisir un autre, d’en
changer selon ses désirs, comme de le garder le temps qu’il lui plaît. (Prévert, 1996)
Assim, não estaria Prévert realizando o que Breton disse no Primeiro Manifesto:
que os surrealistas deveriam reescrever os direitos do ser humano para libertá-lo
totalmente?
No último poema de Paroles (1946), “Lanterne magique de Picasso”,
Prévert demonstra que sua obra procura a surrealidade, o ponto onde as contradições
deixam de ser percebidas:
Les idées pétrifiées
devant la merveilleuse indifférence
d’un monde passioné
d’un monde retrouvé
d’un monde indiscutable et inexpliqué
d’un monde sans savoir-vivre mais plein de joie de vivre
d’un monde sobre et ivre
d’un monde triste et gai
tendre et cruel
réel et surréel
terrifiant et marrant
nocturne et diurne
solite et insolite
beau comme tout. (Prévert, 1992)
d’un monde passioné
d’un monde retrouvé
d’un monde indiscutable et inexpliqué
d’un monde sans savoir-vivre mais plein de joie de vivre
d’un monde sobre et ivre
d’un monde triste et gai
tendre et cruel
réel et surréel
terrifiant et marrant
nocturne et diurne
solite et insolite
beau comme tout. (Prévert, 1992)
Assim, a busca pela surrealidade continua a ser o ponto de contato entre
aqueles que querem, através da união entre o Amor, a Poesia, o Sonho, o Humor e
a Revolução, transformar o mundo e mudar a vida. Neste mesmo poema, a lanterna mágica
de Picasso ilumina “le visage d’André Breton et de Paul Éluard”.
Nas entrevistas de Breton a André Parinaud, ao ser perguntado se a grande
fonte do Surrealismo nos anos 1920 e 1930 seria o amor, Breton responde: “Oui: indépendamment
du profond désir d’action révolutionnaire qui nous possède, tous les sujets d’exaltation
propres au surréalisme convergent à ce moment vers l’amour”. (138) Para Prévert,
não existem nem cinco ou seis maravilhas, mas apenas uma: o amor. Em outro poema,
Jacques Prévert aproxima amor e revolução por sua cor vermelha:
Rouge, le mot rouge révolution reste rouge
malgré les décorations
et les décolorations,
dissequé et nié le mot amour garde toute sa beauté. (Prévert, 1996)
dissequé et nié le mot amour garde toute sa beauté. (Prévert, 1996)
Rouge (vermelho) é a cor pela qual Breton e Éluard no Dictionnaire abrégé
du surréalisme definem Jacques Prévert: “Celui qui rouge de coeur” .
Para nós, o reencontro com os surrealistas ocorre quando Prévert os convoca
tanto para questionar a linguagem, as instituições, a guerra, quanto para buscar
a surrealidade. Numa entrevista a André Pozner, Prévert revela, ao falar de sua
amizade com Breton, que nunca escreveria sobre (sur) um amigo, mas
sim com (avec), expondo dessa maneira uma poética da criação coletiva,
que se constrói com a ajuda do outro, mesmo que esse outro esteja morto: "Breton,
ou André plutôt, avait tant de choses à dire, on a tant écrit sur lui! On dit toujours ça, écrire sur quelqu'un.
Moi, si j'écrivais, j'écrirais avec lui". (Prévert, 1996). Lembro
aqui o preceito de Lautréamont: A poesia deve ser feita por todos. A seguir, veremos
exemplos de escritura coletiva de Jacques Prévert com Max Ernst, o criador das colagens,
André Breton, Paul Éluard, Phillipe Soupault e Robert Desnos.
Com Max Ernst, Prévert escreve a quatro mãos o livreto Les chiens ont
soif (paródia do título do livro Les Dieux ont soif, de Anatole France),
ilustrado com 27 litografias e 2 águas-fortes de Ernst. No início do texto, Prévert
retoma o sentido que os surrealistas haviam dado à palavra littérature quando lançaram
a Revista Littérature: J’écris au raturant de la plume d’un stylo. Ou seja, em litté-rature
(rasura da letra), Prévert escreve contra a literatura, a letra “oficial”, não escrevendo
num belo estilo.
A Ernst Prévert deve seu gosto pelas colagens. Em Imaginaires, Prévert
dedica a Ernst o poema Roi image du collage: Max Ernst. No título lê-se não Roi
mage (Rei mago) mas Roi image (Rei Imagem). Para compor seu poema, primeiro Prévert
apresenta-nos a definição dicionarizada de colagem, a definição oficial, petrificada,
que não apreende a revolução que a colagem imprime em nosso modo de ver a realidade:
Collages
Collage: Situation d’un homme et d’une femme qui
vivent ensemble sans être mariés.
Papiers collés: Composition faite d’éléments collés sur la toile. (Petit Robert) (Prévert, 1996)
Papiers collés: Composition faite d’éléments collés sur la toile. (Petit Robert) (Prévert, 1996)
Depois, mostra suas definições, até mesmo a de décollage (que em francês
pode-se ler como “descolagem” ou “decolagem”):
Roi image du
collage: Max Ernst
Chiens collés: Châtiment infligé aux chiens n’ayant pas d’âme et vivant en concubinage.
Décollage: Image d’un avion arraché de l’image de l’aéroport (ou aérodrame s’il s’écrase sur le sol).
Image réconfortante s’il s’agit d’un bombardier. (Prévert, 1996)
Chiens collés: Châtiment infligé aux chiens n’ayant pas d’âme et vivant en concubinage.
Décollage: Image d’un avion arraché de l’image de l’aéroport (ou aérodrame s’il s’écrase sur le sol).
Image réconfortante s’il s’agit d’un bombardier. (Prévert, 1996)
De um título de um livro de colagem de Ernst, La
femme 100 têtes, Prévert cria "La femme acéphale", um de seus poemas
que mais questionam a sociedade com seu autoritarismo, seus lugares-comuns. Vejam que Prévert inclui esse livreto em Fatras, seu primeiro livro
que traz colagens de sua autoria. Entendemos que assim Prévert presta uma homenagem
a Ernst, o criador da colagem.
Em Spectacle, Prévert transforma o livro em espaço de convocação coletiva.
Na seçào “Intermède”, além de outros escritores, Prévert convoca, entre outros surrealistas,
André Breton, Paul Éluard, Philippe Soupault e Robert Desnos para escreverem juntos.
De André Breton e Paul Éluard, Prévert cita poemas do livro L’Immaculée Conception
que Breton e Éluard escreveram a quatro mãos, reforçando assim a coletividade
na ação de escrever:
J’ai ma femme avec moi dans mon lit même quand je suis debout.
J’ai scalpé le public. J’ai mis ma verge dans toutes les cheminées le jour de Nöel.
Je signe la paix et je vais porter le buvard aux Invalides. André Breton et Paul Éluard. (In Prévert, 1992)
J’ai scalpé le public. J’ai mis ma verge dans toutes les cheminées le jour de Nöel.
Je signe la paix et je vais porter le buvard aux Invalides. André Breton et Paul Éluard. (In Prévert, 1992)
Com Soupault, Prévert escreve:
Un éléphant dans sa baignoire
Et les trois enfants dormant
Singulière singulière histoire
Histoire du soleil couchant. Philippe Soupault. (In Prévert, 1992)
Et les trois enfants dormant
Singulière singulière histoire
Histoire du soleil couchant. Philippe Soupault. (In Prévert, 1992)
A este poema, Prévert coteja um poema de Minoutte, sua filha, no qual três
gatinhos se banham também numa banheira, a fim de enfatizar o caráter infantil que
deve constar na ação poética.
Trois petits chats dans une baignoire
Tournent la manivelle de satin
Et s’en vont dans les broussailles
Et partir et revenir, et partir et revenir
Et partir et revenir.
Et mangèrent leur déjeuner.
Ton... Ton.... (In Prévert, 1992)
Et s’en vont dans les broussailles
Et partir et revenir, et partir et revenir
Et partir et revenir.
Et mangèrent leur déjeuner.
Ton... Ton.... (In Prévert, 1992)
De Desnos, Prévert apresenta um trecho do poema “Au bout du monde”, da seção
“Les portes battantes”, do livro Fortunes (1942), no qual um desertor parlamenta
com sentinelas que não entendem sua linguagem:
Quelque part dans le monde
Au pied d’un talus (escarpado)
Un déserteur parlemente
Avec des sentinelles
Qui ne comprennent pas son langage. Robert Desnos (In Prévert, 1992)
Au pied d’un talus (escarpado)
Un déserteur parlemente
Avec des sentinelles
Qui ne comprennent pas son langage. Robert Desnos (In Prévert, 1992)
A linguagem da vida, do desertor, não é compreendida por aqueles que falam
a linguagem da guerra, da guerra que matou Desnos. Ao utilizar um poema de uma seção
chamada “as portas que batem”, Prévert retoma uma das imagens que Breton atribui
à poesia surrealista: aquela que deixa as portas sempre batendo, para dentro e para
fora.
