quinta-feira, 28 de abril de 2016

EDITORIAIS | Fevereiro e Abril de 2001


Editorial ARC # 9 - Fevereiro de 2001

Um dos pontos nevrálgicos da Internet é que ainda não aprendemos a utilizar corretamente essa maravilha tecnológica. A violência dos disseminadores de vírus disputa espaço com o não menos violento balcão de vendas, ambos ladeados por uma voracidade informativa que contribui mais para o afastamento do que para a assimilação de um instrumento novo de informação.
Em meio a tudo isso, há uma tendência natural a generalizar e apressadamente julgar criminoso o SPAM. A todo momento somos atormentados pela informação, havendo um excesso que já não nos dá mais a condição de avaliar sobre seu real valor. Se pensarmos em espaços urbanos invadidos pela propaganda (paredes, roupas, transportes, encartados de jornais, papeletas distribuídas no trânsito, postagem de autocolantes de farmácias e restaurantes etc.), mais a real invasão da privacidade que são as televendas, concluiremos que o SPAM é apenas um modo a mais dessa violência, cuja rejeição em isolado reflete, quando menos, incoerência.
A todo momento somos cúmplices desse estado de letargia em que nos encontramos, cujo reflexo é uma já automatizada capacidade de apenas recriminar, jamais detendo-se no motivo da recriminação ou mesmo assumindo o compromisso de reverter o quadro.
A rejeição ao SPAM, antes de sua discussão, antes da compreensão de sua raiz, equivalência e efeitos, afirma um estado degradante de uma sociedade que não possui mais convicção alguma acerca de seus valores, e que se deixa manipular por estatutos expressamente vinculados à indústria da propaganda.
Não haverá como entender as ações humanas senão correlacionando valor intrínseco e circunstância. Em recente entrevista à Veja Vida Digital (dezembro de 2000), Umberto Eco salienta que "uma boa quantidade de informação é benéfica e o excesso pode ser péssimo, porque não se consegue encará-lo e escolher o que presta". Em muitos casos a rejeição ao SPAM vem justificada pela interferência em nossa privacidade. A invasão de privacidade é pautada pela curiosidade de informação (registros telefônicos, utilização de cartões de crédito, assinaturas de revistas). É preciso compreendê-la como efeito, cuja causa é nossa ansiedade irreflexa.
O decantado mundo bem melhor de todas as campanhas também possui valor intrínseco e circunstância. O mesmo se aplica em relação a tudo quanto toma nossas vidas de assalto, ao longo dos dias, quase imperceptivelmente. Esse SPAM por um mundo melhor não nos permite pensar por nós mesmos acerca de suas origens e efeitos. Não resta dúvida de que a Internet seja um instrumento a mais de irradiação de um equívoco. Mas, como todos os demais, pode vir a ser o inverso.
Na mesma linha de irreflexão, provedores se manifestam contrários ao SPAM. Sobrevivem através de anúncios, e exigem participações em distintas empresas virtuais, incluindo as revistas de cultura. Praticam-no, sob outra orientação, ao mesmo tempo em que são contra. Anunciam a si mesmos - ferindo assim o Código do Consumidor por eles evocado -, mas proíbem seus filiados de tal recurso.
Em outra passagem da sua entrevista, Umberto Eco observa: "Não acredito que a humanidade toda vá usar a rede. Isso vai acabar criando novas formas de divisão de classes." Não se pode pensar nisto como algo surpreendente. Trata-se de uma inclinação natural da espécie humana. O mundo segue dividido entre ricos e pobres. O interessante de se mencionar é que a classe supostamente pensante seja justamente a mais manipulável pelo sistema.
Quando serei suficientemente pobre para começar a pensar? Quando serei suficientemente rico para deixar de pensar? Imaginemos um mundo deflagrado por essa conjunção. Tanto SPAM e não saltamos fora da elite! A Internet segue sendo uma igreja com suas restrições sociais (com sua Liga Anti-SPAM equivalendo à Liga das Senhoras Católicas dos anos 60).
Antes de toda rejeição, a discussão ampla. A Internet tenderá ao usufruto de campanhas políticas no interior do país, como no caso do rádio, ou à disseminação de uma mediocridade risível como no caso da televisão? Agulha Revista de Cultura propõe aqui um fórum relacionado ao tema: SPAM. Nada de preconceito. Precisamos discuti-lo abertamente. E conclamamos provedores, editores de sites, observadores de plantão etc., para que possamos agir um pouco mais à vontade no tocante ao que fazemos e anunciamos: uma revista de cultura.