Aliás, dentre os surrealistas é com Robert Desnos que a obra de Prévert mantém
maior afinidade. Tanto Prévert quanto Desnos são conhecidos por sua militância política,
sendo que, enquanto o primeiro militava apenas através de sua obra, o segundo participou
ativamente de grupos de resistência, tendo um fim trágico em 1945, durante a Segunda
Guerra. Em suas obras, há partes dedicadas a jogos com palavras, como o “Rrose Selavy”,
de Desnos, e os graffitti, de Prévert. Se Desnos escreveu Trente chantefables
pour des enfants sages, Prévert escreveu, mas não ironicamente, Contes pour
enfants pas sages, uma vez que a simples leitura dessas obras demonstra o respeito
que os poetas tinham por seu público infantil.
Em um depoimento de Michel Leiris a Jean Paul Corsetti, Leiris afirma que
no surrealismo Desnos e Prévert haviam criado juntos um ramo original de poesia
que apresentava uma verve popular, a qual destoava do restante da poesia praticada
pelos surrealistas:
Il était avec Desnos, qu’il ne faut pas oublier, le creáteur de ce rameau
original du surréalisme dont nous parlions tout à l’heure et, en ce sens, il échappait
à la menace de “littératurisme” qui pesait sur le mouvement. […]
En tout cas, Prévert incarnait pour nous une poésie du “merveilleux”, mais
du “merveilleux populaire”. C’est son innovation en tant que surréaliste. (Corsetti, 1991)
Embora, em vida, Desnos nunca tenha escrito nenhum texto com Prévert, consideramos
que, em alguns dos poemas de Prévert dedicados a Desnos, pela magia da criação poética,
podemos ler textos que trazem ao mesmo tempo as marcas desnosianas e as prevertianas. Para nós, no poema “Aujourd’hui”, podemos ver
claramente a presenç dessas marcas. A princípio, para entendermos que o poema se
constitui como uma criação coletiva de Prévert com Desnos, devemos observar que,
além de ser dedicado a Desnos, ele traz uma epígrafe retirada do poema “Aujourd’hui
je me suis promené”, de Desnos, escrito em 1936, mas só publicado em État de
veille em 1942. Eis a epígrafe:
Aujourd’hui je
me suis promené avec mon camarade
Même s’il est mort
Je me suis promené avec mon camarade. Robert Desnos. État de veille, 1936, (Prévert, 1996)
Même s’il est mort
Je me suis promené avec mon camarade. Robert Desnos. État de veille, 1936, (Prévert, 1996)
Em relação ao diálogo entre seu texto e a epígrafe, Prévert dissemina pelo
texto trechos da epígrafe a fim de marcar enfaticamente a presença tanto de Desnos
quanto do poema desnosiano. Logo no primeiro verso de “Aujourd’hui”, Prévert dialoga
diretamente com o poema desnosiano ao utilizar o termo “Aujourd’hui”. Note-se que
nesse poema “Aujourd’hui” entra numa rede de referência tripla. Primeiro, remete
imediatamente ao poema desnosiano. Segundo, refere-se à revista homônima em que
Desnos trabalhou como crítico literário no início dos anos 1940. Terceiro, marca
o momento da enunciação, chamando a atenção para o fato de que, para Prévert, Desnos
continua.
Em seguida ao termo Aujourd’hui Prévert faz seguir lugares e datas
ligados à vida de Desnos, como a Rue Mazarine onde Desnos viveu durante muito tempo
e seu período de militância que começou em 1936 e terminou tragicamente em 1945,
quando Desnos morre contaminado pela febre tifoide.
Depois, Prévert apresenta o segundo verso da epígrafe, porém com a substituição
do termo “mon camarade” pelo nome de Robert Desnos: “je me suis promené avec Robert
Desnos” (PRÉVERT, 1996). Quatro versos depois, Prévert cita o “même s’il est mort”.
Ao retomar o último verso da epígrafe, Prévert também opera uma modificação
acrescentando-lhe na primeira enunciação um “moi aussi” e na segunda, que vêm no
verso seguinte em elipse, substitui o “mon camarade” pelo termo “mon ami”. Na primeira
modificação Prévert nos diz que, além dele, vários outros também passeiam com Desnos,
ou seja, que tal passeio é possível a todos aqueles que entram em contato com a
obra desnosiana e aceitam empreender a caminhada poética. Já na segunda modificação,
Prévert estabelece uma maior intimidade com Desnos, pois o autor de Paroles prefere
o termo “mon ami” ao termo “mon camarade”, uma vez que este termo traz uma
conotação de militância.
Assim, em “Aujourd’hui”, ouvimos dos poemas de Prévert e de Desnos um canto
ao amor, de saudação à amizade. Vemos a exaltação da poesia como uma das formas
de se chegar a esses momentos de confraternização que ultrapassam a vida e a morte.
Termino convocando André Breton e Jacques Prévert. Com Breton cito um trecho
do poema “Hommage-hommage”, contribuição de Prévert para o número especial “Hommage
à Picasso”, da Revista Documents (março de 1930): o surrealista está com “un pied
sur la rive droite, un pied sur la rive gauche et le troisième sur le derrière des
imbéciles”. Com Prévert, rendo uma homenagem aos surrealistas:
ils aimaient la vie. Pour les uns, c’était la
poésie, pour les autres, c’était l’humour, pour d’autres n’importe quoi, mais pour
tous c’était l’amour. En souriant ils envisageaient la mort, mais c’était pour mieux
dévisager la vie. Pour la rendre plus libre, plus belle, plus heureuse même. Beaucoup
d’entre eux ont disparu. Mais grâce à
eux, cette vie réelle, comme leurs rêves, continue. (Prévert, 1966)
2. Palavras
em movimento: jogos de palavras na obra poética de Jacques Prévert
Eclair Antonio
Almeida Filho
Neste artigo, estudaremos os procedimentos que põem a obra prévertiana num
movimento de retorno e renovação. Mostraremos apenas os casos em que Prévert utiliza
figuras de linguagem e procedimentos retóricos de sua poética de modo a “ne pas
faire comme tout le monde” (BERGENS, 1969). São eles:
a) as repetições ditas inúteis, como a batologia, as reticências, os
etc, epanástroles e epanadiploses;
b) os processos anagramáticos;
c) e o emprego de bilingüismos.
Antes de analisarmos a presença e a função de cada
um desses procedimentos em Prévert, devemos ver como a crítica compreende os jogos
de linguagem nos poemas prévertianos.
Segundo Régis Boyer, em seu artigo “Mots et jeux
de mots chez Prévert, Queneau, Boris Vian et Ionesco”, os jogos de palavras, jamais
gratuitos, implicam um sentido segundo, subjacente. Em suas palavras,
En règle générale, il y a jeu de mots quand un sens
second vient se superposer au premier, porte ouverte aux allusions perfides, à la
satire, à l’ironie, à l’absurde ou tout simplement à la bonne humeur. En ce sens,
un jeu de mots est rarement gratuit: il tient avant tout de l’ironie parce que,
comme elle, il est chargé de faire entendre plus qu’il ne dit expressément (1968).
De acordo com Jacques Bersani et alli, em seus poemas,
Prévert realizaria a síntese de duas correntes que atravessam o Surrealismo: as
correntes “dos jogos de linguagem” e “a libertária”. Para Bersani, Prévert é um
poète qui joue des mots, qui sait, comme le recommandait
Breton, leur laisser “faire l’amour” pour mieux engendrer la merveille, Prévert
est aussi et en même temps celui qui se joue des mots pour mieux se jouer de la
société d’exploiteurs et d’oppresseurs qu’il vitupère”. (1995)
Vários pesquisadores dos jogos de linguagem na obra
prévertiana apontam para a renovação e inovação que Prévert aplica em suas construções
verbais. Para Andrée Bergens, em seu livro Prévert, a obra prévertiana surpreende
pela inovação verbal, pelo detalhe inesperado e pela apresentação irreverente, renovando
ininterruptamente a atenção e o interesse do leitor:
En dépit de la variété des sujets qui s’offrent à
lui, on est étonné du petit nombre de thèmes qu’il traite et fait constamment revenir
dans ses poèmes. C’est par l’invention verbale, le détail inattendu qui surprend,
la présentation irrévencieuse qu’il renouvelle sans cesse l’interêt du lecteur.(1969)
Para Roger Bordier, em seu artigo “Esquisses pour
le portrait d’un meneur”, as construções verbais de Prévert são sem equivalentes.
Conforme Bordier, Prévert soube dar ao trocadilho (calembour) e aos jogos de palavras
um tom que não existia até então:
ces constructions verbales [qui] demeurent sans équivalent.
Le calembour, qui n’est certes pas une nouveauté mais auquel il sut donner un ton
et un sens qui n’existaient pas jusqu’alors. (1991)
Por sua vez, Vittorio Sereni, em seu artigo “La vocation
de la joie”, aponta os mecanismos que tornam as construções verbais prévertianas
tão singulares. Citem-se entre eles: o emprego natural da gíria, jogos de palavras
e duplos sentidos, os quais criam um efeito de desagregação e dissociação:
Il est facile d’en vérifier les mécanismes: emploi
tout à fait naturel de l’argot (mais l’argot a-t-il une vertu poétique?), phrases
à tiroirs, jeux de mots et doubles sens. L’effet de désagrégation, de dissociation, implicitement
polémique – au sens où la poésie est en soi une attitude critique – est incontestable. (1991)
Acrescente-se que, neste efeito de desagregação e
dissociação, Prévert opera uma nova associação de sons, idéias e palavras.
Conforme Pierre Parlebas, em seu artigo “Synthème dans Paroles de
Prévert”, Parlebas observa que Prévert inverte, revira termos e expressõesfigés,
provoca os sons e as palavras de maneira a, inicialmente, deformá-los, desintegrá-los
para depois reformá-los. De acordo com Parlebas, o ataque que Prévert empreende
à tradição literária é tal que muitas vezes se hesita em nomear “poemas” os textos
prévertianos:
Les termes et les expressions sont retournés sur
le gril. Prévert s’attaque aux mots et aux sons; il les provoque, les entrechoque,
les déforme, les transforme, les reforme. Une telle refonte du langage dans un creuset
souvent irrévérencieux ne va pas sans heurter quelque peu la tradition littéraire:
on hésite souvent à nommer “poèmes” les textes prévertiens. (PARLEBAS, 1976)
De acordo com Bersanni et alli, entre as várias formas
pelas quais a poesia prévertiana transita, ela soube encontrar na canção seu melhor meio
de expressão:
poésie qui a su trouver dans la chanson, parmi une
infinie variété de formes (contes, inventaires, charades, monologues, saynètes)
son moyen d’expression – et de diffusion – privilégié. (1995)
Para Andrée Bergens, o estilo de Prévert corresponde
ao da canção, com suas retomadas de palavras, frases e refrões, sendo sua estrutura
de repetição a melhor maneira de enfatizar algo que se tem a dizer:
D’ailleurs, le style de Prévert correspond assez
à celui de la chanson qui, avec ses redites de mots, de phrases, de refrains, est
proche du parlé; et la répétition est un des procédés favoris de notre auteur qui, lorsqu’il a quelque chose à
dire, n’hésite pas à le répéter haut et souvent. (1969)
No entanto, Bergens considera apenas a relação interna
que a canção mantém com os poemas prévertianos. Por nossa vez, entendemos que Prévert
expande esta relação canção-poemas para toda a sua poética. Assim, como numa partitura,
ecos sonoros, refrões, frases musicais, ritornelos podem perpassar vários poemas
na obra prévertiana.
A seguir, veremos como o poeta trabalha em seus poemas
a repetição nas formas da batologia, etcs
e reticências, de maneira a mostrar o que seria mesmo redundante. Tais recursos
situam a repetição na poética prévertiana do movimento, porém implicando um retorno
com renovação. Em seu livro Estudo analítico do poema, na parte
em que estuda a rima, Antonio Candido observa que a redundância é um recurso muito
usado na poesia moderna:
Além da rima, há outras homofonias, como a repetição de palavras, de frases
e de idéias que se chama Redundância - recurso muito usado na nossa poesia moderna. (2004)
Em seu artigo “Poésie et redondance”, Jean Cohen estuda as relações entre
redundância e discurso poético. Para ele, há na língua uma regra tácita conforme
a qual, depois de se ter, por exemplo, escrito “Racine”, se é obrigado de escrever
duas linhas depois em seu lugar “o autor de Fedra”, de tal modo que o escritor deve
evitar repetições. (1976)
Diz Cohen que a redundância é mais tolerada na poesia (em verso) que na prosa:
Le vers (versus), est par sa essence un retour,
“un discours répétant totalement ou partiellement la même figure phonique”. Cette
récurrence systématique viole, on vient de le voir, une loi du langage au niveau
du signifiant. Mais le phènomène a également
un aspect positif, constituant le second temps de ce mécanisme à deux temps qu’est
le processus de poétisation. Quel est cet aspect? Le fait est que l’homophonie soit
proscrite par la prose, même lorsqu’elle vise au “bien écrire”, montre l’inanité
de toute conception “esthétique” du vers, qui tendrait à faire de l’homophonie une
“euphonie”. En fait, dans le langage, tout signifie. (1976)
Para Cohen, a redundância é o próprio mecanismo da poesia. Em suas palavras:
Mais la répétition proprement dite, malgré sa fréquence, reste un phénomène
marginal. Ce que cette analyse cherche à démontrer, c’est que la redondance est
la loi constitutive du discours poétique. Ce qui veut dire que la cohérence du poème
est obtenue au niveau de la synonymie pathétique, ou équivalence des pathèmes de
termes noétiquement différents. (1976)
De acordo com o crítico, há 3 (três) tipos de redundância: do signo, do significante,
do significado. (1976)
A redundância do signo seria “la répétition
proprement dite, qui peut aller du mot à la strophe”. Cohen dá como exemplo um verso
de Verlaine em que a palavra “triste” é repetida 2 (duas vezes).
Ó triste, triste
était mon âme
À cause, à cause d’une femme (Verlaine).
À cause, à cause d’une femme (Verlaine).
Haveria “tautologia” toda vez em que os “termes répétés sont le sujet et
le prédicat d’une proposition”, ou seja A é A.
A redundância do significante pode ser total ou parcial. Quando a redundância
é total, há homonímia, a qual Cohen define como “identité des signifiants et différence
des signifiés”. Ex: “il tombe dans la seconde tombe”. (PRÉVERT, OC I, 1992). No
caso da redundância parcial, envolvem-se os traços prosódicos constitutivos do verso:
tais como a rima, a aliteração, o metro, etc. (1976)
A redundância do significado também pode se apresentar de maneira total ou partial. A total é representada pela
sinonímia, definida “comme l’identité des signifiés et la différence des signifiants”.
(1976)
A parcial apresenta-se na forma da figura conhecida como pleonasmo, que consiste
em que “l’un des sèmes du mot est repris sous forme d’un autre mot”. Exemplo: subir
para cima. Salienta Cohen que, embora proibido, não há nenhuma lei que explique
porque não se usar o pleonasmo.
La redondance n’informe pas mais elle exprime et c’est pourquoi tout langage
émotionnel tend à prendre la forme répétitive, qu’il s’agisse de l’émotion poétique,
ordinaire ou religieuse. (1976)
Embora aponte observações pertinentes em relação à redundância na poesia,
Cohen mostra ter uma percepção restrita ao opor “poesia” e “prosa”. Num poeta como
Prévert que não distingue gêneros artísticos, tal separação não funciona.
Em Prévert seria melhor dizer que há uma aparência de redundância. Muitas vezes em seus poemas, Prévert usa como recurso
poético a repetição de uma palavra em diferentes
sentidos. Ao analisar seu conceito de pun (trocadilho) em Prévert, Anne Hyde
Greet, autora de Prévert’s word games, considera que na obra prévertiana há
repetition of a single word in different senses,
or even tighter yoking effected by a word that suggests another word entirely: that
is the pun. (1968)
Para tal, Prévert utiliza-se de relações sonoros
como “rhyme and alliteration, assonances”. Concorrem para a realização de um pun,
de acordo com Greet, em Prévert “Homonyms, homophones and paronomasia”, os quais “are based on accidental resemblances” a fim de
produzir efeitos ou de seriedade ou de zombaria (1968).
De acordo com
Dante Tringali, em sua Introdução à Retórica, o trocadilho (ou calembur,
do francês calembour), é “um jogo espirituoso de palavras para se fazer efeito”
(1988), e se consegue por diferentes caminhos
baseia-se em 3 (três) procedimentos
retóricos, a saber: a paronomásia, a antanáclase (ou diáfora) e a reunião de sílabas.