Editorial ARC # 11 - Abril de 2001

Até que ponto informação e lazer se confundem, embaralhando valores entre si? A preocupação vem do fato de que a informática não teria cumprido uma de suas premissas: a de concentrar melhor o tempo destinado ao trabalho, ampliando assim as condições de acesso a lazer. Em primeiro lugar, em uma escala institucional a informática é ainda algo incipiente, se pensarmos no caso brasileiro, que nos servirá de exemplo no decorrer deste editorial. Pesquisas em sites de busca tendem a ser frustrantes quando se trata de assuntos ligados a política, economia e cultura, ou seja, quando buscamos informações acerca de temas brasileiros, informações que tenham sido disponibilizadas por instituições brasileiras.
O lazer invade então, neste caso específico, o espaço da informação, e um lazer de baixa referência, pautado sobretudo por sites-empórios de autoajuda, correntes de felicidade, anúncios de pseudo-santidade, protestos antiglobalização, campanhas inócuas etc. Aqui mesmo, na editoria de Agulha Revista de Cultura, somos visitados por ofertas inúmeras do comércio das almas esvaídas, ao passo que nada nos chega das raras instituições públicas brasileiras ligadas à cultura, ainda que sejam seus endereços, e não os demais referidos, a constarem de nosso mailing.
Como então separar lazer e informação em um país que confunde cultura com evento e tem rebaixado a índices alarmantes as ofertas de informação em torno daqueles temas essenciais à constituição de uma sociedade, sobretudo quando se costuma dar ênfase ao estado democrático em que supostamente vivemos? Temos insistido na tecla: como conciliar democracia com voto obrigatório e a promíscua proliferação de emendas à constituição?
Recentemente uma rebelião em diversos presídios brasileiros surpreendeu pela congeminação de esforços e a simultaneidade de informações trocadas entre os presos. Os chamados criminosos comuns, a escória do país, como a eles se referem duas outras instâncias aproximadas, a imprensa e a classe política, se mostraram mais integrados entre si do que nossos artistas, por exemplo, que costumam considerar-se marginalizados.
Aqui se embaralham conceitos, valores, graus de consciência e entram em campo os diversos componentes da manipulação desses mesmos itens. Qual desempenho poderia ter a informática em um país onde a concentração de rendas permite uma vida melhor ao contraventor de qualquer regra social? Celulares entram e saem com facilidade nos presídios enquanto que os filhos da classe média rasuram páginas de livros adotados que são verdadeiros implantes de erradicação da leitura, sem falar nos filhos da grande miséria com sua dieta de balas de escopeta.
Dizer que vivemos em um estado retaliador onde apenas 2% da população tem acesso à informação é já um lugar-comum, de nada adiantando manter informado esse percentual, uma vez que possui uma consciência evasiva, beirando o autismo, viciado no dogma dose não é comigo, não existe. O ponto é saber até quando suportarão o desequilíbrio os 98% da outra margem.
Diante de tudo isto, perde um pouco o sentido falar em distinções entre lazer e informação? O leitor nos dirá. O importante é saber que não servirá de nada o resmungo sem que ao mesmo corresponda uma ação no sentido reversivo do objeto da reclamação. Uma revista de cultura cumpre seu papel ao apresentar ao eventual leitor um leque de componentes culturais que sugiram, quando menos, novas perspectivas de leitura. Este mínimo aporte é também o que se espera das instituições brasileiras ligadas à cultura.
Temos que entender que o problema da distribuição de rendas está interligado ao da distribuição de informação. O leitor contribui com suas cartas, a difusão entre amigos, sobretudo com a conversa estabelecida entre os seus, ou seja, o mínimo espaço sendo preenchido até ganhar mais corpo e aderência. Governos não caem simplesmente. Ao sabor dos ventos só se pode chegar a um lugar impreciso.



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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado | Valdir Rocha
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

S1 | PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
S2 | VIAGENS DO SURREALISMO
S3 | O RIO DA MEMÓRIA

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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