Para Roberto de Oliveira Brandão, 3 (três) figuras produzem efeito de sentido a
partir da repetição de um mesmo vocábulo. São elas:
a parelha (silepse, na classificação
de Fontanier, ou seja, “utilização da mesma palavra em sentido próprio e em sentido
figurado”), a antimétabole (“repetição de uma palavra ou de sinônimos, formando
uma simetria”), a antanáclase (“repetição da mesma palavra, estabelecendo-se
uma relação paradoxal”). (1989).
No poema “Midi certitude butée”, dedicada a Jean-Claude Lévy, Prévert emprega
os homófonos “cerf” (cervo), que o Senhor caça, e “serfs” (servos), que o Senhor
comanda, para não deixar dúvidas de que Lévy está sempre do lado deles. É como se
tanto “cerf” como “serf” fossem caçados e
comandados pelo Senhor:
La voix radieuse du soleil ne s’accorde pas avec les voix impénétrables du
Seigneur, et quand le Seigneur chasse à courre, Jean Claude Lévy est toujours du
côté du cerf, du côté des serfs, du côté de la vie. (PRÉVERT, OC II, 1996)
No poema “Suivez le guide”, de Fatras, para
que ninguém siga o guia, o mestre, Prévert promove um quiproquó com as formas homófonas
e homógrafas de “suis”, que em francês tanto pode ser a primeira pessoa do singular
do presente dos verbos “être” e “suivre”:
LE GUIDE
Suivez le guide!
UN TOURISTE
Je suis le guide.
SON CHIEN
Je suis mon maître.
UNE JOLIE FEMME
Je suis le guide. Donc je ne suis pas une femme,
puisque je suis un homme.
LE TOURISTE
Je suis cette jolie femme.
SON CHIEN
Et moi aussi, je suis cette femme, puisque je
suis mon maître.
LE GUIDE
Suivez le guide. Moi, je ne suis pas le guide,
puisque je suis le guide.
LE TOURISTE
Je voudrais bien savoir qui est cette jolie femme
que je suis.
SON CHIEN
Je ne suis pas mon maître, puisque je suis mon
maître et que cela m’ennuie.
LA JOLIE FEMME
Je suis le guide, je suis la foule, je suis un régime,
je suis la mode, je ne suis plus un enfant.
Oh!J’en ai assez! Je ne suis
plus personne.
Elle disparaît.
LE GUIDE
Oh! J’en ai assez! Je démissione.
Il disparaît.
LE TOURISTE
Oh! Je ne suis plus le guide, je ne suis plus
un homme, je ne suis plus une femme, je ne suis plus rien.
Il disparaît.
LE CHIEN
Enfin! Je ne suis plus mon maître, donc je suis mon maître
et je ne visiterai pas les châteaux de la Loire!
Para Prévert, não seguir o guia implica não repetir o que ele diz e não fazer
o que ele manda.
Quanto às transformações que Prévert opera no uso
de figuras de linguagem, é interessante citar o artigo de Michel Collot, “Le vers
dans Paroles”. Nele, Collot aponta para as transformações que Prévert imprime
em certas figuras de repetição, tais como anadiploses, anáforas, paralelismos. Para
Collot, o que chama atenção é a maneira como Prévert emprega tais figuras, de maneira
a que não haja repetição, mas sim transformação:
Encore faut-il préciser que, chez Prévert, la reprise
n’est jamais une pure et simple redite; elle s’accompagne d’un déplacement formel
ou sémantique. (2004)
Pode-se citar como exemplo o seguinte diálogo do poema Diurnes, de
Fatras:
URBI
Sans doute, je suis celui qui peut être.
TORBI
Peut-être, je suis celui qui s’en doute.
Nesse diálogo, utilizando a epanástrofe (repetiçãona
frase seguinte as mesmas palavras da frase anterior mas em ordem inversa) com os
significantes “/sâ/ /dut/ e / /pøtetr”, Prévert faz-nos passar da certeza
à dúvida. Enqaunto, na fala de Urbi, esses dois significantes remetem a “sem dúvida”
e “pode ser”, na de Torbi remetem a “talvez” e “se duvida disso”. Prévert renova
os sentidos repetindo os sons, mas não as classes gramaticais, escapando assim a
uma simples repetição.
Já na primeira página de Paroles, pode-se
encontrar um jogo de palavras baseado na repetição do verbo “croire” de maneira
que ele possa ter ao mesmo tempo seus sentidos de certeza e de dúvida:
Ceux qui croient croire.
Em “Théologales”, de Spectacle, Prévert faz
acompanhar de um comentário este mesmo jogo diafórico. Para fazê-lo, Prévert o põe
na boca de um ábade, um representante da fé, o qual não pode(ria) ter dúvida:
L’abbé, entre
ses dents
Tss… Tss… (hochant la tête) Je crois en Dieu… Je
crois qu’il va pleuvoir… C’est agaçant… Tss… Tss… le même mot pour affirmer la certitude et le doute.
Em “Performances”, de Imaginaires, Prévert relaciona a extensão do
tempo marcado por uma ampulheta (sablier) com a extensão de um areal de praia
(sablier) contra o qual se corre. Tal relação se realiza por contaminação
semântica. No primeiro verso: “Sur une plage déserte un homme court contre le sablier,
mais la plage n’en finit pas”, criamos em nossa mente a imagem de um homem que corre
contra o areal de uma praia interminável. No entanto, ao lermos o segundo verso
“L’homme a tout le temps devant lui, mais tout le temps c’est si loin. (PRÉVERT,
OC II, 1996)”, ao notarmos que o poeta fala do tempo que está diante dele, percebemos
que o areal (sablier) torna-se ampulheta
(sablier) por contaminação semântica. Para
o poeta, o tempo é algo que só conseguimos ver ao longe, sendo inalcançável.
Ao analisar o poema “L’amiral”, de Paroles,
Michael Collot considera que Préver joga com as homofonias da língua francesa à
sa manière. De acordo com o estudioso:
alors que la rime a traditionnellement pour fonction
de marquer les frontières du vers et/ou de la strophe, de fixer la signification
en la retrempant dans la répétition des sonorités, le jeu prévertien sur les homophones
efface les limites du mot, du syntagme ou du vers, au profit de l’équivoque ou de
l’inversion du sens. (2004)
Em geral, Prévert ora usa a batologia para evidenciar
o discurso repetitivo e morto da Igreja, do Estado, da Sociedade, ora usa as reticências
ou os etc. para dizer que já se conhece o que se irá dizer mesmo antes de ele ser
dito. De acordo com o Dicionário Eletrônico Aurélio, a batologia é a “repetição
inútil de uma palavra, frase ou pensamento”. Parece que a “repetição inútil” é necessária
para afirmar ou a identidade ou o poder de uma autoridade constituída. Citem-se
como exemplos as diversas aparições de “vieux vieillards”, provavelmente militares:
Le temps des vieux vieillard est fini.
[…]
Nous étouffons dans le brouillard
Dans le brouillard des vieux vieillards.
Dans le brouillard des vieux vieillards.
[…]
Sur la Place de la Muette
J’ai vu un vieux vieillard.
J’ai vu un vieux vieillard.
Le vieux vieillard de la chanson traverse la place
en faisant des moulinets avec sa canne.
Em Prévert, apenas a repetição “inútil” daria aos
atos dos representantes da Igreja, do Poder ou do Exército algum sentido, o qual
se tornaria ao mesmo tempo desnecessário pela redundância. Assim, por exemplo, o
papa deve fazer um gesto com sua mão de papa: Le pape fait avec sa main de pape
un geste.
No poema “Les anneaux de Saturnes”, de Imaginaires, um rei, figura autoritária
e vitalícia, fica feliz como um rei:
En raison des services rendus, Saturne permit à Janus
de convoler avec lui-même en justes noces sans être contraint de se demander sa
main et le roi fut heureux comme un roi mais sans plus et même beaucoup moins que
les témoins amoureux qui, à eux deux, ne faisaient qu’un.
Annales de la complexité
Chapitre II, “Le voici l’anneau si doux”.
Para também marcar as repetições ditas “inúteis”,
Prévert se utiliza de recursos como as reticências e os etc. No Dicionário eletrônico
Aurélio, “reticências”, além de significar os 3 (três) ou mais pontos que indicam
interrrupção do pensamento, podem ser uma
omissão intencional de coisa que se devia ou podia
dizer, mas apenas se sugere, ou que, em certos casos, indica insinuação, segunda
intenção, emoção. Ex.: & [Sin.: pontos
de reticência, pontos de suspensão e (fam.) pontinhos, três-pontinhos. Cf. reticencias,
do v. reticenciar.]
De acordo com Dante Tringali, as reticências e os
etc, além de interromper o que se dizia, deixam para o leitor a tarefa de imaginar
o resto:
RETICÊNCIA – interrompe-se repentinamente o que se
dizia, para que o leitor imagine o resto. É, pois, uma frase inacabada de propósito,
uma parte fica elíptica. (1988)
Na língua francesa, as reticências tomam o nome de
“points de suspensions” (pontos de suspensão). Conforme o Petit Larousse,
o ponto de suspensão pode indicar uma interrupção por conveniência, emoção ou reticência:
Points de suspension: signe de ponctuation (.) indiquant
que l'énoncé est interrompu pour une raison quelconque (convenance, émotion, réticence,
etc.).
Acrescente-se que as reticências podem servir para
apresentar o fim de um pensamento ou de uma história, deixando subentedido o que
teria vindo antes. Em geral, as reticências são seguidas das conjunção aditiva et.
Citemos como exemplo os seguintes poemas de Prévert em que as reticências deixam
pistas para um jogo autotextual na obra prévertiana:
…et le verbe s’est fait cher, et il a quêté parmi
nous.
É o final, porém em prosa, do poema “Avant la lettre”:
Avant la lettre
il y avait le mot
avant le mot le son
En même temps la musique
et puis le verbe s’est
fait cher et il a quêté
parmi nous
il y avait le mot
avant le mot le son
En même temps la musique
et puis le verbe s’est
fait cher et il a quêté
parmi nous
O trecho que Prévert atribui a um “Napoléon bon apôtre”:
…du peuple français que j’ai tant aimé
bem poderia fazer parte das “primeiras e últimas
palavras de um grande homem”, de Spectacle:
Pipi… caca… maman… papa… tombé sur la tête… Napoléon bobo…
Soldats, du haut de ces pierres humides Vingt mille lieues sous les Mers vous
contemplent.
Je viens comme Thémistocle…
Je désire que mes cendres reposent auprès du peuple français que j’ai tant aimé.
Soldats, du haut de ces pierres humides Vingt mille lieues sous les Mers vous
contemplent.
Je viens comme Thémistocle…
Je désire que mes cendres reposent auprès du peuple français que j’ai tant aimé.
Geralmente, em Prévert, as reticências vêm acompanhadas
de etc. Em “Les paris stupides”, poema de Paroles, as reticências
e os etc. servem para dizer quais são as apostas estúpidas de Blaise Pascal:
Un certain Blaise Pascal
.... etc.... etc.....
.... etc.... etc.....
Para Pierre Parlebas, os pontos de suspensão (…)
criam uma relação entre Prévert e seus leitores, levando-os a contribuir para completar
o enunciado ou mesmo preencher aquele “vazio”:
Les points de suspension sont révélateurs: il
est inutile d’ajouter ce qui est évident; ce serait pure redondance. […] Le lecteur est donc sollicité; il n’est pas que
récepteur passif: l’auteur le met à contribution en lui suggérant de compléter son
énoncé. Il se crée une sorte de connivence entre Prévert et le lecteur, connivence
qui s’articule autour d’une communauté de culture. (1976)
Vê-se, pois, que os pontos de suspensão, ao invés de suspender um discurso,
o continuam.
Para estudarmos os processos anagramáticos [1]
em Prévert, baseamo-nos em 2 (dois) importantes trabalhos sobre o anagrama e os
processos anagramáticos. São eles: a tese “Processos anagramáticos em Jacques Prévert.
Uma poética da recri(e)ação”, de Maria Thereza Redig de Campos Barrocas, defendida
em 1990, na UFRJ, e o artigo “Postérité littéraire des Anagrammes”, de Jan
Baetens, publicado na Revista “Poétique” n. 66. Ambos os trabalhos partem dos estudos
sobre anagramas empreendidos por Ferdinand de Saussure.
Em sua tese, Thereza Barrocas percebe que o procedimento
anagramático poderia se estender, além do nível da palavra, para os níveis do sintagma
e do discurso. No entanto, nota a estudiosa que ela não poderia aplicar o termo
“anagrama” aos processos de decomposição-recomposição utilizados por Prévert, uma
vez que, conforme o conselho de vários linguistas, o termo “anagrama” tem “um sentido bem preciso
que designa um tipo de desconstrução/reconstrução ao nível da palavra” (1990). Assim,
Barrocas optou por criar o termo “processos anagramáticos” Depois de inúmeras consultas
e pesquisas chegamos à conclusão de que não havia um termo lingüístico para designar,
em todos os níveis, esses processos” (1990). Para Barrocas, o nível do sintagma
é o mais utilizado (1990), sendo baseado na homonímia (1990).
Por nossa vez, também consideramos pertinente o uso do termo “processos anagramáticos” para
os casos em que Prévert decompõe para recompor sintagmas, palavras e discursos,
porém não de um modo tão abrangente quanto o que propõe a pesquisadora. Em nosso
enfoque, os processos anagramáticos constituem uma modalidade de procedimento a
serviço de sua poética do movimento.
De certo modo, Barrocas ajuda a traçar uma relação
de analogia entre os processos anagramáticos e a escritura prévertiana de movimento.
Em sua análise, a estudiosa distingue em Prévert poemas “a favor” e poemas “contra”.
Os primeiros tratam da natureza, do amor, das crianças e da liberdade, ao passo
que os segundos atacam a guerra, a submissão pela religião, o ódio, o capital, conforme se lê:
“De um lado, estariam os poemas da Liberdade e da
Natureza: do amor, dos animais, dos clochards, da ruas de Paris, de tudo
o que foge à regra. [...] Em oposição, estão os poemas contra o sistema, a Cultura
– se são contra o campo de cima estão a favor do campo de baixo. O campo é o mesmo,
mas a posição é outra: a primeira é de defesa, a segunda é de ataque. Ataque contra
o exército, a guerra, a polícia, a Igreja, a Escola, a Crítica e j’en passe”. (1990)
Nota a estudiosa que os processos anagramáticos aparecem
com maior freqüência nos poemas “contra”, nos quais eles têm como função desconstruir,
descongelar. Conforme Barrocas:
“Ora a anagramatização supõe uma desmitificação desses
‘mitos’ burgueses, através da quebra de associações previsíveis e estereotipadas,
de clichês, de lugares-comuns supostamente eternos e naturais. E essa recriação
se faz por meio de um jogo que desmonta, modifica (insere na história) e, por ser
jogo, contraria, por sua gratuidade e desperdício, a ideologia burguesa da seriedade,
da troca e do lucro.” (1990)
Em seu artigo, Jan Baetens chama a atenção para a
fragilidade teórica da noção de “palavra-tema” (mot-thème) empregada por Ferdinand
de Saussurre. Segundo Baetens, uma questão que preocupava Saussure (e que o levou
a abandonar seus estudos sobre o anagrama) era a do limite da palavra-tema: seria
o anagrama uma propriedade textual ou uma quimera do leitor? (BAETENS, 1985). Para
Baetens, o problema estaria em que num texto longo é possível encontrar qualquer
combinação de palavras, uma vez que numa língua formam-se palavras com um pequeno
número de letras e fonemas. Assim, o estatuto do anagrama seria indecidível. Esta
dispersão de elementos fônicos de uma palavra-tema ficaria restrito a textos pequenos.
Em relação aos limites espaciais da palavra-tema,
afirma Barrocas que:
“no caso do anagrama, o espaço limitado torna menos
possível o efeito do acaso. Mas, com o paragrama, logo que se ultrapassam dez linhas,
o cálculo das probabilidades nos diz que, numa tal massa fônica, e tendo em vista
o número restrito de fonemas de uma língua, torna-se cada vez mais fácil encontrar
qualquer hipograma.
[…] Para Saussure, o importante era provar que a
presença da palavra-tema era intencional por parte do autor.” (1990)
Pode-se citar como exemplo de palavra-tema em Prévert
um seqüência do poema “Fastueuses épaves…”, de La pluie et le beau temps.
Neste poema, todo um verso se constrói a partir da palavra-tema “sommeille”. Desta
palavra, extrai-se a seqüência “sommeille sous l’oeil seul du soleil” (PRÉVERT,
OC I, 1992). De “sommeille” chega-se a “soleil” , passando-se por “l’oeil seul”,
que se forma da decomposição sonora e silábica de “soleil”. O mesmo jogo entre “soleil”
e “seul oeil” retorna num poema que Prévert dedica ao fotógrafo Robert Doisneau:
La vie vue à l’oeil nu
à l’oeil neuf
le seul oeil
le soleil
de connivence avec la nuit.
à l’oeil neuf
le seul oeil
le soleil
de connivence avec la nuit.
De acordo com Thereza Barrocas, diferentemente da
noção tradicional de anagrama como transformação gráfica de uma palavra e/ou de
uma frase em outros palavras ou frases ao longo de um texto, para Saussure, pode-se
fazer a distinção entre “anagrama” (ou anagrama perfeito), como a recombinação de
todos os elementos de uma palavra ou de uma frase, e a “anafonia”, em que a transformação
se dá no nível sonoro. Saussure empregava a palavra anagrama para
“designar a forma combinatória perfeita, em que todos
os elementos do hipograma são reutilizados; enquanto que Anafonia designa não –
como parece – um anagrama oral, e sim uma forma imperfeita em que os fonemas encontrados
não são exatamente os da palavra-tema, só mantendo com eles uma relação de semelhança
fônica imperfeita, e não de identidade.” (BARROCAS, 1990)
Assim como a homonímia e a paronomásia, deve-se acrescentar
como procedimentos de anafonia a metátese e a contrepèterie, ambos baseados
em deslocamentos de letras ou sílabas.
Como exemplo de anagrama perfeito em Prévert, podemos
citar 2 (dois), a saber: o poema “LA SAGESSE OU LES POUX DANS LA TÊTE”, e “Économie
Militaire”, de Choses et autres. O primeiro poema é formado de 2 (dois) versos com uma palavra cada.
No primeiro verso lê-se “Minerve” (a deusa da Guerra), no segundo lê-se Vermine
(verme). Na leitura anagramática, passa-se da Guerra aos vermes nos corpos dos mortos:
Minerve
Vermine
Vermine
Note-se que, para criar um anagrama perfeito, Prévert
manteve as mesmas letras de Minerve em Vermine, alterando a formação
das sílabas que compõem Minerve, mantendo apenas a sílaba mi. Assim,
o r de ner de Miverne passa para a sílaba ver de Vermine.
Já em “Économie
Militaire”:
Couteaux généreux supprimant les généraux coûteux
por meio de metátese entre os fonemas finais “eaux”
e “eux” das palavras “couteaux” e “généreux”, Prévert forma os sintagmas: “généraux
coûteux”. Ou seja, à base “Cout” e “Génér” acrescenta os fonemas “eaux” e “eux”.
Quando se dá a inversão no poema, Prévert também inverte a posição das bases e dos
fonemas.
Como exemplo de anafonia, cite-se o poema “Sceaux
d’hommes égaux morts”, de La pluie et le beau temps. Neste poema, embora
o poeta não escreva as palavras Sodome e Gommorre, pode-se ouvi-las nos seguimentos
“Sceaux d’hommes égaux morts” e “Seaux d’eau mégots morts”. No poema, o título “Sceaux
d’hommes égaux morts” reaparece como “Seaux d’eau mégots morts”, como se se tentasse
escapar a uma censura:
Seaux d’eau
Mégots morts
Deux corps sous les décombres
dans l’ombre du décor.
Mégots morts
Deux corps sous les décombres
dans l’ombre du décor.
Nos 2 (dois) versos finais do poema, os corpos de
2 (dois) fuzilados (deux corps) sob os escombros (sous les décombres) passam a fazer parte anagramaticamente da sombra
do cenário (l’ombre du décor)
Deux corps sous les décombres
dans l’ombre du décor.
dans l’ombre du décor.
Com um mínimo de recursos (palavras) o poeta obtém
um máximo de efeito. Neste poema, Prévert, por meio do anagrama poético, transpõe
2 (duas) regras fundamentais da palavra humana: a do laço codificado entre o significante
e o significado, e a do linearidade dos significantes.
Ao termo “palavra-tema” Baetens prefere “Infratexto”
(infratexte), criado por Jean-Pierre Vidal. O infratexto, que engloba “anagramas,
plágios, estereótipos e procedimentos à la Raymond Roussel” seria um segundo texto,
um outro texto:
autre texte (occulte et occulté) sous le texte, lieux
communs ou formules (au sens algébrique ou chimique) le “chiffrant”, l’accompagnant,
le relançant, le désignant. Sous le texte, mais non hors le texte, transcrit en le texte par des équivalents,
travaillant selon le mode de sa disparition.(1985)
Para Baetens,
a pertinência do anagrama como funcionamento textual é “le fruit d’une construction
lectorale, d’une lecture qui récrit le texte (1985).
No poema “OÙ CELA NOUS MÈNE ou OÙ CELA NOUMÈNE”, as várias possibilidades
de se ler o infratexto já se apresentam desde o título. Prévert joga com 2 (duas)
seqüências homófonas, porém com sentidos diferentes. Para o poeta, importa saber
onde o númeno (a coisa-em-si kantiana) nos leva. O poema também apresenta 2 (duas)
possibilidades de leitura, uma gráfica e outra gráfico-sonora. Na possibilidade
gráfica, lê-se:
Cette cravate est un objet en soie mais
sur moi comme sur toi ou sur vous
elle se noue.
sur moi comme sur toi ou sur vous
elle se noue.
Por sua vez, na possibilidade gráfico-sonora, pode-se ler:
Cette cravate est un objet en soi mais
sur moi comme sur toi ou sur vous
elle c’est nous.
sur moi comme sur toi ou sur vous
elle c’est nous.
Este jogo com “soie/soi” também aparece em “Opéra Tonique”, dedicado a Isidore
Ducasse, numa reescritura sonora do verso “Ó Poulpe, au regard de soie”, do primeiro
canto de Maldoror, porém com “soi” no lugar de “soie”:
Poulpe au regard de soi, l'homme-pieuvre dans
la glace
apparaît et ses tentacules roses, blêmes et frémissants,
font des signes de croix endiablés.
apparaît et ses tentacules roses, blêmes et frémissants,
font des signes de croix endiablés.
A escrita anagramática é dotada de um poder de evocação considerável. No seu artigo “Sete
proposições sobre o sétimo anjo”, sobre Jean-Pierre Brisset, Foucault afirma que
sob as palavras da língua francesa há frases,
fragmentos de discursos, que ecoariam num murmúrio infinito:
“As palavras são fragmentos de discursos traçados
por elas mesmas, modalidades de enunciados imobilizados e reduzidos ao neutro. Antes
das palavras, havia as frases: antes do vocabulário, havia os enunciados; antes
das sílabas e da organização elementar dos sons, havia o infinito murmúrio de tudo
o que se dizia.
[…] De forma
que sob as palavras de nossa língua atual frases se fazem ouvir – pronunciadas com
essas mesmas ou quase – por homens que ainda não existiam e que falavam do seu futuro
nascimento.” (2001)
Nos versos finais do poema “Romancero Miró”, do livro
Miró, a partir dos sons das sílibas “é-lé-men-taire” da expressão figé
“C’est élémentaire” (é elementar), Prévert ouve a frase “Elle l’aime en terre”.
O significante “terre” “puxa” os outros 3 (três) elementos da natureza: “air” (ar),
“feu” (fogo) e “eau” (água”:
Miró aime la vie
La vie aime Miró
La vie aime l’amour
C’est élémentaire
Oui elle l’aime en l’air
Oui elle l’aime en feu
Oui elle l’aime en l’eau
Oui elle l’aime en terre
Élémentairement.
La vie aime Miró
La vie aime l’amour
C’est élémentaire
Oui elle l’aime en l’air
Oui elle l’aime en feu
Oui elle l’aime en l’eau
Oui elle l’aime en terre
Élémentairement.
No poema “ET QUE FAITES-VOUS, ROSETTE, LE DIMANCHE
MATIN?”, de La pluie et le beau temps, percebe-se o mesmo poder de evocação
da escrita anagramática. A partir da decomposição silábica da palavra “Concupiscence”, proferida no
poema por um pregador (sermonneur), Prévert
se reporta a outras 5 (cinco) palavras:
Concupiscence
Quel beau mot disait le sermonneur
et qui évoque tant de choses
Quel beau mot disait le sermonneur
et qui évoque tant de choses
le mot conque […]
le mot huppe […]
le mot Is […]
le mot Hans […]
D’ailleurs le mot anse évoque aussi l’anse du panier
qu’autrefois les petites bonnes n’hésitaient pas à faire
danser et même (petit rire libre et primesautier) […]
le mot huppe […]
le mot Is […]
le mot Hans […]
D’ailleurs le mot anse évoque aussi l’anse du panier
qu’autrefois les petites bonnes n’hésitaient pas à faire
danser et même (petit rire libre et primesautier) […]
No mesmo poema, o poeta transforma a sílaba-palavra
con em palavra-tema dos últimos 8
(oito) versos:
Con-cu-pis-cence
Il parla aussi d’autre chose
Nous conseillant d’aller à confesse
Pour éviter le concubinage
Et nous apprit qu’on appelait autrefois concuré
Le prêtre exerçant la charge de curé
Concurrement avec d’autres abbés.
Nous conseillant d’aller à confesse
Pour éviter le concubinage
Et nous apprit qu’on appelait autrefois concuré
Le prêtre exerçant la charge de curé
Concurrement avec d’autres abbés.
de maneira que estas palavras fiquem contaminadas
pelo sentido de con. Em relação ainda a con, vê-se, em Prévert, que
esta palavra está ligada à “conscience”, ou melhor à “conscience tranquille”. Prévert
transforma em seus poemas “conscience” em “science des cons:
La conscience d’aujourd’hui c’est la science des
cons instruits.
Et cette conscience redeviendra encore pour un temps
Science des cons.
[…]
Et cette conscience redeviendra encore pour un temps
Science des cons.
[…]
Quando vous citez un texte con, si c’est indispensable,
n’oubliez pas le contexte.
Para Herbert Marcuse, a arte, a verdadeira arte,
seria uma “contraconsciência: a negação do pensamento realístico-conformista” (1981).
Vê-se, em Prévert, o mesmo processo desconstrutor-reconstrutor
com con na expressão “Société de consommation” (sociedade de consumo). No
poema “TROPHÉES ET PERTES”, de Choses et autres, Prévert a transforma em
“société de cons et de sommations”:
Saciété des notions
Société des nations
Et de détonations
Société de cons
Et de sommations
Société des nations
Et de détonations
Société de cons
Et de sommations
Num jogo anagramático, Prévert gosta de aproximar
rêve (e) de vrai (e), a fim
de o sonho seja verdadeiro. Para fazer esta aproximação, se Prévert parte da palavra
vrai (e), ele divide vrai (e) em 2 (duas) sílabas: o seguimento rai(e),
que soa como /ré/, passa a ser grafado “rê”, enquanto o “v” transforma-se em “ve”,
que soa como /v’/. Temos assim “rêve”. Mas se ele parte de rêve, ele inverte
as sílabas “rê” e “ve”, mantendo o som /v’/ de “ve”, e transforma graficamente o
“rê” em “rai (e)”. Temos assim “vrai(e)”.
A seguir citaremos 4 (quatro) poemas em que Prévert
torna o sonho verdadeiro. No poema “1917”, do livro Miró, Prévert afirma
que a liberdade dos sonhos (rêves) de Miró
era verdadeira (vraie)
et la liberté de ses rêves (de Miró)
était vraie à en crier.
était vraie à en crier.
No poema “La fleur”, de Choses et autres,
Prévert diz que uma flor “ancienne toute neuve” é verdadeira como sonho:
La fleur ancienne
toute neuve […]
vraie comme un rêve
toute neuve […]
vraie comme un rêve
No poema “Smig-smag”, Prévert declara que apenas “ils” (aqueles que oprimem, como os “Ceux” com
maiúsculas do “Dîner de têtes”) não podem (não são capazes de) sonhar verdadeiramente:
Ils n’ont pas de quoi rêver vraiment.
Lui aussi était vrai
Ce rêve quand je l’ai fait.
Lui aussi était vrai
Ce rêve quand je l’ai fait.
Por meio de um jogo anagramático, pode-se saber, por exemplo, a que palavra
Prévert se referiria. Em “L’amour”, de Choses et autres, Prévert apresenta
o “amour” como “éternité étreinte” (eternidade abraçada fortemente). Note-se que
“étreinte” é um anagrama perfeito de “éternité”.
L’amour
Éternité étreinte.
Anna Gram.
Éternité étreinte.
Anna Gram.
O jogo anagramático é tão perceptível que Prévert atribui tal poema justamente
a “Anna Gram”. Ao se ler o verso “Furtive étreinte de l’éternité” (PRÉVERT, OC II,
1996), do poema “La cinquième saison”, de Fatras, pode-se inferir que o poeta
vai se referir ao amor:
Furtive étreinte
de l’éternité
Coup de foudre
L’éclair déshabille l’amour
Coup de foudre
L’éclair déshabille l’amour
Vê-se, pois, que Prévert não se limita a utilizar
um jogo anagramático apenas num poema, preferindo, por sua vez, inseri-lo numa rede
autotextual, em que se pode ler um poema juntamente com outro.
Um belo exemplo da força de movimento que os processos
anagramáticos representam é o poema “RENCART DES MOMIES”, de Le jour des temps. Por meio de uma epanástrofe à la Prévert (ou seja,
com modificação gráfica, sonora e semântica), o “rencart des momies” (encontro das
múmias) transforma-se em “mot mis au rencard” (palavras postas em inatividade).
Rencart des momies
Mots mis au rencard
Mots mis au rencard
Note-se que Prévert emprega aleatoriamente as 2 (duas)
grafias de rencard, ou seria rancard ou rencart?. Entre as palavras postas em inatividade
por Prévert, citem-se
Le mot coeur moqueur
Le mot tête moqué
Le mot nu mental
Mot-mot révolté
Le mot tête moqué
Le mot nu mental
Mot-mot révolté
Vê-se que Prévert joga paronomásticamente com as
palavras. O “mot coeur” (a palavra coração), ao se repetir, transforma-se em seu
homófono “moqueur” (zombeteiro). A combinação
sintagmática “mot nu mental” soa como “monumental”;
lembre-se aqui o mesmo jogo em
Le monde mental
Ment
Monumentalement
Ment
Monumentalement
Em “mot-mot révolté”, de acordo com uma nota da Pléiade,
Prévert ter-se-ia referido à revolta dos Mau-Mau (que em francês soa como “mot-mot”)
do Quênia contra os colonos ingleses entre 1952 e 1956 (PRÉVERT, OC II, 1996).
À medida que se vai lendo as palavras “mises au rencard”,
pode-se perceber que Prévert as vai liberando de um sentido mumificado. No poema,
a palavra “viscéral”, que, conforme o Petit Robert, pode significar, além de relativo
às vísceras,
- Profond, intime, inconscient (opposé à réfléchi).
"Ces profondeurs viscérales
de l'être humain" (Aymé). Une haine viscérale, irraisonnée. Avoir une peur viscérale des araignées -
é enfim liberada:
Le mot viscéral
Enfin libéré
Plus bas que la ceinture
Plus haut que la sainteté
Enfin libéré
Plus bas que la ceinture
Plus haut que la sainteté
As palavras vão além da moral, da santidade. Os versos
Plus bas que la ceinture
Plus haut que la sainteté
Plus haut que la sainteté
remetem ao poema “Les images des Milles et une
nuits”, de Imaginaires, em que Prévert cita um texto de Alfred Jarry
em que o criador do termo “patafísica” explica o domínio das “morais da história”.
De acordo com Jarry:
“et peut-être même n’y a-t-il de
morales que les histoires qui traitent des choses situées au-dessous de la ceinture”
(PRÉVERT, OC II, 1996).
Nos versos finais, Prévert se refere à “Femme” (mulher)
palavra nua verdadeira (mot vrai) que se opõe a palavra “nu mental”; e à “Fleur”
(flor), a palavra movida alegre ou “lírio-do-vale” (muguet).
Femme le mot nu vrai
Fleur
Le mot mû gai
Fleur
Le mot mû gai
A palavra “muguet” ou “mû gai” simboliza não só os jogos de palavras em Prévert
como também sua poética. A seguir, analisaremos o fenômeno do bilingüismo em Prévert
como uma maneira de cruzar as barreiras lingüísticas.
Há na língua francesa há três níveis possíveis, a
saber: os níveis semântico, sintático e fonológico. Tudo aquilo que violar um ou
outro ou o conjunto destes 3 (três) componentes é, em princípio, agramatical. Em
Prévert, pode-se perceber que o poeta tende a misturar, em alguns de seus poemas,
palavras de língua inglesa e francesa, de modo que elas, mesmo numa tradução, se
remetam sem cessar.
Em "MESSE MÉDIA", de Imaginaires,
as palavras francesas do título se travestem sonoramente nas palavras inglesas que
designam a mídia de massa: “mass media”. Eis o poema
Mass for the massacre of Mass.
Nesta aproximação, o poeta condensa no significante
(mess) os sentidos de “missa” em francês e inglês e de “massa” em inglês. Com os
sentidos de “mass” como “missa” e “massa”, a sua leitura torna-se indecidível. A
simples troca de um sentido por outro altera bruscamente a significação no poema
prevertiano. Vê-se que, além da ambiguidade semântica e fonológica bilíngue de “mass”,
o poeta aproveita-se da ambiguidade da preposição inglesa “for”, que pode significar
“para” e “a favor”, “pró”. A seguir, apresentamos
as 8 (oito) possibilidades de leitura deste poema:
Missa pelo (a favor do) massacre da massa.
Massa pelo (a favor do) massacre da missa.
Massa pelo (a favor do) massacre da massa.
Missa pelo (a favor do) massacre da missa.
Massa para o massacre da missa.
Massa para o massacre da massa.
Missa para o massacre da missa.
Missa para o massacre da massa.
Massa pelo (a favor do) massacre da missa.
Massa pelo (a favor do) massacre da massa.
Missa pelo (a favor do) massacre da missa.
Massa para o massacre da missa.
Massa para o massacre da massa.
Missa para o massacre da missa.
Missa para o massacre da massa.
No poema “La grasse matinée”, de Paroles,
a passagem da expressão francesa “café-crème” para a expressão inglesa “café-cream”,
que em francês soa como café-crime, precede
justamente o anúncio de um crime:
L’homme titube
Et dans l’intérieur de sa tête
Un brouillard de mots
Un brouillard de mots
Sardines à manger
Oeuf dur café crème
Café arrosé rhum
Café-crème
Café-crème
Café-crime (cream) arrosé sang!…
Un homme très estimé dans son quartier
A été égorgé en plein jour.
Et dans l’intérieur de sa tête
Un brouillard de mots
Un brouillard de mots
Sardines à manger
Oeuf dur café crème
Café arrosé rhum
Café-crème
Café-crème
Café-crime (cream) arrosé sang!…
Un homme très estimé dans son quartier
A été égorgé en plein jour.
De acordo com Marina Yaguello, é justamente “a violação
as regras da sintaxe e da semântica que dá origem à poesia, isto é, a um desvio
em relação à normalidade cultural e social. A competência tanto comporta o respeito
pelas regras como a aptidão para as violar” (1997). Romper com a gramática é questionar a função de
comunicação baseada sobre a norma, o consenso social que funda a língua.
O biligüismo chama a atenção para a realidade lingüística.
O que nos faz aceitar ou rejeitar uma seqüência como sendo uma mistura de línguas?
O maior poema (em extensão) bilíngue de Prévert é “Chant Song”, de Spectacle,
escrito em forma enumerativa com palavras francesas e inglesas. Nele, Prévert exige
de seu leitor um conhecimento tanto da língua francesa quanto da inglesa. Eis o
poema na íntegra:
Moon lune
chant song rivière river garden rêveur petite house little maison
Chant song
chant song bleu song et oiseau bleu blood song and bird oiseau bleu song red song chant song chant song |
Moon lune
chant song rivière rêveur garden river rêve dream mer sea
thank you
moon lune thank you mer sea
Moon lune
chant song rivière river garden rêveur children enfant mer sea time temps |
Chant song
chant song blue song et oiseau bleu blood sang and bird oiseau blue song red sang
Oh girl fille
oh yes je t’aime oh oui love you oh girl fille oh flower girl je t’aime tant
Oh girl fille
oh oui love you |
Oh flower girl
children enfant oh yes je t’aime je t’aime tant t’aime tant t’aime tant time temps time temps time temps time temps et tant et tant et tant et tant et tant
et temps.
|
A princípio, pode-se notar desde o título que o poeta
joga na combinação franco-inglesa “Chant song” com a sonoridade da palavra francesa
chanson. Veja-se que o sintagma bilíngue enfatiza a presença do som (son)
no canto (chant). De uma tradução do francês para o inglês, Prévert retorna para
a língua francesa.
Na primeira estrofe do poema alternam-se irregularmente
palavras francesas com palavras inglesas e vice-versa. Nem sempre ao termo francês
corresponde uma tradução para o inglês, de maneira que o poeta quebra a expectativa
numa constante remissão da língua francesa para a língua inglesa. Cite-se por exemplo
Garden rêveur
Petite house
Little maison
Petite house
Little maison
Garden (jardim) não significa em francês rêveur (sonhador).
Em “Petite house” e “little maison”, o poeta chama a atenção para um cruzamento
das línguas, que se pode visualizar no poema.
Em “Chant song”, as palavras,embora tenham sentidos
diferentes, podem se aproximar ora pelo sentido, ora pela sonoridade, como nos exemplos
a seguir. Prévert aproxima pela sonoridade “Blood” de “bleu” (azul) (sangue). “Blood”
se traduz em francês por “sang”, que é homófono de “song” em inglês, o qual por
sua vez remete pelo sentido a “chant”. Vale lembrar que, em outros 2 (dois) outros
poemas, Prévert havia feito a aproximação entre “son” “song” “sang”: no título de
um poema de Paroles “Chanson dans le sang” (PRÉVERT, OC I, 1992), e nos seguintes
versos do poema “Chanson pour Labisse”:
La chanson de Samson
Dans le son il y a du sang
Dans le sang il y a du son.
Dans le son il y a du sang
Dans le sang il y a du son.
A combinação bilíngue “mer sea” pode remeter à expressão
inglesa “thank you”. Note-se que o poeta não escreve o cumprimento francês “merci”,
homófono de “mer sea”, mas o sugere fonicamente.
Ao dizer “sim eu te amo”, o poeta mistura o “yes”
(sim) com a expressão francesa “je t’aime”. Na repetição da expressão, mas com a
inserção do advérbio “tant” (tanto), homófono em francês de “temps” (tempo), pode-se
observar que tanto o sintagma “t’aime” pode remeter à pronúncia da palavra inglesa
“time” [taime], quanto o advérbio “tant” pode remeter a “temps”, e por sua vez a “time”, originando assim
a seguinte seqüência:
oh yes je t’aime
Je t’aime tant
t’aime tant
t’aime tant
time temps
time temps
time temps
time temps
et tant et tant
et tant et tant
et tant
et temps.
Je t’aime tant
t’aime tant
t’aime tant
time temps
time temps
time temps
time temps
et tant et tant
et tant et tant
et tant
et temps.
Em “Quand Sir Jack l’Éventreur”, de Charmes de
Londres¸ao se referir a inúmeras edições do jornal inglês “Times” (tempos),
Prévert emprega o sintagma “tant”: “Tant de Times” (PRÉVERT, OC I, 1992).
Por essa aproximação, o leitor pode ouvir uma remissão à palavra que significa “tempo”
em inglês e em francês.
Assim, o poeta remete sem cessar seu leitor de uma
língua à outra, criando uma rede de sentidos e sonoridades bilíngues, cruzando “linguistic barriers” (GREET, 1968). Assim, mesmo ao traduzir, tentando repetir
uma palavra de uma língua em outra, Prévert opera uma transformação de significado.
Para terminar este artigo sobre as palavras em movimento, citaremos a seguir
o poema “Silence de vie” para mostrar que o movimento continua mesmo no silêncio
do poema e da vida:
Je ne veux rien apprendre
Je ne veux rien comprendre
ni retenir
De morte voix
Je ne veux plus entendre
ce vacarme sourd et muet
de phrases et de chiffres
de nombres et d’idées
Depuis longtemps déjà
et même en se taisant
la vie chante avec moi
quelque chose de beau
Je n’entends pas votre langage
Je refuse un autre cerveau
dit l’enfant
L’enfant sauvage
Je ne veux rien comprendre
ni retenir
De morte voix
Je ne veux plus entendre
ce vacarme sourd et muet
de phrases et de chiffres
de nombres et d’idées
Depuis longtemps déjà
et même en se taisant
la vie chante avec moi
quelque chose de beau
Je n’entends pas votre langage
Je refuse un autre cerveau
dit l’enfant
L’enfant sauvage
NOTA
1. Termo criado
por Maria Thereza Barrocas em sua tese de Doutorado “Processos anagramáticos em
Jacques Prévert. Uma poética da recri(e)ação”, defendida na UFRJ em 1990.
Eclair Antonio Almeida Filho (Brasil, 1974). Ensaísta
e notável pesquisador da obra de Jacques Prévert. Contato: eclairfilho@yahoo.com.br. Página ilustrada com obras
de Iván Tovar (República Dominicana). Ensaio 1:
Agulha Revista de Cultura # 43. Janeiro de 2005. Ensaio 2: Agulha
Revista de Cultura # 47. Setembro de 2005.
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